domingo, 16 de novembro de 2014

A queda do muro de Berlim

Berlim é uma cidade emblemática para a história do século XX, em seu território estão representados os dramas vividos pelos seres humanos nesse período tão rico da nossa história. Ela é acima de tudo o símbolo maior da unidade alemã, e não apenas nesse final do século XX, com a queda do muro, mas desde o século XIX, quando a então capital da Prússia capitaneou a união dos povos germânicos.

Norbert Elias mostra no livro Os Alemães como a construção dos diversos estados nacionais condicionou a experiência de ser e ser visto, como francês, inglês, russo ou alemão, e como cada uma das suas capitais Paris, Londres, Moscou e Berlim, simbolizam e carregam os arquétipos desses quatro povos. As especificidades da tardia unificação alemã apontam para uma certa fraqueza da classe média frente os antigos príncipes e nobres dos diversos estados germânicos do século XVIII, e um certo militarismo prussiano.

"No iníco do século XIX, um dos principais pontos no programas de ambas as correntes de classe média - a Idealista e Liberal e a Conservadora e Nacionalista - era a unificação da Alemanha, pondo fim a pluralidade de numerosos e pequenos Estados. Foi de grande significação para o desenvolvimento do habitus alemão de classe média que esses planos fracassassem. O choque causado por isso foi aprofundado quando um príncipe, o rei da Prússia com seu conselheiro Bismarck, logrou satisfazer militarmente os anseios de uma Alemanha unificada, através de uma guerra vitoriosa, quando as classes médias nada tinham conseguido por meios pacíficos. A vitória dos exércitos alemães sobre a França foi, ao mesmo tempo, uma vitória da nobreza alemã sobre a classe média alemã." Pg26

Berlim era a capital do reino da Prússia, mas percebe-se no mesmo autor a identificação de uma vertente autoritária e militarista na construção do Estado alemão, um certo declínio do habitus urbano frente a lógica militar, principalmente quando o mesmo autor compara com o processo holandês de formação do Estado.

"A arte de governar com a ajuda da negociação e das concessões mútuas foi passada da cidade para o Estado. Na Alemanha pelo contrário, os modelos militares de comando e obediência prevaleceram em vários níveis sobre os modelos urbanos de negociação e persuasão." Pg24

Por outro lado, Berlim assume seu papel de capital dos povos germânicos de forma tardia e tendo concorrentes simbolicamente fortes como Viena ou Praga, onde a construção dessa representatividade é impulsionada pela antiguidade, ainda segundo Elias;

"Comparada com Paris e Londres, Berlim é uma cidade jovem...Um única derrota do rei prussiano na luta com os rivais Habsburgo teria possivelmente sustado para sempre a ascensão de Berlim. Durante a Guerra dos Sete Anos, Frederico II esteve por várias vezes perto de selar esse destino para sua capital. Talvez seja útil acrescentar que no periodo dos imperadores Habsburgo, Viena funcionou frequentemente como cidade capital do império alemão. Praga também serviu nesse papel por algum tempo." Pg22

Altes Museum Karl Friedrich Schinckel
em Berlim
Berlim portanto não possui o destaque de outras capitais européias e chega na passagem do século XIX para o XX como capital da Alemanha unificada com um papel novo e não estabelecido pela antiguidade. A Berlim inicia o processo de construção de uma iconografia particular e memorável com a atuação na cidade do arquiteto Karl Friedrich Schinkel (1781-1841), logo após a derrota de Napoleão, e um pouco antes da unificação. Esse esforço construtivo do início do século XIX, apesar da imensa destruição da Berlim contemporânea, permanece vivo na cidade e é a sua face neoclássica que possui um extremo rigor racionalista, que está na ilha dos museus, no Altes Museum, no Teatro de Ópera Neues Schapielhaus na praça das duas catedrias, no portão de Bradenburgo e em outras manifestações. Esse rigor racionalista do neo classicismo alemão permanecerá presente nas sensibilidades posteriores, passando pelo ecletismo e até atingindo o modernismo. A manipulação da modulação construtiva, a padronização das fenestrações e uma certa proporção entre cheios e vazios é uma constante nas fachadas da cidade.

A imensa destruição de Berlim em 1945 - Postadamer Platz
Mas além desse racionalismo percebe-se em Berlim uma certa desconfiança frente ao seu recente papel de nova capital da Alemanha, uma recusa consciente a manifestações nacionalistas. Uma certa alma instável e insegura do papel que lhe foi dado com a queda do muro em 1989. Há mesmo uma certa incerteza e informalidade no trato das estruturas governamentais da Grosse Deutschland, chegando ao ponto extremo de ter ouvido nas suas ruas da cidade que "os berlinenses são os cariocas da Alemanha". Afinal, quem pode prever o vir a ser da Berlim, num mundo perpassado de incertezas, como foi o século XX e continua sendo o XXI.