terça-feira, 17 de março de 2020

Morre Vittorio Gregotti, arquiteto italiano, milanês aos 92 anos propositor de uma outra relação entre teoria e projeto

Vittorio Gregotti, morre em Milão aos 92 anos pelo Covid-19
Vitorio Gregotti nasceu em Novara em 10 de agosto de 1927 e morreu em Milão, no dia 15 de março de 2020 devido a uma tuberculose, causada pela grave epidemia de Covid-19, que assola o norte da Itália. Autor de uma série de edificações projetadas pelo escritório Gregotti Associati International, como o; Desenvolvimento do bairro de Bicocca em Milão (1985-2005), o edifício do Centro Cultural Belém em Lisboa em parceria com Manuel Salgado (1988-1993), o Teatro Lírico de Aix-La-Provence na França (2003-2007), dentre outros. Gregotti se formou em 1952 no Politécnico de Milão e teve grande atuação acadêmica, atuando como professor convidado em várias Escolas de Arquitetura, como a FAU-USP em São Paulo, o MIT nos EUA, a Universidade de Lisboa, dentre outras. Publicou em 1975, o livro Território da Arquitetura, um dos mais importante testemunhos de um arquiteto operativo e praticante, com uma visão muito particular das complexas relações entre teoria e prática, aonde a projetação é central. Esse livro foi formador da minha geração na FAU-UFRJ, no começo dos anos oitenta, nele questões como a materialidade da arquitetura, a forma do território, a história, o Tipo, o Uso e o Significado foram intensamente debatidos na sua dimensão operativa e do projeto. Arquitetos da chamada tendenza italiana como; Aldo Rossi, Carlo Aymonino, Manfredo Tafuri(1) e o próprio Vittorio Gregotti eram debatidos no Brasil do final da Ditadura Militar, como propositores de uma nova relação entre edifício e cidade. Considerados neo racionalistas, Gregotti inclusive menciona nesse livro, como pretensão de sua obra a coincidência entre racionalidade e beleza, que buscava a partir da compreensão social de seus projetos. Logo no começo do livro ele declara esse esforço de união entre razão e beleza;


"Este livro, creio eu, é algo contraditório e destituído de sistematicidade. Por outro lado, não pretendo apresenta-lo como tratado e sim como exercício de projeto, ou seja, como ao elaborar um projeto de arquitetura, continuamente se experimenta e se corrige, amontoam-se numerosos problemas à espera de solução, amontoam-se à margem da folha soluções possíveis ao lado de números de telefone a serem lembrados. Em seguida, mesmo que os apaguemos, os vestígios permanecem sobre o papel a nos lembrar o que foi examinado e recusado; tentativas e erros dão sentido pleno à solução final." GREGOTTI 2004 página 09

É claro nesse trabalho a centralidade do projeto e seu processo de desenvolvimento, sua operação atua no sentido de uma auto consciência numa direção predeterminada para se auto constituir como significado social. Interessante mencionar, que essa auto consciência é desassociada de uma autoria unificada e personalista, mas dissipada entre vários atores que explicitam seus desejos e modulam a forma. Gregotti, como arquiteto atuante reconhece na fenomenologia do projeto uma "grande distância entre desejo e satisfação", uma vez que sua materialização está condicionada por fatores concretos de custo, de uso, e de tecnologias. Mas, entende que a contemplação das diferentes lógicas e pressões dos diferenciados desejos constroem uma racionalidade não idealista, mas profundamente pragmática e objetiva. Mas isso não implicava um afastamento daquilo que foi considerado o objetivo maior da tendenza italiana, que era a autonomia do projeto, como atividade que deveria ter independência, inclusive com relação ao canteiro de obras. É interessante notar que Gregotti aponta que a cadeia produtivo-industrial da reprodução da cidade, no qual o projeto está inserido possuía parâmetros planejados, mas também intuídos. Esses últimos parâmetros, os intuídos, que longe de ser espontâneos tinham sua genealogia presa a uma cultura compartilhada, e que podia ser influenciada e doutrinada como uma linguagem, que envolvia uma relação entre pesquisas científicas e projetuais. Ao fazer isso, Gregotti aproxima a atuação projetual da área artística, segundo duas direções diversas, de um lado, uma indagação e conhecimento da realidade, como uma forma de compreensão do real, e de outro, como objetos humanos, instituições do mundo moderno, ligadas às suas necessidades e símbolos. Na verdade, era um claro esforço de aproximação através da cidade, da arquitetura e do território construído das atuações científicas e estéticas, como campos associados, e não excludentes.


"Tal particular permeabilidade não deve ser atribuída equivocadamente à complicação técnica do trabalho do arquiteto, e sim de modo mais genérico à complexidade estrutural e funcional dos materiais com os quais ele trabalha; materiais que se apresentam com um tal grau de elaboração técnica e cultural que se constituem de fato em disciplinas autônomas que nos induzem a pensar o operar arquitetônico enquanto construção de sistemas significantes, como um sistema de sistemas." GREGOTTI 2004 página 16


Enfim, muito da discussão em curso na pauta da cultura arquitetônica do Brasil na nossa contemporaneidade, que contrapõe a pesquisa científica e a prática de projeto estão presentes na obra de Vittorio Gregotti, não só no seu livro Território da Arquitetura, mas também em sua obra construída e projetual. A projetação é um fenômeno específico, que envolve a confluência de campos como; o estético, o científico, a compreensão social, os usos e a simbologia, seja no edifício como no desenho ou planejamento urbano. Os programas de Pós Graduação no país estigmatizam a prática do projeto e do desenho, como atividades subjetivas sem fundamento científico, numa atitude doutrinária conservadora Toda a obra de Gregotti pretende claramente fazer uma ponte entre o mundo da subjetividade e da objetividade, do estético e o científico, do processo e da solução dos problemas, uma proposição corajosa, que está a espera de novas visitações.

NOTAS:

(1) Aqui no blog há menções aos arquitetos Aymonino, Rossi e Tafuri nos textos; Aymonino e Rossi, a cidade contemporânea, tipologia, origens e desenvolvimento, Gestão Urbana, saúde, habitação e modelos de cidade, Gramsci, Tafuri, a filosofia da práxis e a arquitetura, Uma mesa redonda debate o projeto, O tijolo e o balão, nos linkes; https://arquiteturacidadeprojeto.blogspot.com/search?q=aymonino e https://arquiteturacidadeprojeto.blogspot.com/search?q=tafuri

BIBLIOGRAFIA:

GREGOTTI, Vitório - Território da Arquitetura - Editora Perspectiva São Paulo 2004