domingo, 12 de março de 2023

A política de juros, o risco fiscal, inflação e o pensamento único da nossa imprensa

A política de juros, o risco fiscal e a hegemonia
do rentismo no Brasil

A imprensa nacional, monopolizada por poucos agentes econômicos repete de forma obsessiva, que a Taxa de Juros determinada pelo Banco Central não pode cair, por ser um gerador automático de inflação e subida de preços e serviços, sendo portanto um fator de penalização dos setores populares. Importante antecipar aqui, que não sou economista, mas arquiteto e urbanista, que partilha com a primeira ciência, a classificação dentro da CAPES, como ciência social aplicada, que na verdade deveria ser acrescida pela característica de ser uma arte aplicada. Dentro desta perspectiva parece que a taxa de juros elevada representaria um fomento a promoção de uma melhor divisão de renda, ou pelo menos de salvaguarda dos pobres, em nosso contexto de nação na semi periferia do sistema capitalista, o que me parece algo totalmente equivocado e distorcido. Em primeiro lugar, a redução da ciência econômica a uma ciência exata, onde independente da conjuntura, um determinado movimento - queda de juros -, dispara uma inevitável subida de preços de produtos e serviços - inflação -, me parece uma doutrinação interessada articulada por setores rentistas que comandam o jornalismo dos grandes meios de comunicação do Brasil. Em poucas palavras, a economia assim como a arquitetura e o urbanismo repito são ciências sociais aplicadas, definida assim, pela própria agência de pesquisa no Brasil, a CAPES, portanto uma ciência com profundos vínculos sociais e políticos. Em segundo lugar, há por parte desta mesma imprensa a utilização de uma linguagem que denomina de forma recorrente os rentistas, como investidores, recalcando sua real prática no mercado; pessoas que investem em papéis ou aplicações com rendimentos pré determinados que não oferecem qualquer risco ao operador, devendo portanto serem nomeados como rentistas, sem qualquer conotação celebratória ou pejorativa. Economistas de renome, de diferentes tendências macro econômicas, como Monica de Bolle, André Lara Resende e Juliana de Furno fazem clara distinção entre investidores e rentistas, identificando nos primeiros algum vínculo com as atividades produtivas, e nos outros, o mero  investimento recorrente na dívida pública, portanto restritos às garantias do Tesouro Nacional, o que lhes garante ganhos continuados, sem risco. Em terceiro, e último lugar há uma recorrente menção a um perigo de proximidade a um "abismo fiscal", de que a dívida pública do Brasil possue proporções desmesuradas e inapropriadas, na sua relação com o PIB do país. Esta dívida está hoje num patamar de 73%, índice que segundo esta mesma imprensa monopolizada deveria ser reduzido. No entanto, os mesmos economistas assinalados defendem que países com economias similares ao nosso estágio de desenvolvimento (México, Turquia, Chile, India, os emergentes ) apresentam índices similares e até mais altos, sem que isto seja visto de forma negativa. Particularmente, o economista André Lara Resende, numa entrevista ao Canal Livre da TV Bandeirantes, identifica com bons olhos a existência da dívida pública, no patamar que ela atualmente está no Brasil, por ser uma demonstração clara da presença de um sofisticado sistema financeiro. E, aponta a repetição infinita por parte da nossa imprensa, da questão do risco fiscal, como um terrorismo interessado capaz de bloquear o debate e impedir a análise de alternativas. Na oportunidade da sua entrevista, ao Canal Livre, André Lara Resende defendeu a questão da autonomia do Banco Central e qualificou a ciência econômica como ciência social não exata, portanto avaliada a partir de sua adequação às circunstâncias;

"A palavra independência para qualificar a questão do Banco Central não é correta, pois a independência configuraria um quarto poder no cenário da República, o termo ao meu ver correto seria autônomo... A ideia de autonomia resguarda o conceito de que o Banco Central é um órgão de Estado, e não de governo, portanto livre de pressões eleitoreiras ou de políticas voltadas para ampliar a popularidade de líderes políticos de diferentes correntes ideológicas... Por outro lado, a questão da autonomia suscita ao mesmo tempo a ideia de que a política monetária poderia estar livre de circunstâncias políticas, econômicas e sociais, o que não é correto... A economia é uma ciência social e política, e não exata, portanto está em constante evolução, e, deve ser avaliada com relação a sua adequação às circunstâncias com as quais lida." RESENDE, André Lara, entrevista Canal Livre, da Band News em transcrição minha

A ideia de circunstância e de adequação ao mundo real me parecem importantes de serem debatidas, pensadas e problematizadas, no Brasil atual e no mundo contemporâneo, nos campos da economia, mas também de todas as ciência sociais. Assim, como no campo da arquitetura e do urbanismo as circunstâncias políticas, sociais e econômicas evoluem e se transformam exigindo dos pensadores destes campos ajustes em seus posicionamentos, para perceber o que muda e o que permanece inalterado. Daí decorre a centralidade das questões; da ideologia, da predominância de certas posições ideológicas, a hegemonia, e da alienação, como atuação mecânica potencializada pela repetição interminável de dogmas ou afirmações ligeiras. Aqui, no blog já foram publicados uma série de textos caracterizando nosso tempo contemporâneo, a partir do final dos anos 1970s, como um tempo da hegemonia do capital financeiro, determinado por uma série de desregulamentações estatais no sistema bancário internacional comandados pela ideologia neo-liberal, e pelo incrível desenvolvimento das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), que impulsionaram fluxos de capitais especulativos em detrimento dos produtivos. Em particular,  o texto de Giovanni Arrighi, O longo século XX, dinheiro, poder e as origens do nosso tempo foi citado e explica de maneira brilhante, numa perspectiva histórica de longo prazo de maneira emblemática e didática, como atingimos esta condição de nossa sociedade contemporânea, de absoluta predominância do capital especulativo. Mas aqui, neste texto, parte-se de um ponto de vista mais recente, ou de curto prazo quando percebe-se o início de uma abordagem mais dissonante do tema, rompendo-se de forma ainda tímida o pensamento único da nossa imprensa. Certamente, esta postura foi inaugurada com a polêmica do Presidente da República, Lula, e o Presidente do Banco Central, Campos Neto, na qual o primeiro identificava uma desproporção desmedida dos juros aplicados no Brasil (13,75%) ao contexto da economia nacional, que notadamente inviabiliza o seu crescimento. Imediatamente e mais uma vez, surgiram na mídia oligopolizada julgamentos condenatórios as falas do Presidente da República, apontando sua incapacidade técnica ou de real entendimento das sutis questões macro econômicas, num claro posicionamento positivista, e de afirmação de que esta área deveria estar livre de qualquer "politização". A argumentação positivista, celebratória de um cientificismo apolítico, invariavelmente partia de justificativas tecnocratas, que entendiam o âmbito financeiro como um campo de iniciados, onde operam lógicas abstratas e distantes do senso comum político e social. Ao responder a jornalista Juliana Rosa, comentarista de economia da Globo News, agora na Band News, que lhe apontava a questão do risco fiscal como algo insustentável, que preocupa o mercado financeiro, André Lara Resende respondeu;

“Me explica por que não é sustentável! O que quer dizer risco fiscal? Risco de sustentabilidade? É a dívida. Se você olha as contas brasileiras, o número brasileiro e pergunta sobre o país, falam que o país está perfeitamente bem com a economia em ordem. Há um endividamento muito inferior a todos os países desenvolvidos, em linha com os países em desenvolvimento e a dívida brasileira é integralmente em moeda nacional... Na prática, uma taxa de juros alta, ao mesmo tempo que tenta controlar a inflação, sem conseguir, reduz o crescimento. Com o indicador alto, empresas e pessoas físicas restringem o consumo, pois as famílias ficam sem dinheiro para comprar, enquanto as empresas evitam linhas de crédito para fazerem investimentos... Agora, como os balanços de bancos estão aquém do esperado, o fato de que tivemos quebras no varejo leva os bancos a retrair drasticamente o crédito. Assim, você agrava o processo de desaquecimento da economia e coloca o país em uma possível recessão muito séria” RESENDE, André Lara, entrevista Canal Livre, da Band News em transcrição minha 

Mais uma vez, repete-se a manipulação da informação e a alienação de parcelas expressivas de nossa população, que repetem dogmas cristalizados, como independentes das circunstâncias e conjunturas específicas de cada tempo. O que parece claro é que a produção de ideias, conceitos e consciência está em nosso mundo mesclada com as relações materiais e interessadas dos homens, a linguagem da vida real, que me parece no caso em destaque, atender claramente a uma visão parcial e interessada do problema. Resta saber por quanto tempo?

BIBLIOGRAFIA:

ARRIGHI, Giovanni - O longo século XX, dinheiro, poder e as origens do nosso tempo - editora Unesp São Paulo 1996

Entrevista ao economista André Lara Resende ao Canal Livre da TV Bandeirantes, acesso em 08/03/2023 no link: https://youtu.be/lna0J1d029A

https://www.youtube.com/live/tuPETK1-9kU?feature=share