domingo, 15 de novembro de 2015

A tragédia em Mariana mostra-nos o imediatismo na gestão territorial no Brasil

No dia de 05 novembro de 2015 as duas barragens de rejeitos minerais, Santarém com 7 milhões de m3 e Fundão com 55 milhões de m3 se romperam no distrito de Bento Rodrigues do município de Mariana em Minas Gerais. As barragens eram de responsabilidade da Samarco Mineradora, cujos os donos são a anglo-australiana BHP Billinton e a brasileira Vale, que apesar de lucros estratosféricos e pelos indícios dados pelo noticiário trataram a gestão territorial e a população a jusante com desleixo.

A gigante anglo-australiana BHP Billinton teve lucro em 2014 de US$ 13,8 bilhões, sendo a maior mineradora do mundo. A antiga Companhia Vale do Rio Doce, atual Vale é a segunda empresa do ramo, tendo uma produção em 2005 de 255 milhões de toneladas, sendo 58 milhões destinadas às siderúrgicas brasileiras e 197 milhões destinadas à exportação. Em outubro de 2006, a Vale comprou a canadense Inco, tornando-se a segunda maior empresa de mineração do mundo, atrás da anglo-australiana BHP Billiton. Em Londres apenas duas semanas antes do acidente a primeira gigante da mineração no mundo dava uma coletiva a imprensa para anunciar as medidas de segurança e de responsabilidade ambiental da empresa frente as mudanças climáticas que estão em curso. Tudo indica que o Brasil não foi ainda contemplado.

As duas barragens de Santarém e Fundão, portanto liberaram 62 milhões de m3 de rejeitos minerais, o que corresponde a um cubo de lados iguais com 396 metros lineares, ou seja, um edifício com 110 andares de altura. As barragens participam da bacia do Rio Doce, um rio que possui suas nascentes nas serras da Mantiqueira e do Espinhaço no estado de Minas Gerais, percorrendo 853 km entre essas serras e a foz no Oceano Atlântico no estado do Espírito Santo. Segundo dados da Agência Nacional de Águas (ANA) a vazão da enxurrada de lama com rejeitos minerais é da ordem de 1.900m3/segundo, enquanto a vazão média do Rio Doce na cidade de Linhares, no Espírito Santo, bem perto da foz é de apenas 984m3/segundo. Essas proporções dão a dimensão da tragédia, que as populações ribeirinhas estão vivendo em função do rompimento das barragens, e o tempo que será necessário para sua regeneração.

A população da Bacia do Rio Doce, estimada em torno de 3,5 milhões de habitantes, está distribuída em 228 municípios, sendo 203 mineiros e 26 capixabas. Mais de 85% desses municípios têm até 20 mil habitantes e cerca de 73% da população total da bacia concentra-se na área urbana, segundo dados de 2007. Nos municípios com até 10 mil habitantes, 47,75% da população vive na área rural.A cidade de Governador Valadares é a maior cidade na beira do Rio Doce com 280 mil habitantes, que está com seu abastecimento de água suspenso. O Ministério Público de Minas Gerais entrou com uma ação civil pública contra a empresa Samarco Mineração exigindo que ela abasteça Governador Valadares com 800 mil litros de água por dia num prazo de até 72 horas depois da liminar. Caso a empresa não cumpra com o pedido, a multa aplicada será de R$ 1 milhão por dia.

A bacia do Rio Doce concentra a história do desenvolvimento siderúrgico do país, ligando pioneiros e empreendedores como Percival Farquhar e Eliezer Batista, assim como empreendimentos de vulto como a Estrada de Ferro Vitória Minas. Talvez o acidente das barragens de Bento Rodrigues tenha um aspecto positivo, que pode ser o desenvolvimento de uma consciência regional em torno da bacia do Rio Doce. Um acontecimento natural e sensível, que demanda planejamento sistêmico, muito além do imediatismo do lucro das mineradoras.