quinta-feira, 9 de junho de 2016

A cultura do novo capitalismo de Richard Sennett

O livro A cultura do novo capitalismo, do professor de sociologia da London School of Economics, Richard Sennett nos traz para uma importante reflexão sobre como o mundo do trabalho, e da previdência atuam sobre o cotidiano de diferentes atores e agentes, no mundo contemporâneo. Escrito em 2006 e traduzido para o português em 2008, fruto de um Ciclo de Conferências Castle realizado em 2004, na Universidade de Yale na cidade de New Heaven, estado de Conecticut nos EUA. As Conferências Castle homenageiam o reverendo James Pierpoint, fundador da Universidade de Yale e antepassado de John K. Castle, e tem como objetivo refletir sobre a ordenação moral de nossa sociedade contemporânea, a partir da ética, da política e da economia. O livro foi publicado logo após, A corrosão do caráter, consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo, que é de 1999, traduzido em 2015, e que já se debruçava sobre os impactos da acumulação flexível do capital na psicologia dos empregados e na sua compreensão dos locais onde trabalham. O livro também antecede O Artífice, escrito em 2008 e traduzido para o português em 2009 que celebra um fazer bem feito, profundo e comprometido com a permanência e não com a obsolescência programada, que se transformou no paradigma da nova economia capitalista neo-liberal dos nossos tempos.

A virtude de Sennett, nos tres livros me parece a recorrência ao que o filósofo alemão Habermas denomina os mundos da vida, que nada mais é do que nosso cotidiano efetivo. O mapeamento do esforço humano concreto, modulado por diversas gerações num ciclo de vida real, que envolvem; ter uma ocupação para trabalhar, que garanta seu sustento, educar os filhos, dando-lhes condições de nos superar, e, ao final se aposentar.


Interessante assinalar, que ambas as duas primeiras publicações antecedem a grave crise do sistema financeiro americano, que acontece em março 2008, e a terceira - O Artifície -, é sua contemporânea. Os fortes movimentos especulativos do ano de 2008, que culminam com a quebra  do quarto maior banco de crédito dos EUA, o Lehman Brothers, que arrastou outras instituições bancárias, naquilo que ficou conhecido como a Crise Sub-Prime das hipotecas imobiliárias americanas. Nesse mesmo momento, para evitar um colapso geral do sistema, o governo americano estatizou as duas maiores agências de crédito imobiliário do país, a Fannie Mae e a Fredie Mac, injetando nelas US$200bilhões. Essas agências haviam sido privatizadas em 1968. Ao mesmo tempo, na Espanha também são verificados calotes nos pagamentos das hipotecas imobiliárias, que ameaçaram quebrar as instituições financeiras do país. Em 2008 os inadimplentes dos créditos hipotecários na Espanha somavam 2,7milhões de pessoas, por outro lado o censo de 2011 identificou 3,5milhões de imóveis vazios no país. Em outubro de 2008, a Alemanha, a França, a Austria, a Itália, e os Países Baixos injetam US$1,58 trilhão em auxílio às suas instituições financeiras.

Sennett várias vezes qualifica o capitalismo pré-neoliberal - anterior a década de setenta - como "capitalismo social", onde identifica estabilidade tanto das grandes corporações, como também para seus empregados e suas aposentadorias. O sistema de regulação, que até então vigorava no capitalismo e no socialismo real se baseava no fordismo, no pleno emprego e keynesanismo, que representavam para o cotidiano de amplos setores, a estabilidade. Com a ruptura do acordo de Bretton Woods, que foi assinado por 44 nações em julho de 1944, vigorando desde o final da segunda guerra mundial, por parte do governo Nixon, uma imensa massa de moeda se viu disponível para investimentos especulativos. O Acordo Monetário de Bretton Woods determinava a conversibilidade do dólar ao ouro, que ao ser revogado de forma unilateral pelo presidente Richard Nixon em 15 de agosto de 1971 determinou a transformação do dólar em moeda fiduciária, ou base de reserva.

"Esta mudança teve uma data precisa: um enorme superávit de capital para investimentos foi liberado em escala global quando os acordos de Bretton Woods entraram em derrocada, no início da década de 1970. Todo um bolo de riqueza que estivera confinado a empresas locais ou nacionais ou estocado em bancos nacionais podia agora movimentar-se com muito maior facilidade por todo o planeta. " SENNETT 2008 página41

Há também uma distinção importante de ser registrada entre as evoluções histórico-políticas do sistema capitalista, de um lado o modelo do Reno e de outro o Anglo-americano, nos quais a relação entre o mercado e o estado constroem a diferença. No modelo do Reno, que na origem envolve os estados nacionais da Holanda, Alemanha e França, que envolve uma rede de benefícios em pensões, educação e saúde, e que se dissipou pelo mundo em diversas nuances pela Itália, Japão, Escandinávia e Israel. No modelo Anglo-americano há uma acentuada subordinação da burocracia do estado à economia liberal produzindo-se um afrouxamento da rede de benefícios. Em muitas ocasiões denomina-se neo-liberal ao modelo Anglo-americano, enquanto o modelo Renano é denominado capitalismo de estado Para o autor, ambos os modelos demonstram capacidades diferenciadas de se adequar ao novo modelo de acumulação flexível.

"O modelo do Reno pode comportar-se de maneira tão flexível e decisiva quanto o anglo-americano em termos de mercado. O norte da Itália, por exemplo, é bastante renano em sua mistura de empresa governamental e privada, e também flexível, ao responder com rapidez e eficiência à mutante demanda do mercado." SENNETT 2015 página61

Mas, o que me parece importante destacar nesse pequeno ensaio é a imensa tragédia determinada pelo modelo de acumulação flexível do novo capitalismo, nas vidas de diferentes agentes pelo, que reduziram a capacidade de suas familias de planejarem seu futuro, lançando o mundo numa ansiosa busca de resultados imediatos.


BIBLIOGRAFIA:
SENNETT, Richard - A corrosão do caráter, consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo - Editora Record Rio de Janeiro 2015
SENNETT, Richard - A cultura do novo capitalismo - Editora Record Rio de Janeiro 2008
SENNETT, Richard - O Artífice - Editora Record  Rio de Janeiro 2009