quinta-feira, 30 de abril de 2015

O filme Casa Grande é uma importante reflexão sobre nossa espacialidade construída

A residência do adolescente Jean no filme Casa Grande
O filme Casa Grande de Felipe Barbosa, que está em cartaz nos cinemas brasileiros, é uma leitura apurada das relações entre as classes sociais no Brasil. Possui uma clareza didática impressionante e bastante sensível da nossa realidade. Sem enveredar por dogmatismos redutores, o filme mostra os nossos pré conceitos e fobias com compaixão e compreensão, sem abrir mão de uma crítica contundente. Um dos seus principais protagonistas é a espacialidade da cidade brasileira, representada pelo Rio de Janeiro, com suas Residências burguesas, Favelas, Auto-estradas e Rodoviarismos, Colégios, Exclusão e Inclusão de atores e agentes, e por último a Natureza e a Construção Humana. Temas que deveriam se constituir na pauta central de uma política urbana nacional, que o país teima em não enfrentar de forma articulada e estruturada.  Como escreveu o cineasta Cacá Diegues em recente artigo no jornal O Globo, no último domingo, dia 26 de abril de 2015;
"Deixar de ver um filme como esse é perder a oportunidade de entender melhor quem somos nós."
A estrada Lagoa Barra, uma obra rodoviária, que conectou a
Barra da Tijuca à Zona Sul, numa clara estratégia para
beneficiar o capital imobiliário.
O filme narra a iniciação e as espectativas sexuais de um adolescente Jean de classe média alta, usando desse argumento para debater temas complexos como; o patriarcado brasileiro, o isolamento da casa burguesa, o espaço da educação brasileira, cotas para as minorias, os transportes públicos e o rodoviarismo, a sociabilidade da favela, a especificidade única da cidade brasileira e a ausência de reflexões autônomas sobre ela.

Um dos personagens principais da trama é a casa do adolescente Jean, que se localiza no Itanhangá na Barra da Tijuca, num distanciamento encastelado da cidade, e numa aproximação idilica com a Floresta da Tijuca e a natureza. O encastelamento de segurança que é garantido por sistemas modernos de alarme e vigilância, não inclui o quarto da empregada que dorme na casa numa área além da proteção, demandando que Jean drible cotidianamente o sistema, para visitá-la na calada da noite, sem que os pais saibam.

O escritório do pai de Jean, um cenário sem ligação com o
restante da casa. Ostentação e Uso desconexos...
A casa voltada para a piscina é cercada pela paisagem idilica da Floresta da Tijuca no Rio de Janeiro, onde o pai de Jean cultiva metodicamente orquídeas tropicais, num claro afastamento da urbanidade carioca. A casa com aparente duas fachadas, uma de acesso e outra voltada para a piscina, que parecem aparições fantasmagóricas dotadas de uma indefinição estilistica exemplar, que denuncia a ausência de qualquer projeto, ou mesmo de uma sumária pré definição. Ao final, parece que a residência é composta de partes que não dialogam, tendendo a se tornar independentes um dos outros.

O interior da casa também é uma manifestação interessante do filme, o escritório do pai, o quarto do garoto, as salas, o quarto da empregada, a sala de jantar denunciam a falta de coesão e de ligação entre os compartimentos, como se não pertencessem ao mesmo organismo. A cena do pai de Jean, mostrando a residência para um amigo corretor é memorável, e menciona o recurso meio falsificador do gesso, e da ostentação dos sistemas de som e de segurança. O conjunto todo parece denunciar uma origem principal ostentatória, deslocada do uso efetivo e do conforto das pessooas.

Por último, há também um protagonista de peso, a cidade do Rio de Janeiro, suas autopistas, suas favelas, a exposição ou reclusão a uma certa sociabilidade, a ansiedade adolescente por conhecer e se expor a cultura do país. Fica claro o isolamento a que a classe média alta se determinou com medo da sociabilidade geral desenvolvida pelo país, a partir de motivos de ocasião, ou estruturais. As noites de sábado nas quais os adolescentes e a juventude querem buscar novas experiências, claramente se chocam de forma conflituosa com essa reclusão das familias abastadas.

 Ao final, a realização dos anseios sexuais da adolescência de Jean, mesmo quando reproduz comportamentos da "Casa Grande e da Senzala" traz uma mensagem positiva e alegre, que talvez seja uma reconciliação para lá de necessária, anunciada pelas novas gerações, pelo menos através da cultura.