terça-feira, 12 de janeiro de 2016

A Espanha e o fracasso da política habitacional baseada no Estado Neo-liberal

O drama do endividamento das famílias na Espanha
Após a segunda guerra mundial, as bases do Estado de Bem Estar Social foram lançadas na Europa e nos Estados Unidos, tendo como premissa evitar enfrentar uma outra crise semelhante a de 1929, determinada pelo crack da Bolsa de Nova York. A doutrina de John Maynard Keynnes determinava um pacto redistributivo, para se evitar a tendência concentradora e especulativa do sistema capitalista, eterno produtor de crises cíclicas. Além da promoção da saúde, um dos campos de ação era a promoção e o subsídio a obtenção da moradia pelas classes menos favorecidas, seja pela alocação social ou pelo subsídio à hipoteca. Portanto, o modelo de regulação, tanto do Estado, quanto da Iniciativa Privada reunia o desenvolvimento econômico e a justiça social, num pacto que gerou uma continuidade de crescimento econômico e distribuição de renda, entre os anos de 1945 a 1975.

Assim, no Reino Unido e na Irlanda do Norte cerca de 5,5 milhões de unidades habitacionais foram construídas entre 1945 e 1981. Mesmo nos EUA, país de tradição liberal, ao final dos anos 1970 o estoque de moradias públicas para aluguel a famílias de baixa renda chegou a 1,4 milhão de unidades. Ao final dos anos setenta, começo dos anos oitenta, o Estado de Bem Estar Social começa a ser desmanchado, ressurgindo a ideologia do (neo) liberalismo que havia gerado o crack da bolsa de Nova York em 1929.

A Espanha nunca teve uma política baseada no Estado de Bem Estar Social para a produção da habitação. No tempo da ditadura franquista, enquanto países como a Holanda e a Inglaterra investiam fortemente numa política de locação social, a Espanha mantinha-se presa a ideia de "quem tem um título de propriedade tem algo a perder, interesses concretos a defender e pouco tempo para conspirar." COLAU e ALEMANY 2012 página35 Era então a típica mentalidade propalada e divulgada pela ditadura franquista, que frente as tendências de outros países vizinhos da Europa, mantinham a Espanha num claro isolamento.

Após a segunda guerra mundial a Espanha permaneceu isolada, não tendo participado sequer da ONU, mantendo-se  à margem, dominada por um atraso sistêmico, que parecia ser o programa da ditadura franquista. A guerra civil espanhola (1936-39) determinou uma enorme cisão no país entre a Frente Popular e os Nacionalistas, o primeiro grupo apoiado pela União Soviética, México e pelas Brigadas Internacionais, enquanto o segundo recebia o apoio dos Nazistas alemães e dos Fascistas italianos. A guerra civil espanhola foi uma terrível ferida, tirou a vida de 500 mil, e forçou a imigração de outros 500 mil, apenas a Argentina recebeu nesse período 300 mil espanhóis.

As duas potências ocidentais, EUA e Inglaterra, que irão combater os países do Eixo, Alemanha, Itália e Japão se isentaram do conflito da guerra civil espanhola, por isso durante a segunda guerra, a Espanha se declara neutra, apesar de sua clara simpatia pelo nazi-fascismo. Na primeira década logo após o final da segunda guerra, com a guerra fria o alinhamento espanhol, assim como o português permanece dúbio, envolvendo um anti-comunismo com pitadas também de anti-capitalismo.

Franco irá falecer apenas em 1975, assumindo o poder de forma provisória o rei Juan Carlo, que convoca eleições para a formulação de uma nova constituição, que é declarada em 1978. Em 1981 ocorre uma tentativa de golpe apoiado pelos EUA, que o rei Juan Carlo contorna, enquadrando as forças armadas espanholas. Portanto a redemocratização espanhola ocorre exatamente no momento de ascensão dos ideais neo liberais, na Inglaterra e nos EUA, a primeira ministra britânica Margareth Thatcher é eleita em 1979, e o presidente norte americano Ronald Reagan em 1980.

Desde a redemocratização da Espanha dois partidos tem se revesado no poder, o PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol) de cunho social democrata e o PP (Partido Popular) de posicionamento liberal de direita. Apesar disso, tanto o partido social democrata, quanto o liberal implantam uma política habitacional alinhada com os ideais do neo-liberalismo, isto é, baseado na casa própria e no crédito hipotecário.

"O problema não é que na Espanha, a maioria das pessoas não tenham moradia - diz-se que 82% das moradias são habitadas por proprietários - mas o fato de que a maioria das famílias tem financiamentos que levarão a vida inteira para pagar e que os riscos de exclusão aumentam. Em 2003, só os créditos para a moradia representavam 62% da renda disponível, e a relação da dívida creditícia total sobre a renda atingia 91%. Também não se trata de que não se construam moradias, uma vez que nunca tinham sido construídas tantas - setecentos mil em 2004 - ,mas de que muitas delas se encontram vazias, pois são objeto de investimento ou então de abandono." MONTANER e MUXI 2014 página172

No ano de 2007 ocorre uma forte crise, com o estouro da bolha imobiliária, lançando um grande contingente de espanhóis na inadimplência. Em 2008, 2,7 milhões de pessoas terminam o ano sem poder pagar suas dívidas, no ano seguinte 850mil imóveis são requisitados pelos bancos para cubrirem as dívidas. Em 2011 existiam 3,5 milhões de imóveis vazios na Espanha, grande parte desse contingente tinham passado para as mãos dos bancos, que com os imóveis subvalorizados continuavam cobrando das familias mesmo depois de despejadas. ROLNIK 2015 página 77

O resultado disso tudo foi que em 2008, 170 milhões de euros do contribuinte espanhol foram utilizados para resgatar entidades financeiras em dificuldades por conta da farra das hipotecas, assim como nos EUA no mesmo ano, a ideologia do Estado Neo-liberal considera justo resgatar o sistema financeiro em dificuldade, mas não acha correto subsidiar a habitação de interesse social. Enfim, parece claro em todas essas operações a hegemonia do capital financeiro no mundo contemporâneo, que dita a atuação do estado e dos indivíduos.

BIBLIOGRAFIA:

COLAU, Ada e ALEMANY, Adriá - Vidas hipotecadas: de la burbuja imobiliária al derecho a la vivienda - Cuadrilátero de Libros, Barcelona 2012

MONTANER, Josep Maria e MUXI, Zaida - Arquitetura e política: ensaios para mundos alternativos - Gustavo Gilli São Paulo 2014

 ROLNIK, Raquel - Guerra dos Lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças - Editora Boitempo São Paulo 2015