domingo, 28 de agosto de 2016

Eleições, olimpíada e pós olimpíada no Rio de Janeiro

A olimpíada do Rio de Janeiro foi um sucesso, mais uma vez os cariocas e brasileiros demonstraram uma incrível capacidade de realizar a festa, de acolher os estrangeiros, e de superar nossas históricas deficiências de comodidades e infra-estrutura urbana. O Rio de Janeiro retomou em certo grau, sua capitalidade, uma vez que representou frente ao mundo, o Brasil, com seu sítio emblemático dominado pelo mar, por ícones geológicos e a estrutura de uma ocupação humana particular, as imagens desse território correram o mundo deslumbrando a todos. Além disso, a cordialidade, a hospitalidade e uma vocação festiva do seu povo reverteram as expectativas negativas, que dominavam o cenário pré-jogos. O antigo centro da urbe retomou simbolicamente seu papel de polo agregador de uma imensa mancha urbana, que congrega vinte e um municípios e doze milhões de habitantes, que conforma a cidade metropolitana do Rio de Janeiro. Uma mega-cidade pelos padrões da ONU. Tal fato, foi um alívio para a auto-estima de cariocas e brasileiros, que não têm vivido nos últimos anos tempos fáceis do ponto de vista político e econômico.

O fenômeno urbano é complexo e solicita ação continuada e articulada por um conjunto de princípios, que estabelecem uma direção clara para a cidade que queremos ser, e que muitas vezes não são explicitados de forma clara por seus gestores e políticos. Essa condição de intransparência com relação aos objetivos e desejos da cidade que queremos ser, na qual muitas vezes opera nossa política, determina que o nosso projeto de cidade seja aprisionado por lógicas privadas de grupos de interesses organizados. Do contexto mais geral da política brasileira parece emergir uma preocupação central com relação ao perfil de nossa sociedade, que precisa ser mudado, e que pode ser resumido por tendências de má distribuição de oportunidades. Numa palavra, o desejo pela construção de uma sociedade com maior equidade, entre seus representantes.

De uma maneira geral, os políticos e a própria sociedade brasileira não identificam na política urbana, na sua territorialidade, na distribuição de suas infraestruturas pelo espaço uma janela de oportunidades para promover essa maior equidade. Na consciência geral ou no senso comum do país as políticas que promovem essa maior equidade se restringem a educação, saúde, promoção social e complementação de renda. O espaço e a forma pela qual ocupamos o território são condicionantes presentes no cotidiano de uma infinidade de pessoas, que por isso tornam-se o elemento mais concreto no dia a dia delas. Debater hipóteses e propostas para mudar a forma como a cidade brasileira vem se reproduzindo, construindo alternativas que confiram mais benefícios e comodidades para um conjunto maior de pessoas é fundamental, e envolve uma dimensão efetivamente presente no cotidiano dos cidadãos. Essa pauta da territorialidade possui um impacto direto sobre a distribuição de renda, pois um melhor acesso ao saneamento básico ou a modais de transportes de alta capacidade podem significar economias substanciais de saúde ou de tempo.

O território e o espaço precisam passar a pautar a política no Brasil, propostas concretas para a cidade brasileira precisam refletir essa demanda para uma sociedade com maior equidade, promovendo uma urbanidade que possibilite o acesso à oportunidades variadas. Nesse sentido, num texto recente aqui nesse blog Arquitetura, Cidade e Projeto defendi para a cidade do Rio de Janeiro, cinco pontos compromisso, que norteariam a política do município. Eram eles;

1. Cidade que promova a eqüidade entre sua população, com a universalização das infraestruturas urbanas.
2. Cidade compacta e densa, reforçando as centralidades existentes e a sua hierarquia.
3. Cidade polifuncional e com diversidade de extratos sociais.
4. Cidade com mobilidade ampliada, investindo prioritariamente nos ramais de alta capacidade como trens, metrôs e barcas, que seriam complementados pelos modais de média capacidade, como BRTs e VLTs, que por sua vez seriam complementados pelos de baixa capacidade, como ônibus, vans, bicicletas e caminhadas a pé.
5.Melhor aproximação com os contínuos naturais importantes, tais como florestas, lagoas, rios e mananciais.

domingo, 21 de agosto de 2016

Gramsci, Tafuri, a filosofia da práxis e o projeto

Antonio Gramsci
O italiano Antonio Gramsci (1891-1937) é muitas vezes considerado como um pensador vinculado ao que se convencionou chamar de marxismo ocidental,  isto é, um conjunto de teóricos sociais com afinidades com o pensamento de Karl Marx, mas que passaram a se envolver mais com questões culturais, de certa forma declinando da premissa de transformar o mundo pela revolução. O posicionamento está expresso na décima primeira tese sobre o filósofo materialista Feuerbach por Karl Marx, que apontava que os filósofos tinham até então desenvolvido a interpretação do mundo, mas que para o materialismo histórico passava a ser mais importante, transformá-lo. Perry Anderson no seu livro Considerações sobre o marxismo ocidental, bem como em Nas trilhas do materialismo histórico, assim como José Guilherme Merquior em Marxismo Ocidental consideram o filósofo da Sardenha como um dos fundadores dessa tendência do pensamento marxista. Na verdade, ambos destacam que Gramsci se separa dessa linha de pensamento pela sua militância no PCI e nos movimentos grevistas do início do século XX na Itália, que acabaram levando-o aos cárceres de Mussolini. Mas enfatizam também sua preocupação com a dimensão cultural das transformações operadas no mundo moderno. Na verdade Gramsci, constroe a possibilidade de convivência entre o movimento comunista e a democracia burguesa, a partir de sua manipulação de termos como ideologia e hegemonia, que estão vinculados a questão da cultura.

Sem dúvida, a décima primeira tese sobre Feuerbach caracteriza o marxismo como uma filosofia da práxis, envolvendo uma análise que abandona uma contemplação passiva do real, engajando-se numa proposição de mudança. Numa analogia com a linguagem médica, poderiamos afirmar que o marxismo se interessa mais pelo prognóstico, do que com o diagnóstico, enfatizando as estratégias para a mudança e transformação, se aproximando com mecanismos típicos da projetação.

Manfredo Tafuri
Foi Manfredo Tafuri (1935-1994), um crítico de arquitetura também italiano, que destacou um grupo específico de teóricos como promotores da crítica operativa do real, no seu livro Histórias e Teoria da Arquitetura. Segundo Tafuri, essa corrente aproximava a crítica da arquitetura do campo da projetação, uma vez que se interessava pela definição de um sentido para as construções humanas, capacitadora de uma ampliação da civilidade. Os pensadores dessa corrente procuravam intuir a partir da história ou da obra de determinados arquitetos, a construção de um sentido de civilidade, tanto da arquitetura, quanto da cidade. O campo do plano e do projeto de urbanismo ou de arquitetura sempre tiveram uma forte tendência pela operatividade, pois pretendem a materialização da transformação. Mas, também operam no campo da crítica, uma vez que apontam para transformações concretas nos hábitos e costumes humanos materializados na espacialidade proposta. Há no campo do plano e do projeto uma salutar tensão entre desejos de materialização e o alcance de premissas utópicas, transformadoras de práticas arraigadas na sociedade.

A dimensão da práxis, a crítica, a utopia e a questão do plano e do projeto carregam um forte compromisso com o vir-a-ser humano, sendo portanto formas de abordar o real, que não se restringem ao diagnóstico, mas se comprometem com o prognóstico.

BIBLIOGRAFIA:

ANDERSON, Perry - Considerações sobre o marxismo ocidental e Nas trilhas do materialismo histórico - editorial Boitempo São paulo 2004
MERQUIOR, José Guilherme - Marxismo Ocidental - editora Nova Fronteira Rio de janeiro 1987
TAFURI, Manfredo - Teorias e História da Arquitetura - editorial Presença Lisboa 1979

terça-feira, 9 de agosto de 2016

Mais uma vez volta a revisão da Lei de Licitações (8666/93)

Nessa terça feira dia 09 de agosto de 2016 foi publicado no jornal O Globo matéria sobre a revisão da lei 8666/93, que regulamenta as compras e contratação de serviços como obras e projetos pelo poder público brasileiro, nas esferas federal, estadual e municipal. O destaque da matéria é a ideia de que as construtoras deverão contratar um seguro para garantir a entrega das obras no prazo, bem como a unificação dos modelos de licitação que ocorreram com a criação do Regime Diferenciado de Contratação (RDC) da Copa do Mundo e o regime exclusivo da Petrobrás. Por outro lado, no site da Agência do Senado Federal há uma notícia atualizada em 02 de março de 2015, que menciona a aprovação por uma comissão da casa da Nova Lei de Licitações. Há uma grande confusão em torno do tema, impedindo que ele seja objetivado para que o interesse público seja resguardado.

A lei 8666/93 foi criada para regulamentar desde a compra de clips, canetas e materiais até serviços complexos como; planejamentos, projetos e obras, colocando debaixo de diferentes modalidades de licitação, tais como pregão eletrônico, carta convite, tomada de preços, concorrência ou concurso, produtos e serviços, que muitas vezes não se adequam a essas formas. Apenas como exemplo, pode-se mencionar para melhor ilustrar o assunto, que é razoável comprar pela modalidade de pregão eletrônico; clips, canetas, papel, pois esses materiais podem ser descritos por especificações claras e objetivas. No entanto, no caso de projetos e obras, que envolvem o interesse público, expertises variados e saberes específicos a modalidade de Pregão Eletrônico se revela completamente inadequada e desastrosa. No exemplo, fica claro que muito além da formulação das leis determinadas pelo Congresso Nacional, atua aqui a lógica da conveniência de uma infinidade de Comissões para Licitação (CPLs) espalhadas por órgãos públicos no país.

Desde sua criação, há uma recorrente argumentação pela revisão e ou flexibilização da lei 8666/93, não importando a corrente ideológica que exerce o poder, para que se obtenha agilidade e presteza na materialização das obras públicas. Já, na própria lei, observa-se uma criação de uma figura inusitada até então, que foi o Projeto Básico, um conceito que pretendia excluir a fase de detalhamento do projeto, possibilitando sua orçamentação, de forma a dar celeridade a contratação da executora de obras, esquecendo-se de uma receita simples, de que é melhor pensar antes de fazer. Portanto, desde seu nascedouro, invariavelmente as propostas de revisão não priorizam a fase de plano e de projeto, mirando no resultado final da obra acabada, muitas vezes identificando nessas etapas iniciais os determinantes de atrasos e aditivos de preços, quando deveria ser exatamente o contrário. Planos e projetos debatidos, desenvolvidos e submetidos aos órgão de regulação são uma significativa ampliação da garantia de que as obras que pré-figuram não apresentarão surpresas, tais como; incremento do orçamento, postergação de prazo, ou mudanças não compartilhadas pelo interesse público mais amplo.

Não é admissível, que um debate tão importante para o planejamento e o projeto do país seja encarado de forma tão ligeira e sem a profundidade merecida, repetindo erros que desembocaram em exemplos fartos de obras inacabadas, superfaturadas, e que não atendem aos anseios do conjunto de nossa população. As obras inacabadas da Copa do Mundo, o escândalo do Petrolão, os recorrentes acidentes e a má execução estão constantemente a nos demonstrar que é necessário planos e projetos bem feitos para reverter essa lógica perversa. E, não qualquer outro subterfúgio.

Abaixo os links da matéria do O Globo e da Agência do Senado Federal.

http://oglobo.globo.com/economia/mudanca-na-lei-devera-prever-seguro-para-obras-publicas-19882179

http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2013/12/12/comissao-aprova-nova-lei-de-licitacoes

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

A dialética do esclarecimento

O livro A dialética do esclarecimento, fragmentos filosóficos foi escrito por Theodor W. Adorno (1903-1969) e Max Hockheimer (1895-1973) em pleno exílio nos EUA, nos anos da ascensão do Partido Nacional-Socialista, que impediu as atividade do Instituto de Pesquisas Sociais, a Escola de Frankfurt, dentro da Alemanha de 1933 a 1945. Esse periodo, do ponto de vista das expectativas utópicas representou um enorme achatamento das energias, se configurando como um momento onde totalitarismos de diferentes origens dominaram o horizonte, assim como no nosso tempo presente. Os dois filósofos alemães escrevem o livro exilados na costa oeste americana, na cidade de Berkeley próxima a San Francisco, convivendo com a emergência do modelo de uma cidade espalhada e de baixa densidade, dominada pelo automóvel e o pneu, que assiste ao surgimento da moderna industria da cultura de massas, representada pelo cinema e pela música. Na Alemanha, o nazismo fora eleito determinando a perseguição aos judeus e aos intelectuais de esquerda, na União Soviética, Stalin havia assumido o controle do Partido Comunista calando vozes de diversos opositores. Mesmo nos EUA e na Califórnia, distantes das terríveis convulsões da Europa se iniciava a perseguição aos comunistas, que impuseram aos dois filósofos alemães uma série de constrangimentos. Consta, que Adorno, que não possuía o visto americano permanente, não podia se afastar mais de cinco quilômetros da Universidade e de sua casa, sem comunicar a polícia da Califórnia, o que já denotava o surgimento do Macartismo.

O livro, lançado em 1947, carrega uma forte carga pessimista, principalmente no que corresponde a cultura de massas, ou industria do entretenimento, ou as novas técnicas de reprodução da obra de arte, encaradas como meio de alienação, repressão e dominação. A auto-destruição do esclarecimento, que dominado pelo positivismo reducionista da celebração científica, reduz a capacidade reflexiva encaminhando a humanidade para uma nova barbárie. Por isso, aqui emerge um marxismo desconfiado da coletividade e mesmo do proletariado, que radicaliza um discurso vanguardista e isolacionista, que Horkheimer já prenunciava no livro A teoria tradicional e teoria crítica de 1937;

"...a verdade buscará refúgio entre pequenos grupos de homens admiráveis." HORKHEIMER, citado por MERQUIOR 1987 página160

O livro é composto por um breve Prefácio, que sistematiza a ideia de esclarecimento como destruidor dos mitos e ritos explicadores e instrumentador de uma ciência desmemorizada, simplificadora e unilateral. Seguido por O conceito de Esclarecimento, no qual a razão instrumental e tecnológica é vista como legitimadora da dominação e do poder sobre a natureza ou outros seres humanos, que passam a ser objetivados. Seguido por dois excursos, um sobre o mito de Ulisses na Odisséia grega - Excurso I: Ulisses ou Mito e Esclarecimento - visto como um testemunho precoce da civilização burguesa, onde sacrifício e renúncia prenunciam o domínio total da natureza humana e não-humana. E, o segundo excurso sobre Kant, Sade e Nietzche - Excurso II: Juliete ou Esclarecimento e Moral - onde emerge um sujeito autocrático, que descamba para uma objetividade cega, não admitindo mais o contraditório. Após esses dois excursos, que segundo alguns dicionários tem como significado; desvio, digressão, divagação, ou desvio do tema principal; seguem-se dois capítulos; A industria cultural e Elementos do Anti-semitismo, que são seguidos por Notas e Esboços, que anunciam pesquisas futuras. Por essa estrutura, o livro denota uma certa processualidade inconclusa, ou uma perplexidade diante da transformação do esclarecimento em barbárie, a sombra do nazismo e de suas atrocidades domina a reflexão, sinalizando que o aumento do consumo de bens materiais não elevou o padrão da sociabilidade.

"Numa situação injusta, a impotência e a dirigibilidade da massa aumentam com a quantidade de bens a ela destinados. A elevação do padrão de vida das classes inferiores materialmente considerável e socialmente lastimável, reflete-se na difusão hipócrita do espírito." ADORNO e HORKHEIMER 1985 página14

Não concordo em definitivo com o capítulo sobre A Industria cultural, que no meu entendimento gerou muita quantidade, que em alguns casos apresenta qualidade e reflexão, e não apenas divertimento e alienação, como manifestado no livro. O jazz, a música e o cinema, atividades culturais que foram multiplicados pela reprodutibilidade técnica da obra de arte, demonstram de forma clara essa presença, atingindo muitas pessoas e impulsionando uma reflexão de maior qualidade e profundidade. Na verdade, com o livro, fica clara a incomunicabilidade entre as teorias sociais da Alemanha e da Itália, nesse período, demonstrando a falta que as categorias mais otimistas de Gramsci, tais como; hegemonia cultural, contra-hegemonia, intelectuais orgânicos e outras fazem ao pessimismo germânico, apesar das também terríveis condições, dentro dos cárceres de Mussolini, nas quais foram formuladas, No entanto, não há como negar que o citado capítulo contém algumas antevisões esclarecedoras de como os bens culturais passaram a ser encarados de forma rentista, no nosso mundo contemporâneo;

"O que se poderia chamar de valor de uso na recepção dos bens culturais é substituído pelo valor de troca; ao invés do prazer, o que se busca é assistir e estar informado, o que se quer é conquistar prestígio e não se tornar um conhecedor....Tudo só tem valor na medida em que se pode trocá-lo, não na medida em que é algo em si mesmo." ADORNO e HORKHEIMER 1985 página148

Em tempos de Olimpíada no Rio de Janeiro, o livro traz uma reflexão importante sobre a espetacularização geral das mais diversas ações humanas; esportes, artes, informação, arquitetura e urbanismo. O texto, de certa forma pode ser datado num tempo que parecia justificar as mais diversas exceções contra os procedimentos democráticos, promovidos pelo positivismo, anti-semitismo, nazismo e um forte investimento em superficialidades redutoras. A racionalidade objetiva, um formalismo ortodoxo lógico, o positivismo e as ciências práticas dominam o horizonte humano, determinando um imediatismo. A destruição da individualidade emerge da homogeneização do mercado, que modela as particularidades inatas de todos a uma mesma violência da maioria.


"Aquilo que acontece a todos por obra e graça de poucos realiza-se sempre como a subjulgação dos indivíduos por muitos: a opressão da sociedade tem sempre o caráter da opressão por uma coletividade." ADORNO e HORKHEIMER 1985, página35

Ulisses amarrado ao mastro com os remadores sem ouvir
sofre o assédio das sereias e seu canto
Uma das construções mais fundamentais do livro é a manipulação do duodécimo canto da Odisséia de Homero, quando é descrito o encontro de Ulisses com o mar das Sereias, durante sua longa viagem de volta à Itáca, após a vitória sobre a cidade de Tróia. Ulisses determina  que seus companheiros na nau remem com todas as suas forças, e tenham seus ouvidos tamponados, evitando que ouçam os cantos das sereias. Ao mesmo tempo, se amarra ao mastro central da nave, pois quer ouvir, mas não quer se deixar levar pela sua sedução. Segundo Adorno e Horkheimer, esse entrelaçamento de mito, dominação e trabalho irá pelo sofrimento promover a emancipação, fazendo uma analogia com a obstinação dos burgueses, que recusavam a felicidade e o prazer em nome da ampliação de seu poderio. A arte quando não inserida na vida cotidiana tende a uma fruição regulada e neutralizada, onde a contemplação passiva se separa dos objetos assumindo um caráter de idolatria alienada, negando sua potência de conhecimento e auto-esclarecimento. Ulisses acaba suplicando a seus companheiros, que o soltem das amarras para se reunir ao belo canto das sereias, mas esses seguem remando, indiferentes e alienados. Há aqui uma clara identificação da arte com o prazer, o rito e o mito, que pela divisão social do trabalho guarda apenas para o senhor ou o líder a possibilidade exclusiva de sua fruição e deleite. A reprodução da vida do senhor é garantida pela distribuição das tarefas, não havendo possibilidades de escape do papel social pré-determinado, força física e repetição das remadas salvam e ao mesmo tempo mantém preso a Ulisses, que representa o espectador passivo e separado da beleza como um espectador. Enfim;

"As medidas tomadas por Ulisses quando seu navio se aproxima das Sereias pressagiam alegoricamente a dialética do esclarecimento." ADORNO e HORKHEIMER 1985 página45


BIBLIOGRAFIA:

ADORNO, Theodor W. e HORKHEIMER, Max - A dialética do Esclarecimento, fragmentos filosóficos - Editora Jorge Zahar Rio de Janeiro 1985
MERQUIOR, José Guilherme - O marxismo ocidental - Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro 1987