quinta-feira, 2 de novembro de 2017

O atraso de nossa elite

Escravidão, a instituição que melhor nos explica
O sociólogo Jessé Souza propõe para a sociedade brasileira uma reflexão interessante e justa, o que representa a presença da escravidão em nossa história, para nossos atuais comportamentos, principalmente no que se refere às interações entre extratos sociais diversificados. Para ele num momento de crise, como o que vivemos, todas as legitimações são enfraquecidas, e podem ser relativizadas e problematizadas. As novas proposições explicadoras devem ser convincentes, e serão validadas desde que expliquem e convençam melhor nossa condição societária, tendo ao final que ter permeabilidade social. O Brasil é uma complexa realidade dinâmica portanto os discursos que construiram a ideia de Brasil no passado precisam ser repensados e reestruturados frente as nossas novas condições. O livro A elite do atraso, da escravidão à lava jato possue essa pretensão de se livrar dos discursos explicadores de nossa condição brasileira. Para Jessé Souza, os discursos explicadores do Brasil partem de três conceitos elaborados e compartilhados por Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Raimundo Faoro, e Roberto da Matta que são; o patrimonialismo, o populismo e o homem cordial. Nesse sentido, o autor assume que repete  construções anteriores como; A modernização seletiva (2000), A construção da subcidadania (2003), A ralé brasileira (2009), e A tolice da inteligência brasileira (2015).

A proposta de Jessé pretende convencer pelos seus argumentos, mas também pela sua recorrência e repetição. Dos livros mencionados, só conheço o último, que também foi utilizado e comentado aqui no blog nos textos; O judiciário no Brasil e a questão central do acesso diferenciado à oportunidades nas sociedades contemporâneas (Dezembro de 2016), e Fernando Haddad e uma avaliação muito além de São Paulo (Julho de 2017). Na verdade, a argumentação de Jessé é bastante convincente, apesar de repetida, pois se constitui em torno de um núcleo objetivo e redutor, a escravidão negra. Sem dúvida uma herança pesada, que carregamos não só por sua extinção tardia entre nós (1888), mas também pela absoluta ausência de políticas compensatórias e pela massa dos precarizados então libertados. Há uma identificação que me parece certeira e apropriada da realidade brasileira, já mencionada pelo grande dramaturgo brasileiro Nelson Rodrigues, principalmente no que se refere as suas elites; um certo "complexo de vira-lata". Uma consciência sempre negativa e condenatória das formas de operar do povo brasileiro, que invariavelmente no campo político desemboca numa certa demofobia, expressa nas afirmações por muitos compartilhada, tais como; "brasileiro não sabe votar" , ou "precisamos de educação", ou ainda "bandido bom é bandido morto" e outras.

Aqui no blog arquitetura, cidade e projeto, num texto de maio de 2013; Antonio Cândido sugere uma lista de leitura para compreender o Brasil já apresentamos um conjunto de livros, que segundo o brilhante ensaísta explicariam nossa condição. A lista de Antônio Cândido, articula temáticas; introdução, o português, o índio, o negro, integração dos três elementos, independência, império, isolamento rural, proclamação da república, modernização, e imigrantes com autores;

"1. Introdução Geral: O povo brasileiro (1995), de Darcy Ribeiro
2. O português: Raízes do Brasil (1936), de Sérgio Buarque de Holanda
3. O Indio: História dos índios do Brasil (1992), organizada por Manuela Carneiro da Cunha 
4. O negro: Ser escravo no Brasil (1982), Kátia de Queirós Mattoso. A escravidão africana no Brasil (1949), de Maurício Goulart ou A integração do negro na sociedade de classes (1964), de Florestan Fernandes, O abolicionismo (1883), de Joaquim Nabuco
5. Integração dos três elementos; português, índio e negro: Casa grande e senzala (1933), de Gilberto Freyre.Formação do Brasil contemporâneo, Colônia (1942), de Caio Prado Júnior
6. Independência do Brasil: A América Latina, Males de origem (1905), de Manuel Bonfim.  D. João VI no Brasil (1909) Oliveira Lima e O movimento da Independência (1922) Oliveira Lima
7. O Império: Do Império à República(1972), de Sérgio Buarque de Holanda. Joaquim Nabuco: Um estadista do Império(1897)
8. Isolamento do Brasil Rural: Euclides da Cunha n’Os sertões (1902)
9. Da proclamação da República a 1930: Coronelismo, enxada e voto (1949), de Vitor Nunes Leal
10. Modernização do Brasil:  A revolução burguesa no Brasil (1974) Florestan Fernandes
11. Imigrantes:  A aculturação dos alemães no Brasil (1946), de Emílio Willems; Italianos no Brasil (1959), de Franco Cenni, ou Do outro lado do Atlântico (1989), de Ângelo Trento"



O Brasil é uma dimensão complexa e múltipla, com diversas explicações e interpretações. A crise pela qual passamos não apresenta qualquer visão positiva e celebratória de nossa maneira de ser, das nossas instituições ou dos nossos ordenamentos societários. De um momento para o outro, a partir do ano de 2013 fomos arrastados por uma onda de pessimismo, que na verdade nos confrontou com uma conjuntura difícil e paralisante. A pauta da inclusão social, dentro de uma sociedade marcada por uma das piores distribuição de renda do planeta, permanece como nosso desafio. No entanto, o Estado sózinho não me parece capaz de implementar políticas públicas capazes de promover uma melhor distribuição de renda Ele permanece prisioneiro de lobbies particulares que amoldam suas políticas aos seus interesses imediatos, como ficou comprovado pelo programa Minha Casa, Minha Vida, onde a promoção de habitação subsidiada acabou beneficiando mais aos construtores do que aos usuários. A sociedade civil precisa ser empoderada de forma a promover melhor controle sobre essas ações contínuas do Estado no Brasil. O livro de Jessé Souza desvenda um pacto do atraso das elites brasileiras para permanecerem com a sociedade tal qual ela sempre foi, com péssimos índices de acesso á oportunidades.

BIBLIOGRAFIA:

SOUZA, Jessé - A Elite do atraso, da escravidão a lava jato - editora Leya Rio de Janeiro 2017