quinta-feira, 31 de março de 2016

Filme sobre o Porto do Rio sustenta debate no IAB-RJ

Na última segunda feira dia 28 de março de 2016 foi realizado no auditório do Instituto de Arquitetos do Brasil, departamento do Rio de Janeiro (IAB-RJ) a projeção do filme Porto do Rio, do arquiteto Pedro Évora e da cineasta Luciana Bezerra. Após o filme houve um debate reunindo os arquitetos Pedro Évora (diretor do filme), Luiz Fernando Janot (depoente), Demetre Anastassakis (depoente) e Pedro da Luz Moreira (presidente do IAB-RJ) sobre os desdobramentos para a cidade das ações implantadas na Zona Portuária do Rio de Janeiro.

O tema do filme é o projeto da Prefeitura Municipal sobre a Zona Portuária do Rio de Janeiro, com uma ampla coleta de depoimentos de diversos agentes, que no meu entendimento tendem na sua maioria a identificar uma falta de consistência na pré-figuração do próprio projeto. Como, se o projeto carregasse uma indefinição interessada, que possibilitasse o estabelecimento de negociações em torno de indices e taxas, que permitissem pressões diversificadas de diferentes interesses.

Pedro da Luz, Demetre Anastassakis, luiz Fernando Janot e
Pedro Évora
A atual diretoria do IAB-RJ que definiu no nome de sua própria plataforma de atuação - Projetos e Planos para democratizar a cidade brasileira - reconhece como essas ações, de plano e de projeto, quando bem estruturadas e desenhadas, possibilitam de forma efetiva a participação de amplos setores na definição do seu vir-a-ser. A prática do plano e de projeto, e uma certa cultura de pensar antes de fazer, afastando o improviso em função de ações pensadas e articuladas é o que parece ser um antídoto frente as recorrentes eventualidades das obras brasileiras.

A Zona Portuária do Rio de Janeiro, denominada Porto Maravilha pela Prefeitura do Rio de Janeiro efetivamente carece de uma maior precisão na definição daquilo que quer ser. Nessa condição acaba reproduzindo o interesse do capital imobiliário, que vem se concentrando em lançamentos corporativos na área, gerando uma extensão do centro empresarial da Avenida Rio Branco, que não me parece ser do interesse geral, afinal não estamos mais interessados numa separação espacial entre lazer, trabalho e habitação, mas sim na sua aproximação.

A ausência de uma pré-figuração clara e objetiva, que definisse a forma da espacialidade pretendida acaba deixando o agente público prisioneiro de interesses particulares acabando por ser pautado por esses. As proposições do planejamento e ou de projeto, quando indefinidas e amorfas não permitem o monitoramento contínuo da população interessada, transformando essas pré-figurações em abstrações ininteligíveis, que apenas cumprem o papel burocrático.. Interessante notar, que a consulta a documentos divulgados pela Prefeitura do Rio de Janeiro, como por exemplo no Plano de Habitação de Interesse Social de 2015 (PHIS), que afirma textualmente;

"Desse modo, a lei pretende induzir a distribuição dos tipos de empreendimentos e estimular a produção de residências e, consequentemente, promover o aumento do número de moradores da região." PHIS página18

Nota-se, que apesar desse desejo explícito do PHIS, a área vem apresentando baixa atratividade para os empreendimentos habitacionais, sendo na verdade colonizada por iniciativas corporativas, conforme pode ser atestado pelos licenciamentos edilícios catalogados pela própria Secretaria Municipal de Urbanismo (SMU) da Prefeitura. Tal tendência pautada pelos agentes do mercado imobiliário precisa ser revertida, uma vez que não se pretende a reprodução da concentração de áreas corporativas da avenida Rio Branco, que acabam determinando um cotidiano de intenso uso dos espaços públicos apenas nos dias e horas úteis ou de trabalho. Portanto, a cidade mista, com pluralidade de usos, tais como habitação, trabalho e lazer, acabam determinando um cotidiano mais virtuoso, onde há sustentação e vidas urbanas intensas.

Essa é a cidade segura, que possibilita o encontro e o convívio das diferenças, que não especializa partes do seu território como áreas habitação, ou áreas ricas ou pobres, mas permite a surpresa e a festa.

quinta-feira, 24 de março de 2016

Debate no IAB-RJ com o arquiteto argentino Jorge Moscato

O presidente do IAB-RJ Pedro da Luz e o arquiteto argentino
Jorge Moscato
Na última quarta feira dia 23 de março de 2016, no auditório do IAB-RJ realizou-se com o arquiteto argentino Jorge Moscato, um debate sobre a cultura urbana e arquitetônica daquele país, sobre a ótica do desenvolvimento de projetos urbanos, como o de Puerto Madero em Buenos Aires e outros na Patagônia. O debate assumiu um caráter de um bate papo informal sobre as práticas cotidianas, que produzem a arquitetura e o urbanismo na Argentina, explicitando a montagem de empreendimentos imobiliários pulverizados nas cidades daquele país.

Segundo Jorge Moscato, os governos deveriam fazer um esforço, montando políticas para obter a pulverização entre vários agentes da sociedade dos empreendimentos imobiliários, uma vez que essa disseminação de pequenos investidores traz uma contribuição de maior valor arquitetônico e cultural para a construção de nossas cidades. Uma posição que o IAB-RJ vem defendendo junto ao Ministério das Cidades no Brasil há muito tempo, para melhorar e diversificar o mercado imobiliário do país. A apropriação da renda urbana, ou lucro imobiliário, quando acessível a um maior conjunto de pequenos investidores traz maiores benefícios para a cultura arquitetônica, obtendo-se uma qualidade construtiva superior. As cidades brasileiras estariam melhor construídas se suas novas edificações fossem empreendidas em pequena escala, pulverizadas entre diferentes agentes, e não monopolizada nas mãos de poucos.

Além desse ponto, o arquiteto argentino Jorge Moscato também caracterizou os planos urbanos como uma ilusão, capaz de mobilizar grandes energias na medida em que cooptarem um grande número de agentes e atores na sociedade, para suas propostas. O poder de convencimento dos planos urbanos deriva de sua capacidade de pré-figurar imagens da cidade futura, que espelhem pretensões e desejos socialmente compartilhados. Nesse contexto, o poder do desenho, do plano e do projeto devem se comprometer com princípios que coloquem em pauta a cidade ideal, ou a cidade diversa da real, que produzimos de forma mecânica e impensada. Um dos pontos que me parece central na agenda das cidades latino-americanas, e também nas cidades da Europa e da América do Norte é a reversão das tendências segregacionistas entre ricos e pobres. A cidade segura é a da diversidade de extratos sociais, onde há proximidade entre diversas categorias sociais, possibilitando o encontro com a diferença para todos.

Segundo o arquiteto argentino, a cidade ao longo de sua história, nas suas diversas formas tipo - medieval, barroca, neo-clássica,e mesmo a moderna - não afastava para longe sua pobreza e precariedade. Apenas a cidade contemporânea, ou da exacerbação do capitalismo de nossos dias desenvolveu a fobia pela pobreza, segregando territórios, devido ao imenso valor assumido pela terra urbana em diversas localidades. Efetivamente nos últimos encontros promovidos no IAB-RJ com arquitetos estrangeiros - particularmente com a França e a Inglaterra - essa tendência segregacionista vem se manifestando, mesmo em cidades européias, que tinham uma estrutura social mais equilibrada.

Enfim, a presença do arquiteto argentino na sede do IAB-RJ provocou uma série de questões importantes para as cidades brasileitras e no mundo contemporâneo. O link abaixo mostra uma reportagem no O Globo publicado em 13/04/2016 sobre o arquiteto Jorge Moscato.

http://oglobo.globo.com/sociedade/conte-algo-que-nao-sei/jorge-moscato-arquiteto-gentrificacao-inevitavel-19071733?utm_source=Facebook&utm_medium=Social&utm_campaign=compartilhar


terça-feira, 22 de março de 2016

Matéria da BBC de Londres sobre as Olimpíadas do Rio de Janeiro

Entrevista a BBC de Londres
A matéria da BBC de Londres sobre as Olimpíadas no Rio de Janeiro abordou a questão dos projetos de urbanização de favelas na cidade. A promessa do Programa Morar Carioca era de urbanizar todas as favelas da cidade do Rio de Janeiro até o ano de 2020, o que seria sem sombra de dúvida um legado importante dos Jogos Olímpicos. As primeiras ações do Programa Morar Carioca se iniciaram em 2011, com o Concurso Público de Metodologias de Projeto para a promoção da urbanização, que escolheu quarenta equipes de todo o Brasil, para trabalhar nas favelas. Infelizmente essas primeiras ações não tiveram continuidade, fazendo com que o Programa Morar Carioca não tenha conseguido atingir a dimensão que o Favela-Bairro, como uma política continuada de urbanização na cidade já tinha conseguido.

A minha entrevista abordou essa questão, da construção de uma política continuada para a obtenção de uma cidade com maior equidade, na qual o item urbanização de favela cumpriria um papel fundamental, sendo um importante braço para alcançar esse objetivo.

O link abaixo traz a entrevista na íntegra

https://vimeo.com/159085588

domingo, 20 de março de 2016

Reflexões a partir da Casa Batló em Barcelona


A casa Batló, reforma empreendida por Gaudí sobre uma antiga construção do Passeio de Gracia. A esquerda a antiga casa e à direita a proposta de Gaudí
A casa Batló em Barcelona foi construída em 1906, pelo arquiteto Antoni Gaudí na avenida Paseig de Gracia, que ligava o antigo centro histórico da cidade (Bairro Gótico) ao então novo bairro-jardiim do distrito de Gracia. A casa Batló é fruto de uma substancial reforma de uma casa pré-existente, conforme imagem acima. Essa  avenida precede o Plano de Ildefonso de Cerdá de 1848, se constituindo num novo boulevard, inaugurado em 1821, que ligava o sítio denso da antiga cidade murada de Barcelona ao bairro jardim de Gracia. Esse bairro, então no começo do século XIX, de baixa densidade, se constituía como o local preferencial de moradia dos ricos industriais catalães, que abandonaram a insalubridade da densa cidade antiga.

A casa Batló possui uma história muito particular, construída inicialmente em 1877, com a configuração mostrada acima, por  Emilio Sales Cortes, sendo então comprada em 1903 por Josep Batló y Casanova, que contrata o arquiteto Gaudí para construir uma nova casa no lote. Gaudí contra argumenta que a casa deveria ser reformada, aproveitando partes da estrutura. A sugestão de Gaudí é aceita por Josep Batló.

Corte perspectivado da casa Batló
A casa Batló mostra desde sua primeira configuração a presença de unidades habitacionais acima dos tres pavimentos iniciais, mais próximos à cidade,  que eram destinados a locação para outros agentes, estranhos à família proprietária. Gaudí irá manter essa estrutura na sua reforma, mantendo os tres pavimentos superiores, que eram alugados pela familia Batló. Portanto os dois pavimentos iniciais, mais perto ao solo da cidade, eram os mais nobres e elaborados, o que comprova, que na passagem do século XIX para o XX, já com a presença do elevador que é disponibilizado para as unidades mais acima da casa Batló, a preferência dos extratos mais aquinhoados era pela proximidade do espaço da rua, e não pelo distanciamento dos últimos andares.

Assim, no início do século XX, o vínculo da burguesia endinheirada, ainda era com o solo da cidade, com seu burburinho e dinamismo. O desenvolvimento de uma espacialidade agressiva e insalubre no chão da cidade terá mais forte presença a partir da hegemonia dos automóveis e dos veículos dotados de pneus, ocorrida ao final da segunda grande guerra. O concomitante desenvolvimento do elevador, como uma máquina mais segura e confortável, articulado com esse declínio da rua produzido pelos automóveis acabou determinando uma maior valorização das unidades mais distantes do solo da cidade.

Por outro lado, o modernismo catalão, que baliza a casa Batló e o ideário de Gaudí celebra uma certa artesania, olhando de forma desconfiada para o industrialismo, a padronização e a produção em massa determinada por ele. A casa Batló, assim como La Pedrera no mesmo Passeig de Graciá e a Catedral da Sagrada Familia, - todos desenhados por Gaudí - encaram o processo de construção como uma oportunidade para expressão dos diversos artesãos comandados pelo arquiteto.

Há uma certa celebração, ou retorno nostálgico aos procedimentos construtivos medievais, típicos dos escritos de Ruskin e Morris do movimento Arts and Crafts na Inglaterra, ou os de Eugène Viollet-le-Duc na França, ou ainda os de Richard Wagner, sobre a obra de arte total. Segundo o historiador de arquitetura Kenneth Frampton, o movimento do modernismo catalão articulava uma expressividade local com o racionalismo estrutural proposto no Entretiens sur l´architecture de Violet-le-Duc (1863-72), contidos em suas aulas na École des Beaux-Arts.

O que me parece importante destacar no modernismo catalão é sua especificidade, apontando para nós a diversidade do movimento moderno, que mais tarde será hegemonizado pela Bauhaus e pelas vanguardas centro-européias. 


segunda-feira, 14 de março de 2016

O artigo de Janot sobre as obras na cidade do Rio de Janeiro

No dia 12 de março de 2016 foi publicado no jornal O Globo, o artigo do arquiteto Luiz Fernando Janot, sobre as obras da prefeitura na cidade do Rio de Janeiro, para as Olimpíadas de 2016, que aborda a questão da qualidade no seu desenvolvimento, que tende a aperfeiçoar sua definição. Cada vez mais, em nosso mundo contemporâneo se desenvolve a ideia, de que a adequação de uma obra a um contexto determinado depende do processo de desenvolvimento do projeto. A fase de projeto tem que passar a ser vista como um processo, que ao antecipar a intervenção, como uma simulação da obra no papel e nas maquetes permite um debate amplo sobre os custos e benefícios a serem alcançados.

A pré-figuração da obra obtida pelo projeto garante que amplos setores da sociedade tomem conhecimento das mudanças propostas, permitindo que o interesse público seja medido e objetivado. A participação cidadã deve ser fomentada nos estágios iniciais do projeto ou do plano, para aprimorar as intenções e proposições do mesmo. Os agentes que projetam devem ser distintos dos que realizam a obra, para que não se misturem os interesses públicos com os particulares, a estrutura de planejamento e de projeto deve ser pautada pelo interesse público.

Enfim, vale a pena a leitura, confiram na imagem anexa ou no link abaixo

https://docs.google.com/document/d/1YiNtKoLH_UACGw_muj6CMKqfWR2EdM1YRz7wLNHPjHk/pub

sábado, 12 de março de 2016

Seminário Desenho[...] Cidade - Moderna no IAB-RJ

Na mesa de debates; Diogo Pereira, Lucas Andrade, Francesco
Maggiore, Miguel Baptista-Bastos, Luisa Sol e Pedro da Luz


Nos dias 07,08 e 09 de março de 2016 foi realizado no auditório do IAB-RJ o III Seminário Internacional Arquiteturas Imaginadas sobre o tema Desenho [...] Cidade - Moderna, um debate que reuniu arquitetos brasileiros, portugueses, espanhóis e italianos. A ideia do seminário reuniu abordagens sobre um tema central para o ofício da arquitetura e do urbanismo, sobre as investigações escritas ou acadêmicas, as imagens e o ato de projetar. A organização do Seminário foi capitaneada pelos arquitetos, português Pedro Janeiro, e a brasileira, Cessa Guimarães, que possuem reflexões importantes sobre a arquitetura moderna, e sua capacidade de doutrinação dos mundos da vida.

No dia 08 de março participei da mesa de abertura, que foi mediada pelo arquiteto Miguel Baptista-Bastos, contando com as palestras - Imagens Fotográficas e Desejos de Cidades Modernas: Rodoviárias no Arquigrafia - dos arquitetos Diogo Pereira e Lucas Andrade de São Paulo - Territórios do Cinema: Quartos, Lugares, Paisagens - pesquisa do arquiteto Francesco Maggiore da Itália, e - Cidade Moderna, Cidade Pós-Moderna e Espaço-Representado em 'Anarchitekton' de Jordi Colomer - da arquiteta portuguesa Luisa Sol.

A minha palestra abordou o tema do Desenho e Projeto Moderno, que procurou problematizar os tres conceitos do título, mais a ideia de cidade, dentro de nossa contemporaneidade, que já não pode mais ser considerada essencialmente moderna, ou com a mesma carga dada aos termos no início do séculoXX. Já na abertura, enfatiazei o paradoxo do termo moderno a partir de dois versos de um poeta americano denominado Charles Olson que na década de sessenta declamava;

"What does not change,/is the will to change."
"O que não muda,/é a vontade de mudar." Charles Olson ANDERSON 1999 página15

Esse presente contínuo e interminável do moderno perpassa experiências humanas desde o século XI no ocidente, que se auto-definiram como tal, em contraposição a atitudes arcaicas ou ancestrais, calcadas na tradição, ou numa inércia do fazer. O termo moderno carrega portanto um problema, pois só pode ser qualificado de forma referenciada à tradição, ao passado e à ortodoxia, na medida que o moderno se institucionaliza ele perde sua potência, se cristalizando no acadêmico ou ortodoxo, que são suas antíteses.

A erosão contínua dos princípios do modernismo, no nosso mundo contemporâneo se iniciam com as explosões das bombas atômicas nas cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki em 1945, que determinaram uma profunda desconfiança frente a técnica, o industrialismo e a padronização crescente. Implanta-se o discurso da alteridade, onde as lutas materialistas (salário, seguridade), dão lugar às reinvindicações simbólicas (relações interpessoais, experiências da subjetividade). Emerge também um forte discurso anti-ocidente, ou anti-europeu, que recupera práticas e ritos alternativos, conforme o historiador Toymbee já havia assinalado em 1934; 


“As comunidades ocidentais tornaram-se modernas tão logo conseguiram produzir uma burguesia numerosa e competente o bastante para se tornar o elemento predominante na sociedade… o contemporâneo já não apresentaria essa predominância, mas uma inteligência fora do ocidente e muitas vezes contra ele. ” TOYMBEE 1934 Study of History

No cenário brasileiro, Brasília assinala a conquista pelo modernismo como forma de expressão oficial do Estado, com uma iconografia assentada nos traçados de Lucio Costa e Oscar Niemyer, que acabou se infiltrando no imaginário coletivo da nação. O paradigma do bem viver passa a ser dominado por um rodoviarismo, articulado com a baixa densidade da unidade unifamiliar, isolada num lote em subúrbios cada vez mais afastados. A cidade européia densa, que representara fortemente a burguesia na longa transição do feudalismo para o capitalismo, como o lugar do livre comércio, agora era descartada, substituída pela aproximação idílica com o campo.

Em 1979 Margareth Thatcher é eleita primeira ministra da Inglaterra, um ano depois Ronald Reagan assume a presidência dos EUA determinando o declínio do estado de bem estar social e a ascensão do neo-liberalismo. Desenvolve-se então um forte declínio do setor industrial e a ascensão do setor de serviços na demanda de empregos, apontando nos anos noventa uma forte hegemonia do capital financeiro frente ao capital industrial. O mundo passa a ser governado por uma lógica financista, muitas vezes afastada do setor produtivo, sofrendo variações especulativas com forte impacto em diversas economias 

Também em meados dos anos 1990, o filósofo Habermas decreta num texto, no qual ironiza a tendência contemporânea de se utilizar continuamente do prefixo pós, para caracterização do nosso tempo, a incompletude do projeto moderno. O texto de Habermas faz uma distinção importante entre a modernidade, e o modernismo, dizendo que a pretensão humana de desígnio do seu futuro, que era uma pretensão da modernidade, e que as revoluções americana e francesa tinham expressado permanecia inalcançado.O projeto, portanto da modernidade de construção do livre arbítrio humano, da auto-determinação de nosso vir a ser estava incompleto e permanecia uma aspiração alcançável.

Habermas, também constroe sua teoria da racionalidade comunicativa, que se contrapõe a racionalidade meramente instrumental, determinando que a razão não deve estar carregada de personalismos, mas construída a partir de consensos, acordos e eleição de linhas de prioridade construídas coletivamente. Há um claro resgate da razão, que superando sua subjetividade, alcança uma dimensão do diálogo, das diferenças e das possibilidades criadas a partir da explicitação dos conflitos.

Enfim, o que pretendi demonstrar são as infinitas possibilidades para o projeto da sociedade contemporânea, a partir da ampliação democrática. Abaixo a entrevista de Pedro Janeiro, um dos organizadores do Seminário Desenho [...] Cidade Moderna ao jornal O Globo


domingo, 6 de março de 2016

Matéria sobre o fechamento do Hotel Glória na Bandnews

Hotel Glória, da murada da Glória
Recentemente dei entrevista sobre o Hotel Glória na cidade do Rio de Janeiro, uma edificação que possui uma grande carga simbólica para o turismo, para o bairro, para a cidade e para o país, afinal foi o primeiro hotel de cinco estrelas do país. A pauta da matéria cobrava uma maior definição do impacto ou do ônus causado pela não inauguração do hotel, que permanece com as obras paralisadas e sem previsão de reinauguração.

Na história do turismo carioca, o Hotel Glória registra uma mudança na pauta principal dos interesses de nossos visitantes, inaugurado em 15 de agosto de 1922, para a Exposição Internacional de comemoração dos cem anos da independência do país, a construção se posiciona na frente marítima da cidade. Ao se aproximar da frente marítima, registra-se uma mudança no tema focal do turismo na cidade, que abandona a floresta tropical para a balneabilidade do mar. Durante grande parte do século XIX e inicio do século XX a cidade é procurada pela exuberância em seu sítio da sua floresta tropical - a rain forest - , que pode ser comprovada pela presença recorrente da rede hoteleira construída até então, que se localiza de forma preferencial na própria floresta (Hotel das Paineiras), ou em bairros em suas adjacências, como no Alto da Tijuca, ou ainda em Santa Teresa.

Outro aspecto notável do Hotel Glória é sua inserção urbana e sua proximidade ao centro do poder republicano, localizado no Palácio do Catete, sede do poder executivo nacional, na então capital federal. Essa proximidade determinou a presença recorrente em seus quartos de figuras ilustres de nossa história republicana, que se aproximavam do poder central por diferentes motivos e interesses. Havia no lobby do antigo Hotel Glória uma sucessão memorável de figuras internacionais e nacionais, que visitaram a então capital federal da república para estabelecer contactos com o poder central do país.

Impressionante como a cidade do Rio de Janeiro perde oportunidades...A baixo o link da matéria.

http://noticias.band.uol.com.br/jornaldorio/video/2016/03/01/15784979/hotel-gloria-vira-grande-foco-de-aedes-aegypti.html


terça-feira, 1 de março de 2016

Encontro Lusófono no IAB-RJ

Nos dias 24, 25 e 26 de fevereiro de 2016 realizou-se na sede do IAB-RJ o encontro do Congresso Internacional de Arquitetos de Língua Portuguesa (CIALP), que organizou o V Fórum Internacional, A cidade Metropolitana. A multiplicidade na Lusofonia. O encontro reuniu arquitetos de; Angola, Brasil, Cabo Verde, Goa, Guiné Bissau, Macau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe, congregando entidades de representação profissional, que reúnem juntas 150 mil arquitetos, nos diferentes países.

O encontro pretendeu debater a estrutura das cidades metropolitanas no mundo de colonização portuguesa, sua diversidade e sua capacidade de impulsionar a economia local, justamente pela presença de um patrimônio construído notável. As apresentações feitas no auditório do IAB-RJ abordaram as cidades; do Rio de Janeiro (Brasil), Lisboa (Portugal), Luanda (Angola), Salvador (Brasil), Brasilia (Brasil), Macau (China) e Mindelo (Cabo Verde), formando um rico painel do desenvolvimento desses assentamentos.

Na minha percepção geral das cidades identifiquei um elemento comum, que me parece ser o legado mais importante da tradição lusa no campo da arquitetura e da cidade, pelo menos dentre as cidades apresentadas, com exceção de Brasília; um adequado domínio de sitios naturais sem incorrer em manipulações grandiloquentes de escala. Há uma certa singeleza nos monumentos de talha portuguesa, que se apresentam como obras de presença potente no sítio, mas que ao serem visitadas e percorridas demonstram uma maravilhosa adequação à escala humana, sem se envolverem com dimensões desmesuradas.

Um dos exemplos notáveis dessa condição é a Igreja do Outeiro da Glória no Rio de Janeiro, que apesar de suas dimensões singelas, ainda nos dias atuais, domina a enseada da Glória marcando o lugar de forma indelével. A colonização portuguesa do mundo ultramarinho sempre se desenvolveu dentro de precariedades do estado português, tanto do ponto de vista material, como também do ponto de vista da disponibilidade de população. Portugal dentre os reinos coloniais europeus, como Espanha, Inglaterra, França e Holanda, era o que dispunha de menor população e de um orçamento restritivo para a empresa ultramarinha. Tal condição acabou determinando construções e cidades singelas em sua escala, afastadas da grandiloquência exagerada das cidades espanholas na América.

Importante salientar também, que a exclusão de Brasília desse rol deve-se unicamente a seu perfil modernista, que lhe retirou da processualidade das cidades de construção sedmentadas no longo prazo, a partir de estratificações pré-modernas. Brasília é uma cidade de gesto único, concebida numa tacada, sem portanto as interações de longo prazo com seu contexto, que caracterizavam o desenvolvimento urbano pré-moderno. Certamente, Brasília também possui presenças lusas, como na descrição de Lucio Costa que identificou na distinção dos dois eixos; habitacional e monumental, o gesto simples de quem toma posse de um território.

"Nasceu do gesto primário de quem assinala um lugar ou dele toma posse: dois eixos cruzando-se em ângulo reto, ou seja o próprio sinal da cruz." Lucio Costa em BRAGA 2010 página156.

Há muito tempo que o debate entre as diferenças e particularidades das implantações portuguesas e espanholas na América dominam arquitetos e sociológicos. É conhecida a metáfora construída pelo grande sociólogo brasileiro Sérgio Buarque de Holanda, que associou as cidades espanholas com sua grelha regular ao trabalho do ladrilheiro, enquanto as portuguesas eram associadas ao semeador na sua interação com o sítio. O posicionamento do brilhante sociólogo é claramente condenatório com as implantações portuguesas, celebrando a regularidade das cidades espanholas, e o suposto improviso dos traçados das cidades brasileiras.

Na verdade, tal posicionamento já foi contestado por ampla documentação, que comprovou que a traça das cidades portuguesas eram planejadas e préfiguradas por engenheiros militares, que na verdade interagiram de forma mais intensa com as especificidades dos diversos sítios. Essa especificificidade das cidades de traça portuguesa, contraposta a uma certa homogeneização da cidade espanhola garantiu também um caráter de maior interação entre sítio e ocupação humana nas implantações brasileiras.

O debate e o conhecimento das diversas formas de implantação das cidades portuguesas pelo mundo abre um amplo campo de pesquisas e reflexão sobre o projeto e o plano desses assentamentos.

BIBLIOGRAFIA:

BRAGA, Milton - O Concurso de Brasília - Editora Cisac Naif São Paulo 2010

HOLANDA, Sérgio Buarque de - Raízes do Brasil - Editora Companhia das Letras São Paulo 1997