domingo, 16 de fevereiro de 2020

A primeira aula de Cidade, arquitetura, filosofia moderna dentro do programa IAB compartilha

Cartaz de divulgação do Workshop Arquitetura,
Cidade,  Filosofia Moderna
Nos dias 04 e 05 de fevereiro de 2020 na sede do IAB-RJ  ministrei um workshop sobre Cidade, Arquitetura, Filosofia Moderna para um grupo de alunos de composição variada, sugerindo um exercício ao final, através de um texto vinculando os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU e nossa espacialidade contemporânea. Esse texto é uma compilação expandida da primeira aula. Meu filho Daniel, já havia me alertado, que o mais correto seria chamar de pensamento moderno, e não filosofia, uma vez que recorria a pensadores como; Adam Smith, Schumpeter, David Harvey dentre outros que não se enquadram na definição. Com muito mais preparo que eu, pois formado em filosofia e professor de sociologia no ensino básico meu filho Daniel argumentava, que o livre pensar divagante era um fenômeno histórico e geográfico restrito a antiga Grécia, que a humanidade havia definitivamente perdido, a partir da divisão social do trabalho moderna. Sem exatamente questionar esses argumentos mantive o termo filosofia quase que o entendendo como um esforço para desnaturalizar e problematizar determinados comportamentos e práticas, no campo da produção do espaço. Enfim, concordava com sua argumentação mas mantinha o termo filosofia, buscando uma reflexão sobre alguns alinhamentos e práticas naturalizadas, sem reflexão, em nosso cotidiano contemporâneo. Ao final o objetivo seria refletir como a produção de nossa espacialidade, representada pela cidade, pela arquitetura e pela ocupação do território eram manifestações de nossas concepções societárias e de suas formas de reprodução. E, como diante da ameaça contemporânea dos desequilíbrios ecológicos e das mudanças climáticas as ações de planejar e projetar deviam refletir e se problematizar.

Na ementa do workshop estava proposto, que pretendia-se abordar as complexas relações entre matéria e espírito, objeto e sujeito no campo do espaço construído pelo homem, pensando a partir de duas categorias de valor de uso; a primeira material e objetiva, e a segunda ideal e simbólica. A arquitetura e a cidade se destacam nesse campo dos objetos por ser um esforço ancestral do homem, que não encontra no nosso planeta, seu lugar no mundo, impulsionando um desejo de transformação capaz de produzir seu habitat. Há portanto, em suas essências, do habitar e da cidade, uma função precípua objetiva, que é o abrigo, que não anula a beleza e a contemplação. O habitat e a cidade são obras de arte muitas vezes despersonalizadas, porque envolvidas nessa tradição objetiva, coletiva e pragmática de proteção das intempéries do nosso planeta, que se sucedem desde tempos imemoráveis. A ideia do workshop é se debruçar sobre conceitos caros ao ofício da arquitetura e do urbanismo, pensando-os como um discurso articulado, que produz um contra-plano ou contra-projeto para a sociedade contemporânea. A partir do paradigma ambiental imaginar discursos e possibilidades de novas práticas e ações, que buscam uma maior adequação aos desafios de sustentação do nosso planeta. Pensar os conceitos de cidade, moradia, comunidade, arquitetura, infraestrutura não apenas do ponto de vista do que são, mas do que devem vir a ser para se adequar aos desafios da contemporaneidade. A espinha dorsal do workshop conta com reflexões de Kant, Hegel, Schopenhauer, Marx, Gramsci, Foulcault, Adorno e Habermas, propriamente filósofos modernos, mas também; Adam Smith, Max Weber, Scumpeter, Richard Sennet, Perry Anderson, David Harvey, Carlos Nelson Coutinho, Leandro Konder, Luiz Werneck Vianna, José Guilherme Merchior, Umberto Eco e Giovanni Arrighi. Mas também com pensadoras como; Rosa Luxemburgo e Hannah Arendt, que nos trazem reflexões fundamentais contra o militarismo, o valor da diversidade de pensamentos na democracia, a emergência de totalitarismos na nossa contemporaneidade e da presença dissimulada do poder. A proposta pretende oferecer uma oportunidade de reflexão sobre nosso ofício na contemporaneidade, a partir das divagações de vários pensadores sobre; cidade e arquitetura, pensamento e ente, artificial e natural, partes e todo, ente inerte e ente ativo, objeto e sujeito, fruição e sentidos, prática e teoria, espaço e materialidade, descrição e assertividade, projeto e contraprojeto, ideologia e hegemonia, prática e teoria, forma e conteúdo, pureza e labirinto, parte e todo.

A partir do final da segunda Guerra Mundial, com as  explosões das bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki emerge uma consciência no mundo humano de que a técnica acumulara um poder de destruição sem par, e que ela representava um perigo não só para a espécie humana, mas também para o planteta Terra. O paradigma ambiental, que se instala na experiência contemporânea, a partir da década de 50 do século XX, a chamada Era Antropocena, aonde o homem concentra uma capacidade de destruição inusitada dos recursos do planeta forçam uma mudança de comportamentos e pensamentos na humanidade. Como buscar formas de comportamento e de prática mais adequadas para o planteta e para as futuras gerações, que passam a não mais acreditar no unidirecionamento do desenvolvimento? Como nosso ofício, arquitetura e urbanismo, se posiciona dentro desse contexto? Qual a construção ideológica capaz de dar resposta aos desafios do paradigma ambiental, redirecionando o habitar e a vida pública a essas novas demandas?

Há aqui a emergência de uma outra racionalidade, que declina de uma pessoalidade isolada, e assume uma dinâmica interpessoal e coletiva, construída a partir do associativismo, que investe fortemente na impessoalidade. Uma ideia de construção coletiva de argumentos, que declina do personalismo e investe fortemente na intersubjetividade e no coletivo. O Instituto de Arquitetos  do Brasil (IAB) é uma entidade associativa centenária que debate desde 1921, as formas do ser humano ocupar o território do planeta, fundado por arquitetos de ideologia eclética, ou proto moderna, que logo serão suplantados pelos de ideologia modernista. O IAB segue sendo um fórum de debates e de aglutinação dos arquitetos e urbanistas, que pensam o desenvolvimento e a reprodução da casa e da cidade brasileira. No mundo contemporâneo, o associativismo ganha uma dimensão fundamental, pois as ideias não são mais individualizadas mas coletivas, segundo HABERMAS, o maior vigor da racionalidade está em sua intersubjetividade, e não mais em seu isolamento. Na França realizam-se mais de 2000 concursos públicos de projeto por ano. No Brasil apenas 10 concursos públicos de projeto por ano, não havendo a obrigatoriedade de contratação nas obras de interesse público de forma mais transparente e democrática. A partir da  comparação dessas práticas denota-se uma maior importância para o pensar (plano e projeto), do que para o executar (obra). As formas de reprodução do habitar e da cidade ganham mais transparência e possibilidade de participação a partir do privilegiamento do plano e do projeto (antecipações), em comparação com a materialização da obra (empreiteiros). Tais práticas apontam graus diferenciados de democratização, uma vez que pensar antes de fazer possibilita a problematização da iniciativa, sua exposição a um fórum mais amplo e a checagem de sua adequação aos variados interesses. Qual a relevância social da obra? A quem ela atende? Sua premissa é de inclusão social, gerando coesão social?

A partir desse ponto, considero importante explicitar e discutir alguns conceitos expressos nos termos destacados abaixo;

Projeto e Plano: A palavra projeto é constituída por um prefixo "Pro", e uma finalização "Jactare", que denotam juntas lançar com antecedência. O projeto e o plano são discursos que pretendem persuadir a sociedade para avaliação consciente dos custos e benefícios das intervenções sugeridas, nesses termos está contida a ideia de pré figuração, simulação e antecipação. Os termos foram dissecados pelo teórico italiano da arquitetura, Manfredo Tafuri, que no livro História e Teorias da Arquitetura, caracterizou-os como a "crítica operativa do real" (TAFURI, 1981). Não se restringindo portanto a mera resolução dos problemas, mas a elaboração de uma crítica a costumes e práticas arraigadas. O processo de plano e projeto, quando se inicia jamais estará pré determinado com precisão, mas será invariavelmente uma revisão e reformulação de conceitos arraigados, se auto constituindo enquanto evolui.

Ideologia: É um dos termos mais complexos das ciências sociais possuindo diferentes qualificações dependendo da estrutura de pensamento adotada. Marx no livro Ideologia Alemã, qualificou-o como um véu que nos impede de perceber o real, a partir de nossa condição e interesses de classe, lhe incomodava um certo idealismo alemão, no desenvolvimento da filosofia germânica, que em contraposição a França e a Inglaterra, apenas pensava, mas não realizava. Mais tarde identificou uma maior positividade no termo, identificando a presença de ideologias progressistas e conservadoras, que lutavam no tecido social. Gramsci conceberá o termo em sua maneira mais afortunada, qualificando ideologia de uma forma mais neutra, a partir de Lenin, que já colocava o confronto entre ideologias; burguesa e socialista. Gramsci reconhece a existência de uma totalidade do real, que foge a nossa consciência, que é dominada pela parcialidade do nosso conhecimento e da nossa experiência enquanto agentes e atores fazedores da história. Seria como o discurso ou narrativa sobre a totalidade, que por sua subjetividade possui sempre um caráter parcial, mas que ganha força na medida em que é partilhado por mais agentes.


"A ideologia não é em si negativa, mas nem todas são iguais. Elas constituem o terreno comum e necessário da consciência e também do conhecimento, mas a superioridade da ideologia marxista é dada pela consciência do próprio caráter não absoluto e não eterno: consciência da parcialidade, ligada a uma classe e a um momento histórico." LIGUORI  e VOZA 2017 página399

Hegemonia: É a dinamização do conceito de Ideologia, sendo a capacidade dessa de conquistar o metabolismo social, isto é o maior número de agentes e atores, se conformando como uma ideia partilhada e naturalizada no cotidiano. Gramsci usará também os termos supremacia e preeminência como sinônimo da hegemonia política ou cultural, há em seu pensamento um sentido para o termo mais restrito na direção, em oposição ao domínio. Como um hegeliano, Gramsci concebe o termo entre duas oposições; coerção e convencimento, acreditando que as ideologias libertadoras operam com maior grau de convencimento e aceitação, do que de coerção. Uma de suas concepções mais libertadoras e revolucionárias é a compreensão do mundo a partir dos conceitos espaciais de centralidade e periferia, ou grupos hegemônicos e subalternos, aonde essa superação é dependente da passagem da razão econômico-corporativa à política-intelectual;


"A essa altura , o grupo até então subalterno pode sair de sua fase econômico-corporativa para elevar-se à fase de hegemonia político-intelectual na sociedade civil e tornar dominante na sociedade política.  LIGUORI  e VOZA 2017 página366

Importante salientar que minha tese de doutorado defendida em 2007 no âmbito do PROURB, na FAU-UFRJ tinha como título; Projeto, ideologia e Hegemonia, em busca de um conceito operativo para as cidades brasileiras. Nesse sentido, é de suma importância explicitar com maior precisão dois outros termos - cidade e habitar - presentes nessa reflexão, que são fundamentais para as ações de plano e projeto no âmbito da nossa disciplina.

A cidade é aqui vista como um valor ideológico, um conceito que representa uma forma de vida concreta, que concentra e mobiliza diversas energias e conhecimentos, sendo o lugar do encontro das diferenças. Os antropólogos identificaram na Revolução Urbana um grande momento na história da humanidade, quando os clãs e familias são superados e abandonados, constituindo-se as cidades, que reúnem diferentes expertises e tecnologias num espaço exíguo. Por outro lado, outro conceito que deve ser explicitado de forma mais clara é o de Habitar, um direito fundamental de todo cidadão urbano, que não vem sendo atendido. No Projeto, ou Discurso, ou ainda Narrativas das vanguardas centro-europeias, que fundaram o modernismo na arquitetura, antes da hegemonia corbusieana, era o ítem fundamental a ser atendido. Basta acompanharmos os esforços de municipalidades governadas por partidos social democratas notadamente na Alemanha e na Austria, aonde se implantam os conjuntos habitacionais emblemáticos em Frankfurt, Berlim e Viena. Num projeto planificação, que sinaliza para o conjunto da sociedade uma coesão social, aonde ninguém deverá ser deixado para trás. A Cidade Habitação tem sido o desafio da geração modernista e da contemporaneidade, aonde os arquitetos declinam dos temas da monumentalidade, para produzir a residência do cidadão urbano comum, que passa cada vez mais a habitar a grande cidade industrial.

Mas é preciso entender que a cidade e o habitar mudam qualitativamente e quantitativamente a partir da Revolução Industrial, aonde pela primeira vez na história humana se constituirá uma maioria de população urbana frente ao mundo rural. Aquilo que hoje somos, um planeta urbano começa a ser construído na Inglaterra do século XVIII com a Revolução Industrial, que privatiza os campos comuns no interior da Inglaterra, concentrando população nas cidades.  Afinal, na Inglaterra entre os séculos XVIII e XIX, a cidade de Manchester tinha no ano de 1760 doze mil habitantes, transformando-se em 1850 para atingir quatrocentos mil habitantes. Há nesse processo de rápida urbanização e de explosão do tamanho das cidades, uma perda da noção de comunidade unificada, desenvolvendo-se de uma pluralidade de bairros e partes. A cidade se divide num conjunto de identidades diferenciadas; os bairros burgueses, os guetos de pobreza, os bairros operários, etc... No Brasil a cidade de São Paulo tinha em 1930 novecentos mil habitantes, chegando em 2020 a vinte milhões de habitantes, em sua área metropolitana.  Nos próximos dez anos está previsto um êxodo rural da ordem de 200 milhões de pessoas na China (10 São Paulos!). Como fazer frente a esse afluxo de pessoas? Como abrigar as grandes massas que chegam a grande cidade industrial, garantindo direito à cidade?

Imanuel Kant(1724-1804) nasceu numa modesta família de artesãos, depois de um longo período como professor secundário de geografia, Kant veio a estudar filosofia, física e matemática na Universidade de Konigsberg e em 1755 começou a lecionar ensinando Ciências Naturais. Em 1770 foi nomeado professor catedrático da Universidade de Königsberg, cidade da qual nunca saiu, levando uma vida monotonamente pontual e só dedicada aos estudos filosóficos. Apesar disso foi o definidor do cosmopolitismo kantiano, que celebrava a diversidade entre pessoas, que fomenta o desenvolvimento humano. Realizou numerosos trabalhos sobre ciências naturais e exatas, fazendo uma crítica importante a ciência e ao positivismo, na Crítica da Razão Pura, apontando que além das relações de causa e efeito haviam premissas ético morais. Kant é reconhecido por formular o idealismo transcendental: todos nós trazemos formas e conceitos apriori (aqueles que não vêm da experiência) para a experiência concreta do mundo, os quais seriam de outra forma impossíveis de determinar.A  modernidade é definida por Kant e a crítica ao seu positivismo na sua abordagem da razão prática.

Georg Wilhem Friedrich Hegel (1770-1831) é unanimemente considerado um dos mais importantes e influentes filósofos da história, criador de uma geração de discípulos de esquerda e direita, materialistas e idealistas. Pode ser incluído naquilo que se classifica como Idealismo Histórico Alemão, uma espécie de movimento filosófico entre pensadores de cultura alemã (Prússia) do final do século XVIII e início do XIX. Suas discussões tiveram por base a publicação da Crítica da Razão Pura de Kant. Hegel, ainda no seminário de Tübingen, escreveu, juntamente com dois renomados colegas, os filósofos Schelling e Höderlin, o que chamaram de "O Mais Antigo Programa de Sistema do Idealismo Alemão". Hegel era particularmente preocupado com a forma que capturamos o real, a partir da razão, buscando uma relaçao absoluta entre o real e racional, na citação; "o real é racional, e o racional é real". Posteriormente Hegel desenvolveu um sistema filosófico que denominou "Idealismo Absoluto", uma filosofia capaz de compreender discursivamente o absoluto (de atingir um saber do absoluto, saber cuja possibilidade fora, de modo geral, negada pela crítica de Kant à metafísica). 

Karl Marx, nasce em 1818 na cidade de Trier na Prussia, filho de um judeu que renegou sua religiosidade para poder exercer a função de funcionário público na Prússia, morre em Londres 1883, sem ter noção do impacto que sua teoria representaria para o mundo. Marx é considerado um hegeliano de esquerda, materialista e interessado na destruição da metafísica, que de certa forma havia sido reconstruída por Hegel. Em 1845 escreve, As teses sobre Feuerbach (1804-1872) um jovem hegeliano materialista, foram escritas em 1845 e apenas publicadas por Engels em 1888, nas quais aprofunda sua visão a respeito do protagonismo dos pensadores, negando a posição de mero intérprete do real, para se declarar, como um interessado na mudança. Expressos de forma mais enfática, em duas dessas teses; “A prática como critério da verdade”, ou a 11ª Tese; “Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo.” Em 1848 escreve com Engels, O Manifesto Comunista, um tratado que celebra a expansão do espectro comunista na Europa, com fortes tintas teleológicas. Em 1867 escreve O Capital, sua maior obra e uma tentativa exaustiva e sempre inacabada de compreender o sistema capitalista, que nas entrelinhas chega a ser celebrado, como um propulsor de mudanças contínuas e inesperadas. Em 1897 é lançado o Segundo volume do Capital, editado e compilado por Engels, a partir das intermináveis anotações de Marx, no Museu Britânico. Marx é um filósofo em eterna evolução e revolucionamento, um pensamento que se transforma num sistema de interpretação da modernidade.

No contexto arquitetônico e urbanístico, vivemos de meados do século XIX até a década de 1930, a primeira modernidade, aonde o reformismo urbano assume um caráter claramente higienista, manifestos nos projetos de Cerdá de expansão de Barcelona 1849, ou a Paris de Hausmann de 1853. No qual emerge a figura das avenidas e boulevards, que pretendem dar eficiência ao circular das mercadorias e das pessoas no seio da cidade, há uma clara ampliação do espaço público das ruas e praças. Mas conservam-se as estruturas permanentes da cidade, como o lote, a rua e a quadra, como elementos primários dos planos, que assinalam a convivência da esfera pública e privada, que na evolução consolidam um vocabulário de negociação. Há nesses elementos a recorrência de medidas exatamente iguais nas dimensões das ruas vicinais (20metros), avenidas (35 metros), quadras (120x120 metros), entre Barcelona, La Plata na Argentina, e Belo Horizonte no Brasil. Esse mesmo contexto histórico assiste a emergência da cultura estadounidense, como representação da nação mais poderosa do sistema capitalista, superando a hegemonia inglesa de forma completa no final da 2a Guerra Mundial.


Bruno Taut e o Conjunto da Ferradura em Berlim, 
continuidade e descontinuidade com a cidade do século XIX
Duas cidades emergem nesse contexto como expressões desse Espírito de Época, de 1850 a 1930, Chicago e Viena serão a manifestação dessa primeira modernidade, em países colocados na periferia imediata das nações então centrais (Inglaterra e França). Chicago com a luta entre o academicismo do movimento city beautiful, que ainda celebra o neo clássico branco, contraposto ao modernismo de Sullivan e Frank Lloyd Wright, com seu funcionalismo orgânico. Viena pelo movimento da Secessão, e pela constituição de poderosas redes de infraestrutura, como o Metrô da cidade, todo desenhado por Oto Wagner. Viena também reúne uma diversidade de movimentos políticos e culturais que vão da psicanálise de Freud ao movimento da Neue Sachlichtikeit (Nova Objetividade) de Adolf Loos, que proclama não estar mais interessado em produzir monumentos, mas a casa do operário comum e indiferenciado. As vanguardas centro europeias mencionadas por TAFURI 1981, que comanda o primeiro impulso de formulação do modernismo, nas cidades alemãs e austríacas. O tema principal desses arquitetos será o conjunto habitacional para o operário e para a classe média, os exemplares de Bruno Taut e Karl Ehn mantém uma certa continuidade com a cidade do século XIX.

A hegemonia de Le Corbusier será construída no momento seguinte, segundo FRAMPTON 1997, na sequência dos encontros nos Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna (CIAMs), o de 1930 realizado a bordo de um navio, opera a predominância do arquiteto suíço, frente às vanguardas centro-europeias. A partir de Le Corbusier, a moradia urbana declina como tema, assumindo em seu lugar a cidade jardim, aonde não há mais continuidade com a cidade do século XIX, aonde avenidas para veículos se contrapões a torres, que devem destruir a ocupação pré existente. É o Plano Voisin para Paris, uma fábrica de automóveis, que marca a hegemonia dos veículos particulares frente as estruturas de transporte sobre trilhos, que até então encarnavam a modernidade. Esse será o modernismo hegemônico no Brasil, aonde a cidade é resolvida a partir de superestruturas arquitetônicas, que abrigam viadutos, e onde os carros ganham cada vez mais espaço no urbano.

No campo filosófico, destaca-se a figura de Antonio Gramsci, que nasce na Sardenha na cidade de Ales em 1891, e morre em Roma em 1937, após um longo período nas prisões fascistas de Mussolini, que lhe permitem produzir uma das mais profícuas reflexões no campo do marxismo. Sua origem na Sardenha numa família precarizada, será um marco nas suas reflexões sobre os subalternos, não só econômica, mas principalmente cultural. Em 1911, sai da Sardenha com uma bolsa de estudos para o curso de Linguistica, no ramo da Glotologia, na cidade industrial de Turim, desenvolvendo por isso uma forma de pensar com muitas analogias com o processo evolutivo sonoro das línguas. Isto é, uma manipulação aberta, incontrolável e contínua pelos seus usuários, que muito dificilmente são regulados pelo poder. A dialética gramsciana terá sempre uma dinâmica complexa e ampla entre erudição, manipulação popular livre e o esforço geral de ser compreendido ou assimilado, ou ainda reconhecido presente na lingua. Em 1919 funda com Togliatti a Revista L´Ordine Nuovo, que será uma referência nos debates político culturais da Itália, principalmente na crítica ao economicismo marxista. Em 1926 é preso pela polícia de Mussolini, já como deputado do Partido Comunista da Itália, pela região de Veneza por seus questionamentos ao fascismo, e por suas visões a respeito das relações de dominação entre centro e periferia, dominação e subalternidade. Nos anos de cárcere desenvolverá reflexões importantes sobre; revolução e reforma, ruptura e gradualismo, coerção e convencimento, centro e periferia, representante e representado, ideologia e hegemonia sempre a partir de uma radical filosofia da história. Seu pensamento também estará sempre vinculado a uma dinâmica espacial e geográfica, identificando núcleos irradiadores  e periferias dependentes, que por isso possuem potencial de rebelião e inconformismo. Como observador da Revolução Russa empreendeu uma crítica ferrenha ao burocratismo e a perda do aprofundamento da democracia radical. 


No final dessa primeira aula assinalava como a modernidade havia perdido sua inocência com o final da Segunda Guerra Mundial, quando as bombas de Hiroshima e Nagasaki demonstram uma imensa capacidade destrutiva vinculada fortemente à tecnologia e a ciência. O poderio industrial e militar americano e soviético ganham uma lógica particular, que se torna independente das aspirações comuns, se envolvendo numa espiral competitiva interminável. O homem toma consciência da finitude dos recursos do planeta e percebe sua enorme capacidade destrutiva. A técnica e ciência demonstram uma enorme capacidade de destruição e desequilíbrio por seu caráter limitado e restritivo, que não enxerga a complexidade dos sistemas. A crença na industrialização, padronização e repetição intermináveis como uma promessa de redenção das misérias da humanidade sofre um abalo definitivo, passando a ser encarada com desconfiança. A alteridade e a diferença entre seres humanos passa a ser celebrada, como expressão de identidades que conformam novas formas de racionalidade e de construção da interpretação do mundo.

BIBLIOGRAFIA: 

FRAMPTON, Kenneth - História crítica da Arquitetura Moderna - Editora Martins Fontes São Paulo 1997

HABERMAS, Jürgen - O discurso filosófico da modernidade, doze lições - Editora Martins Fontes São Paulo 2000

LIGUORI, Guido e VOZA, Pasquale orgs. - Dicionário Gramsciano - Editora Boitempo São Paulo 2017

MARX, Karl - O Capital, livro I - editora Boitempo São Paulo 2013

TAFURI, Manfredo - Teorias e História da Arquitetura - Editorial Presença Lisboa 1981