quarta-feira, 27 de julho de 2016

Debate sobre o Plano Diretor do Rio de Janeiro

As macrozonas do PD-RJ muito amplas e genéricas
Na última segunda feira dia 25 de julho de 2016 participei como palestrante de uma reunião na Prefeitura do Rio de Janeiro, capitaneada pela Secretaria Municipal de Urbanismo (SMU) para a revisão do Plano Diretor da cidade (PD-RJ), que deverá estar aprovado em 2020. A proposta era fazer uma apresentação sobre o tema: Ordenamento Territorial no PD-RJ, para o Comitê Técnico de Acompanhamento do Plano Diretor (CTPD), para que fossem suscitadas questões, tanto para a implantação, como também para sua revisão em 2020.   Como presidente do IAB-RJ, procurei colocar a visão da categoria dos arquitetos sobre as estruturas de planejamento urbano brasileiras, e como essas, não têm conseguido, ou apenas alcançam objetivos tímidos, na mudança da inércia da reprodução do projeto hegemônico da cidade brasileira.

Iniciei minha fala destacando o caráter do Instituto de Arquitetos do Brasil, que foi fundado em 1921 na Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, como Sociedade Central de Arquitetos e está prestes a completar 100 anos de existência. Uma organização da sociedade civil, que é de livre associação tanto no que se refere a sua filiação e contribuição, assume no Brasil, um caráter que não tem nada de banal ou corriqueiro. Desde a sua fundação o instituto tem se pautado com uma atuação além dos interesses da corporação dos arquitetos, debatendo a forma do homem ocupar o território, e como podemos dar transparência as formas de pensar essa ocupação. Na ata de fundação do instituto consta a luta pela promoção de concursos públicos de projeto, para que as obras brasileiras tenham maior adequação ao contexto ao qual se destinam. Essa atitude garantiu ao IAB um caráter público de luta por uma ocupação do território do país, de forma mais articulada e pensada, garantindo que as mais diversas opiniões sejam ouvidas.

As linhas de transporte do RJ planejadas
Logo após essa introdução procurei pautar que as ações de planejamento vem sofrendo com a aceleração da insegurança no mundo contemporâneo, que cada vez mais parece engajado numa luta de curto prazo, não conseguindo pré-figurar seu futuro de forma estruturada. As consequências dessa atitude representam um perigo verdadeiro para as futuras gerações, que exatamente terão que se confrontar com impactos substanciais tanto ambientais, quanto sociais pré anunciadas pelo nosso tempo contemporâneo. Além dessas questões, também procurei colocar que há uma profunda desconfiança instalada no senso comum com relação as ações de planejamento de uma maneira geral. No meu entendimento, a maneira de reverter essa tendência seria buscar uma estratégia de elaboração do texto dos Planos Diretores de maneira a serem compreendidos pela população leiga da cidade, de forma a tornar seus princípios e objetivos mais inteligíveis ao senso comum. Para tal, considero importante exercer de forma mais efetiva um maior poder de síntese, usando como exemplo o número de princípios ordenadores do PD-RJ, no Título I da Política Urbana e Ambiental, onde existem 12 princípios, que deveriam, no meu entender ser reduzidos a pelo menos a metade. Com isso, teríamos uma maior objetividade nos princípios, evitando a dispersão atual de energias e tornando o PD-RJ mais acessível ao conjunto da população carioca.

Nesse sentido, propus numa clara provocação para a audiência a redução dos atuais doze princípios para apenas cinco, que tornariam a redação do PD-RJ mais próxima de parâmetros compreendidos pelo conjunto da população. Seriam eles;

1. Cidade que promova a eqüidade entre sua população, com a universalização das infraestruturas urbanas.
2. Cidade compacta e densa, reforçando as centralidades existentes e a sua hierarquia.
3. Cidade polifuncional e com diversidade de extratos sociais.
4. Cidade com mobilidade ampliada, investindo prioritariamente nos ramais de alta capacidade como trens, metrôs e barcas, que seriam complementados pelos modais de média capacidade, como BRTs e VLTs, que por sua vez seriam complementados pelos de baixa capacidade, como ônibus, vans, bicicletas e caminhadas a pé.
5.Melhor aproximação com os contínuos naturais importantes, tais como florestas, lagoas, rios e mananciais.

Nesse mesmo sentido, da objetividade e da maior aceitação do PD-RJ seria importante buscar índices e medidores capazes de regular seus princípios e objetivos, que seriam divulgados ao longo do seu prazo de vigência de forma a medir o alcance ou o afastamento desses. Assim, tal como os índices de inflação são divulgados no país de mês a mês, também teríamos índices que informariam o grau de saneamento, ou dos tempos médios de deslocamento em nossas cidades sendo divulgados de forma constante, de maneira a permitir que a população em geral acompanhasse suas evoluções. Também seria importante buscar ações mesmo que simbólicas no cotidiano das pessoas, que balizassem o início de vigência do Plano Diretor, de forma a potencializar a fiscalização da população em geral.

Após essas questões iniciais, que se referem mais a forma e as estratégias de implantação do PD-RJ apresentei uma crítica a respeito do seu conteúdo, particularmente no Título II, do Ordenamento Territorial, que no meu entendimento é pouco espacializado. A espacialidade da cidade me parece ser o elemento mais concreto para sua população, um ítem que possui rebatimento imediato com o cotidiano das pessoas. O bairro onde vivem, como se movimentam, e quanto tempo levam nos deslocamentos regulares são ações que condicionam muito o dia a dia da população em geral e sua qualidade de vida. Melhorar a perfomance nesses quesitos é um fator que garante engajamento da popúlação em geral para as propostas do PD-RJ, logo nos primeiros dias de sua vigência, alcançando o engajamento procurado.

As quatro macrozonas da cidade definida por suas diretrizes de ocupação - assistida, condicionada, incentivada e controlada - me parecem muito genéricas, amplas e indefinidas, carecendo de uma atitude mais propositiva, definidora e clara. Nesse quesito, a cidade do Rio de Janeiro não deveria mais expandir sua mancha urbana, mas construir sobre a cidade pré-existente, aumentando sua densidade populacional. Empreendimentos como Ilha Pura ou os Minha Casa, Minha Vida (MC,MV) em Campo Grande e Santa Cruz, que foram realizados na última gestão, não deveriam estar acontecendo, pois expandem a mancha urbana, diminuindo sua densidade. Os novos empreendimentos na cidade devem se localizar sobre a mancha urbana pré-existente, não admitindo qualquer tipo de ampliação, uma vez que já temos uma cidade de baixa densidade e muito esgarçada, tornando cada vez mais díficil a universalização das infraestruturas.

Por último, apontei a questão dos paradigmas socialmente compartilhados do bem viver para o senso comum, da representação do que hoje espelha a melhor qualidade de vida, que está sintetizada na idéia do condomínio fechado ou clube, com uma pretensa independência da cidade de amplo acesso. Esse modelo, tem gestado uma ampliação da violência em nossas cidades, determinando o esvaziamento do espaço público de amplo acesso, que acaba se transformando num território onde a criminalidade impera. A reversão dessa tendência só será possível se investirmos fortemente na promoção de empreendimentos que promovam a diversidade de extratos sociais e que tragam benefícios e amenidades a serem compartilhados por todos, sem qualquer constrangimento. Tal objetivo é de difícil alcance uma vez que a cidade contemporânea, não só no Brasil, mas em todo o mundo, tem apresentado uma forte tendência de estratificação social. Nesse sentido, o investimento nos assentamentos ilegais, como favelas e loteamentos irregulares, para alcançar sua plena urbanização é fundamental, pois muitas dessas aglomerações muitas vezes já apresentam um embrião dessa diversificação social pretendida, e uma vitalidade de uso nos seus espaços comuns e públicos que é invejável. A política urbana ou de ocupação do território, da qual o Plano Diretor deve assumir o papel de documento estruturador, deve também introjetar um caráter de indutor de uma melhor distribuição de renda. Afinal o espaço da cidade deve representar uma sociedade mais igualitária.

Enfim, estamos diante de desafios imensos representados pelo espaço de nossas cidades, que tem apresentado um desenvolvimento desigual e injusto na distribuição de oportunidades e amenidades por todo seu território. O Rio de Janeiro tem um papel fundamental na demonstração da possibilidade de construção de um outro modelo de cidade, mais inclusivo, com maior equidade e com uma ocupação mais equilibrada do território.