quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

O filme Chico Buarque é uma preciosidade

O filme Chico Buarque um artista brasileiro é uma obra singular e provocadora, particularmente importante dentro do momento vivido pelo Brasil. Diante de uma crise econômica sem precedentes, com as acusações de corrupção atingindo figuras representativas da república é um grande alento ouvir depoimentos otimistas e positivos sobre o Brasil. Há particularmente um momento muito positivo sobre a forma que nos auto-avaliamos como brasileiros, como um país de mau gosto e brega, sempre envolto por uma sensação de baixa auto-estima. Há no brasileiro de maneira geral uma certa filia pelo estrangeiro, que se remete ao velho pré-conceito de "complexo vira-latas" já citado por Nelson Rodrigues.

Uma certa incapacidade de se auto-celebrar, que em certos aspectos considero uma brilhante atitude frente aos riscos de totalitarismos e outros posicionamentos coletivos, que sempre nos rondam nos tempos modernos. Num momento do filme, Chico comenta sobre a bossa nova e sua falta de nostalgia com relação àqueles tempos, reafirmando um compromisso seu com o contemporâneo, reconhecendo a melhoria geral do povo e do país. Num outro momento ele menciona literalmente a vergonha de ser brasileiro, todos acham que o país é brega, e querem pegar um avião e viajar. O problema, com uma certa ironia esclarecedora, é que também viajar de avião passou a ser brega, pois foi ampliado esse direito para amplas camadas da população brasileira, tornando as viagens internacionais também bregas.

Há também um outro documentário, onde surge um depoimento do Tom Jobim, no qual esse músico declara de maneira também simplificada do seu valor a partir do fato da utilização da língua portuguesa nas suas músicas. Um fato tão simples e corriqueiro, que chega a criar um certo estranhamento. Chico é ao fim um cantor de um país inteiro

Enfim são filmes maravilhosos, que nos revelam um pouco desse fenômeno tão misterioso que é ser brasileiro. O trailer abaixo é uma amostra desse belo documento, assim como o outro documentário mencionado. Vale a pena assisti-los...

https://www.youtube.com/watch?v=tmX0SU_4hU4

https://www.youtube.com/watch?v=YaGl1aFtqFw

domingo, 27 de dezembro de 2015

A cidade do Rio de Janeiro precisa de sombra urbana; árvores

A sequência de mapas mostra o armazenamento
de calor na cidade metropolitana nos anos 1980,
90 e 2000
A cidade do Rio de Janeiro possui uma luminosidade ímpar, a incidência de raios solares no verão carioca assume proporções altíssimas, determinando que superfícies suscetíveis a absorção de calor mantenham sua carga térmica alta mesmo depois de terminada a fonte da radiação solar. Em muitas superfícies da cidade constatamos a manutenção de altas temperaturas, que não se mostram capazes de dissipar todo o calor armazenado, mesmo após o periodo de uma noite inteira. A recorrência de um fenômeno climático típico do verão começa a se manifestar em amplas áreas da mancha urbana, denominado de ilhas de calor. As ilhas de calor são determinadas pela manutenção de altas temperaturas, mesmo depois dos horários de pico da irradiação solar (de 10:00 as 16:00 do dia), em comparação com áreas adjacentes mais sombreadas.

Em sua tese de doutorado, defendida em 2012, o geógrafo Andrews Lucena, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), estudou a evolução da ilha de calor da região metropolitana entre as décadas de 1980 e 2000. Sua conclusão: a região metropolitana do Rio de Janeiro não apenas é, em média, 7°C mais quente do que seus arredores, como o fenômeno acentua-se cada vez mais, sobretudo nas áreas pouco arborizadas e distantes dos maciços florestais que a cidade possui (vide mapas ao lado). Há efetivamente na cidade do Rio de Janeiro, trechos onde a presença da arborização urbana determina diferenças de temperatura substanciais. Por exemplo, na Rua Almirante Alexandrino no bairro de Santa Teresa e na mesma rua no trecho da Floresta da Tijuca, ou na rua Gomes Freire bem arborizada e a rua do Lavradio carente de sombra no bairro da Lapa, as diferenças chegam a 3 ou 4 graus centígrados.

Nesse ambiente a produção de sombra é de suma importância, principalmente nos espaço públicos,
como ruas, praças, largos e parques, para evitar que os materiais de revestimento recebam essa imensa carga térmica. O projeto de arborização da cidade deve ter um cuidado especial, procurando produzir contínuos sombreados, que evitem a incidência direta de raios solares sobre a materialidade da cidade, possibilitando um caminhar confortável nos diversos horários. Por isso, também é fundamental adequar as redes de fios e cabos aéreos a presença da arborização, sendo o ideal que ela seja enterrada para não prejudicar o desenvolvimento das árvores.

Praça Mauá, em frente ao Museu do Amanhã
Infelizmente essa não tem sido a preocupação de recentes espaços inaugurados na cidade, como o conjunto constituído pela Praça Mauá, o Pier Mauá e o Museu do Amanhã, que insistem num modelo de projeto no qual se identifica a competição entre edificação e arborização. As nomeadas praças secas, tão características da península ibérica (Espanha e Portugal) não se adequam ao clima tropical do Rio de Janeiro, determinando uma espacialidade inóspida, árida e ao final vazia. Enquanto nas duas laterais do Museu do Amanhã e na frente do Museu de Arte do Rio (MAR) se identifica uma arborização ainda incipiente pelo tamanho, mas adequada no seu espaçamento. Na frente do Museu do Amanhã se retoma a ideia de visualização do objeto arquitetônico sem a interferência da arborização, o que acaba por gerar um espaço árido.

Me parece, mais uma vez, que há uma idealização colonizada fora do lugar, querendo impor padrões de pensamento que não se adequam aos valores de uso efetivo. O Rio de Janeiro permanece querendo reproduzir modelos estrangeiros, sem assumir seu caráter particular e único...

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

O museu da língua portuguesa em São Paulo

Incêndio destruiu o Museu da Língua Portuguesa em 21 de
dezembro de 2015
"A arquitetura é o antônimo da destruição." Essa frase foi postada pelo presidente do IAB-SP - José Armênio - nas redes sociais, no dia 21 de dezembro de 2015, ao saber do incêndio no Museu da Língua Portuguesa, instalado na antiga Gare da Luz no centro da cidade de São Paulo. Sem dúvida a frase expressa de forma contundente, aquilo que as pessoas entendem como o fenômeno da arquitetura.

O grande arquiteto norte maericano Loui I. Kahn falava que a arquitetura era a expressão mais acabada da institucionalidade, que abrigava. Numa divergência aparente com o funcionalismo, Khan expressava assim a capacidade da edificação de resistir ao uso inicial e assumir uma dimensão simbólica maior, que supera sempre a primeira destinação imediata. No Museu da Língua Portuguesa, ainda funciona a Gare de trens, não mais a conexão da cidade de São Paulo com o vasto território do seu estado, mas com as localidades e municípios adjacentes, pois nele chegam os trens urbanos da CPTM.

Esse fato presente na atual Gare da Luz, a reunião de uma Estação de Trens com um Museu, fez desse programa quase um paradoxo instigante, a aproximação da pressa alienada das multidões urbanas voltando para as periferias e o debate aprofundado dos usos revolucionários, corriqueiros e repetidos da nossa Língua Portuguesa. Ou o exato oposto, a consciência do cotidiano alienante das grandes massas em movimento, em contraposição ao uso mecânico e burocrático da língua. Enfim, essa reunião programática da Estação da Luz, muito além de ser apenas o antônimo da destruição, abria também uma imensa possibilidade de desenvolvimentos futuros e inesperados, ao final, oportunidades.

Há aqui, a presença clara daquilo, que Walter Benjamim qualificou como a fruição desatenta das artes, dentre as quais a arquitetura com sua potente presença do valor de uso ocupava o ápice dessa condição. Na minha imaginação, essa edificação emblemática reunia na textura mesmo de seu cotidiano, poetas da periferia, que aprofundavam suas pesquisas de palavras, verbos, interjeições, conjunções, etc... no museu. E, chegavam ávidos para essa vivência, subvertendo a lógica massificada e alienante da grande metrópole, e do uso mesmo mecânico da língua.

Na minha primeira visita a essa edificação, em 2006, devaneei na exposição então montada pela jovem instituição, que abordava a obra, tão instigante para a língua brasileira, de João Guimarães Rosa. Uma obra que muitos mineiros tendem a caracterizar como regional e vinculada ao canto doce dos povos das Geraes, mas que sempre foi encarada por mim como universal, e fruto de uma mentalidade cosmopolita e sintonizada com o mundo. Nesse momento de pesar e de luta pela reconstrução, transcrevo o trecho inicial de O burrinho Pedrês de Guimarães Rosa;

"Era um burrinho Pedrês, miúdo e resignado, vindo de Passa Tempo, Conceição do Serro, ou não sei onde no sertão. Chamava-se Sete-de-Ouros, e já fora tão bom, como outro não existiu e nem pode haver igual.

Agora porém estava idoso, muito idoso. Tanto, que nem seria preciso abaixar-lhe a maxila teimosa, para espiar os cantos dos dentes. Era decrépito mesmo a distância: no algodão bruto do pêlo - sementinhas escuras em rama rala e encardida; nos olhos remelentos, cor de bismuto, com pálpebras rosadas, quase sempre oclusas, em constante semi-sono; e na linha, fatigada e respeitável - uma horizontal perfeita, do começo da testa à raiz da cauda, em pêndulo amplo, para cá , para lá, tangendo as moscas." ROSA 1984 pág.17

Inicio de composição magistral, que apenas anuncia a doce manipulação de um linguagem inusitada e jamais formulada e operada. A reabertura, e o mais rápido funcionamento da instituição é urgente, para possibilitar, que novas sínteses com esse mesmo teor sejam possíveis...

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Lançamento do Concurso da marca Rio 2020 UIA

Na foto, Jeronimo Moraes (pres. do CAU-RJ) Haroldo Pinheiro
(pres. Cau-BR) Jeferson Salazar (pres. da FNA) Pedro da Luz
(pres. IAB-RJ) e Fabiana Izaga (sec. geral IAB)
Na última quinta feira, dia 17 de dezembro de 2015 foi lançado na sede do IAB-RJ o concurso para a marca Rio 2020 Congresso Internacional de Arquitetos da UIA (União Internacional de Arquitetos). O evento pretende reunir de dez a quinze mil arquitetos na cidade do Rio de Janeiro, no ano de 2020 debaixo do tema geral; Todos os Mundos. Um só Mundo. Arquitetura 21, debatendo de forma prioritária, as diversas formas de ocupação do território pelo homem.

Num momento, que a espécie humana toma consciência dos impactos de suas ações sobre o metabolismo do planeta Terra, um encontro dessa natureza é fundamental para a formulação de novas práticas, novas mudanças de comportamento, novas formas de construir o território humano. As cidades serão um tema chave do encontro, Os cinco eixos de debate sugeridos para o Congresso RIO 2020 UIA são:

Arquitetura e Cultura: que trata do reconhecimento do valor cultural da arquitetura e do espaço humano, e que envolve a questão da presença e da produção futura do patrimônio construído, como elemento singular e característico. A especificidade desse patrimônio construído e a construir envolve uma imensa diversidade de situações, que reproduzem a riqueza do país e a adequação dos espaços construído pelo homem nas várias regiões do país e do mundo.

Arquitetura Popular: que aborda a auto construção e a produção da habitação pelo próprio usuário, e que é uma realidade presente nas cidades brasileiras e de muitos outros países. O tema problematiza uma realidade existente e pretende reconhecer o valor dessas estruturas, qualificando essas áreas da cidade, implantando as infraestruturas urbanas que conformam a urbanidade.

Cidade, Paisagem e Ambiente: que abarca a questão do impacto ambiental das cidades, que já abrigam mais de 50% da população mundial, ocupando menos de 2% do território do planeta Terra, mas concentrando grande parte dos problemas nessa área, que provém principalmente da geração de esgotos e efluentes nos mananciais e da emissão de CO2 na atmosfera. Portanto, pensar e problematizar as várias formas de ocupar o território, sua arquitetura e urbanismo, sua resiliência com os fenômenos naturais é fundamental para mitigar esses efeitos.

Urbanismo e o Desenho da Cidade: que se reporta as características físicas e espaciais das cidades, bem como sua capacidade de sustentar economicamente sua população. A capacidade do espaço físico das cidades de potencializar, otimizar e incrementar as diversas atividades econômicas que garantem a sustentabilidade de sua população. Os impactos das ações de planejamento e projeto sobre o espaço físico concreto das cidades, a importância da configuração física das cidades na determinação do cotidiano de sua população.


Metrópoles e cidades médias: que pensa a coesão e governança das cidades metropolitanas, e a importância das cidades médias na estruturação do desenvolvimento dos países. As cidades passaram a ser pontos chaves para a promoção do desenvolvimento e atração de empreendimentos diversos e sustentação de modos diferenciados de vida.

Os cinco eixos temáticos precisam ainda ser debatidos e aprimorados. Já houve novas sugestões para inclusão de novos temas, como Arquitetura e o Mundo do Trabalho, ou Mudanças Climáticas e Resiliência de nossas cidades. Enfim a pretensão dos arquitetos brasileiros é se inserir no debate internacional, reconhecendo ao mesmo tempo, a diversidade de formas de ocupação e a preocupação comum e geral com nosso planeta.

sábado, 19 de dezembro de 2015

O homem cordial de Sérgio Buarque de Holanda e os nossos políticos

Sérgio Buarque de Holanda
*1902-+1982
Em 1936 Sérgio Buarque de Holanda lançava o livro Raízes do Brasil, um clássico para a compreensão desse misterioso fenômeno, que é o nosso país. Nesse livro havia um capítulo intitulado O Homem Cordial, que descreve o comportamento social e íntimo do brasileiro a partir de dualidades cotidianas, tais como; Estado e Família, Indivíduo e Cidadão, Urbano e Rural, Privado e Público, Mestre e Aprendiz, Funcionário e Proprietário. O capítulo é leitura obrigatória para elucidar, ou pelo menos se aproximar dos recentes fatos políticos brasileiros, e da prática cotidiana de nossos políticos, particularmente os recorrentes escândalos de corrupção e tráfego de influência. Importante salientar a maneira como o termo cordial é utilizado por Holanda como um conceito muito além da concórdia e sentimentos positivos, numa longa citação ele próprio explicita seu conceito;

"Cumpre ainda acrescentar que essa cordialidade, estranha, por um lado a todo formalismo e convencionalismo social, não abrange , por outro, apenas e obrigatoriamente, sentimentos positivos e de concórdia. A inimizade bem pode ser tão cordial como a amizade, nisto que uma e outra nascem do coração, procedem, assim, da esfera do íntimo, do familiar, do privado." HOLANDA 2012 pág.102

A primeira distinção importante feita por Holanda no texto é entre familia e estado. O Estado não é uma ampliação do âmbito da Familia, mas em todos os aspectos sua descontinuidade, e sua antítese. Pois a ordem doméstica familiar é determinada pelo reconhecimento da diferença de uma diversidade de personalidades, portanto carregada de subjetividades, enquanto a ordem estatal deveria ser pautada pela impessoalidade e pela objetividade.

A segunda distinção feita pelo autor é entre indivíduo e cidadão, enquanto no primeiro reverbera a ordem doméstica, familiar e carregada de pessoalidade, que no caso brasileiro está submetida às leis do patriarcado agrário, no segundo, se agregam; o contribuinte, o eleitor elegível, recrutável para os interesses da nação, responsável perante as leis da cidade, e da impessoalidade. No homem cordial brasileiro essa cisão parece não ter se realizado, persiste a indefinição entre os limites do indivíduo e do cidadão.

A terceira distinção importante feita pelo autor, e particularmente relevante para esse blog é entre fenômeno Rural e Urbano. Enquanto no Rural predomina um certo isolamento, uma insubordinação a preceitos e controles sociais estabelecidos e uma hierarquia rígida. No Urbano prepondera a comunicação, o estabelecimento de regras e comportamentos sociais e a possibilidade de mobilidade ou subversão da hierarquia instituída. Holanda menciona a criação do curso de Direito em São Paulo e Olinda em 1827, em cidades ainda provincianas, mas no fenômeno urbano, como o arranque dos filhos da intimidade familiar para uma vida de formação do homem público;

"E não haveria grande exagero em dizer-se que, se os estabelecimentos de ensino superior, sobretudo os cursos jurídicos, fundados desde 1827 em São Paulo e Olinda, contribuiram largamente para a formação de homens públicos capazes, devemo-lo às possibilidades que, com isso, adquiriam numerosos adolescentes arrancados aos seus meios provinciais e rurais de 'viver por si', libertando-se progressivamente dos velhos laços caseiros..." HOLANDA 2012 pág.49

Esse transplante para o meio urbano celebra a independência das leis do patriarcado familiar e agrário brasileiro, instituindo pela nova vivência uma certa impessoalidade, e citando Joaquim Nabuco, celebra de forma dramática, anunciando a morte paterna e a emergência do domínio público sobre o privado;

"Por isso mesmo Joaquim Nabuco pôde dizer, 'que em nossa política e em nossa sociedade [...], são os órfãos, os abandonados, que vencem a luta, sobem e governam.'" HOLANDA 2012 pág.50

Mas a predominância dos domínios do privado sobre o público logo se manifestará numa distinção fundamental apontada pelo autor, entre funcionário patrimonial e o burocrata moderno, onde o primeiro entende a gestão pública como um benefício pessoal a ser auferido por ele próprio e pelos seus, enquanto o segundo, entende o Estado como impessoal e objetivo. Interessante a argumentação de Sérgio Buarque de Holanda, que parece se reportar ao desenvolvimento da personalidade de qualquer ser humano da infância à maturidade.

Nossa urbanidade ou nosso desenvolvimento, portanto não está plenamente realizado, permanecendo ativa e fecunda a influência dos padrões formados e informados no meio rural e patriarcal, mantendo-se ao final, uma certa imaturidade.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

A questão das favelas nas cidades brasileiras permanece em aberto

Todas as cidades brasileiras possuem assentamentos irregulares, tipo favelas, sejam elas pequenas, médias ou grandes. A auto produção da habitação, em terrenos onde há indefinição da propriedade fundiária, sempre foi uma maneira de contornar a ausência de uma política pública voltada para a produção da moradia de interesse social no Brasil. Importante salientar, que todos os países desenvolvidos tiveram e tem programas de financiamento da casa própria, ou de locação social, para as classes mais fragilizadas economicamente. No Brasil, segundo cálculos de especialistas o atual Minha Casa, Minha Vida (MC,MV), ou o antigo Banco Nacional de Habitação (BNH), em suas fases mais produtivas, produziram apenas 30% das habitações necessárias para atender apenas a essa faixa de renda.

Há muito tempo, os arquitetos defendem a ideia de que a urbanização de favelas deveria fazer parte da política habitacional brasileira, pela capacidade desses assentamentos em promover a inserção de famílias frágeis na economia urbana. Efetivamente, são raros os casos de favelas afastadas de oportunidades de emprego, ou de contínuos urbanos densos, onde essa população consegue promover sua sustentabilidade. Há levantamentos que mostram partes das favelas ocupadas por familias vindas de uma mesma localidade ou origem migrante, demonstrando que a gênese desses assentamentos se configuram como uma rede de solidariedade e apoio. Além disso as favelas quando urbanizadas e infra estruturadas podem apresentar indices adequados de salubridade das suas edificações. Uma política pública urbana mais estruturada deveria promover a construção de novas unidades habitacionais (MC,MV) adjacentes as favelas a serem urbanizadas. Uma vez que essas operações de urbanização sempre demandam a construção de unidades de relocação para abertura de arruamento e construção de benfeitorias variadas.

A curta fala minha no jornal O Dia do último domingo dia 13 de dezembro de 2015 mostra apenas a celebração do fenômeno da favela, mas não sua justificativa. Abaixo o link da entrevista.

http://odia.ig.com.br/noticia/rio-de-janeiro/2015-12-12/jacarezinho-agoniza-a-espera-do-pac-2.html

sábado, 5 de dezembro de 2015

A política externa americana no segundo pós guerra e os recentes acontecimentos em Paris

Capa do livro de Frederic Jameson
O livro de Fredric Jameson sobre a atuação internacional dos EUA (A política externa norte-americana e seus teóricos) é um interessante ponto de vista sobre as atitudes imperialista diante do mundo, e pode ajudar a explicar alguns ódios do mundo árabe frente ao ocidente, e os últimos acontecimentos em Paris. O livro se concentra no segundo pós guerra, quando o EUA assumem o papel de nação mais poderosa do mundo, passando a ser o centro do sistema capitalista, após a hegemonia britânica do século XIX e inicio do século XX. Historicamente, sempre que houve uma troca da base central do capitalismo, há uma mudança na forma de operar do sistema, determinando novas acomodações nas relações entre os países centrais e os da periferia.

A política externa americana do segundo pós guerra começa a ser montada por Roosevelt, a partir da estruturação da ONU, com algumas especificidades, que a diferencia do tempo dos impérios europeus do século XIX e do primeiro quarto do século XX. Na ONU, os EUA assumem uma posição anti-colonialista, repudiando a ocupação direta de territórios de forma imperial, como havia sido praticado pela Inglaterra, França, Alemanha e até outros países europeus. A dominação imperial passará a ser operada pelas grandes corporações americanas, que assumem a dimensão das multinacionais, que são estruturas organizacionais, e que se instalam nas mais distantes localidades, pautando seus interesses determinando o futuro de nações aparentemente autônomas.

Sem dúvida, a figura de Roosevelt será determinante para o impulso inicial do imperialismo americano no segundo pós guerra, sua postura cosmopolita contrastava com o ambiente provinciano da política americana, haviam então tensões internas que precisavam de respostas. De um lado os pequenos agricultores e empresas do centro-oeste americano, que tendiam para um isolacionacismo, e ainda se prendiam a ideologia da América para os americanos. De outro os banqueiros e as grandes corporações da costa leste, que propunham refazer o mundo destruído à imagem e semelhança da América. Na verdade Rosevelt era um nacionalista, convicto de que o norte americanismo seria o melhor antídoto para o mundo do pós guerra, apesar de não ser anti comunista, também não tinha convicções anti-fascistas;

"...embora fosse hostil a Hitler, admirava Mussolini, ajudou Franco a chegar ao poder e manteve boas relações com Pétain - , mais por conta do medo de uma expansão japonesa e alemã. Também devido á sua posição social, não era particularmente anticomunista: à vontade com a URSS como aliada, Roosevelt era um pouco mais realista sobre Stálin do que este havia sido sobre Hitler. Embora gostasse de Churchil, não demonstrava nenhum sentimento pelo império que ele defendia e não tinha tempo para De Gaulle." ANDERSON 2015 pág.28

Nesse momento, a relação americana com a França parece envolver claros elementos de rivalidade e competição, pois os EUA reconhecem de forma velada e escondida o impacto cultural e doutrinário da França, que representa uma capacidade colonial competitiva. Efetivamente, Roossevelt na cidade de San Francisco em 1945 não simpatizava com a entrada da França gaullista no Conselho de Segurança da ONU, dando preferência ao Brasil, no entanto a Inglaterra pressionou pela inclusão do país europeu, claramente se defendendo da perda de importância da Europa, no cenário mundial.

Mas logo em seguida, em março de 1947, o então novo presidente Truman profere um discurso no Senado americano alertando para os riscos da presença comunista no Meditrerrâneo, como justificativa para a criação de uma agencia de espionagem e inteligência (CIA), que até hoje possui orçamento velado e sem controle do Congresso. Percebe-se então um declínio do discurso ideológico da liberdade frente a uma posição de polícia e controle do mundo, onde era mais importante a repressão aos adversários, do que a adoção das teses da democracia e do mercado. Desde então, de forma recorrente o país deu apoio a ditaduras e governos autoritários, que defendiam os interesses das corporações americanas e que se afastavam de ideais republicanos. No mesmo ano em 1947, no Rio de Janeiro no Tratado Interamericano de Assistência Recíproca, que desembocará na Organização dos Estados Americanos (OEA), um dos ideólogos (Kennan) declara para os embaixadores americanos na América Latina:

"É melhor ter um regime forte no poder do que um governo indulgente e impregnado de comunistas." ANDERSON, 2015 pág.81

Instala-se um declínio do cosmopolitismo de Roosevelt e das teses da liberdade, da democracia e do mercado e a recorrência de um maior pragmatismo, que se aproxima de um terrorismo de estado, que impõe regimes fortes em várias partes do globo, e não mais só na América Latina.

Nesse cenário é que emerge o Oriente Médio, que tinha uma presença colonial européia muito mais tardia com relação as outras partes do mundo, pois apenas ao final da primeira guerra mundial, com o colapso e dissolução do Império Otomano, fomentado ainda pela Inglaterra, a potência declinante de então. Todas as nações que emergiram do Império Otomano eram monarquias ou emirados conservadores, exceto a Síria e o Líbano, que eram repúblicas e que justamente haviam tido a presença colonial francesa.

Mas se no primeiro momento da Guerra Fria, o Oriente Médio não teve muito protagonismo na luta entre EUA e URSS, a partir da década de cinquenta emergem uma série de conflitos, onde mais uma vez os policiais globais irão criar problemas de difícil resolução.

O Irã, que era o segundo produtor de Petróleo no mundo, e que fazia fronteira com a URSS, começa com a dissolução do Império Otomano a manifestar um certo nacionalismo, que luta pela gestão de suas imensas reservas petrolíferas que permanecem nas mãos da Anglo Iranian Oil Company. Nesse contexto emerge  a figura de Mohammed Mossadegh, político nacionalista com pós graduação na França e na Suíça, que se elege primeiro ministro do Irã em 1951. No mesmo ano o parlamento iraniano decreta a nacionalização da Anglo Iranian, os ingleses levantam a hipótese de envio de sua marinha, que será desaconselhada por Washington, para não transformar o nacionalismo em comunismo pró-soviético. Interessante registrar que o mesmo Mossadegh havia rechaçado alguns anos antes a concessão da exploração de petróleo no norte do país a URSS, defendendo que o país devia gerir suas riquezas. No entanto em 1953, a CIA orquestra um golpe de estado que depõe o primeiro ministro nacionalista, instalando no poder o Xá Reza Pahlevi, cujo o regime irá destruir a democracia no Irã.

Em 1958, os EUA firmam o Pacto de Bagda, reunindo Turquia, Iraque, Irã e Paquistão pretendendo criar um cinturão anti-soviético na área. No mesmo ano ocorre uma revolução no Iraque, que derruba a monarquia e instala um governo militar muito mais a esquerda do que Nasser, o líder egípcio que flertava com a URSS. Cinco anos mais tarde, aconteceu o golpe de estado que levou o partido Baath ao poder em Bagdá, com o apoio da CIA, que forneceu ao novo regime a lista de comunistas iraquianos a serem mortos. O partido Baath ou socialista árabe iraquiano será mais tarde chefiado por Saddam Hussein, o mesmo dono de armas químicas nunca encontradas, capaz de comandar ataques terroristas pelo mundo.

Em 1979, perto do final da Guerra Fria no Afeganistão, Washington financiou os mujahidins grupo religioso que resistia a URSS, que invadira o país. Os EUA apontavam então o Afeganistão como o Vietnam soviético, pois os guerrilheiros religiosos atuavam num país isolado de base rural com pequenas vilas. A CIA destinou US$ 3 bilhões em armas e assistência e orquestrou o apoio de outros US$ 3 bilhões da Arábia Saudita para expulsar os tanques soviéticos do país, mas a poderosa agência norte americana também sabia que a resistência afegã não era apenas tribal, mas religiosa e marcadamente anti-ocidental. Logo após a conquista de Cabul, a Al Qaeda elabora um manifesto, no qual destaca as atrocidades de Israel na Palestina, e o sacrilégio da ocupação das tropas norte americanas desde a Guerra do Golfo na Arábia Saudita, violando os lugares sagrados de peregrinação.

As violações se sucedem até chegar a questão do Exército Islâmico e da Siria, que repete o mesmo roteiro, onde liberdade, democracia e mercado são colocados de lado em nome da conveniência de se aliar com posicionamentos obscuros. Nada disso justifica os atentados as Torres Gêmeas em Nova York, ou a Estação de Atocha em Madrid, ou ao Charlie Abdo em Paris, bem como as últimas ocorrências na França, mas creio também que o bombardeio da Síria nada ajudará. Na verdade, o ocidente precisa entender o porque de jovens estarem abraçando essas causas obscuras, contra seus ideais? Enfim, a atuação em bloco por parte do ocidente pode representar o incremento dos problemas com o terrorismo...

BIBLIOGRAFIA:
ANDERSON, Perry - A política externa norte-americana e seus teóricos - editora Boitempo São Paulo 2015

sábado, 28 de novembro de 2015

Adélia Prado ilumina o país

A poetisa mineira de Divinópolis, Adélia Prado traz a luz para o país, carcomido por escândalos de corrupção, enraivecido há um ano por perdas eleitorais, paralisado pelo espetáculo da mídia interessada, ferido em seu amor próprio, a entrevista publicada hoje dia 28 de novembro de 2015 no jornal O Globo é um alento de sabedoria e sensibilidade. Adélia ainda cavuca abacaxis apodrecidos/ como quem procura um veio são. Trata-se de um reconforto para qualquer brasileiro, saber que na borda de um fogão de lenha, ou no fundo de um quintal repleto de jabuticabas em Minas Gerais, essa senhora de oitenta anos ainda nos vigia com suas assertivas cheias de lirismo. E, ainda por cima, reconhecendo a maturidade, mas não abrindo mão da juventude e da inocência;

"Quando fiz o verso doía mais. Muitas coisas se amansam com a velhice... Assim escapo. Fica mais difícil me tornar veterana. Espero morrer caloura, como sempre me vejo."

Católica fervorosa caracterizou os cataclismas recentes de Mariana ou de Paris como purgativos, estágios necessários para ouvirmos os silêncios que sucedem aos desastres, pelo menos para reafirmar a pergunta pelo sentido da vida. Uma comoção-reflexão que não "se acabe com flores e velas sobre os cadáveres e fotografias sentimentais sobre filas de refugiados." Um repúdio veemente a hipocrisia da sociedade contemporânea dominada pelo espetáculo, que colada aos seus televisores enche seus olhos de lágrimas, para no dia seguinte permanecer operando de forma insana, cômoda e repetida. Enfim, uma convocação para reformar nossas vidas e comportamentos mecânicos e impensados. Diante de tudo isso ela afirma apenas uma certeza;

"... devo começar em meu coração, dentro da minha casa, a radical mudança para o amor, o perdão, a tolerância, para a atenção real para o meu próximo,.."

Adélia também não é feminista, não gosta da palavra feminicídio, enquanto nos distraímos com bandeiras, o crime segue atuando contra todos, para ela a verdadeira revolução é de outra ordem; moral, educacional, religiosa, civil e espiritual. O universalismo da poetisa começa no seu íntimo, em casa, na vizinhança. Nada mais kantiano. E, diante do aborto, tema complexo e espinhoso a poetisa não se reduz;

"Não há, fora da minha consciência, quem me proíba ou me libere para o aborto. Obedecer a lei - para o sim ou para o não - nunca é garantia de paz interior..."

Me lembrei de um lindo poema seu que li há muito tempo, que a partir desse momento me capturou para sempre na sua potente simplicidade cotidiana;

Casamento
Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como “este foi difícil”
“prateou no ar dando rabanadas”
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.
Adélia Prado )
(Do livro: Terra de Santa Cruz, Rio de Janeiro: Record, 2006. p. 25.)
Adélia Prado como outros poetas se distancia sempre da repetição e da comodidade, trazendo sempre o espanto e a surpresa, mas o que mais me impressiona é que ela se mantém sempre diante da banalidade do dia a dia. Mais especificamente para o país, a poetisa nos deixou na mesma reportagem do jornal, os seguintes versos;
Sofri e sofro em Minas Gerais e na beira
do oceano.
Estarreço de estar viva.
Ó luar do sertão,
ó matas que não preciso ver para me 
perder,
ó cidades grandes, estados do Brasil
que amo como se os tivesse inventado.
Ser brasileira me determina de modo
emocionante
e isto, que posso chamar de destino,
sem pecar,
descansa meu bem-querer.

Muito obrigado... Adélia Prado


sexta-feira, 27 de novembro de 2015

A continuidade da política econômica dos três últimos presidentes do Brasil

A continuidade da política econômica dos 3 últimos
presidentes do Brasil
A crise atual que vivemos no Brasil está profundamente articulada com o esgotamento do sistema de regulação do capitalismo, baseado na teoria econômica de John Maynard Keynes, que emergiu após a constatação da natureza cíclica do sistema, que recorrentemente tendia de forma inevitável ao financismo especulativo. A consolidação desse sistema de regulação - o keynesiano - foi consequência de uma conjuntura histórica complexa, que foi desenhada a partir de uma série de fatos presentes na primeira metade do século XX, tais como; a Revolução Russa em 1917, o crack da Bolsa de Nova York em 1929, a segunda Grande Guerra (1939-45), na qual uma parte da Europa e da Ásia foram destroçadas, a consolidação dos EUA como grande potência e a emergência da Guerra Fria pós 1945.

Na década de 1930, o discurso do economista britânico John Maynard Keynes começa a emergir como chave explicadora para as tendências cíclicas especulativas do sistema capitalista, que após  um periodo de hiperprodução, lucros declinantes, e intensificação da concorrência se deslocava da produção para as finanças, dando preferência a forma líquida. Essa tendência cíclica do capital havia ocorrido na década de setenta do século XIX e no crack da Bolsa de Nova York em 1929, no qual parcela expressiva e crescente das transações financeiras não tinham mais qualquer vínculo com a produção. Segundo Keynes, nesses momentos era necessário que o estado interviesse, mesmo que gerando déficit orçamentário, para promover uma política de pleno emprego, incentivando a produção e atraindo o capital novamente para o investimento produtivo.

Nessa época se constitui o New Deal nos EUA de Roosevelt, e um pouco após, no término da Segunda Grande Guerra, o Estado de Bem-Estar-Social na Europa Ocidental, como consequência da adoção das teses de Keynes, que investia no pleno emprego, no incentivo da atividade produtiva, na taxação das grandes fortunas para promoção de maior equidade nas sociedades. Importante mencionar, que a presença da ex-URSS, do socialismo real num bloco de países satélites, bem como nos próprios países da Europa Ocidental de um movimento operário forte e estruturado, de partidos trabalhistas, comunistas e social democratas com boa base eleitoral determinavam a presença de uma forte regulação da atividade econômica por parte do Estado.

Para salvar o sistema capitalista foi preciso que o Estado entrasse em cena como planejador e indutor do desenvolvimento econômico, desbancando o laissez-faire e as práticas liberais que haviam predominado no século XIX e inicio do século XX, nas fases anteriores a 1929. Para impedir as crises cíclicas do capitalismo, o keynesianismo pregava a forte intervenção estatal, que com sua capacidade indutora seria capaz de retirar o capital de empreendimentos especulativos e rentistas, fazendo-o investir em produção e geração de empregos. Nesse periodo de 1945 a 1975, que são considerados hoje a fase áurea do sistema - os trinta anos de ouro - houve um desenvolvimento sem precedentes e o economista francês Thomas Pikety considera essa a única fase em que o capitalismo distribui renda de forma efetiva.

"Assim, nos trinta anos seguintes (1945-1975), uma humanização do capitalismo foi possível em alguns países, principalmente na Europa ocidental." SICSU e MARINGONI 2005 pág109

A "humanização do capital" era buscada através de uma política fiscal simples, num ambiente democrático de hegemonia do trabalhador, que garantia a provisão de bens públicos por parte do Estado para os grupos de renda mais frágeis, financiados por impostos fixados numa estrutura de alíquotas progressivas, que penalizava os mais ricos. O crescimento e o desenvolvimento econômico eram premissas do sistema, pois sempre que era manifestada a tendência recessiva e a concomitante reclusão do capital na lógica rentista, o Estado deveria intervir.

A partir do final da década de setenta, com a eleição de Margareth Thatcher na Inglaterra (1979) e Ronald Reagan (1980) inicia-se a desregulamentação da economia, passando a ser imposto aos governos o equilíbrio de suas contas. A crise do petróleo e a crise das dívidas externas dos países semi periféricos do núcleo mais desenvolvido do capital, dentre eles o Brasil, na década de setenta também pré anunciavam o abandono do sistema de regulação keynesiano. A queda do Muro de Berlim (1989) e a derrocada dos países do socialismo real na Europa do Leste impulsionaram o discurso neo liberal, trazendo o bordão de Margareth Tatcher dos anos 1980 ao patamar de verdade absoluta;

"Não existe outra alternativa."SICSU e MARINGONI 2005 pág110

Então, mesmo a social democracia clássica, cansada das perdas eleitorais que lhe foram impostas pelos neo liberais, na década de noventa, se transformou adotando um discurso pró finanças e um controle fiscal que condenava o endividamento, e reduzia a intervenção estatal. A hegemonia neoliberal parecia definitivamente instalada. O presidente democrata Bill Clinton nos EUA e o primeiro ministro trabalhista Tony Blair na Inglaterra fazem a metamorfose do ideário social democrata, pregando uma indefinida humanização do neoliberalismo financeiro.

No entanto, nos mesmos anos noventa, como consequência da queda do Muro de Berlim, na mesma Europa emerge o caso da Alemanha, que para promover a reintegração de suas infraestruturas não poupa gastos de seu Estado. O modelo alemão já foi apontado por alguns teóricos como "capitalismo de estado" ou "economia social de mercado", como distinto do liberalismo anglo-saxão, americano e inglês, desde o século XIX. O fato é que os impactos da crise global de 2008 foram minimizados na Alemanha pela constante regulação estatal, seja com a presença do partido social democrata o SPD, ou a Democracia Cristã o CDU de Angela Merkel.

No Brasil contemporâneo, apesar da constante identificação de Fernando Henrique Cardoso e de seu partido o PSDB com a direita e o pensamento conservador, não há como negar seu vínculo as teses ideológicas da social democracia européia e ao reformismo democrata-cristão. Por outro lado, o Partido dos Trabalhadores apesar da presença de intelectuais marxistas e de remanescentes de grupos radicais de resistência ao regime militar, se declarou desde sua fundação como de esquerda democrática, não revolucionária, e também pode ser caracterizado como social democrata. Os dois partidos são portanto típicos representantes do reformismo social democrata europeu, o PT de certa forma mais autêntico pela presença nele de movimentos sociais e do sindicalismo, que o aproxima de forma marcante da social democracia.

No entanto, os dois partidos PSDB e PT foram incapazes de formular uma via alternativa nessa era de hegemonia neoliberal, pós-keynesiana, se rendendo ao discurso financeiro, apesar de pertencerem a social democracia. Em 2002 com a eleição de Lula à presidência da república se esperava uma mudança de rumo, principalmente pela quantidade de votos alcançados - 52 milhões - um cacife político que há quarenta anos nenhum político tinha recebido. Na verdade, entre a eleição e a posse houve uma clara chantagem do mercado financeiro sobre a economia brasileira, com o ressurgimento da inflação, a subida do dólar que chegou a R$4,00, a fuga de capitais, o declínio da bolsa e a virtual moratória. Logo surgiu a "Carta aos Brasileiros" que prometia vagas mudanças ao povo, mas principalmente o cumprimento de contratos e a continuidade dos mercados, que junto com o anúncio do presidente do Banco Central e de outros ministros logo sinalizou ao mercado financeiro a continuidade da política econômica neo liberal.

Essa política econômica se caracteriza desde FHC, passando por Lula e chegando a Dilma; por taxas de juros altas, atração de capitais especulativos, declínio dos investimentos públicos em nome do controle de gastos e receitas do Estado, câmbio flutuante de moeda, e abandono de qualquer preocupação com o pleno emprego. Tal conjunto de medidas apontam claramente para a expansão e autonomia da esfera financeira frente aos setores produtivos, que com o advento das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) no mundo a partir da última década do século XX ganham um impulso extraordinário.

Três atitudes demonstram esse alinhamento claro com o capital rentista. O primeiro, no governo FHC quando o Banco Central em 1993 alargou o conceito de não residente para as chamadas contas CC5, abrindo assim a possibilidade de qualquer agente, sendo ou não residente de enviar livremente recursos ao exterior. O segundo, já no governo Lula, quando foi aprovada a nova lei de falências em 2005, que havia sido uma promessa de Palocci e Meireles ao FMI em 2003, na assinatura da carta de intenções, e que garante aos credores o recebimento das dívidas acumuladas das empresas falidas. E, por último no governo Dilma, quando o desenvolvimento parecia querer retomar o protagonismo, com as políticas anti-cíclicas, as isenções de impostos foram aplicadas para setores multinacionais, alguns rentistas, sem qualquer visão estratégica. A continuidade dessa forma de operar nos três mandatos penaliza o capital produtivo, enquanto engorda o capital financeiro;

"Num mundo tão dominado por esses capitais fictícios e dominado além disso, pela vertigem de valorizar o valor sem a mediação da produção, nada mais interessante do que transformar economias nacionais com alguma capacidade de renda real, mas sem pretensões de soberania, em prestamistas servilmente dispostos a cumprir esse papel e a, dessa forma lastrear, ainda que parcialmente, a valorização desses capitais. Eliminando os maiores obstáculos a esse desempenho ( a inflação, o descontrole dos gastos públicos, a falta de garantias dos contratos, a ilusão do desenvolvimentismo, entre os principais), essas economias estão prontas a atuar como plataformas de valorização financeira internacional." PAULANI  e PATO 2005 PÁG.63

Enfim, ainda procuramos por presidentes e partidos com pretensões de construção de um desenvolvimento autônomo e soberano. Mas pelo menos, temos um senador preso, um banqueiro e os três donos das maiores empreiteiras

BIBLIOGRAFIA:

PAULA, João Antonio, org - Adeus ao Desenvolvimento: a opção do governo Lula - editora Autêntica Belo Horizonte 2005. Particularmente os artigos PAULANI, Leda Maria  e PATO, Christy Ganzert - Investimentos e servidão financeira: o Brasil do último quarto de séculoSICSU, João e MARINGONI, Gilbero - Avaliando o desempenho do PT e do governo Lula. Quem perdeu? Quem Ganhou?

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Audiência Pública sobre a revisão da lei 8666/93 na Câmara Federal em Brasília


Estive na última quarta feira dia 18 de novembro de 2015, numa audiência pública na Câmara Federal em Brasilia, convocado pela Comissão de Desenvolvimento Urbano do Poder Legislativo, responsável pela revisão da lei federal 8666/93. Essa lei regulamenta a compra e contratação de materiais e serviços por parte do poder público em todas as suas esferas. Na verdade, a Audiência Pública da Câmara Federal em Brasília discutia a adoção da obrigatoriedade do domínio da tecnologia do BIM Building Information Modelling ou Modelador das Informações da Construção pelos projetistas, que prestam serviço para o poder público no Brasil.

O debate ocorre no âmbito da revisão da lei federal 8666/93, que regula a compra de materiais, a contratação de serviços de projetos e a realização de obras por parte do poder público. No contexto atual da sociedade brasileira, o debate sobre essa regulação, o acompanhamento e o monitoramento das obras brasileiras são fundamentais para a definição do país que queremos ser. Após os descalabros das obras da Copa do Mundo, dos escândalos do Petrolão, dos recorrentes descontroles de prazo e de preços das obras brasileiras, repensar e reavaliar as formas de contratação do plano e do projeto é fundamental para buscar a correta adequação dessas mesmas obras públicas ao interesse público e geral, impedindo que sejam privatizadas por interesses particulares e restritos. Mas será que o problema que temos pela frente pode ser resolvido apenas pela adoção de uma metodologia?

A resposta para essa questão me parece que é negativa, pois uma tecnologia não poderá decretar a instituição automática no país de uma cultura de respeito ao projeto. O que me parece fundamental é a mudança de hábitos e costumes, que volta e meia celebram uma cultura do improviso. A implantação efetiva de uma prática de respeito pelas fases de plano e de projeto, de forma que efetivamente tenhamos uma pré figuração daquilo que pretendemos construir, que é a única maneira de controlar preços e prazos em nossas obras.

Abaixo o link do blog da repórter da Veja Mariana Barros, Cidade sem fronteiras

http://veja.abril.com.br/blog/cidades-sem-fronteiras/debate/pedro-da-luz-moreira-mais-do-que-metodologia-as-obras-do-pais-precisam-de-projeto-e-planejamento/

E o link do Jornal Folha de São Paulo, no qual o presidente da Empreiteira Camargo Correa defende a adoção do projeto completo nas obras públicas

http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/11/1707764-se-nada-mudar-depois-da-lava-jato-sairemos-do-mercado-diz-executivo.shtml

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

A entrevista de Paulo Roberto Costa a Folha de São Paulo demonstra a importância dos planos e projetos

No último dia 08 de novembro o jornal A Folha de São Paulo publicou uma entrevista com Paulo Roberto Costa, o primeiro funcionário da Petrobrás a fazer com a Justiça Federal um acordo de delação premiada no processo do Petrolão. O acordo firmado em agosto de 2014 envolveu a devolução de US$25,8milhões, que estavam na Suíça e nas Ilhas Cayman, que haviam inicialmente sido negados por ele, além de R$10milhões em moeda e bens no Brasil.

Ainda segundo a reportagem, Paulo Roberto Costa é engenheiro mecânico e entrou para Petrobras em 1977 por concurso público, Ele se posiciona a respeito da necessidade da construção da Refinaria de Abreu e Lima em Pernambuco como um empreendimento razoável e necessário para nossa infraestrutura;

"O erro é analisar a refinaria com olhos de hoje, com o dólar altíssimo e o preço do barril de petróleo lá no chão."

Já foi divulgado também pela mídia que a Petrobrás pode contratar serviços e obras sem se utilizar da lei federal 8666/1993, que regula esse tipo de prestação de serviço pelo poder público. A matéria desvenda alguns mecanismos da operação da corrupção nas estatais brasileiras, narrado por um operador de dentro, que apresenta as engrenagens da ordenação institucional que a sustentam, por exemplo, quando se referiu a Refinaria de Abreu e Lima;

"O problema para ele é que não havia projeto detalhado, o que elevou as estimativas iniciais de custo de US$3,5bilhões para US$20bilhões."

Aqui me parece fundamental destacar, que a ausência de uma cultura do plano e do projeto praticado pela Petrobrás, enfatizam a indefinição das ações a serem realizadas numa obra, elevando seus valores em 175%. Fica claro que a ausência de planos e projetos bem estruturados lança sobre as obras uma cortina de fumaça, de indefinições, que beneficiam os acordos e acertos entre empreiteiras e funcionários públicos. Abaixo o link da matéria

http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/11/1703489-em-primeira-entrevista-apos-deixar-a-prisao-delator-diz-se-sentir-leproso.shtml


domingo, 15 de novembro de 2015

A tragédia em Mariana mostra-nos o imediatismo na gestão territorial no Brasil

No dia de 05 novembro de 2015 as duas barragens de rejeitos minerais, Santarém com 7 milhões de m3 e Fundão com 55 milhões de m3 se romperam no distrito de Bento Rodrigues do município de Mariana em Minas Gerais. As barragens eram de responsabilidade da Samarco Mineradora, cujos os donos são a anglo-australiana BHP Billinton e a brasileira Vale, que apesar de lucros estratosféricos e pelos indícios dados pelo noticiário trataram a gestão territorial e a população a jusante com desleixo.

A gigante anglo-australiana BHP Billinton teve lucro em 2014 de US$ 13,8 bilhões, sendo a maior mineradora do mundo. A antiga Companhia Vale do Rio Doce, atual Vale é a segunda empresa do ramo, tendo uma produção em 2005 de 255 milhões de toneladas, sendo 58 milhões destinadas às siderúrgicas brasileiras e 197 milhões destinadas à exportação. Em outubro de 2006, a Vale comprou a canadense Inco, tornando-se a segunda maior empresa de mineração do mundo, atrás da anglo-australiana BHP Billiton. Em Londres apenas duas semanas antes do acidente a primeira gigante da mineração no mundo dava uma coletiva a imprensa para anunciar as medidas de segurança e de responsabilidade ambiental da empresa frente as mudanças climáticas que estão em curso. Tudo indica que o Brasil não foi ainda contemplado.

As duas barragens de Santarém e Fundão, portanto liberaram 62 milhões de m3 de rejeitos minerais, o que corresponde a um cubo de lados iguais com 396 metros lineares, ou seja, um edifício com 110 andares de altura. As barragens participam da bacia do Rio Doce, um rio que possui suas nascentes nas serras da Mantiqueira e do Espinhaço no estado de Minas Gerais, percorrendo 853 km entre essas serras e a foz no Oceano Atlântico no estado do Espírito Santo. Segundo dados da Agência Nacional de Águas (ANA) a vazão da enxurrada de lama com rejeitos minerais é da ordem de 1.900m3/segundo, enquanto a vazão média do Rio Doce na cidade de Linhares, no Espírito Santo, bem perto da foz é de apenas 984m3/segundo. Essas proporções dão a dimensão da tragédia, que as populações ribeirinhas estão vivendo em função do rompimento das barragens, e o tempo que será necessário para sua regeneração.

A população da Bacia do Rio Doce, estimada em torno de 3,5 milhões de habitantes, está distribuída em 228 municípios, sendo 203 mineiros e 26 capixabas. Mais de 85% desses municípios têm até 20 mil habitantes e cerca de 73% da população total da bacia concentra-se na área urbana, segundo dados de 2007. Nos municípios com até 10 mil habitantes, 47,75% da população vive na área rural.A cidade de Governador Valadares é a maior cidade na beira do Rio Doce com 280 mil habitantes, que está com seu abastecimento de água suspenso. O Ministério Público de Minas Gerais entrou com uma ação civil pública contra a empresa Samarco Mineração exigindo que ela abasteça Governador Valadares com 800 mil litros de água por dia num prazo de até 72 horas depois da liminar. Caso a empresa não cumpra com o pedido, a multa aplicada será de R$ 1 milhão por dia.

A bacia do Rio Doce concentra a história do desenvolvimento siderúrgico do país, ligando pioneiros e empreendedores como Percival Farquhar e Eliezer Batista, assim como empreendimentos de vulto como a Estrada de Ferro Vitória Minas. Talvez o acidente das barragens de Bento Rodrigues tenha um aspecto positivo, que pode ser o desenvolvimento de uma consciência regional em torno da bacia do Rio Doce. Um acontecimento natural e sensível, que demanda planejamento sistêmico, muito além do imediatismo do lucro das mineradoras.


domingo, 8 de novembro de 2015

A crise brasileira é consequência da adoção de um modelo de servidão financeira

Desenvolvimento e Inflação
A fraqueza do crescimento da economia brasileira nas últimas três décadas se deve a ausência de investimentos em infraestrutura, que por sua vez é condicionado pelas elevadas taxas de juros, e que fazem parte do receituário neo-liberal para controle da inflação, desde a década de setenta. Anteriormente, aqui nesse blog destacou-se para a adequação da análise do economista e sociólogo italiano Giovanni Arrighi, no livro O Longo Século XX, dinheiro, poder e as origens do nosso tempo, que aponta para a presença da hegemonia do capital financeiro em nossa contemporaneidade.

Sua interpretação se alinha com a da escola da regulação francesa, que vem defendendo que nossas crises recorrentes são fruto da desestabilização do sistema de controle do capital ou do regime de acumulação, que foi denominado no segundo pós-guerra por um binômio fordista-keynesiano. Esse regime era caracterizado como uma fase particular do desenvolvimento capitalista, onde existiam fortes investimentos em capital fixo que geravam imensos aumentos na produtividade e no consumo de massas. Havia também a concentração em imensas unidades produtivas, a presença de um estado de bem estar social nas economias mais desenvolvidas, e uma regulação clara por parte deste mesmo estado, tendo sido essas décadas a de maior desenvolvimento no mundo capitalista. A partir da década de 70 começa a emergir pressões para desregular de forma geral e se instala o declínio do estado provedor e planejador, a atividade econômica se pulveriza, havendo o ressurgimento da produção artesanal e de redes empresariais pessoais e familiares, mas sobretudo a presença financeira do capital desterritorializado.

"O keynesianismo é descrito como o modo de regulação, que permitiu que o regime fordista emergente realizasse todo o seu potencial." ARRIGHI 1996  pg02

Segundo as economistas Leda Maria Paulani e Christy Ganzert Pato, no artigo Investimento e servidão financeira: o Brasil do último quarto de século, o investimento em capital fixo, aquele que envolve; máquinas, equipamentos, estruturas, edificações, rebanhos, etc.., sem considerar sua depreciação e obsolescência vem caindo desde a década de setenta no país de forma determinante, conforme mostra a tabela abaixo;

Formação Bruta de Capital Fixo em relação ao PIB do Brasil
Década FBCF/PIB
1970 23,10%
1980 18,55%
1990 15,05%
2000 14,80%

Essa ausência de investimentos em capital fixo também gerou o fraco desempenho da economia brasileira nas décadas de noventa e na primeira do século XXI, determinada por uma preocupação excessiva com os títulos da dívida pública cotada nos mercados internacionais, a partir da crescente internacionalização do mercado financeiro. O fraco desempenho é demonstrado a partir da tabela abaixo, que mede o desempenho da economia brasileira em termos de crescimento do PIB e do PIB/percapita;

Crescimento Acumulado do PIB por décadas
Década PIB PIB/per capita
1970 131,26% 76,17%
1980 33,47% 10,13%
1990 19,04% 1,57%
2000 14,80% 7,33%

As autoras também mencionam a condição de dependência das nossas elites, que se mostram recorrentemente incapazes de pensar seu próprio desenvolvimento de forma desvinculada dos ditames internacionais. Citam Fernando Henrique Cardoso no seu trabalho com Enzo Falleto na década de setenta - A Teoria da Dependência - para demonstrar que quanto mais modernizado era o setor, mais forte eram seus vínculos com o exterior.

"Dessa forma, Fernando Henrique demonstrara que já não existia na década de 1970 uma burguesia nacional disposta a aliar-se com os chamados setores populares, e que os únicos setores alinhados a esse nacional-populismo seriam aqueles que não tinham se reorganizado ante as transformações em curso. Em outras palavras, por não terem vocação política hegemônica, as burguesias industriais dos países dependentes não seriam a mola impulsora do processo de emancipação nacional, tal como preconizado por muitos teóricos ansiosos pela chegada das revoluções burguesas à periferia do sistema." PAULANTI e PATO 2005 pg45

Paul Singer também construiu uma argumentação apontando um processo de adaptação das elites nacionais, a partir de uma periodização clara de nossa história, partindo de uma dependência consentida (1822-1914), para uma dependência tolerada (1914-1973), até chegar numa dependência desejada (1973-até hoje). Para esse autor a dependência consentida (1822-1914) envolvia uma visão por parte de nossas elites de que não havia alternativa ao desenvolvimento senão pela inserção subordinada no mercado mundial. A dependência tolerada (1914-1973) envolvia uma nova visão de que nossa subordinação era provisória, e que seria superada assim que emparelhássemos com os países mais adiantados, principalmente pela via da industrialização. Por fim, a dependência desejada (1973-até hoje) envolveria o abandono do desenvolvimentismo e da industrialização, passando todos os países a depender do crescente fluxo de capitais financeiros, que circulam na economia globalizada.

Cada vez mais em nosso mundo contemporâneo a lógica financeira se torna independente da produção, abrindo-se cada vez mais oportunidades para que dinheiro produza dinheiro, sem passar pela produção. O fraco desempenho da economia brasileira em termos de crescimento se instala a partir da década de oitenta e sucessivos governos, sejam do PSDB, como também do PT não conseguem reverter essa tendência, porque adotaram a mesma receita onde a servidão financeira fosse a tábua de salvação.

O fantástico desenvolvimento conseguido na década de setenta pelo Brasil interessava ao centro do poder internacional, e não foi uma formulação elaborada de nossas elites, que repetidamente desejam apenas reinventar a dependência. Já naquele momento, a industrialização da periferia do mundo apontava para o esgotamento do sistema de regulação fordista-keynesiano no centro do poder internacional.

No mundo contemporâneo, precisa-se de mais criatividade para a formulação de um desenvolvimento promotor de inclusão, os investimentos em infra-estruturas me parecem a única saída, para um país que está para ser construído...


sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Debate sobre o Plano de Habitação Interesse Social (PHIS) na Zona Portuária no IAB-RJ

Debate do PHIS da Zona Portuária do Rio de Janeiro
No dia 28 de outubro de 2015 foi realizado no auditório do IAB-RJ debate sobre o Plano de Habitação de Interesse Social (PHIS) para a Zona Portuária do Rio de Janeiro, com a presença do sociólogo Alberto Silva presidente da Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região Portuária (CDURP), do também sociólogo Orlando Junior do Observatório das Metrópoles e Marcelo Edmundo coordenador da Central de Movimentos Populares (CMP), e Pedro da Luz Moreira (eu) como presidente do IAB-RJ e mediador da mesa.

Inicialmente foi apresentado o PHIS da Zona Portuária pelo presidente da CDURP Alberto Silva, que afirmou que a região possui 30 mil moradores e a proposta do governo municipal é atrair para a área mais 70 mil habitantes nos próximos dez anos. A prioridade ainda segundo Alberto Silva será dada a produção de habitação para a faixa de maior fragilidade econômica que fica de zero a um salário mínimo, como aliás era de se esperar de qualquer PHIS. A proposta também envolve a produção de unidades financiadas pelo programa federal Minha Casa, Minha Vida (MC,MV) de forma diferenciada do que vem sendo realizado na própria cidade do Rio de Janeiro, notadamente na Zona Oeste.

“Queremos, explicitamente, fugir do modelo habitacional do Minha Casa, Minha Vida (MCMV), que espalha casas pelas periferias das cidades ou reproduz o modelo padrão. É preciso que haja uma preocupação dos projetos com as características urbanísticas da região.”

Seguindo na apresentação, Alberto Silva destacou que grande parte da população que habita a região possui renda de menos de R$1.600,00 por mês, pois dos 9.321 domicílios residenciais da área, um total 6.239 (66%) são ocupados por familias nessa faixa de renda. Segundo a mesma apresentação a proporção desejada de perfis de renda para a área é de 35 a 40% para a faixa de zero a seis salários mínimos, de 35 a 40% para a faixa de seis a dez salários, e de 20 a 30% para a faixa de mais de dez salários.

Grande parte do foco dos debates que se seguiram a essa apresentação se referiu a preocupação com a possível expulsão da população de baixa renda, pela valorização da área. A gentrificação é um fenômeno mundial, que assola as cidades em todas as partes do mundo, e que demanda do poder público um forte monitoramento da evolução do valor da terra urbana. O IAB-RJ tem defendido de forma recorrente que a cidade ideal que devemos perseguir é a que possui a diversidade social, e que estimula o encontro e a convivência entre diversos estratos sociais, construindo uma maior segurança.

Há também a necessidade premente de enfrentamento das ocupações de favelas presentes na área, as favelas da Providência, Moreira Pinto, São Diogo e Pedra Lisa devem receber projetos de urbanização, que apontem a clara intenção do poder público de integrar essas comunidades ao conjunto dos bairros da região. Quanto a questão da diferenciação dos projetos habitacionais do programa federal (MC, MV), o IAB-RJ vem defendendo frente aos governos federal, estadual e municipal, que a promoção de concursos públicos de projetos garante uma maior qualidade para essas ações.

Por um outro lado, também temos reafirmado que a cidade real que queremos construir envolve a presença de serviços e benfeitorias variadas, tais como; praças, escolas, creches, atendimento de saúde, padarias, botequins, que configuram a vida de um bairro efetivo e real, com pessoas no espaço público nas diversas horas do dia e da noite. A cidade deve ser portanto multifuncional, evitando-se as áreas especializadas em centros de negócios e em áreas dormitórios, evitando seu espraiamento e buscando uma maior compacidade.

Por fim, na avaliação geral do PHIS da Zona Portuária foi identificado uma ausência de espacialização e de territorialização, mantendo-se apenas na apresentação de índices e porcentagens, que tornam sua compreensão mais difícil e abstrata para o conjunto da sociedade. O IAB-RJ vem defendendo de forma veemente a ideia, de que essa territorialização e espacialização impulsionam a participação e mobilização das populações interessadas, pois elas efetivamente impactam os cotidianos variados dessas populações. Enfim, precisamos continuar a monitorar a gestão e a aplicação do PHIS da Zona Portuária para que sejam atingidos os índices e porcentagens explicitados nele próprio.

Abaixo os links dos videos que foram feitos documentando os debates.

https://www.youtube.com/watch?v=YbNoaSC9osk

https://www.youtube.com/watch?v=SNMexvE7g1Y

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Ainda sobre o Regime Diferenciado de Contratação (RDC) aprovado no Congresso Nacional

Obra do VLT de Cuiabá ainda inacabada
O RDC aprovado na Câmara Legislativa de Brasília no último dia 21 de outubro de 2015 de forma expedita significa um imenso retrocesso para a contratação, fiscalização e qualidade das obras públicas brasileiras, pois permite a contratação das empresas realizadoras de obras sem a pré-figuração de um projeto, apenas a partir de uma planilha orçamentária. A experiência no mundo todo demonstra, que o tempo dedicado ao plano e projeto de qualidade significa a melhora nos padrões de obra, com maior controle de orçamento e do prazo.

A MP enviada pelo executivo previa o Regime Diferenciado de Contratação apenas para as obras de segurança das Olimpíadas do Rio de Janeiro, tendo sido emendada pela Câmara para incluir “obras e serviços de engenharia relacionados a melhorias na mobilidade urbana ou ampliação de infraestrutura logística”*, o que significa a inclusão de um leque extremamente amplo de obras.

Essa forma de operar já foi testada nas obras da Copa do Mundo de 2014, acabando por gerar vários orçamentos aditados, cronogramas desrespeitados e outra série de obras inacabadas. No Rio de Janeiro o estádio do Maracanã que tinha a previsão de ser construído por R$600 milhões acabou ficando por R$1,2bilhões, um aditivo de cem por cento no valor inicialmente previsto. Em Cuiabá, a obra do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) prevista para ser inaugurada em 2014 patina ainda inacabada, penalizando a população da capital de Mato Grosso. A mesma cidade do estado de Mato Grosso convive com dezenove obras da Copa do Mundo inacabadas. Além desses exemplos todos, em 1998 a Petrobrás criou um sistema de licitação simplificado, muito semelhante ao RDC, possibilitando os esquemas denunciados pela Operação Lava-Jato, que está em curso.

Vários jornalistas tem demonstrado a inadequação da proposta com relação ao momento vivido no país. Abaixo dois desses exemplares; o jornalista Helio Gaspari com o texto O Paraíso para as empreiteiras e Beth Cataldo do portal G1, com a matéria Na contramão do controle e fiscalização das obras públicas. Abaixo os links dessas matérias.

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/eliogaspari/2015/10/1699399-o-paraiso-para-as-empreiteiras.shtml

http://g1.globo.com/economia/blog/beth-cataldo/1.html

* Conteúdo retirado da matéria da jornalista Beth Cataldo

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Debate e exibição do filme Perimetral, Memória e Reflexão

Nessa segunda feira, dia 26 de outubro de 2015 foi reapresentada no auditório do IAB-RJ a projeção do filme Perimetral, memória e reflexão, do Laboratório de Mídias Urbanas (LAMUR) da Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (EAU-UFF) com a participação da professora Thereza Carvalho também da EAU-UFF, que refletiu e estimulou o debate sobre as implicações e reflexões a que o filme nos remete.

A primeira questão já destacada aqui nesse blog, quando da primeira apresentação no auditório do IAB-RJ, é o domínio preciso da linguagem do documentário, por parte dos alunos do LAMUR. O filme demonstra como os alunos pretenderam documentar uma transformação importante da cidade do Rio de Janeiro, não apenas apresentando uma única visão sobre o tema mas uma pluralidade de visões e colocações. Ao final o maior beneficiário é exatamente o espectador, que compreende como o rodoviarismo exerceu um papel hegemônico no projeto da cidade brasileira, e, que apesar do simbolismo da demolição da Perimetral, ainda não foi construída uma outra cidade. Principalmente pela precariedade dos sistemas de transportes coletivos, que ainda não se estruturam numa rede capaz de convencer o cidadão de abrir mão do automóvel particular.

A segunda questão a ser destacada foram as reflexões da professora Thereza Carvalho, que sucederam a projeção, e que partiram do filme e de uma exposição de fotos de sua autoria sobre o mesmo tema. Dentre as quais destaco a conceituação da rua, da estrada, do viaduto e a consciência do movimento, enquanto na rua o tempo e a velocidade nos incitam a perceber e sermos percebidos em movimento, no espaço rodoviarista do viaduto somos instados apenas a partir e a chegar num efeito túnel. A fruição é suspensa para que se tenha apenas consciência da chegada e da partida, a objetividade do movimento suspende a compreensão. A velocidade e mesmo o engarrafamento no viaduto e na autopista apagam o movimento, restringindo nossa capacidade aos dois pontos; inicio e fim. Há uma objetividade produtiva e industrial, que nega o caráter da surpresa, da festa, da sociabilidade dos espaços caminháveis presentes nas ruas, principalmente nas calçadas.

Enfim, de tudo parece emergir que realizamos a destruição da perimetral, mas ainda não colocamos uma alternativa convincente no seu lugar...


segunda-feira, 26 de outubro de 2015

A volta do Regime Diferenciado de Contratação (RDC) para as obras públicas. VETA DILMA...

Matéria do jornalista Hélio Gaspari
Na última quarta feira dia 21 de outubro de 2015 a Câmara Federal em Brasília aprovou o Regime Diferenciado de Contratação (RDC) para as obras públicas no Brasil, notadamente mobilidade, infraestrutura logística e segurança pública. Mais uma vez, erradamente o poder público no Brasil identifica na fase de projeto o principal responsável pelo atraso nas obras, que o país tanto precisa. Esse posicionamento, mais uma vez se manifesta apesar dos recentes problemas enfrentados pelas obras públicas para a Copa do Mundo, que apresenta uma série de obras inacabadas ou com seus orçamentos e cronogramas dilatados exatamente pela falta de projeto mais detalalhado. Apenas para citar um exemplo, o Maracanã no Rio de Janeiro passou de uma estimativa inicial de R$600milhões para R$1,2bilhão, sem que durante a polêmica fosse divulgada sua nova configuração ou projeto de forma clara.

O RDC permite que o poder público contrate a realizadora da obra - uma empreiteira - sem qualquer projeto, sem qualquer pré figuração, apenas a partir de uma planilha orçamentária. É efetivamente uma perversão, o Brasil passa a ter mais essa jabuticaba, nada contra elas; um local no mundo, onde a planilha orçamentária precede o projeto.

Tal situação demonstra o imenso poder das empreiteiras, que passam a ter um contrato de porteira fechada com o poder público, suprimindo-se a interlocução dos autores de projeto. Várias associações de arquitetos e engenheiros condenaram a prática, pois ela implica na supressão de interlocução e de debate sobre a adequação e o orçamento da obra, impondo um poder desmesurado às empreiteiras. O IAB-RJ e a rede do IAB nacionalmente defende há muito tempo, que os agentes que concebem a obra não sejam os mesmos que a realizam, para que se estabeleça um controle mútuo no canteiro de obras.

Algumas figuras da mídia se manifestaram contra a aprovação na Câmara Federal, como Hélio Gaspari e Anselmo Góis. Na foto acima mostra-se a matéria publicada na coluna de Hélio Gaspari no domingo dia 25 de outubro de 2015 no jornal O Globo, que conclama para uma pressão pelo veto da Presidenta.

VETA DILMA...

domingo, 25 de outubro de 2015

A palestra da arquiteta Cristina Garcez, radicada em Paris sobre as formas de contratação do projeto

Palestra da arquiteta Cristna Garcez no IAB-RJ
A arquiteta Maria Cristina Garcez, brasileira formada em Florença, e trabalhando atualmente na França fez uma palestra no auditório do IAB-RJ, nessa última terça feira dia 20 de outubro de 2015, sobre as formas de contratação de plano e projeto de urbanismo na França. A arquiteta comanda o escritório de estratégias territoriais, que está vinculado a dois ministérios do governo francês, o da Ecologia e Desenvolvimento Sustentável, e o da Habitação, Igualdade do Território e Espaços Rurais. Uma palestra notável, que demonstra como as ações de planejar e projetar são encaradas como fundamentais para que as obras e mudanças tenham transparência, controle e possam ser colocadas em uma matriz de prioridades. As questões ambientais da ocupação humana do território permearam todos os projetos apresentados, demonstrando a sua importância contemporânea.

Por outro lado, foi mostrado como a espacialização dos problemas, o projeto, possui uma enorme capacidade de mobilizar o interesse das pessoas, em contraposição à construção de diagnósticos exaustivos, que não objetivam as proposições. No Brasil, atualmente o desenvolvimento de qualquer projeto urbano envolve uma fase inicial de diagnóstico, ou de levantamento das condições do contexto em que se vai interferir. Cristina Garcez apresentou como item fundamental de sua metodologia, a explicitação inicial e primeira da intervenção, da mudança proposta, enfim do projeto, sem a construção exaustiva de diagnósticos, que não apresentam qualquer objetividade. É preciso começar a reconhecer que o trabalho de plano e projeto envolve uma maneira particular de enfrentamento do real. Ele na verdade é uma forma de conhecimento, que se arrisca em proposições, para o vir a ser de um determinado contexto, uma ação muito mais vinculada ao prognóstico, do que ao diagnóstico.

A vivência cotidiana dos problemas ambientais
Outro elemento fundamental da sua apresentação versou sobre a questão da escala dos projetos, que muitas vezes por sua dinâmica ambiental envolvem dimensões regionais; bacias hidrográficas, interfaces com marés, dinâmicas entre vales e montanhas, etc..A espacialização dos problemas torna-os mais acessíveis ao conjunto da população e ususários diversos, uma vez que eles são vivenciados no cotidiano de suas próprias vidas. O projeto humano de ocupação do território se inter relaciona fortemente com os problemas ambientais, dando-lhes o verdadeiro sentido de urgência da sua mudança, a partir do desenho ou da forma como se estrutura o campo, a cidade e os parques intocados.

O que foi notável na apresentação da arquiteta Cristina Garcez no IAB-RJ foi sua ênfase na questão do projeto, como um esforço inicial de confrontação de diversas hipóteses, que a partir da discussão e do debate afunilam para convergências que determinam; o que fazer.