sábado, 15 de dezembro de 2018

A presença de Josep Maria Montaner e Zaida Muxi no RJ

A arquiteta Claudia Escarlate (IRPH), Josep Maria Montaner, Zaida 
Muxi e Pedro Évora (PCRJ)
Nos dias 05 e 06 de dezembro de 2018 estiveram presentes na cidade do Rio de Janeiro, os arquitetos; Josep Maria Montaner e Zaida Muxi, críticos ligados a Escola Superior Técnica de Barcelona (ETSAB), que agora estão engajados em compromissos políticos palpáveis, na área da cidade metropolitana da Catalunha. A arquiteta argentina Zaida Muxi, na localidade de Santa Colona de Gramenet, um município da periferia da capital da Catalunha. E, o arquiteto catalão Josep Maria Montaner, que na eleição de 2015 foi eleito Consejal de Vivienda, na cidade mesmo de Barcelona.  No dia 05 de dezembro, os dois fizeram uma palestra no Planetário da Gávea, para lançamento dos livros; Uma Agenda Contemporânea da Arquiteura de Montaner e Mujeres, casas y ciudades de Zaida Muxi. O livro de Montaner já foi comentado aqui no blog, tendo ido para o portal Vitruvius, selecionado como resenha de publicação. E, no dia 06 de dezembro no Museu de Arte do Rio (MAR) para apresentação dos seus trabalhos profissionais mais contemporâneos, junto com a experiência da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro (PCRJ) sobre a área da Favela da Maré e sua frente da Avenida Brasil, na zona norte carioca. Os eventos trouxeram para os arquitetos do Rio de Janeiro, tanto do âmbito mais acadêmico, como também para o profissional, um importante testemunho da centralidade do ato de projetar e de planejar na cidade contemporânea, como elemento produtor de participação e qualificação dos seus espaços. Os dois arquitetos se colocaram desde suas primeiras considerações como participantes de movimentos sociais variados, até um passado recente, que reinvidicavam no contexto da Espanha por habitação, ou por direitos à urbanidades diferenciadas, passando mais recentemente a administradores governamentais. Nessa atual condição reconheciam as dificuldades enfrentadas, num contexto da Espanha, onde a crise das hipotecas de 2008 ainda impacta a atual situação, que ocorre de forma simultânea a grande crise financeira do mesmo ano nos EUA.

O testemunho da arquiteta Zaida Muxi mostrou as dificuldades da atuação nas periferias das cidades espanholas, num território com um claro grau de subalternidade, com relação a cidade de Barcelona, a municipalidade de Santa Colona Gramenet. No contexto de um governo com claro acento feminista, comandado pela prefeita Nuria Parlon, reeleita pelo Partido Socialista da Catalunha (PSC) em 2011, que se cercou de treze secretárias mulheres, num conjunto total de quinze. A proposta envolvia uma clara mudança das proposições dos anos noventa da arquitetura catalã, investindo-se fortemente numa forma de atuar não icônica, não sobre desenhada, enfim mais próxima do cotidiano das pessoas. Um recuo do design excessivo, que fez a fortuna da tradição catalã de fazer cidades, para se buscar uma maior aproximação com o cotidiano mais simples e imediato das necessidades das pessoas. A reflexão de Zaida Muxi nos leva a refletir sobre os vínculos fortemente imbricados entre centralidade, turismo, especulação imobiliária e espetáculo, que seduziram fortemente nosso ofício, durante os anos oitenta e noventa. A luta da arquitetura e do urbanismo, na localidade de Santa Colona Gramenet, de convencimento, se mostra em torno do rechaço ao rodoviarismo imperante na periferia distante, a proposição de espaços híbridos - públicos e ao mesmo tempo privados - , e, um investimento na auto estima da população local. Interessante destacar, que a experiência da jovem prefeita de Santa Colona Granemet também envolve a adoção de uma moeda específica e própria da localidade, denominada Grama. Certamente para amortizar os processos de gentrificação sempre presentes na cidade contemporânea, tão impactada pela hegemonia do capital rentista e especulativo das elites internacionalizadas.

Logo após essas colocações, o arquiteto Josep Maria Montaner apresentou sua experiência como conselheiro eleito a frente da cidade de Barcelona, destacando que o modelo Barcelona de fazer cidades dos anos noventa tinha como referência teórica; Aldo Rossi e Colin Rowe. Mas também o movimento de lutas de vizinhança, e pelo acesso à moradia, que se iniciaram na cidade nos anos setenta, antes da queda de Franco. Na atualidade, o movimento afetados pela hipoteca permanece com forte atuação na cidade devido a dramática situação de Barcelona  e da Espanha em geral no setor da habitação. Apesar da situação dramática de algumas famílias espanholas, que além de serem despejadas de suas habitações permanecem com suas dívidas com os bancos, os neoliberais ainda repetem a mesma ladainha de delegar ao setor privado, os empreendimentos imobiliários de cunho social. Uma questão foi destacada por Montaner, que impacta fortemente a habitação e que envolve o imenso afluxo de turistas atraídos por Barcelona, transformando áreas como no entorno da Sagrada Família de Gaudí em uma região de forte oferta de hospedagens pelo site Airbnb. A questão assume uma dimensão impressionante, a partir dos dados quantitativos trazidos por Montaner, simplesmente 10 milhões de turistas visitam a cidade por ano. O dado é impressionante, quando se compara com o fluxo turístico do Brasil inteiro, que fica nos 6 milhões de visitantes  por ano, o que nos mostra como nesse setor ainda temos muito que fazer. De toda maneira, Montaner assinalou de forma enfática o caráter predatório do turismo contemporâneo, que acaba gerando uma forte resistência por parte da população local, que parece esquecida frente aos imensos fluxos turísticos. A reflexão maior de Montaner, me parece a proposta de construção de uma alternativa às imensas quantidades de moeda investida na Espanha nos anos noventa, que de uma hora para outra sumiram com a crise de 2008.

Após essas duas apresentações foi aberto ao público para perguntas diferenciadas. Como presidente do IAB-RJ, eu fiz uma colocação a respeito da política pública de produção de habitação de interesse social no Brasil, assinalando que desde o ano de 1963, a rede do IAB no país defende a tese, de que a urbanização de favelas deve ser parte constituinte dessa política, articulando e coordenando a produção de novas unidades. Enfatizei também, que o desenvolvimento brasileiro no século XX foi dos mais dinâmicos do mundo, fazendo o país alcançar a posição de oitavo PIB dentre as economias globais, no entanto esse imenso incremento não significou a melhora das condições de vida de parcela significativa de nossa população, fazendo com que o país ainda apresente a pior distribuição de renda do mundo. Tal fato, representa uma clara comprovação de que o desenvolvimento brasileiro foi para poucos. O nosso desafio contemporâneo é efetivamente produzir desenvolvimento com inclusão social, gerando a sensação de que todos estão incluídos. Nesse sentido, as cidades brasileiras são a demonstração mais palpável dessa condição histórica de um desenvolvimento exclusivo, onde as favelas e periferias são os territórios da exclusão. Por outro lado, percebo no casal de arquitetos catalão um alinhamento político ideológico de esquerda de construção de um mundo mais solidário, mas não ortodoxo e fora de uma zona de conforto. Daí meu questionamento para eles, de que a esquerda no mundo contemporâneo se deixara envolver por um maniqueísmo redutor e simplificador, que contrapôs estatismo e privatismo, e, que essa lógica precisa ser superada pela conceituação de alguns pensadores que defendem a idéia de construção do Comum.

BIBLIOGRAFIA:

MONTANER, Josep Maria - A condição contemporânea da arquitetura - Editora Gustavo Gilli São Paulo 2016

MUXI, Zaida - Mujeres, casas y ciudades - Editora Gustavo Gilli Barcelona 2018