domingo, 16 de outubro de 2016

Desenho e inadequação ou, a morte de uma ciclista em Botafogo no Rio de Janeiro

O local do atropelamento de Julia, com as ondulações
no asfalto, produzidas pelas frenagens dos ônibus
A cidade ou o espaço construído pelo homem é um aparato ligado ao nosso cotidiano mais banal. Aqui nesse espaço nosso dia a dia é determinado de forma marcante, e de certa maneira,trágica. A notícia da morte de uma ciclista de 19 anos, Julia Resende de Moura na Rua São Clemente, na última terça feira, dia 11 de outubro no bairro de Botafogo, na cidade do Rio de Janeiro, nos traz uma dimensão de uma perda irreparável para a cidade. A jovem Julia parece fazer parte de uma tribo de jovens, que cada vez mais se multiplicam em nossas cidades, que começam a transformar o mundo a partir de mudanças no seu cotidiano particular. Abandonam os carros, pela bicicleta, para reduzir os impactos nas emissões de carbono e afastar o problema do aquecimento global no planeta, moram em favelas como o Dona Marta, pois reconhecem nesses locais uma vida mais cidadã. Enfim, acreditam que as mudanças devem começar por transformações em suas próprias vidas.

No entanto, a cidade tal como construída, ainda possui uma inércia frente a essas novas demandas, ela ainda não é adaptável. Ao que tudo indica, a jovem Julia morreu atropelada por um ônibus, pela inadequação encontrada na rua São Clemente, para atender ao fluxo de ciclistas, que a cada dia se multiplica mais. Segundo testemunhas, uma ondulação no asfalto da rua, junto a sarjeta do meio fio provocou, a queda da ciclista, que foi atropelada pelo ônibus. Importante salientar, que essas ondulações no asfalto são produzidas pela própria frenagem dos ônibus, o que nos denuncia o caráter inadequado, do desenho, da materialidade e do disciplinamento dos usuários na via. Mais uma vez se manifesta aqui como o desenho, a materialidade, e o mútuo disciplinamento precisam estar coordenados e integrados de forma estruturada. O problema me parece muito mais profundo do que a mera construção de uma simples ciclo-faixa na São Clemente, como muitos ciclistas solicitaram, reivindicando melhor tratamento.

No meu entendimento, o caminhante a pé, o pedestre, em suas versões mais fragilizadas - idosos e crianças - devem ser o agente eleito para a busca de solução das atuais inadequações de desenho, materialidade e disciplinamento. Há um reconhecimento tácito de todos, que as cidades brasileiras despenderam, e ainda despendem energia demais com obras que privilegiam, um insano rodoviarismo, que logo se demonstra incapaz de atender sua própria demanda. Mas trocá-lo por um ciclismo redutor não me parece encarar o problema em toda sua dimensão, afinal a interface entre ciclistas e pedestres é predatória e agressiva. Precisamos enfim reduzir as caixas de rolamento de nossas ruas, privilegiando numa ordem clara de prioridade; em primeiro lugar os pedestres, em seguida e nessa ordem transporte público, ciclistas, e por último, o automóvel individual. Essa premissa de desenho precisa passar a pautar o cotidiano das cidades no Brasil.