segunda-feira, 27 de abril de 2020

ESCLARECIMENTO E BARBÁRIE, DEMOCRACIA E BOLSONARISMO

Nesses dias de pandemia do Covid-19 e de isolamento social voltei me para um livro A Dialética do Esclarecimento, fragmentos filosóficos de Theodor Adorno (1903-1969) e Max Horkheimer (1895-1973), que já tinha lido no começo da década de oitenta, quando viviamos o final da Ditadura no Brasil, no modo lento, gradual e seguro. Esse texto já foi comentado aqui no blog em 04 de maio de 2016, e o link é: http://arquiteturacidadeprojeto.blogspot.com/2016/08/a-dialetica-do-esclarecimento.html . Mas naqueles tempos, incentivado pelo meu pai, que talvez enxergasse naquele filho, um aguerrido combatente anti militarista, uma automática conexão mecânica, redutora e dogmática entre modernidade e consciência esclarecedora. E, realmente havia naquele jovem de vinte e poucos anos, uma crença de que a redemocratização do país traria de forma inevitável, uma imensa ampliação do esclarecimento de sua população. Ainda não haviam ocorrido as frustrações; com a perda da Emenda pelas Diretas Já (1983-84), a derrota eleitoral de Lula no segundo turno para Fernando Collor de Mello (1989), as subsequentes derrotas eleitorais para um governo dito social democrata, mas na verdade neo liberal e conservador, como o de Fernando Henrique Cardoso (1994 e 1998). Enfim, ainda havia em mim uma crença juvenil, de que o término da Ditadura representaria a redenção dos problemas do país, que finalmente se voltaria para um desenvolvimento com maior equidade. Logo no seu prefácio, o questionamentos dos autores explicitava de forma escancarada uma propensão ainda não realizada, aqui no Brasil, mas também no resto do mundo;

"O que nos propuséramos, era de fato, nada menos do que descobrir por que a humanidade, em vez de entrar em um estado verdadeiramente humano, está se afundando em uma nova espécie de barbárie. Subestimamos as dificuldades da exposição porque ainda tínhamos uma excessiva confiança na consciência do momento presente." ADORNO  e HORKHEIMER 1985 página11

Interessante assinalar, que o livro foi lançado pelos dois filósofos da Escola de Frankfurt, Adorno e Horkheimer em 1947, ainda exilados na costa oeste dos EUA, de certa forma envoltos pela enorme ampliação e difusão da indústria cultural de massas Estadounidense. A versão que li no sítio de meu pai em Caeté Minas Gerais, nas férias de um inverno frio de julho no começo dos anos oitenta, entre um semestre e outro de minha graduação na FAU-UFRJ, continua lá perto em BH, ou deve ter migrado para Okhlahoma, com meu irmão mais novo. A versão, que agora utilizo comprei-a em 2002 num sebo carioca, e utilizei a de forma periférica em minha tese de doutorado, Projeto, Ideologia e Hegemonia; em busca de uma conceituação operativa para a cidade brasileira, que escrevi em 2007 no PROURB na mesma FAU-UFRJ. Nessa ocasião da elaboração de minha tese releguei o livro, por considerá-lo excessivamente pessimista com relação ao operativo, ou ao projeto, duas dimensões de certa forma caudatárias do otimismo, e presentes em minha reflexão. De uma maneira geral, o livro segue envolto num pessimismo avassalador, principalmente no que se refere a indústria cultural de massas, que em seu tempo eram notadas no cinema, na música e no rádio. Mas, na Dialética do Esclarecimento, segundo os próprios autores, na sua formulação ainda manuscrita já anteviam o fim do terror nacional-socialista de Hitler, na Alemanha, que os tinha levado ao exílio. O livro na verdade foi também segundo os mesmos escritores reeditado em Frankfurt em 1969, tendo muito poucas mudanças em seu conteúdo efetivo, pela permanência da presença do que denominam por mundo administrado.

"Atualizar todo o texto teria significado nada menos do que um novo livro. A ideia de que hoje importa mais conservar a liberdade, ampliá-la e desdobrá-la, em vez de acelerar, ainda que indiretamente, a marcha em direção ao mundo administrado, é algo que também exprimimos em nossos escritos ulteriores... Semelhante reserva transforma o livro numa documentação; temos  a esperança de que seja, ao mesmo tempo, mais do que isso." ADORNO e HORKHEIMER 1985 página10

Minha edição, agora utilizada, é a da tradução de Guido Antonio de Almeida, dessa versão de 1969, que intitula o livro como, Dialética do Esclarecimento, e não mais como, Dialética do Iluminismo, que era a versão de meu pai, se não me falha a memória. É típica, do período do segundo pós guerra, a crítica ao iluminismo, ao esclarecimento e ao mundo administrado, racionalizado e burocratizado, indo de Foulcault a Marcuse, passando por Sartre e outros, sobre os controles totalitários da era moderna, na qual a Dialética do Esclarecimento, também se encaixa. Mas elas, não podiam prever, e nem poderiam, os enormes retrocessos impostos mesmo às democracias centrais do capitalismo, com a emergência da ideologia neo liberal, que foi conquistando o mundo a partir de Thatcher e Reagan, no mesmo começo dos anos oitenta. De qualquer forma, agora é interessante assinalar essa confluência inusitada entre um mundo que criticava as atrocidades do nazismo e identificava a permanência das instâncias de controle e administração, no primeiro pós segunda guerra, mas que ainda não tinha vivido os terríveis retrocessos nos ganhos sociais, que as democracias centrais iriam ser atingidas pelos fundamentalistas do mercado.

"Na Alemanha, o nazismo fora eleito determinando a perseguição aos judeus e aos intelectuais de esquerda, na União Soviética, Stalin havia assumido o controle do Partido Comunista calando vozes de diversos opositores. Mesmo nos EUA e na Califórnia, distantes das terríveis convulsões da Europa se iniciava a perseguição aos comunistas, que impuseram aos dois filósofos alemães uma série de constrangimentos. Consta, que Adorno, que não possuía o visto americano permanente, não podia se afastar mais de cinco quilômetros da Universidade e de sua casa, sem comunicar a polícia da Califórnia, o que já denotava o surgimento do Macartismo." MOREIRA 2016 disponível em http://arquiteturacidadeprojeto.blogspot.com/2016/08/a-dialetica-do-esclarecimento.html, coletado em abril de 2020


E, no contexto do Brasil, nos anos sessenta aonde o controle administrativo do Estado pela Ditadura Militar é operado não para promover o Bem Estar Social, dos países centrais, mas o achatamento salarial das classes populares, que adequava o desenvolvimento do país aos ditames das corporações internacionais e o crescimento de uma concentração de renda inusitada. E, em seguida se mantém na adequação de forma subalterna, colonizada e acrítica ao modelo dos fundamentalistas do mercado, nos governos de Sarney, Collor e FHC. E, logo após, vai usufruir de um intervalo de reformismo conservador, a partir de 2002, dos governos Lula e Dilma, aonde apesar do alinhamento social mais a esquerda, permanecem no campo da macro economia, os posicionamentos de celebração da concorrência e declínio da solidariedade, típicos do neo liberalismo hegemônico. Chegando em 2016 e 2018, aos conhecidos retrocessos dos governos de Temer e Bolsonaro, aonde ressurge uma mentalidade de desmonte do Estado, celebração do autoritarismo e alinhamento unilateral celebrando a ordem concorrencial de forma fundamentalista. Tais posicionamentos se confrontam com as condições de planejamento frente a pandemia do Covid-19, que estão demandando maior presença dos hospitais públicos, do SUS, e portanto do Estado brasileiro. Enfim, é sobre esse prisma que o livro é reencontrado, sobre a perspectiva de que a crítica contida no livro se refere a um Estado de bem estar social, que já abandonamos, e que de certa forma pode parecer para os tempos atuais uma representação mais civilizatória do que a que usufruímos hoje. E, principalmente frente aos retrocessos do Estado no Brasil contemporâneo produzidos por governos conservadores pró mercado, anti-estatais e com claros autoritarismos.

"O livro é composto por um breve Prefácio, que sistematiza a ideia de esclarecimento como destruidor dos mitos e ritos explicadores e instrumentador de uma ciência desmemorizada, simplificadora e unilateral. Seguido por O conceito de Esclarecimento, no qual a razão instrumental e tecnológica é vista como legitimadora da dominação e do poder sobre a natureza ou outros seres humanos, que passam a ser objetivados. Seguido por dois excursos, um sobre o mito de Ulisses na Odisséia grega - Excurso I: Ulisses ou Mito e Esclarecimento - visto como um testemunho precoce da civilização burguesa, onde sacrifício e renúncia prenunciam o domínio total da natureza humana e não-humana. E, o segundo excurso sobre Kant, Sade e Nietzche - Excurso II: Juliete ou Esclarecimento e Moral - onde emerge um sujeito autocrático, que descamba para uma objetividade cega, não admitindo mais o contraditório. Após esses dois excursos, que segundo alguns dicionários tem como significado; desvio, digressão, divagação, ou desvio do tema principal; seguem-se dois capítulos; A industria cultural e Elementos do Anti-semitismo, que são seguidos por Notas e Esboços, que anunciam pesquisas futuras. Por essa estrutura, o livro denota uma certa processualidade inconclusa, ou uma perplexidade diante da transformação do esclarecimento em barbárie, a sombra do nazismo e de suas atrocidades domina a reflexão, sinalizando que o aumento do consumo de bens materiais não elevou o padrão da sociabilidade.

"Numa situação injusta, a impotência e a dirigibilidade da massa aumentam com a quantidade de bens a ela destinados. A elevação do padrão de vida das classes inferiores materialmente considerável e socialmente lastimável, reflete-se na difusão hipócrita do espírito." ADORNO e HORKHEIMER 1985 página14 MOREIRA 2016 disponível em http://arquiteturacidadeprojeto.blogspot.com/2016/08/a-dialetica-do-esclarecimento.html, coletado em abril de 2020 

No agora distante século XVII, Kant formulou a máxima, "sapere aude", ou "ousa saber", projetando uma enorme expectativa na ampliação e disseminação do conhecimento e da ciência pelos seres humanos, que significaria sua redenção de todas as dominações e arbitrariedades. Uma promessa, que partia de sua definição do termo em alemão, Aufklärung, literalmente Esclarecimento, como um processo de superação da ignorância e da preguiça de pensar por conta própria, a partir da qual, se alcançaria uma maioridade consciente, afastando dominações e as relações de subalternidade. Tal superação libertadora viria da informação, que se generalizaria, impedindo todas as formas de dominação, inclusive de superiores hierárquicos como governantes, padres, poderosos e endinheirados. Realmente, o iluminismo varreu o mundo, com suas revoluções, o repúdio a colonização, o desenvolvimento da imprensa livre e vigilante, gerando um certo desencantamento do mundo, que se projetou em amplas direções. Mas, o livro em seu ensaísmo inacabado traz nos uma dimensão que ronda perigosamente a mesma ampliação da consciência, a expansão perversa de uma maioria silenciosa, que se sente órfã do mito e do encantamento da dominação mais torpe. A manipulação da informação, a disseminação do medo traz a eleição de trincheiras falsas e escamoteadas, que o desencantamento do mundo produz, como o anti-semitismo do nazismo, ou a luta anti-Ptista ou anti-corrupção do bolsonarismo captam essa insegurança que se dissemina fazendo as pessoas se apegarem a mitos simplificadores. O discurso anti-intelectual, anti-esquerdista, anti-libertinagem, anti-mudança do status quo, com forte conotação hierarquizante de fortalecimento da identificação do líder, como um mito, que desdenha das práticas democráticas dos acordos episódicos e estratégicos.

Ulisses amarrado ao mastro do navio, com os
remadores sem ouvir canto das sereias resiste

o assédio das sereias
"Uma das construções mais fundamentais do livro é a manipulação do duodécimo canto da Odisséia de Homero, quando é descrito o encontro de Ulisses com o mar das Sereias, durante sua longa viagem de volta à Itáca, após a vitória sobre a cidade de Tróia. Ulisses determina que seus companheiros na nau remem com todas as suas forças, e tenham seus ouvidos tamponados, evitando que ouçam os cantos das sereias. Ao mesmo tempo, se amarra ao mastro central da nave, pois quer ouvir, mas não quer se deixar levar pela sua sedução. Segundo Adorno e Horkheimer, esse entrelaçamento de mito, dominação e trabalho irá pelo sofrimento promover a emancipação, fazendo uma analogia com a obstinação dos burgueses, que recusavam a felicidade e o prazer em nome da ampliação de seu poderio. A arte quando não inserida na vida cotidiana tende a uma fruição regulada e neutralizada, onde a contemplação passiva se separa dos objetos assumindo um caráter de idolatria alienada, negando sua potência de conhecimento e auto-esclarecimento. Ulisses acaba suplicando a seus companheiros, que o soltem das amarras para se reunir ao belo canto das sereias, mas esses seguem remando, indiferentes e alienados. Há aqui uma clara identificação da arte com o prazer, o rito e o mito, que pela divisão social do trabalho guarda apenas para o senhor ou o líder a possibilidade exclusiva de sua fruição e deleite. A reprodução da vida do senhor, ou do líder é garantida pela distribuição das tarefas, não havendo possibilidades de escape do papel social pré-determinado, força física e repetição das remadas salvam e ao mesmo tempo mantém preso a Ulisses, que representa o espectador passivo e separado da beleza." MOREIRA 2016 disponível em http://arquiteturacidadeprojeto.blogspot.com/2016/08/a-dialetica-do-esclarecimento.html, coletado em abril de 2020 

"Aquilo que acontece a todos por obra e graça de poucos realiza-se sempre como a subjulgação dos indivíduos por muitos: a opressão da sociedade tem sempre o caráter da opressão por uma coletividade...As medidas tomadas por Ulisses quando seu navio se aproxima das Sereias pressagiam alegoricamente a dialética do esclarecimento." ADORNO e HORKHEIMER 1985 página35 e página45

Enfim, diante de um mundo talvez menos desencantado, mas certamente sobrecarregado de informações e de mensagens, igualmente manipuladoras produzidas pela ampliação e disseminação das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) contemporâneos, aonde a qualquer momento podemos todos ser captados pela submissão ao mito emburrecedor, pelo medo. Aonde após uma sucessão de governos federais dominados por um reformismo conservador, que pela primeira vez gerou desenvolvimento com melhor performance na divisão de renda, houve um retrocesso em direção ao autoritarismo. Uma contemporaneidade no Brasil, envolta num espectro evangélico conservador, aonde a justiça atende apenas aos milicianos e poderosos, a educação pública quer ser doutrinada pelo discurso da eficiência da propriedade privada, a saúde privilegia os planos privados, a macro economia se alinha com rentistas especuladores e as Relações Internacionais são pautadas pela submissão às determinações dos EUA. São fundamentais as perguntas do livro; porque a barbárie, o ofuscamento e a regressão nos alcançam de forma recorrente, ao invés das luzes, da auto-consciência, e do esclarecimento, num mundo sobrecarregado de informação? Aonde germinou a celebração de um retorno ao autoritarismo da Ditadura Militar? Nas manifestações de 2013? Nas falas do impedimento da presidenta Dilma, em 2015? Adorno e Horkheimer, indignados com a regressão nazista da Alemanha em 1930, que acomete o país mais alfabetizado da Europa de então, nos trazem um depoimento sobre os paradoxos da ampliação do iluminismo, com uma certa perplexidade. Um discurso, aberto e interminado de dois filósofos do Instituto de Estudos Sociais, a Escola de Frankfurt, que não está alinhado com o comunismo de Estado da União Soviética, e que nos trazem uma crítica que ainda opera em nossa contemporaneidade. Na qual, o medo desempenha papel fundamental, quando parece que os homens se deram conta da sua finitude perante a natureza e da massacrante sociedade individualista burguesa, aonde todos lutam contra todos. De certa forma, esperam que, a qualquer momento o mundo complexo sem saída da naturalização concorrencial a todo custo seja incendiado, por uma totalidade que eles próprios constituem e sobre a qual não tem mais controle.

"O horror mítico do esclarecimento tem por objeto o mito. Ele não o descobre meramente em conceitos e palavras não aclarados, como presume a crítica da linguagem, mas em toda manifestação humana que não se situe no quadro teleológico da autoconservação. A frase de Spinoza: "Conatus sese conservandi primun et unicum virtutis est fundamentum." "O esforço para se conservar a si mesmo é o primeiro e único fundamento da virtude " contem a verdadeira máxima de toda a civilização ocidental, onde vem se aquietar as diferenças religiosas e filosóficas da burguesia. O eu que, após o extermínio metódico de todos os vestígios naturais como algo mitológico, não queria mais ser nem corpo, nem sangue, nem alma e nem mesmo um eu natural, constituiu, sublimado num sujeito transcendental ou lógico, o ponto de referência da razão, a instância legisladora da ação. Segundo o juízo do esclarecimento, bem como o do protestantismo, quem se abandona imediatamente à vida sem relação racional com a auto-conservação regride à pré-história." ADORNO e HORKHEIMER 1985 página41

Há uma certa analogia ou simetria entre Alemanha e Brasil na história do capitalismo mundial, como Estados nacionais que se constituem de forma tardia como estruturas articuladas ao sistema econômico concorrencial. A Alemanha se constitui como Estado Nacional entre os anos de 1866 e 1871, tardiamente com relação a Inglaterra, França e EUA, e tentará compensar isso com uma maior presença na  economia desse mesmo Estado. Há aí, a presença de um certo autoritarismo prussiano, que é o reino que promove sua unificação, mantendo sempre uma certa beligerância com relação aos Estados mais liberais da França e da Inglaterra, que eram sua proximidade imediata. Com o intuito de impor a supremacia prussiana sobre a nova Alemanha, Bismarck decidiu em 1871 fazer o rei da Prússia se tornar imperador, e que esse título lhe fosse oferecido pelos príncipes dos diversos reinos, e não viesse do Bundestag, como proposto em 1849 (1). O militarismo prussiano é um fato que marcará a história alemã como uma premissa que determina a subserviência incondicional do cidadão às determinações do Estado, tão cultuada pelos militares brasileiros. A historiadora Marin Kitchem menciona em seu livro, História da Alemanha Moderna, de 1800 aos dias de hoje;

"A coroação ocorreu no Salão dos Espelhos em Versalhes...O que mais chamava atenção era a ausência de parlamentares e civis. O Reich de sangue e ferro foi proclamado pelos militares, pelos príncipes e pela antiga elite, todos comprimidos em uniformes militares adornados com as medalhas de um exército vitorioso." segundo KITCHEN 2013 página 160 e 161 

O Brasil se constitui como Estado Nacional, com sua independência em 1822, também formando um Império monárquico, governado pelo filho do rei de Portugal, diferentemente de todos os seus vizinhos, que articulam suas libertações da metrópole espanhola, a partir de sistemas democráticos. Por outro lado, também permanecerá na margem da economia capitalista, pois mantém se centrado num escravagismo arcaico e retrógrado, o que lhe confere um posicionamento subalterno nesse sistema geral do mundo, como fornecedor de matérias primárias como café e açúcar, e sem mercado interno relevante. Logo também, com a proclamação da república, logo após a supressão da escravidão, o exército brasileiro assume uma posição central na política brasileira que não abandonará mais, enfatizando os componentes autoritários, conservadores e retrógrados do Estado. Além disso tudo, o exército brasileiro é profundamente marcado pela filosofia positivista de Augusto Conte, com um condicionamento lógico que absolutiza o conhecimento científico, dando lhe uma exclusividade na explicação dos fenômenos. Importante salientar, que Kant na sua caracterização do saber envolvia a reunião num sistema ético os diversos conhecimentos isolados. A maioridade kantiana aqui mencionada era justamente a capacidade de se servir do seu entendimento ou razão sem a direção de outrem; líderes políticos, superiores hierárquicos, padres, endinheirados, etc.. De todo modo parece que vivemos na verdade, uma ampliação desmesurada da alienação e da ignorância, a partir da crença emburrecedora de que ao termos acesso a alguma informação, obtida pela internet, nos tornamos propensos a uma pretensão imbecilizante. Ao final, na verdade a razão kantiana envolve a ética de que quanto mais estudamos, mais ganhamos consciência de nossa própria ignorância, e desenvolvemos uma certa modéstia esclarecedora, que nos permite ouvir o contarditório.

"... já se observou que a atitude de Adorno em relação ao iluminismo, também é, no fundo, ambivalente: uma tensão entre a apologia do espírito crítico, inseparável da negatividade libertadora, e a denúncia do imperialismo da razão tecnológica. A razão tecnológica, de instrumento à disposição do homem, se transforma numa investida tirânica contra a natureza, e contra o próprio homem. O instrumento, elevado a finalidade suprema, passa a usurpar os verdadeiros fins, esquecidos e ausentes. Com Adorno e Horkheimer, a crítica iluminista se desdobra em desconfiança quanto ao próprio iluminismo. A experiência do nazismo demonstrara quanto a razão pode ser inútil diante das forças da barbárie; o exílio nos Estados Unidos acabaria de persuadir os professores de Frankfurt, europeus enojados pelos aspectos imbecilizantes da sociedade de massa, da irracionalidade da razão tecnológica." MERCHIOR 1987 página 49 e 50

A crise na qual estamos inseridos é de extrema gravidade, a imbecialização dos seguidores cegos do autoritarismo, seja de Hitler ou de Bolsonaro demonstra como a barbárie vem se ampliando, apesar do enorme acesso às informações que desfrutamos. O desenvolvimento das TICs deu nos uma pretensiosa arrogância, que nos afastou da verdadeira ética do esclarecimento, de que a diversidade de posicionamentos é a única possibilidade de nos aproximarmos da verdade. A supremacia em nossa sociedade da razão tecnológica de cunho positivista é simplificadora, absolutizando campos restritos da técnica, que não se comunicam com a ética, única no meu entender capaz de relativizar a arrogância imbecilizante, que se engana imaginando que o autoritarismo nunca o alcançará.

NOTAS:

(1) Bismarck deu uma polpuda quantia ao rei Ludwig da Baviera do fundo guelfo para que esse indicasse Guilherme como futuro imperador da Alemanha. A corrupção é uma característica marcante da sociedade concorrencial, desde sua fundação.

BIBLIOGRAFIA:

ADORNO, Theodor e HORKHEIMER, Max - A Dialética do Esclarecimento, fragmentos filosóficos - Editôra Jorge Zahar Rio de Janeiro 1985

KITCHEN, Marin - História da Alemanha moderna de 1800 aos dias atuais - Cultrix São Paulo 2013

MERQUIOR, José Guilherme - O marxismo ocidental - Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro 1987

MOREIRA, Pedro da Luz - A Dialética do Esclarecimento - disponível em  http://arquiteturacidadeprojeto.blogspot.com/2016/08/a-dialetica-do-esclarecimento.html, coletado em abril de 2020