sábado, 5 de dezembro de 2015

A política externa americana no segundo pós guerra e os recentes acontecimentos em Paris

Capa do livro de Frederic Jameson
O livro de Fredric Jameson sobre a atuação internacional dos EUA (A política externa norte-americana e seus teóricos) é um interessante ponto de vista sobre as atitudes imperialista diante do mundo, e pode ajudar a explicar alguns ódios do mundo árabe frente ao ocidente, e os últimos acontecimentos em Paris. O livro se concentra no segundo pós guerra, quando o EUA assumem o papel de nação mais poderosa do mundo, passando a ser o centro do sistema capitalista, após a hegemonia britânica do século XIX e inicio do século XX. Historicamente, sempre que houve uma troca da base central do capitalismo, há uma mudança na forma de operar do sistema, determinando novas acomodações nas relações entre os países centrais e os da periferia.

A política externa americana do segundo pós guerra começa a ser montada por Roosevelt, a partir da estruturação da ONU, com algumas especificidades, que a diferencia do tempo dos impérios europeus do século XIX e do primeiro quarto do século XX. Na ONU, os EUA assumem uma posição anti-colonialista, repudiando a ocupação direta de territórios de forma imperial, como havia sido praticado pela Inglaterra, França, Alemanha e até outros países europeus. A dominação imperial passará a ser operada pelas grandes corporações americanas, que assumem a dimensão das multinacionais, que são estruturas organizacionais, e que se instalam nas mais distantes localidades, pautando seus interesses determinando o futuro de nações aparentemente autônomas.

Sem dúvida, a figura de Roosevelt será determinante para o impulso inicial do imperialismo americano no segundo pós guerra, sua postura cosmopolita contrastava com o ambiente provinciano da política americana, haviam então tensões internas que precisavam de respostas. De um lado os pequenos agricultores e empresas do centro-oeste americano, que tendiam para um isolacionacismo, e ainda se prendiam a ideologia da América para os americanos. De outro os banqueiros e as grandes corporações da costa leste, que propunham refazer o mundo destruído à imagem e semelhança da América. Na verdade Rosevelt era um nacionalista, convicto de que o norte americanismo seria o melhor antídoto para o mundo do pós guerra, apesar de não ser anti comunista, também não tinha convicções anti-fascistas;

"...embora fosse hostil a Hitler, admirava Mussolini, ajudou Franco a chegar ao poder e manteve boas relações com Pétain - , mais por conta do medo de uma expansão japonesa e alemã. Também devido á sua posição social, não era particularmente anticomunista: à vontade com a URSS como aliada, Roosevelt era um pouco mais realista sobre Stálin do que este havia sido sobre Hitler. Embora gostasse de Churchil, não demonstrava nenhum sentimento pelo império que ele defendia e não tinha tempo para De Gaulle." ANDERSON 2015 pág.28

Nesse momento, a relação americana com a França parece envolver claros elementos de rivalidade e competição, pois os EUA reconhecem de forma velada e escondida o impacto cultural e doutrinário da França, que representa uma capacidade colonial competitiva. Efetivamente, Roossevelt na cidade de San Francisco em 1945 não simpatizava com a entrada da França gaullista no Conselho de Segurança da ONU, dando preferência ao Brasil, no entanto a Inglaterra pressionou pela inclusão do país europeu, claramente se defendendo da perda de importância da Europa, no cenário mundial.

Mas logo em seguida, em março de 1947, o então novo presidente Truman profere um discurso no Senado americano alertando para os riscos da presença comunista no Meditrerrâneo, como justificativa para a criação de uma agencia de espionagem e inteligência (CIA), que até hoje possui orçamento velado e sem controle do Congresso. Percebe-se então um declínio do discurso ideológico da liberdade frente a uma posição de polícia e controle do mundo, onde era mais importante a repressão aos adversários, do que a adoção das teses da democracia e do mercado. Desde então, de forma recorrente o país deu apoio a ditaduras e governos autoritários, que defendiam os interesses das corporações americanas e que se afastavam de ideais republicanos. No mesmo ano em 1947, no Rio de Janeiro no Tratado Interamericano de Assistência Recíproca, que desembocará na Organização dos Estados Americanos (OEA), um dos ideólogos (Kennan) declara para os embaixadores americanos na América Latina:

"É melhor ter um regime forte no poder do que um governo indulgente e impregnado de comunistas." ANDERSON, 2015 pág.81

Instala-se um declínio do cosmopolitismo de Roosevelt e das teses da liberdade, da democracia e do mercado e a recorrência de um maior pragmatismo, que se aproxima de um terrorismo de estado, que impõe regimes fortes em várias partes do globo, e não mais só na América Latina.

Nesse cenário é que emerge o Oriente Médio, que tinha uma presença colonial européia muito mais tardia com relação as outras partes do mundo, pois apenas ao final da primeira guerra mundial, com o colapso e dissolução do Império Otomano, fomentado ainda pela Inglaterra, a potência declinante de então. Todas as nações que emergiram do Império Otomano eram monarquias ou emirados conservadores, exceto a Síria e o Líbano, que eram repúblicas e que justamente haviam tido a presença colonial francesa.

Mas se no primeiro momento da Guerra Fria, o Oriente Médio não teve muito protagonismo na luta entre EUA e URSS, a partir da década de cinquenta emergem uma série de conflitos, onde mais uma vez os policiais globais irão criar problemas de difícil resolução.

O Irã, que era o segundo produtor de Petróleo no mundo, e que fazia fronteira com a URSS, começa com a dissolução do Império Otomano a manifestar um certo nacionalismo, que luta pela gestão de suas imensas reservas petrolíferas que permanecem nas mãos da Anglo Iranian Oil Company. Nesse contexto emerge  a figura de Mohammed Mossadegh, político nacionalista com pós graduação na França e na Suíça, que se elege primeiro ministro do Irã em 1951. No mesmo ano o parlamento iraniano decreta a nacionalização da Anglo Iranian, os ingleses levantam a hipótese de envio de sua marinha, que será desaconselhada por Washington, para não transformar o nacionalismo em comunismo pró-soviético. Interessante registrar que o mesmo Mossadegh havia rechaçado alguns anos antes a concessão da exploração de petróleo no norte do país a URSS, defendendo que o país devia gerir suas riquezas. No entanto em 1953, a CIA orquestra um golpe de estado que depõe o primeiro ministro nacionalista, instalando no poder o Xá Reza Pahlevi, cujo o regime irá destruir a democracia no Irã.

Em 1958, os EUA firmam o Pacto de Bagda, reunindo Turquia, Iraque, Irã e Paquistão pretendendo criar um cinturão anti-soviético na área. No mesmo ano ocorre uma revolução no Iraque, que derruba a monarquia e instala um governo militar muito mais a esquerda do que Nasser, o líder egípcio que flertava com a URSS. Cinco anos mais tarde, aconteceu o golpe de estado que levou o partido Baath ao poder em Bagdá, com o apoio da CIA, que forneceu ao novo regime a lista de comunistas iraquianos a serem mortos. O partido Baath ou socialista árabe iraquiano será mais tarde chefiado por Saddam Hussein, o mesmo dono de armas químicas nunca encontradas, capaz de comandar ataques terroristas pelo mundo.

Em 1979, perto do final da Guerra Fria no Afeganistão, Washington financiou os mujahidins grupo religioso que resistia a URSS, que invadira o país. Os EUA apontavam então o Afeganistão como o Vietnam soviético, pois os guerrilheiros religiosos atuavam num país isolado de base rural com pequenas vilas. A CIA destinou US$ 3 bilhões em armas e assistência e orquestrou o apoio de outros US$ 3 bilhões da Arábia Saudita para expulsar os tanques soviéticos do país, mas a poderosa agência norte americana também sabia que a resistência afegã não era apenas tribal, mas religiosa e marcadamente anti-ocidental. Logo após a conquista de Cabul, a Al Qaeda elabora um manifesto, no qual destaca as atrocidades de Israel na Palestina, e o sacrilégio da ocupação das tropas norte americanas desde a Guerra do Golfo na Arábia Saudita, violando os lugares sagrados de peregrinação.

As violações se sucedem até chegar a questão do Exército Islâmico e da Siria, que repete o mesmo roteiro, onde liberdade, democracia e mercado são colocados de lado em nome da conveniência de se aliar com posicionamentos obscuros. Nada disso justifica os atentados as Torres Gêmeas em Nova York, ou a Estação de Atocha em Madrid, ou ao Charlie Abdo em Paris, bem como as últimas ocorrências na França, mas creio também que o bombardeio da Síria nada ajudará. Na verdade, o ocidente precisa entender o porque de jovens estarem abraçando essas causas obscuras, contra seus ideais? Enfim, a atuação em bloco por parte do ocidente pode representar o incremento dos problemas com o terrorismo...

BIBLIOGRAFIA:
ANDERSON, Perry - A política externa norte-americana e seus teóricos - editora Boitempo São Paulo 2015

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