quarta-feira, 5 de julho de 2017

O dia 04 de julho

George Washington atravessa o Hudson
O dia 04 de julho de 1776 é emblemático para a história humana, sempre foi importante para mim, uma data na qual a América se antecipa ao mundo de forma tímida e recatada, formulando antes da Revolução Francesa, uma pretensão de poder construir seu próprio destino de forma autônoma.  Também a Inconfidência Mineira (1796), rebelião contra -  'o quinto', 20% da coroa portuguesa - , nada mais é do que uma revolta contra uma taxação injusta, assim como a revolução Americana. É preciso reconhecer não são apenas pretensões humanas grandiosas, mas aspectos imediatos e pragmáticos que precisam ser resolvidos, enfim o cotidiano concreto que precisa ser melhorado. Ela é conservadora, e incapaz de pensar a inteireza humana de forma única e coesa, não pensa na igualdade, mas apenas proclama uma liberdade abstrata. Ela é medrosa, pois não aceita as pressões populares em toda sua integridade, e, se protege da maioria embrutecida e banalizada pela pretensão da educação dominante, ou pela doutrinação calvinista, de uma determinação escolhida. Ela se protege das movimentações populares de massa a partir da afirmação abstrata de um indivíduo personalista e isolado, sem vinculação social concreta, e, portanto sem localização contextual. Ela é provinciana e anti arrecadatória, pois se rebela contra uma taxação, que não beneficiaria a comunidade universal, geográfica ou local (Tea Party), para afirmar uma autonomia de interesses imediatos. Ela é conservadora, pois teme a expressão das gerações futuras, na ascensão inevitável das massas construindo uma eleição indireta de delegados, que declaram um presidente. Mas, apesar disso tudo é um dos acontecimentos mais importantes da história da humanidade, ao qual o pensamento progressista  deve se reportar, refletindo de forma não só celebratória. Há uma passagem que particularmente me parece importante de ser sublinhada, pois trata pela primeira vez da felicidade como um direito inalienável, e de todos;

"Consideramos estas verdades como auto-evidentes, que todos os homens são criados iguais, que são dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes são vida, liberdade e busca da felicidade."Wikipedia

O novo mundo, um território cheio de promessa e de esperança, uma mistura de caipirice e cosmopolitismo nunca experimentado. Tiradentes no Brasil, Robespierre na França pareciam ter encontrado naquelas treze colônias recém libertas uma clara direção, um apelo a libertação humana. Essa geografia da América dotada de magros atributos, de seios perfeitos, grandes parques, coxas poderosas, pouco glúteo, mas uma vontade insaciável e sorridente, que seduz mas não quer dominar, nem ser conquistada. Mas será que as treze colônias sabiam o passo que estavam dando? Para mim, até hoje os nossos irmãos do norte não parecem ter a verdadeira consciência das reais consequências para a história da humanidade da sua libertação em 1776. Um sertão na periferia do mundo, que produz um passo importante, sem saber ao certo suas consequências para a história da humanidade...

Há questões complexas na revolução americana, que merecem reflexão e resistem a atitudes meramente celebratórias, condenatórias, e muito menos simplificadoras. Um primeiro ponto é, que a Declaração de Independência generaliza aspectos humanistas como se as treze colônias estivessem diante do julgamento da espécie humana;

"Quando no curso dos acontecimentos humanos, torna-se necessário para um povo dissolver o vínculo político que o mantinha ligado a outro, e assumir entre as potências da terra a situação separada e igual que as leis da natureza e o Deus da natureza lhe dão direito, um decoroso respeito às opiniões da humanidade exige que ele declare as causas que o impelem à separação." KARNAL 2008 página88

Junto com a felicidade da primeira citação, o clima de prestação de contas ao conjunto da humanidade é um fato. A presença de uma expectativa inusitada de estar mudando a existência humana em sua práxis cotidiana. Num segundo ponto é preciso também lembrar, que a Revolução Americana foi fruto e consequência da atuação de milícias organizadas, mas autônomas, numa tática de guerrilha, com claras analogias com os vietcongs, antecipando de certa forma, a Guerra do Vietnam. Há registro de heróis como Francis Murion da Carolina do Sul, que comandava uma milícia contra as forças inglesas, que foi apelidado de "Raposo do Pântano", e que era perseguido por generais formados na nação mais poderosa do mundo. É importante registrar, que a Inglaterra possuía então um exército regular, com a marinha mais poderosa do mundo, que além disso tudo na Guerra da Independência (1775-1783) recorreu a mercenários alemães. E, apesar disso, perdeu.

Num terceiro ponto,  essa mesma mentalidade miliciana teve um forte rebatimento na segunda emenda da constituição americana, que ainda hoje garante a todo cidadão americano o direito de portar arma. Os minutemen eram os verdadeiros cidadãos em armas, que a qualquer minuto estavam prontos a se defender dos ataques da Inglaterra. É claro também, como em qualquer processo de libertação, haviam nas treze colônias, pessoas entusiasmadas com a ruptura, uma outra parte que permanecia apoiando a coroa britânica, e um grande número de cidadãos indiferentes aos dois lados. O jogo parece mudar a partir da batalha de Saratoga (1777), vencida pelos colonos, permitindo ao embaixador Benjamin Franklin a conquista do apoio da Espanha e da França para a causa da libertação. É óbvio também, que como em qualquer guerra de guerrilhas, as atrocidades cometidas pelo exército regular inglês desempenhou um papel fundamental para a ampliação dos apoiadores da ruptura com a coroa britânica. Há relatos de atrocidades cometidas por Banastre Tarleton, que morreu condecorado como sir na Inglaterra (1833), e que incendiava aldeias inteiras, matava crianças e mulheres, e era conhecido como açougueiro pelos norte americanos.

Por fim cabe ainda destacar um último ponto, que me parece presente e determinante na nação americana, o simbolismo da escolha de suas representações concretas; a sua bandeira e a águia careca, animal típico da América do Norte. Na bandeira americana fica claro a existência das treze colônias encaradas como partes ou identidades diferenciadas, antes da existência de uma consciência da nação una; 13 listras alternando o vermelho e o branco e 13 estrelas no canto superior sobre um fundo azul. Ela parece premeditar a ganância de expansão para o oeste, que ampliou de treze colônias para cinquenta estados, explicitando sua vertente expansionista e beligerante, que até hoje parece guiar nossos irmãos do norte. Nesse sentido, também a escolha da águia careca não foi isenta de polêmica e do contraditório na nova nação, houveram questionamentos, que sugeriram a adoção de um animal também típico daquela região, apenas mais sociável e menos agressivo; o peru. A refeição símbolo do dia de Ação de Graças, também data de feriado nacional, mas que possui um caráter muito mais pacifista e menos beligerante que parece até hoje não combinar com a grande potência do norte.

BIBLIOGRAFIA:

KARNAL, Leandro - História dos Estados Unidos: das origens ao século XXI - editora Contexto São Paulo 2008