quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

O filme Chico Buarque é uma preciosidade

O filme Chico Buarque um artista brasileiro é uma obra singular e provocadora, particularmente importante dentro do momento vivido pelo Brasil. Diante de uma crise econômica sem precedentes, com as acusações de corrupção atingindo figuras representativas da república é um grande alento ouvir depoimentos otimistas e positivos sobre o Brasil. Há particularmente um momento muito positivo sobre a forma que nos auto-avaliamos como brasileiros, como um país de mau gosto e brega, sempre envolto por uma sensação de baixa auto-estima. Há no brasileiro de maneira geral uma certa filia pelo estrangeiro, que se remete ao velho pré-conceito de "complexo vira-latas" já citado por Nelson Rodrigues.

Uma certa incapacidade de se auto-celebrar, que em certos aspectos considero uma brilhante atitude frente aos riscos de totalitarismos e outros posicionamentos coletivos, que sempre nos rondam nos tempos modernos. Num momento do filme, Chico comenta sobre a bossa nova e sua falta de nostalgia com relação àqueles tempos, reafirmando um compromisso seu com o contemporâneo, reconhecendo a melhoria geral do povo e do país. Num outro momento ele menciona literalmente a vergonha de ser brasileiro, todos acham que o país é brega, e querem pegar um avião e viajar. O problema, com uma certa ironia esclarecedora, é que também viajar de avião passou a ser brega, pois foi ampliado esse direito para amplas camadas da população brasileira, tornando as viagens internacionais também bregas.

Há também um outro documentário, onde surge um depoimento do Tom Jobim, no qual esse músico declara de maneira também simplificada do seu valor a partir do fato da utilização da língua portuguesa nas suas músicas. Um fato tão simples e corriqueiro, que chega a criar um certo estranhamento. Chico é ao fim um cantor de um país inteiro

Enfim são filmes maravilhosos, que nos revelam um pouco desse fenômeno tão misterioso que é ser brasileiro. O trailer abaixo é uma amostra desse belo documento, assim como o outro documentário mencionado. Vale a pena assisti-los...

https://www.youtube.com/watch?v=tmX0SU_4hU4

https://www.youtube.com/watch?v=YaGl1aFtqFw

domingo, 27 de dezembro de 2015

A cidade do Rio de Janeiro precisa de sombra urbana; árvores

A sequência de mapas mostra o armazenamento
de calor na cidade metropolitana nos anos 1980,
90 e 2000
A cidade do Rio de Janeiro possui uma luminosidade ímpar, a incidência de raios solares no verão carioca assume proporções altíssimas, determinando que superfícies suscetíveis a absorção de calor mantenham sua carga térmica alta mesmo depois de terminada a fonte da radiação solar. Em muitas superfícies da cidade constatamos a manutenção de altas temperaturas, que não se mostram capazes de dissipar todo o calor armazenado, mesmo após o periodo de uma noite inteira. A recorrência de um fenômeno climático típico do verão começa a se manifestar em amplas áreas da mancha urbana, denominado de ilhas de calor. As ilhas de calor são determinadas pela manutenção de altas temperaturas, mesmo depois dos horários de pico da irradiação solar (de 10:00 as 16:00 do dia), em comparação com áreas adjacentes mais sombreadas.

Em sua tese de doutorado, defendida em 2012, o geógrafo Andrews Lucena, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), estudou a evolução da ilha de calor da região metropolitana entre as décadas de 1980 e 2000. Sua conclusão: a região metropolitana do Rio de Janeiro não apenas é, em média, 7°C mais quente do que seus arredores, como o fenômeno acentua-se cada vez mais, sobretudo nas áreas pouco arborizadas e distantes dos maciços florestais que a cidade possui (vide mapas ao lado). Há efetivamente na cidade do Rio de Janeiro, trechos onde a presença da arborização urbana determina diferenças de temperatura substanciais. Por exemplo, na Rua Almirante Alexandrino no bairro de Santa Teresa e na mesma rua no trecho da Floresta da Tijuca, ou na rua Gomes Freire bem arborizada e a rua do Lavradio carente de sombra no bairro da Lapa, as diferenças chegam a 3 ou 4 graus centígrados.

Nesse ambiente a produção de sombra é de suma importância, principalmente nos espaço públicos,
como ruas, praças, largos e parques, para evitar que os materiais de revestimento recebam essa imensa carga térmica. O projeto de arborização da cidade deve ter um cuidado especial, procurando produzir contínuos sombreados, que evitem a incidência direta de raios solares sobre a materialidade da cidade, possibilitando um caminhar confortável nos diversos horários. Por isso, também é fundamental adequar as redes de fios e cabos aéreos a presença da arborização, sendo o ideal que ela seja enterrada para não prejudicar o desenvolvimento das árvores.

Praça Mauá, em frente ao Museu do Amanhã
Infelizmente essa não tem sido a preocupação de recentes espaços inaugurados na cidade, como o conjunto constituído pela Praça Mauá, o Pier Mauá e o Museu do Amanhã, que insistem num modelo de projeto no qual se identifica a competição entre edificação e arborização. As nomeadas praças secas, tão características da península ibérica (Espanha e Portugal) não se adequam ao clima tropical do Rio de Janeiro, determinando uma espacialidade inóspida, árida e ao final vazia. Enquanto nas duas laterais do Museu do Amanhã e na frente do Museu de Arte do Rio (MAR) se identifica uma arborização ainda incipiente pelo tamanho, mas adequada no seu espaçamento. Na frente do Museu do Amanhã se retoma a ideia de visualização do objeto arquitetônico sem a interferência da arborização, o que acaba por gerar um espaço árido.

Me parece, mais uma vez, que há uma idealização colonizada fora do lugar, querendo impor padrões de pensamento que não se adequam aos valores de uso efetivo. O Rio de Janeiro permanece querendo reproduzir modelos estrangeiros, sem assumir seu caráter particular e único...

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

O museu da língua portuguesa em São Paulo

Incêndio destruiu o Museu da Língua Portuguesa em 21 de
dezembro de 2015
"A arquitetura é o antônimo da destruição." Essa frase foi postada pelo presidente do IAB-SP - José Armênio - nas redes sociais, no dia 21 de dezembro de 2015, ao saber do incêndio no Museu da Língua Portuguesa, instalado na antiga Gare da Luz no centro da cidade de São Paulo. Sem dúvida a frase expressa de forma contundente, aquilo que as pessoas entendem como o fenômeno da arquitetura.

O grande arquiteto norte maericano Loui I. Kahn falava que a arquitetura era a expressão mais acabada da institucionalidade, que abrigava. Numa divergência aparente com o funcionalismo, Khan expressava assim a capacidade da edificação de resistir ao uso inicial e assumir uma dimensão simbólica maior, que supera sempre a primeira destinação imediata. No Museu da Língua Portuguesa, ainda funciona a Gare de trens, não mais a conexão da cidade de São Paulo com o vasto território do seu estado, mas com as localidades e municípios adjacentes, pois nele chegam os trens urbanos da CPTM.

Esse fato presente na atual Gare da Luz, a reunião de uma Estação de Trens com um Museu, fez desse programa quase um paradoxo instigante, a aproximação da pressa alienada das multidões urbanas voltando para as periferias e o debate aprofundado dos usos revolucionários, corriqueiros e repetidos da nossa Língua Portuguesa. Ou o exato oposto, a consciência do cotidiano alienante das grandes massas em movimento, em contraposição ao uso mecânico e burocrático da língua. Enfim, essa reunião programática da Estação da Luz, muito além de ser apenas o antônimo da destruição, abria também uma imensa possibilidade de desenvolvimentos futuros e inesperados, ao final, oportunidades.

Há aqui, a presença clara daquilo, que Walter Benjamim qualificou como a fruição desatenta das artes, dentre as quais a arquitetura com sua potente presença do valor de uso ocupava o ápice dessa condição. Na minha imaginação, essa edificação emblemática reunia na textura mesmo de seu cotidiano, poetas da periferia, que aprofundavam suas pesquisas de palavras, verbos, interjeições, conjunções, etc... no museu. E, chegavam ávidos para essa vivência, subvertendo a lógica massificada e alienante da grande metrópole, e do uso mesmo mecânico da língua.

Na minha primeira visita a essa edificação, em 2006, devaneei na exposição então montada pela jovem instituição, que abordava a obra, tão instigante para a língua brasileira, de João Guimarães Rosa. Uma obra que muitos mineiros tendem a caracterizar como regional e vinculada ao canto doce dos povos das Geraes, mas que sempre foi encarada por mim como universal, e fruto de uma mentalidade cosmopolita e sintonizada com o mundo. Nesse momento de pesar e de luta pela reconstrução, transcrevo o trecho inicial de O burrinho Pedrês de Guimarães Rosa;

"Era um burrinho Pedrês, miúdo e resignado, vindo de Passa Tempo, Conceição do Serro, ou não sei onde no sertão. Chamava-se Sete-de-Ouros, e já fora tão bom, como outro não existiu e nem pode haver igual.

Agora porém estava idoso, muito idoso. Tanto, que nem seria preciso abaixar-lhe a maxila teimosa, para espiar os cantos dos dentes. Era decrépito mesmo a distância: no algodão bruto do pêlo - sementinhas escuras em rama rala e encardida; nos olhos remelentos, cor de bismuto, com pálpebras rosadas, quase sempre oclusas, em constante semi-sono; e na linha, fatigada e respeitável - uma horizontal perfeita, do começo da testa à raiz da cauda, em pêndulo amplo, para cá , para lá, tangendo as moscas." ROSA 1984 pág.17

Inicio de composição magistral, que apenas anuncia a doce manipulação de um linguagem inusitada e jamais formulada e operada. A reabertura, e o mais rápido funcionamento da instituição é urgente, para possibilitar, que novas sínteses com esse mesmo teor sejam possíveis...

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Lançamento do Concurso da marca Rio 2020 UIA

Na foto, Jeronimo Moraes (pres. do CAU-RJ) Haroldo Pinheiro
(pres. Cau-BR) Jeferson Salazar (pres. da FNA) Pedro da Luz
(pres. IAB-RJ) e Fabiana Izaga (sec. geral IAB)
Na última quinta feira, dia 17 de dezembro de 2015 foi lançado na sede do IAB-RJ o concurso para a marca Rio 2020 Congresso Internacional de Arquitetos da UIA (União Internacional de Arquitetos). O evento pretende reunir de dez a quinze mil arquitetos na cidade do Rio de Janeiro, no ano de 2020 debaixo do tema geral; Todos os Mundos. Um só Mundo. Arquitetura 21, debatendo de forma prioritária, as diversas formas de ocupação do território pelo homem.

Num momento, que a espécie humana toma consciência dos impactos de suas ações sobre o metabolismo do planeta Terra, um encontro dessa natureza é fundamental para a formulação de novas práticas, novas mudanças de comportamento, novas formas de construir o território humano. As cidades serão um tema chave do encontro, Os cinco eixos de debate sugeridos para o Congresso RIO 2020 UIA são:

Arquitetura e Cultura: que trata do reconhecimento do valor cultural da arquitetura e do espaço humano, e que envolve a questão da presença e da produção futura do patrimônio construído, como elemento singular e característico. A especificidade desse patrimônio construído e a construir envolve uma imensa diversidade de situações, que reproduzem a riqueza do país e a adequação dos espaços construído pelo homem nas várias regiões do país e do mundo.

Arquitetura Popular: que aborda a auto construção e a produção da habitação pelo próprio usuário, e que é uma realidade presente nas cidades brasileiras e de muitos outros países. O tema problematiza uma realidade existente e pretende reconhecer o valor dessas estruturas, qualificando essas áreas da cidade, implantando as infraestruturas urbanas que conformam a urbanidade.

Cidade, Paisagem e Ambiente: que abarca a questão do impacto ambiental das cidades, que já abrigam mais de 50% da população mundial, ocupando menos de 2% do território do planeta Terra, mas concentrando grande parte dos problemas nessa área, que provém principalmente da geração de esgotos e efluentes nos mananciais e da emissão de CO2 na atmosfera. Portanto, pensar e problematizar as várias formas de ocupar o território, sua arquitetura e urbanismo, sua resiliência com os fenômenos naturais é fundamental para mitigar esses efeitos.

Urbanismo e o Desenho da Cidade: que se reporta as características físicas e espaciais das cidades, bem como sua capacidade de sustentar economicamente sua população. A capacidade do espaço físico das cidades de potencializar, otimizar e incrementar as diversas atividades econômicas que garantem a sustentabilidade de sua população. Os impactos das ações de planejamento e projeto sobre o espaço físico concreto das cidades, a importância da configuração física das cidades na determinação do cotidiano de sua população.


Metrópoles e cidades médias: que pensa a coesão e governança das cidades metropolitanas, e a importância das cidades médias na estruturação do desenvolvimento dos países. As cidades passaram a ser pontos chaves para a promoção do desenvolvimento e atração de empreendimentos diversos e sustentação de modos diferenciados de vida.

Os cinco eixos temáticos precisam ainda ser debatidos e aprimorados. Já houve novas sugestões para inclusão de novos temas, como Arquitetura e o Mundo do Trabalho, ou Mudanças Climáticas e Resiliência de nossas cidades. Enfim a pretensão dos arquitetos brasileiros é se inserir no debate internacional, reconhecendo ao mesmo tempo, a diversidade de formas de ocupação e a preocupação comum e geral com nosso planeta.

sábado, 19 de dezembro de 2015

O homem cordial de Sérgio Buarque de Holanda e os nossos políticos

Sérgio Buarque de Holanda
*1902-+1982
Em 1936 Sérgio Buarque de Holanda lançava o livro Raízes do Brasil, um clássico para a compreensão desse misterioso fenômeno, que é o nosso país. Nesse livro havia um capítulo intitulado O Homem Cordial, que descreve o comportamento social e íntimo do brasileiro a partir de dualidades cotidianas, tais como; Estado e Família, Indivíduo e Cidadão, Urbano e Rural, Privado e Público, Mestre e Aprendiz, Funcionário e Proprietário. O capítulo é leitura obrigatória para elucidar, ou pelo menos se aproximar dos recentes fatos políticos brasileiros, e da prática cotidiana de nossos políticos, particularmente os recorrentes escândalos de corrupção e tráfego de influência. Importante salientar a maneira como o termo cordial é utilizado por Holanda como um conceito muito além da concórdia e sentimentos positivos, numa longa citação ele próprio explicita seu conceito;

"Cumpre ainda acrescentar que essa cordialidade, estranha, por um lado a todo formalismo e convencionalismo social, não abrange , por outro, apenas e obrigatoriamente, sentimentos positivos e de concórdia. A inimizade bem pode ser tão cordial como a amizade, nisto que uma e outra nascem do coração, procedem, assim, da esfera do íntimo, do familiar, do privado." HOLANDA 2012 pág.102

A primeira distinção importante feita por Holanda no texto é entre familia e estado. O Estado não é uma ampliação do âmbito da Familia, mas em todos os aspectos sua descontinuidade, e sua antítese. Pois a ordem doméstica familiar é determinada pelo reconhecimento da diferença de uma diversidade de personalidades, portanto carregada de subjetividades, enquanto a ordem estatal deveria ser pautada pela impessoalidade e pela objetividade.

A segunda distinção feita pelo autor é entre indivíduo e cidadão, enquanto no primeiro reverbera a ordem doméstica, familiar e carregada de pessoalidade, que no caso brasileiro está submetida às leis do patriarcado agrário, no segundo, se agregam; o contribuinte, o eleitor elegível, recrutável para os interesses da nação, responsável perante as leis da cidade, e da impessoalidade. No homem cordial brasileiro essa cisão parece não ter se realizado, persiste a indefinição entre os limites do indivíduo e do cidadão.

A terceira distinção importante feita pelo autor, e particularmente relevante para esse blog é entre fenômeno Rural e Urbano. Enquanto no Rural predomina um certo isolamento, uma insubordinação a preceitos e controles sociais estabelecidos e uma hierarquia rígida. No Urbano prepondera a comunicação, o estabelecimento de regras e comportamentos sociais e a possibilidade de mobilidade ou subversão da hierarquia instituída. Holanda menciona a criação do curso de Direito em São Paulo e Olinda em 1827, em cidades ainda provincianas, mas no fenômeno urbano, como o arranque dos filhos da intimidade familiar para uma vida de formação do homem público;

"E não haveria grande exagero em dizer-se que, se os estabelecimentos de ensino superior, sobretudo os cursos jurídicos, fundados desde 1827 em São Paulo e Olinda, contribuiram largamente para a formação de homens públicos capazes, devemo-lo às possibilidades que, com isso, adquiriam numerosos adolescentes arrancados aos seus meios provinciais e rurais de 'viver por si', libertando-se progressivamente dos velhos laços caseiros..." HOLANDA 2012 pág.49

Esse transplante para o meio urbano celebra a independência das leis do patriarcado familiar e agrário brasileiro, instituindo pela nova vivência uma certa impessoalidade, e citando Joaquim Nabuco, celebra de forma dramática, anunciando a morte paterna e a emergência do domínio público sobre o privado;

"Por isso mesmo Joaquim Nabuco pôde dizer, 'que em nossa política e em nossa sociedade [...], são os órfãos, os abandonados, que vencem a luta, sobem e governam.'" HOLANDA 2012 pág.50

Mas a predominância dos domínios do privado sobre o público logo se manifestará numa distinção fundamental apontada pelo autor, entre funcionário patrimonial e o burocrata moderno, onde o primeiro entende a gestão pública como um benefício pessoal a ser auferido por ele próprio e pelos seus, enquanto o segundo, entende o Estado como impessoal e objetivo. Interessante a argumentação de Sérgio Buarque de Holanda, que parece se reportar ao desenvolvimento da personalidade de qualquer ser humano da infância à maturidade.

Nossa urbanidade ou nosso desenvolvimento, portanto não está plenamente realizado, permanecendo ativa e fecunda a influência dos padrões formados e informados no meio rural e patriarcal, mantendo-se ao final, uma certa imaturidade.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

A questão das favelas nas cidades brasileiras permanece em aberto

Todas as cidades brasileiras possuem assentamentos irregulares, tipo favelas, sejam elas pequenas, médias ou grandes. A auto produção da habitação, em terrenos onde há indefinição da propriedade fundiária, sempre foi uma maneira de contornar a ausência de uma política pública voltada para a produção da moradia de interesse social no Brasil. Importante salientar, que todos os países desenvolvidos tiveram e tem programas de financiamento da casa própria, ou de locação social, para as classes mais fragilizadas economicamente. No Brasil, segundo cálculos de especialistas o atual Minha Casa, Minha Vida (MC,MV), ou o antigo Banco Nacional de Habitação (BNH), em suas fases mais produtivas, produziram apenas 30% das habitações necessárias para atender apenas a essa faixa de renda.

Há muito tempo, os arquitetos defendem a ideia de que a urbanização de favelas deveria fazer parte da política habitacional brasileira, pela capacidade desses assentamentos em promover a inserção de famílias frágeis na economia urbana. Efetivamente, são raros os casos de favelas afastadas de oportunidades de emprego, ou de contínuos urbanos densos, onde essa população consegue promover sua sustentabilidade. Há levantamentos que mostram partes das favelas ocupadas por familias vindas de uma mesma localidade ou origem migrante, demonstrando que a gênese desses assentamentos se configuram como uma rede de solidariedade e apoio. Além disso as favelas quando urbanizadas e infra estruturadas podem apresentar indices adequados de salubridade das suas edificações. Uma política pública urbana mais estruturada deveria promover a construção de novas unidades habitacionais (MC,MV) adjacentes as favelas a serem urbanizadas. Uma vez que essas operações de urbanização sempre demandam a construção de unidades de relocação para abertura de arruamento e construção de benfeitorias variadas.

A curta fala minha no jornal O Dia do último domingo dia 13 de dezembro de 2015 mostra apenas a celebração do fenômeno da favela, mas não sua justificativa. Abaixo o link da entrevista.

http://odia.ig.com.br/noticia/rio-de-janeiro/2015-12-12/jacarezinho-agoniza-a-espera-do-pac-2.html

sábado, 5 de dezembro de 2015

A política externa americana no segundo pós guerra e os recentes acontecimentos em Paris

Capa do livro de Frederic Jameson
O livro de Fredric Jameson sobre a atuação internacional dos EUA (A política externa norte-americana e seus teóricos) é um interessante ponto de vista sobre as atitudes imperialista diante do mundo, e pode ajudar a explicar alguns ódios do mundo árabe frente ao ocidente, e os últimos acontecimentos em Paris. O livro se concentra no segundo pós guerra, quando o EUA assumem o papel de nação mais poderosa do mundo, passando a ser o centro do sistema capitalista, após a hegemonia britânica do século XIX e inicio do século XX. Historicamente, sempre que houve uma troca da base central do capitalismo, há uma mudança na forma de operar do sistema, determinando novas acomodações nas relações entre os países centrais e os da periferia.

A política externa americana do segundo pós guerra começa a ser montada por Roosevelt, a partir da estruturação da ONU, com algumas especificidades, que a diferencia do tempo dos impérios europeus do século XIX e do primeiro quarto do século XX. Na ONU, os EUA assumem uma posição anti-colonialista, repudiando a ocupação direta de territórios de forma imperial, como havia sido praticado pela Inglaterra, França, Alemanha e até outros países europeus. A dominação imperial passará a ser operada pelas grandes corporações americanas, que assumem a dimensão das multinacionais, que são estruturas organizacionais, e que se instalam nas mais distantes localidades, pautando seus interesses determinando o futuro de nações aparentemente autônomas.

Sem dúvida, a figura de Roosevelt será determinante para o impulso inicial do imperialismo americano no segundo pós guerra, sua postura cosmopolita contrastava com o ambiente provinciano da política americana, haviam então tensões internas que precisavam de respostas. De um lado os pequenos agricultores e empresas do centro-oeste americano, que tendiam para um isolacionacismo, e ainda se prendiam a ideologia da América para os americanos. De outro os banqueiros e as grandes corporações da costa leste, que propunham refazer o mundo destruído à imagem e semelhança da América. Na verdade Rosevelt era um nacionalista, convicto de que o norte americanismo seria o melhor antídoto para o mundo do pós guerra, apesar de não ser anti comunista, também não tinha convicções anti-fascistas;

"...embora fosse hostil a Hitler, admirava Mussolini, ajudou Franco a chegar ao poder e manteve boas relações com Pétain - , mais por conta do medo de uma expansão japonesa e alemã. Também devido á sua posição social, não era particularmente anticomunista: à vontade com a URSS como aliada, Roosevelt era um pouco mais realista sobre Stálin do que este havia sido sobre Hitler. Embora gostasse de Churchil, não demonstrava nenhum sentimento pelo império que ele defendia e não tinha tempo para De Gaulle." ANDERSON 2015 pág.28

Nesse momento, a relação americana com a França parece envolver claros elementos de rivalidade e competição, pois os EUA reconhecem de forma velada e escondida o impacto cultural e doutrinário da França, que representa uma capacidade colonial competitiva. Efetivamente, Roossevelt na cidade de San Francisco em 1945 não simpatizava com a entrada da França gaullista no Conselho de Segurança da ONU, dando preferência ao Brasil, no entanto a Inglaterra pressionou pela inclusão do país europeu, claramente se defendendo da perda de importância da Europa, no cenário mundial.

Mas logo em seguida, em março de 1947, o então novo presidente Truman profere um discurso no Senado americano alertando para os riscos da presença comunista no Meditrerrâneo, como justificativa para a criação de uma agencia de espionagem e inteligência (CIA), que até hoje possui orçamento velado e sem controle do Congresso. Percebe-se então um declínio do discurso ideológico da liberdade frente a uma posição de polícia e controle do mundo, onde era mais importante a repressão aos adversários, do que a adoção das teses da democracia e do mercado. Desde então, de forma recorrente o país deu apoio a ditaduras e governos autoritários, que defendiam os interesses das corporações americanas e que se afastavam de ideais republicanos. No mesmo ano em 1947, no Rio de Janeiro no Tratado Interamericano de Assistência Recíproca, que desembocará na Organização dos Estados Americanos (OEA), um dos ideólogos (Kennan) declara para os embaixadores americanos na América Latina:

"É melhor ter um regime forte no poder do que um governo indulgente e impregnado de comunistas." ANDERSON, 2015 pág.81

Instala-se um declínio do cosmopolitismo de Roosevelt e das teses da liberdade, da democracia e do mercado e a recorrência de um maior pragmatismo, que se aproxima de um terrorismo de estado, que impõe regimes fortes em várias partes do globo, e não mais só na América Latina.

Nesse cenário é que emerge o Oriente Médio, que tinha uma presença colonial européia muito mais tardia com relação as outras partes do mundo, pois apenas ao final da primeira guerra mundial, com o colapso e dissolução do Império Otomano, fomentado ainda pela Inglaterra, a potência declinante de então. Todas as nações que emergiram do Império Otomano eram monarquias ou emirados conservadores, exceto a Síria e o Líbano, que eram repúblicas e que justamente haviam tido a presença colonial francesa.

Mas se no primeiro momento da Guerra Fria, o Oriente Médio não teve muito protagonismo na luta entre EUA e URSS, a partir da década de cinquenta emergem uma série de conflitos, onde mais uma vez os policiais globais irão criar problemas de difícil resolução.

O Irã, que era o segundo produtor de Petróleo no mundo, e que fazia fronteira com a URSS, começa com a dissolução do Império Otomano a manifestar um certo nacionalismo, que luta pela gestão de suas imensas reservas petrolíferas que permanecem nas mãos da Anglo Iranian Oil Company. Nesse contexto emerge  a figura de Mohammed Mossadegh, político nacionalista com pós graduação na França e na Suíça, que se elege primeiro ministro do Irã em 1951. No mesmo ano o parlamento iraniano decreta a nacionalização da Anglo Iranian, os ingleses levantam a hipótese de envio de sua marinha, que será desaconselhada por Washington, para não transformar o nacionalismo em comunismo pró-soviético. Interessante registrar que o mesmo Mossadegh havia rechaçado alguns anos antes a concessão da exploração de petróleo no norte do país a URSS, defendendo que o país devia gerir suas riquezas. No entanto em 1953, a CIA orquestra um golpe de estado que depõe o primeiro ministro nacionalista, instalando no poder o Xá Reza Pahlevi, cujo o regime irá destruir a democracia no Irã.

Em 1958, os EUA firmam o Pacto de Bagda, reunindo Turquia, Iraque, Irã e Paquistão pretendendo criar um cinturão anti-soviético na área. No mesmo ano ocorre uma revolução no Iraque, que derruba a monarquia e instala um governo militar muito mais a esquerda do que Nasser, o líder egípcio que flertava com a URSS. Cinco anos mais tarde, aconteceu o golpe de estado que levou o partido Baath ao poder em Bagdá, com o apoio da CIA, que forneceu ao novo regime a lista de comunistas iraquianos a serem mortos. O partido Baath ou socialista árabe iraquiano será mais tarde chefiado por Saddam Hussein, o mesmo dono de armas químicas nunca encontradas, capaz de comandar ataques terroristas pelo mundo.

Em 1979, perto do final da Guerra Fria no Afeganistão, Washington financiou os mujahidins grupo religioso que resistia a URSS, que invadira o país. Os EUA apontavam então o Afeganistão como o Vietnam soviético, pois os guerrilheiros religiosos atuavam num país isolado de base rural com pequenas vilas. A CIA destinou US$ 3 bilhões em armas e assistência e orquestrou o apoio de outros US$ 3 bilhões da Arábia Saudita para expulsar os tanques soviéticos do país, mas a poderosa agência norte americana também sabia que a resistência afegã não era apenas tribal, mas religiosa e marcadamente anti-ocidental. Logo após a conquista de Cabul, a Al Qaeda elabora um manifesto, no qual destaca as atrocidades de Israel na Palestina, e o sacrilégio da ocupação das tropas norte americanas desde a Guerra do Golfo na Arábia Saudita, violando os lugares sagrados de peregrinação.

As violações se sucedem até chegar a questão do Exército Islâmico e da Siria, que repete o mesmo roteiro, onde liberdade, democracia e mercado são colocados de lado em nome da conveniência de se aliar com posicionamentos obscuros. Nada disso justifica os atentados as Torres Gêmeas em Nova York, ou a Estação de Atocha em Madrid, ou ao Charlie Abdo em Paris, bem como as últimas ocorrências na França, mas creio também que o bombardeio da Síria nada ajudará. Na verdade, o ocidente precisa entender o porque de jovens estarem abraçando essas causas obscuras, contra seus ideais? Enfim, a atuação em bloco por parte do ocidente pode representar o incremento dos problemas com o terrorismo...

BIBLIOGRAFIA:
ANDERSON, Perry - A política externa norte-americana e seus teóricos - editora Boitempo São Paulo 2015