segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Uma mesa redonda debate o projeto

Jeronimo Moraes, Isabel Tostes presidente do CAU-RJ, e Pedro da Luz
Moreira presidente do IAB-RJ
No último dia 06 de dezembro de 2018 foi realizado na sede do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro (CAU-RJ), um debate a respeito do significado da palavra projeto em nossa contemporaneidade. O evento foi aberto pela presidente do CAU-RJ, Isabel Tostes, pelo conselheiro do CAU-RJ, Jerônimo Moraes e pelo presidente do IAB-RJ e coordenador do Conselho de Entidades de Arquitetura e Urbanismo (CEAU), Pedro da Luz Moreira. Após essa abertura institucional foi composta uma mesa formada pelos arquitetos Anibal Sabrosa da RAF arquitetura, Celso Rayol da Citté arquitetura, e Guilherme Lassance da FAU-UFRJ, coordenados pelo conselheiro do CAU-RJ Lucas Franco, que apresentou os processos de desenvolvimento de projeto em seus escritórios e instituições.

Os arquitetos Celso Rayol (Citté arquitetura) e Anibal
Sabrosa (RAF arquitetura)
O tema do debate é fundamental não só para os arquitetos, mas para a sociedade brasileira como um todo, uma vez que o projeto pode ser sintetizado, como o pensar, antes do fazer. Uma prática, que se adotada dificulta em muito de maneira geral, a corrupção, em torno de obras de interesse público, já que pretende controlar os custos, prazos e benefícios alcançados com a transformação. Afinal, a atividade de projeto é inerente a condição humana, tendendo a estar mais presente nas sociedade mais desenvolvidas, que exatamente se caracterizam por uma maior capacidade prospectiva. Efetivamente projetamos uma série de atividades, que pretendem melhorar nossa condição de vida, nosso prazer, nosso conforto, projetamos; viagens, estudos, casamentos, filhos, casas, cidades etc... A palavra projeto está cindida entre o prefixo pro, que significa antecipar, e o sufixo jactar, que corresponde a lançar com direção. O projeto, portanto pressupõe uma das mais importantes pretensões humanas, o controle do nosso vir-a-ser, do nosso futuro, uma capacidade de se antecipar aos eventuais imprevistos, que decorrem de qualquer atividade humana. As perguntas fundamentais de nossa contemporaneidade, tais como; como preservar nosso planeta? como ocupá-lo sem que seja necessário esgotar seus recursos? que cidade queremos para o nosso futuro? o que significa o Bem Viver? Todas são dependentes da adoção da prática de projeto, como estruturador de ações futuras pensadas, que estão alicerçadas num processo, que envolve uma série de agentes e atores trabalhando de forma coordenada e articulada.

Na minha fala procurei enfatizar, que a prática de projeto é fundamental para obtenção de uma maior coesão social no planejamento das cidades que queremos, e do país que estamos construindo, na medida em que precisamos articular um vir-a-ser mais inclusivo. O Brasil talvez seja o caso mais emblemático de desenvolvimento contínuo ao longo de todo o século XX, sem construção de coesão social. Afinal, na contemporaneidade passamos a ser o oitavo PIB do mundo, sem que esse desenvolvimento incluísse o conjunto dos extratos sociais do país, ainda temos uma das piores distribuições de renda do mundo. A razão para essa condição são múltiplas, mas sem dúvida nenhuma podem ser localizadas em nossa história, que nos mostra uma recorrente prática de nossas elites, que sempre se envergonharam do conjunto de nossa população, implantando um tipo de desenvolvimento exclusivo, que alijava expressivas parcelas do país. Dois exemplos ilustram de forma emblemática essa tese, a libertação dos escravos em 1888 e o movimento da Ditadura civil-militar de 1964. O primeiro, lançou uma parcela expressiva da população do país, os negros, num sistema de competição capitalista, sem que lhes fosse fornecida qualquer capacidade para enfrentar o mercado de trabalho, que ainda foi literalmente inundado com imigrantes brancos europeus, num projeto explícito de embranquecimento da nação. O segundo, represou as chamadas Reformas de Base do governo João Goulart, que envolviam as reformas; agrária e urbana, que poderiam ter representado uma maior inclusão social. O projeto da Ditadura civil-militar no Brasil foi cinicamente expresso pelo Ministro da Economia Delfim Neto, que declarava de forma explícita; "Precisamos primeiro fazer o bolo crescer, para depois dividí-lo." Quando olhamos para essa história percebemos claramente que a lógica de nosso desenvolvimento nunca foi um projeto de inclusão de todos, mas um exclusivo para poucos. A partir dessas colocações percebemos como é importante discutirmos, o plano e o projeto do Brasil, lutando pela inclusão de todos os seus habitantes, e não apenas de poucos privilegiados. Portanto, a formulação de um contra-projeto de país, que não o estabelecido e instituído por nossas elites é fundamental, que pode ser percebido, por exemplo, na forma de atuação do mercado imobiliário brasileiro, que na verdade atende apenas a 30% de nossa população, condenando 70% dela ao auto empreendimento da casa própria.

É importante também mencionar, que a teoria mais crítica do projeto não restringe essa ação, a simples resolução de problemas, mas identifica nela, no seu próprio desenvolvimento, uma capacidade ímpar de explicitar conflitos, e, de tentar acomodá-los. Em síntese, o projeto é um processo, no qual aquilo que se deseja será explicitado, pois sua definição de forma precisa e concreta só é possível na medida em que percorremos suas diferentes etapas. O ato de projetar está intrinsecamente conectado com a ampliação da democracia, pois ele oferece ao conjunto da sociedade a possibilidade de pensar seu vir-a-ser. Numa sociedade sobrecarregada de informações, e, por isso mesma dispersa com relação a alguns objetivos é fundamental o debate sobre seus desejos e expectativas, de forma que não contrariem ou represem aspirações do interesse comum. Na verdade, em minha fala tentei resgatar uma colocação fundamental de TAFURI 1979, que identificava na projetação; "uma teoria crítica e operativa do real."  O crítico italiano quando agrega crítica e operação pretende articular pensamento e ação, mantendo um sentido e uma direção, que seria a ampliação da humanidade do homem, uma humanização de sua existência. TAFURI 1979, identificava nos arquitetos uma capacidade de formular idealizações sobre o hábito de morar, os arquitetos seriam ideólogos do habitar. Eles seriam capazes em seus projetos de intuir uma direção geral no sentido da ampliação da interdependência social do homem, geradora de solidariedade representada pela ampliação da urbanidade. Na verdade, TAFURI 1979 não compartilhava de tanto otimismo assim, enveredando pela descrença na ampliação contínua da Modernidade Iluminista, típica da Escola de Frankfurt, principalmente na sua vertente de Adorno e Hockheimer. Por outro lado, o arquiteto brasileiro Vilanova Artigas sempre vinculou o ato de desenhar ao de desejo e devir, como um ato de domínio da natureza, inerente ao ser humano.

"Para desenhar é preciso ter talento, ter imaginação vocação Nada mais falso. Desenho é linguagem também e enquanto linguagem é acessível a todos." ARTIGAS 2004 página114 

Como o homem primitivo, que desenha sua caça antes de enfrentá-la, buscando forças, desenhamos e projetamos nosso futuro, pensando no bem estar e no bem viver. Nesse início do século XXI estamos precisando de um projeto que amplie a participação de todos, construindo um desenvolvimento que inclua a maioria da população brasileira.

BIBLIOGRAFIA:

ARTIGAS, Vilanova - Caminhos da Arquitetura - Editora Cosac Naif São Paulo 2004
TAFURI, Manfredo - Teorias e História da Arquitetura - editorial Presença Lisboa 1979