sábado, 28 de novembro de 2015

Adélia Prado ilumina o país

A poetisa mineira de Divinópolis, Adélia Prado traz a luz para o país, carcomido por escândalos de corrupção, enraivecido há um ano por perdas eleitorais, paralisado pelo espetáculo da mídia interessada, ferido em seu amor próprio, a entrevista publicada hoje dia 28 de novembro de 2015 no jornal O Globo é um alento de sabedoria e sensibilidade. Adélia ainda cavuca abacaxis apodrecidos/ como quem procura um veio são. Trata-se de um reconforto para qualquer brasileiro, saber que na borda de um fogão de lenha, ou no fundo de um quintal repleto de jabuticabas em Minas Gerais, essa senhora de oitenta anos ainda nos vigia com suas assertivas cheias de lirismo. E, ainda por cima, reconhecendo a maturidade, mas não abrindo mão da juventude e da inocência;

"Quando fiz o verso doía mais. Muitas coisas se amansam com a velhice... Assim escapo. Fica mais difícil me tornar veterana. Espero morrer caloura, como sempre me vejo."

Católica fervorosa caracterizou os cataclismas recentes de Mariana ou de Paris como purgativos, estágios necessários para ouvirmos os silêncios que sucedem aos desastres, pelo menos para reafirmar a pergunta pelo sentido da vida. Uma comoção-reflexão que não "se acabe com flores e velas sobre os cadáveres e fotografias sentimentais sobre filas de refugiados." Um repúdio veemente a hipocrisia da sociedade contemporânea dominada pelo espetáculo, que colada aos seus televisores enche seus olhos de lágrimas, para no dia seguinte permanecer operando de forma insana, cômoda e repetida. Enfim, uma convocação para reformar nossas vidas e comportamentos mecânicos e impensados. Diante de tudo isso ela afirma apenas uma certeza;

"... devo começar em meu coração, dentro da minha casa, a radical mudança para o amor, o perdão, a tolerância, para a atenção real para o meu próximo,.."

Adélia também não é feminista, não gosta da palavra feminicídio, enquanto nos distraímos com bandeiras, o crime segue atuando contra todos, para ela a verdadeira revolução é de outra ordem; moral, educacional, religiosa, civil e espiritual. O universalismo da poetisa começa no seu íntimo, em casa, na vizinhança. Nada mais kantiano. E, diante do aborto, tema complexo e espinhoso a poetisa não se reduz;

"Não há, fora da minha consciência, quem me proíba ou me libere para o aborto. Obedecer a lei - para o sim ou para o não - nunca é garantia de paz interior..."

Me lembrei de um lindo poema seu que li há muito tempo, que a partir desse momento me capturou para sempre na sua potente simplicidade cotidiana;

Casamento
Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como “este foi difícil”
“prateou no ar dando rabanadas”
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.
Adélia Prado )
(Do livro: Terra de Santa Cruz, Rio de Janeiro: Record, 2006. p. 25.)
Adélia Prado como outros poetas se distancia sempre da repetição e da comodidade, trazendo sempre o espanto e a surpresa, mas o que mais me impressiona é que ela se mantém sempre diante da banalidade do dia a dia. Mais especificamente para o país, a poetisa nos deixou na mesma reportagem do jornal, os seguintes versos;
Sofri e sofro em Minas Gerais e na beira
do oceano.
Estarreço de estar viva.
Ó luar do sertão,
ó matas que não preciso ver para me 
perder,
ó cidades grandes, estados do Brasil
que amo como se os tivesse inventado.
Ser brasileira me determina de modo
emocionante
e isto, que posso chamar de destino,
sem pecar,
descansa meu bem-querer.

Muito obrigado... Adélia Prado


sexta-feira, 27 de novembro de 2015

A continuidade da política econômica dos três últimos presidentes do Brasil

A continuidade da política econômica dos 3 últimos
presidentes do Brasil
A crise atual que vivemos no Brasil está profundamente articulada com o esgotamento do sistema de regulação do capitalismo, baseado na teoria econômica de John Maynard Keynes, que emergiu após a constatação da natureza cíclica do sistema, que recorrentemente tendia de forma inevitável ao financismo especulativo. A consolidação desse sistema de regulação - o keynesiano - foi consequência de uma conjuntura histórica complexa, que foi desenhada a partir de uma série de fatos presentes na primeira metade do século XX, tais como; a Revolução Russa em 1917, o crack da Bolsa de Nova York em 1929, a segunda Grande Guerra (1939-45), na qual uma parte da Europa e da Ásia foram destroçadas, a consolidação dos EUA como grande potência e a emergência da Guerra Fria pós 1945.

Na década de 1930, o discurso do economista britânico John Maynard Keynes começa a emergir como chave explicadora para as tendências cíclicas especulativas do sistema capitalista, que após  um periodo de hiperprodução, lucros declinantes, e intensificação da concorrência se deslocava da produção para as finanças, dando preferência a forma líquida. Essa tendência cíclica do capital havia ocorrido na década de setenta do século XIX e no crack da Bolsa de Nova York em 1929, no qual parcela expressiva e crescente das transações financeiras não tinham mais qualquer vínculo com a produção. Segundo Keynes, nesses momentos era necessário que o estado interviesse, mesmo que gerando déficit orçamentário, para promover uma política de pleno emprego, incentivando a produção e atraindo o capital novamente para o investimento produtivo.

Nessa época se constitui o New Deal nos EUA de Roosevelt, e um pouco após, no término da Segunda Grande Guerra, o Estado de Bem-Estar-Social na Europa Ocidental, como consequência da adoção das teses de Keynes, que investia no pleno emprego, no incentivo da atividade produtiva, na taxação das grandes fortunas para promoção de maior equidade nas sociedades. Importante mencionar, que a presença da ex-URSS, do socialismo real num bloco de países satélites, bem como nos próprios países da Europa Ocidental de um movimento operário forte e estruturado, de partidos trabalhistas, comunistas e social democratas com boa base eleitoral determinavam a presença de uma forte regulação da atividade econômica por parte do Estado.

Para salvar o sistema capitalista foi preciso que o Estado entrasse em cena como planejador e indutor do desenvolvimento econômico, desbancando o laissez-faire e as práticas liberais que haviam predominado no século XIX e inicio do século XX, nas fases anteriores a 1929. Para impedir as crises cíclicas do capitalismo, o keynesianismo pregava a forte intervenção estatal, que com sua capacidade indutora seria capaz de retirar o capital de empreendimentos especulativos e rentistas, fazendo-o investir em produção e geração de empregos. Nesse periodo de 1945 a 1975, que são considerados hoje a fase áurea do sistema - os trinta anos de ouro - houve um desenvolvimento sem precedentes e o economista francês Thomas Pikety considera essa a única fase em que o capitalismo distribui renda de forma efetiva.

"Assim, nos trinta anos seguintes (1945-1975), uma humanização do capitalismo foi possível em alguns países, principalmente na Europa ocidental." SICSU e MARINGONI 2005 pág109

A "humanização do capital" era buscada através de uma política fiscal simples, num ambiente democrático de hegemonia do trabalhador, que garantia a provisão de bens públicos por parte do Estado para os grupos de renda mais frágeis, financiados por impostos fixados numa estrutura de alíquotas progressivas, que penalizava os mais ricos. O crescimento e o desenvolvimento econômico eram premissas do sistema, pois sempre que era manifestada a tendência recessiva e a concomitante reclusão do capital na lógica rentista, o Estado deveria intervir.

A partir do final da década de setenta, com a eleição de Margareth Thatcher na Inglaterra (1979) e Ronald Reagan (1980) inicia-se a desregulamentação da economia, passando a ser imposto aos governos o equilíbrio de suas contas. A crise do petróleo e a crise das dívidas externas dos países semi periféricos do núcleo mais desenvolvido do capital, dentre eles o Brasil, na década de setenta também pré anunciavam o abandono do sistema de regulação keynesiano. A queda do Muro de Berlim (1989) e a derrocada dos países do socialismo real na Europa do Leste impulsionaram o discurso neo liberal, trazendo o bordão de Margareth Tatcher dos anos 1980 ao patamar de verdade absoluta;

"Não existe outra alternativa."SICSU e MARINGONI 2005 pág110

Então, mesmo a social democracia clássica, cansada das perdas eleitorais que lhe foram impostas pelos neo liberais, na década de noventa, se transformou adotando um discurso pró finanças e um controle fiscal que condenava o endividamento, e reduzia a intervenção estatal. A hegemonia neoliberal parecia definitivamente instalada. O presidente democrata Bill Clinton nos EUA e o primeiro ministro trabalhista Tony Blair na Inglaterra fazem a metamorfose do ideário social democrata, pregando uma indefinida humanização do neoliberalismo financeiro.

No entanto, nos mesmos anos noventa, como consequência da queda do Muro de Berlim, na mesma Europa emerge o caso da Alemanha, que para promover a reintegração de suas infraestruturas não poupa gastos de seu Estado. O modelo alemão já foi apontado por alguns teóricos como "capitalismo de estado" ou "economia social de mercado", como distinto do liberalismo anglo-saxão, americano e inglês, desde o século XIX. O fato é que os impactos da crise global de 2008 foram minimizados na Alemanha pela constante regulação estatal, seja com a presença do partido social democrata o SPD, ou a Democracia Cristã o CDU de Angela Merkel.

No Brasil contemporâneo, apesar da constante identificação de Fernando Henrique Cardoso e de seu partido o PSDB com a direita e o pensamento conservador, não há como negar seu vínculo as teses ideológicas da social democracia européia e ao reformismo democrata-cristão. Por outro lado, o Partido dos Trabalhadores apesar da presença de intelectuais marxistas e de remanescentes de grupos radicais de resistência ao regime militar, se declarou desde sua fundação como de esquerda democrática, não revolucionária, e também pode ser caracterizado como social democrata. Os dois partidos são portanto típicos representantes do reformismo social democrata europeu, o PT de certa forma mais autêntico pela presença nele de movimentos sociais e do sindicalismo, que o aproxima de forma marcante da social democracia.

No entanto, os dois partidos PSDB e PT foram incapazes de formular uma via alternativa nessa era de hegemonia neoliberal, pós-keynesiana, se rendendo ao discurso financeiro, apesar de pertencerem a social democracia. Em 2002 com a eleição de Lula à presidência da república se esperava uma mudança de rumo, principalmente pela quantidade de votos alcançados - 52 milhões - um cacife político que há quarenta anos nenhum político tinha recebido. Na verdade, entre a eleição e a posse houve uma clara chantagem do mercado financeiro sobre a economia brasileira, com o ressurgimento da inflação, a subida do dólar que chegou a R$4,00, a fuga de capitais, o declínio da bolsa e a virtual moratória. Logo surgiu a "Carta aos Brasileiros" que prometia vagas mudanças ao povo, mas principalmente o cumprimento de contratos e a continuidade dos mercados, que junto com o anúncio do presidente do Banco Central e de outros ministros logo sinalizou ao mercado financeiro a continuidade da política econômica neo liberal.

Essa política econômica se caracteriza desde FHC, passando por Lula e chegando a Dilma; por taxas de juros altas, atração de capitais especulativos, declínio dos investimentos públicos em nome do controle de gastos e receitas do Estado, câmbio flutuante de moeda, e abandono de qualquer preocupação com o pleno emprego. Tal conjunto de medidas apontam claramente para a expansão e autonomia da esfera financeira frente aos setores produtivos, que com o advento das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) no mundo a partir da última década do século XX ganham um impulso extraordinário.

Três atitudes demonstram esse alinhamento claro com o capital rentista. O primeiro, no governo FHC quando o Banco Central em 1993 alargou o conceito de não residente para as chamadas contas CC5, abrindo assim a possibilidade de qualquer agente, sendo ou não residente de enviar livremente recursos ao exterior. O segundo, já no governo Lula, quando foi aprovada a nova lei de falências em 2005, que havia sido uma promessa de Palocci e Meireles ao FMI em 2003, na assinatura da carta de intenções, e que garante aos credores o recebimento das dívidas acumuladas das empresas falidas. E, por último no governo Dilma, quando o desenvolvimento parecia querer retomar o protagonismo, com as políticas anti-cíclicas, as isenções de impostos foram aplicadas para setores multinacionais, alguns rentistas, sem qualquer visão estratégica. A continuidade dessa forma de operar nos três mandatos penaliza o capital produtivo, enquanto engorda o capital financeiro;

"Num mundo tão dominado por esses capitais fictícios e dominado além disso, pela vertigem de valorizar o valor sem a mediação da produção, nada mais interessante do que transformar economias nacionais com alguma capacidade de renda real, mas sem pretensões de soberania, em prestamistas servilmente dispostos a cumprir esse papel e a, dessa forma lastrear, ainda que parcialmente, a valorização desses capitais. Eliminando os maiores obstáculos a esse desempenho ( a inflação, o descontrole dos gastos públicos, a falta de garantias dos contratos, a ilusão do desenvolvimentismo, entre os principais), essas economias estão prontas a atuar como plataformas de valorização financeira internacional." PAULANI  e PATO 2005 PÁG.63

Enfim, ainda procuramos por presidentes e partidos com pretensões de construção de um desenvolvimento autônomo e soberano. Mas pelo menos, temos um senador preso, um banqueiro e os três donos das maiores empreiteiras

BIBLIOGRAFIA:

PAULA, João Antonio, org - Adeus ao Desenvolvimento: a opção do governo Lula - editora Autêntica Belo Horizonte 2005. Particularmente os artigos PAULANI, Leda Maria  e PATO, Christy Ganzert - Investimentos e servidão financeira: o Brasil do último quarto de séculoSICSU, João e MARINGONI, Gilbero - Avaliando o desempenho do PT e do governo Lula. Quem perdeu? Quem Ganhou?

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Audiência Pública sobre a revisão da lei 8666/93 na Câmara Federal em Brasília


Estive na última quarta feira dia 18 de novembro de 2015, numa audiência pública na Câmara Federal em Brasilia, convocado pela Comissão de Desenvolvimento Urbano do Poder Legislativo, responsável pela revisão da lei federal 8666/93. Essa lei regulamenta a compra e contratação de materiais e serviços por parte do poder público em todas as suas esferas. Na verdade, a Audiência Pública da Câmara Federal em Brasília discutia a adoção da obrigatoriedade do domínio da tecnologia do BIM Building Information Modelling ou Modelador das Informações da Construção pelos projetistas, que prestam serviço para o poder público no Brasil.

O debate ocorre no âmbito da revisão da lei federal 8666/93, que regula a compra de materiais, a contratação de serviços de projetos e a realização de obras por parte do poder público. No contexto atual da sociedade brasileira, o debate sobre essa regulação, o acompanhamento e o monitoramento das obras brasileiras são fundamentais para a definição do país que queremos ser. Após os descalabros das obras da Copa do Mundo, dos escândalos do Petrolão, dos recorrentes descontroles de prazo e de preços das obras brasileiras, repensar e reavaliar as formas de contratação do plano e do projeto é fundamental para buscar a correta adequação dessas mesmas obras públicas ao interesse público e geral, impedindo que sejam privatizadas por interesses particulares e restritos. Mas será que o problema que temos pela frente pode ser resolvido apenas pela adoção de uma metodologia?

A resposta para essa questão me parece que é negativa, pois uma tecnologia não poderá decretar a instituição automática no país de uma cultura de respeito ao projeto. O que me parece fundamental é a mudança de hábitos e costumes, que volta e meia celebram uma cultura do improviso. A implantação efetiva de uma prática de respeito pelas fases de plano e de projeto, de forma que efetivamente tenhamos uma pré figuração daquilo que pretendemos construir, que é a única maneira de controlar preços e prazos em nossas obras.

Abaixo o link do blog da repórter da Veja Mariana Barros, Cidade sem fronteiras

http://veja.abril.com.br/blog/cidades-sem-fronteiras/debate/pedro-da-luz-moreira-mais-do-que-metodologia-as-obras-do-pais-precisam-de-projeto-e-planejamento/

E o link do Jornal Folha de São Paulo, no qual o presidente da Empreiteira Camargo Correa defende a adoção do projeto completo nas obras públicas

http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/11/1707764-se-nada-mudar-depois-da-lava-jato-sairemos-do-mercado-diz-executivo.shtml

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

A entrevista de Paulo Roberto Costa a Folha de São Paulo demonstra a importância dos planos e projetos

No último dia 08 de novembro o jornal A Folha de São Paulo publicou uma entrevista com Paulo Roberto Costa, o primeiro funcionário da Petrobrás a fazer com a Justiça Federal um acordo de delação premiada no processo do Petrolão. O acordo firmado em agosto de 2014 envolveu a devolução de US$25,8milhões, que estavam na Suíça e nas Ilhas Cayman, que haviam inicialmente sido negados por ele, além de R$10milhões em moeda e bens no Brasil.

Ainda segundo a reportagem, Paulo Roberto Costa é engenheiro mecânico e entrou para Petrobras em 1977 por concurso público, Ele se posiciona a respeito da necessidade da construção da Refinaria de Abreu e Lima em Pernambuco como um empreendimento razoável e necessário para nossa infraestrutura;

"O erro é analisar a refinaria com olhos de hoje, com o dólar altíssimo e o preço do barril de petróleo lá no chão."

Já foi divulgado também pela mídia que a Petrobrás pode contratar serviços e obras sem se utilizar da lei federal 8666/1993, que regula esse tipo de prestação de serviço pelo poder público. A matéria desvenda alguns mecanismos da operação da corrupção nas estatais brasileiras, narrado por um operador de dentro, que apresenta as engrenagens da ordenação institucional que a sustentam, por exemplo, quando se referiu a Refinaria de Abreu e Lima;

"O problema para ele é que não havia projeto detalhado, o que elevou as estimativas iniciais de custo de US$3,5bilhões para US$20bilhões."

Aqui me parece fundamental destacar, que a ausência de uma cultura do plano e do projeto praticado pela Petrobrás, enfatizam a indefinição das ações a serem realizadas numa obra, elevando seus valores em 175%. Fica claro que a ausência de planos e projetos bem estruturados lança sobre as obras uma cortina de fumaça, de indefinições, que beneficiam os acordos e acertos entre empreiteiras e funcionários públicos. Abaixo o link da matéria

http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/11/1703489-em-primeira-entrevista-apos-deixar-a-prisao-delator-diz-se-sentir-leproso.shtml


domingo, 15 de novembro de 2015

A tragédia em Mariana mostra-nos o imediatismo na gestão territorial no Brasil

No dia de 05 novembro de 2015 as duas barragens de rejeitos minerais, Santarém com 7 milhões de m3 e Fundão com 55 milhões de m3 se romperam no distrito de Bento Rodrigues do município de Mariana em Minas Gerais. As barragens eram de responsabilidade da Samarco Mineradora, cujos os donos são a anglo-australiana BHP Billinton e a brasileira Vale, que apesar de lucros estratosféricos e pelos indícios dados pelo noticiário trataram a gestão territorial e a população a jusante com desleixo.

A gigante anglo-australiana BHP Billinton teve lucro em 2014 de US$ 13,8 bilhões, sendo a maior mineradora do mundo. A antiga Companhia Vale do Rio Doce, atual Vale é a segunda empresa do ramo, tendo uma produção em 2005 de 255 milhões de toneladas, sendo 58 milhões destinadas às siderúrgicas brasileiras e 197 milhões destinadas à exportação. Em outubro de 2006, a Vale comprou a canadense Inco, tornando-se a segunda maior empresa de mineração do mundo, atrás da anglo-australiana BHP Billiton. Em Londres apenas duas semanas antes do acidente a primeira gigante da mineração no mundo dava uma coletiva a imprensa para anunciar as medidas de segurança e de responsabilidade ambiental da empresa frente as mudanças climáticas que estão em curso. Tudo indica que o Brasil não foi ainda contemplado.

As duas barragens de Santarém e Fundão, portanto liberaram 62 milhões de m3 de rejeitos minerais, o que corresponde a um cubo de lados iguais com 396 metros lineares, ou seja, um edifício com 110 andares de altura. As barragens participam da bacia do Rio Doce, um rio que possui suas nascentes nas serras da Mantiqueira e do Espinhaço no estado de Minas Gerais, percorrendo 853 km entre essas serras e a foz no Oceano Atlântico no estado do Espírito Santo. Segundo dados da Agência Nacional de Águas (ANA) a vazão da enxurrada de lama com rejeitos minerais é da ordem de 1.900m3/segundo, enquanto a vazão média do Rio Doce na cidade de Linhares, no Espírito Santo, bem perto da foz é de apenas 984m3/segundo. Essas proporções dão a dimensão da tragédia, que as populações ribeirinhas estão vivendo em função do rompimento das barragens, e o tempo que será necessário para sua regeneração.

A população da Bacia do Rio Doce, estimada em torno de 3,5 milhões de habitantes, está distribuída em 228 municípios, sendo 203 mineiros e 26 capixabas. Mais de 85% desses municípios têm até 20 mil habitantes e cerca de 73% da população total da bacia concentra-se na área urbana, segundo dados de 2007. Nos municípios com até 10 mil habitantes, 47,75% da população vive na área rural.A cidade de Governador Valadares é a maior cidade na beira do Rio Doce com 280 mil habitantes, que está com seu abastecimento de água suspenso. O Ministério Público de Minas Gerais entrou com uma ação civil pública contra a empresa Samarco Mineração exigindo que ela abasteça Governador Valadares com 800 mil litros de água por dia num prazo de até 72 horas depois da liminar. Caso a empresa não cumpra com o pedido, a multa aplicada será de R$ 1 milhão por dia.

A bacia do Rio Doce concentra a história do desenvolvimento siderúrgico do país, ligando pioneiros e empreendedores como Percival Farquhar e Eliezer Batista, assim como empreendimentos de vulto como a Estrada de Ferro Vitória Minas. Talvez o acidente das barragens de Bento Rodrigues tenha um aspecto positivo, que pode ser o desenvolvimento de uma consciência regional em torno da bacia do Rio Doce. Um acontecimento natural e sensível, que demanda planejamento sistêmico, muito além do imediatismo do lucro das mineradoras.


domingo, 8 de novembro de 2015

A crise brasileira é consequência da adoção de um modelo de servidão financeira

Desenvolvimento e Inflação
A fraqueza do crescimento da economia brasileira nas últimas três décadas se deve a ausência de investimentos em infraestrutura, que por sua vez é condicionado pelas elevadas taxas de juros, e que fazem parte do receituário neo-liberal para controle da inflação, desde a década de setenta. Anteriormente, aqui nesse blog destacou-se para a adequação da análise do economista e sociólogo italiano Giovanni Arrighi, no livro O Longo Século XX, dinheiro, poder e as origens do nosso tempo, que aponta para a presença da hegemonia do capital financeiro em nossa contemporaneidade.

Sua interpretação se alinha com a da escola da regulação francesa, que vem defendendo que nossas crises recorrentes são fruto da desestabilização do sistema de controle do capital ou do regime de acumulação, que foi denominado no segundo pós-guerra por um binômio fordista-keynesiano. Esse regime era caracterizado como uma fase particular do desenvolvimento capitalista, onde existiam fortes investimentos em capital fixo que geravam imensos aumentos na produtividade e no consumo de massas. Havia também a concentração em imensas unidades produtivas, a presença de um estado de bem estar social nas economias mais desenvolvidas, e uma regulação clara por parte deste mesmo estado, tendo sido essas décadas a de maior desenvolvimento no mundo capitalista. A partir da década de 70 começa a emergir pressões para desregular de forma geral e se instala o declínio do estado provedor e planejador, a atividade econômica se pulveriza, havendo o ressurgimento da produção artesanal e de redes empresariais pessoais e familiares, mas sobretudo a presença financeira do capital desterritorializado.

"O keynesianismo é descrito como o modo de regulação, que permitiu que o regime fordista emergente realizasse todo o seu potencial." ARRIGHI 1996  pg02

Segundo as economistas Leda Maria Paulani e Christy Ganzert Pato, no artigo Investimento e servidão financeira: o Brasil do último quarto de século, o investimento em capital fixo, aquele que envolve; máquinas, equipamentos, estruturas, edificações, rebanhos, etc.., sem considerar sua depreciação e obsolescência vem caindo desde a década de setenta no país de forma determinante, conforme mostra a tabela abaixo;

Formação Bruta de Capital Fixo em relação ao PIB do Brasil
Década FBCF/PIB
1970 23,10%
1980 18,55%
1990 15,05%
2000 14,80%

Essa ausência de investimentos em capital fixo também gerou o fraco desempenho da economia brasileira nas décadas de noventa e na primeira do século XXI, determinada por uma preocupação excessiva com os títulos da dívida pública cotada nos mercados internacionais, a partir da crescente internacionalização do mercado financeiro. O fraco desempenho é demonstrado a partir da tabela abaixo, que mede o desempenho da economia brasileira em termos de crescimento do PIB e do PIB/percapita;

Crescimento Acumulado do PIB por décadas
Década PIB PIB/per capita
1970 131,26% 76,17%
1980 33,47% 10,13%
1990 19,04% 1,57%
2000 14,80% 7,33%

As autoras também mencionam a condição de dependência das nossas elites, que se mostram recorrentemente incapazes de pensar seu próprio desenvolvimento de forma desvinculada dos ditames internacionais. Citam Fernando Henrique Cardoso no seu trabalho com Enzo Falleto na década de setenta - A Teoria da Dependência - para demonstrar que quanto mais modernizado era o setor, mais forte eram seus vínculos com o exterior.

"Dessa forma, Fernando Henrique demonstrara que já não existia na década de 1970 uma burguesia nacional disposta a aliar-se com os chamados setores populares, e que os únicos setores alinhados a esse nacional-populismo seriam aqueles que não tinham se reorganizado ante as transformações em curso. Em outras palavras, por não terem vocação política hegemônica, as burguesias industriais dos países dependentes não seriam a mola impulsora do processo de emancipação nacional, tal como preconizado por muitos teóricos ansiosos pela chegada das revoluções burguesas à periferia do sistema." PAULANTI e PATO 2005 pg45

Paul Singer também construiu uma argumentação apontando um processo de adaptação das elites nacionais, a partir de uma periodização clara de nossa história, partindo de uma dependência consentida (1822-1914), para uma dependência tolerada (1914-1973), até chegar numa dependência desejada (1973-até hoje). Para esse autor a dependência consentida (1822-1914) envolvia uma visão por parte de nossas elites de que não havia alternativa ao desenvolvimento senão pela inserção subordinada no mercado mundial. A dependência tolerada (1914-1973) envolvia uma nova visão de que nossa subordinação era provisória, e que seria superada assim que emparelhássemos com os países mais adiantados, principalmente pela via da industrialização. Por fim, a dependência desejada (1973-até hoje) envolveria o abandono do desenvolvimentismo e da industrialização, passando todos os países a depender do crescente fluxo de capitais financeiros, que circulam na economia globalizada.

Cada vez mais em nosso mundo contemporâneo a lógica financeira se torna independente da produção, abrindo-se cada vez mais oportunidades para que dinheiro produza dinheiro, sem passar pela produção. O fraco desempenho da economia brasileira em termos de crescimento se instala a partir da década de oitenta e sucessivos governos, sejam do PSDB, como também do PT não conseguem reverter essa tendência, porque adotaram a mesma receita onde a servidão financeira fosse a tábua de salvação.

O fantástico desenvolvimento conseguido na década de setenta pelo Brasil interessava ao centro do poder internacional, e não foi uma formulação elaborada de nossas elites, que repetidamente desejam apenas reinventar a dependência. Já naquele momento, a industrialização da periferia do mundo apontava para o esgotamento do sistema de regulação fordista-keynesiano no centro do poder internacional.

No mundo contemporâneo, precisa-se de mais criatividade para a formulação de um desenvolvimento promotor de inclusão, os investimentos em infra-estruturas me parecem a única saída, para um país que está para ser construído...


sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Debate sobre o Plano de Habitação Interesse Social (PHIS) na Zona Portuária no IAB-RJ

Debate do PHIS da Zona Portuária do Rio de Janeiro
No dia 28 de outubro de 2015 foi realizado no auditório do IAB-RJ debate sobre o Plano de Habitação de Interesse Social (PHIS) para a Zona Portuária do Rio de Janeiro, com a presença do sociólogo Alberto Silva presidente da Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região Portuária (CDURP), do também sociólogo Orlando Junior do Observatório das Metrópoles e Marcelo Edmundo coordenador da Central de Movimentos Populares (CMP), e Pedro da Luz Moreira (eu) como presidente do IAB-RJ e mediador da mesa.

Inicialmente foi apresentado o PHIS da Zona Portuária pelo presidente da CDURP Alberto Silva, que afirmou que a região possui 30 mil moradores e a proposta do governo municipal é atrair para a área mais 70 mil habitantes nos próximos dez anos. A prioridade ainda segundo Alberto Silva será dada a produção de habitação para a faixa de maior fragilidade econômica que fica de zero a um salário mínimo, como aliás era de se esperar de qualquer PHIS. A proposta também envolve a produção de unidades financiadas pelo programa federal Minha Casa, Minha Vida (MC,MV) de forma diferenciada do que vem sendo realizado na própria cidade do Rio de Janeiro, notadamente na Zona Oeste.

“Queremos, explicitamente, fugir do modelo habitacional do Minha Casa, Minha Vida (MCMV), que espalha casas pelas periferias das cidades ou reproduz o modelo padrão. É preciso que haja uma preocupação dos projetos com as características urbanísticas da região.”

Seguindo na apresentação, Alberto Silva destacou que grande parte da população que habita a região possui renda de menos de R$1.600,00 por mês, pois dos 9.321 domicílios residenciais da área, um total 6.239 (66%) são ocupados por familias nessa faixa de renda. Segundo a mesma apresentação a proporção desejada de perfis de renda para a área é de 35 a 40% para a faixa de zero a seis salários mínimos, de 35 a 40% para a faixa de seis a dez salários, e de 20 a 30% para a faixa de mais de dez salários.

Grande parte do foco dos debates que se seguiram a essa apresentação se referiu a preocupação com a possível expulsão da população de baixa renda, pela valorização da área. A gentrificação é um fenômeno mundial, que assola as cidades em todas as partes do mundo, e que demanda do poder público um forte monitoramento da evolução do valor da terra urbana. O IAB-RJ tem defendido de forma recorrente que a cidade ideal que devemos perseguir é a que possui a diversidade social, e que estimula o encontro e a convivência entre diversos estratos sociais, construindo uma maior segurança.

Há também a necessidade premente de enfrentamento das ocupações de favelas presentes na área, as favelas da Providência, Moreira Pinto, São Diogo e Pedra Lisa devem receber projetos de urbanização, que apontem a clara intenção do poder público de integrar essas comunidades ao conjunto dos bairros da região. Quanto a questão da diferenciação dos projetos habitacionais do programa federal (MC, MV), o IAB-RJ vem defendendo frente aos governos federal, estadual e municipal, que a promoção de concursos públicos de projetos garante uma maior qualidade para essas ações.

Por um outro lado, também temos reafirmado que a cidade real que queremos construir envolve a presença de serviços e benfeitorias variadas, tais como; praças, escolas, creches, atendimento de saúde, padarias, botequins, que configuram a vida de um bairro efetivo e real, com pessoas no espaço público nas diversas horas do dia e da noite. A cidade deve ser portanto multifuncional, evitando-se as áreas especializadas em centros de negócios e em áreas dormitórios, evitando seu espraiamento e buscando uma maior compacidade.

Por fim, na avaliação geral do PHIS da Zona Portuária foi identificado uma ausência de espacialização e de territorialização, mantendo-se apenas na apresentação de índices e porcentagens, que tornam sua compreensão mais difícil e abstrata para o conjunto da sociedade. O IAB-RJ vem defendendo de forma veemente a ideia, de que essa territorialização e espacialização impulsionam a participação e mobilização das populações interessadas, pois elas efetivamente impactam os cotidianos variados dessas populações. Enfim, precisamos continuar a monitorar a gestão e a aplicação do PHIS da Zona Portuária para que sejam atingidos os índices e porcentagens explicitados nele próprio.

Abaixo os links dos videos que foram feitos documentando os debates.

https://www.youtube.com/watch?v=YbNoaSC9osk

https://www.youtube.com/watch?v=SNMexvE7g1Y