quinta-feira, 22 de junho de 2017

De volta ao tema da gentrificação...

Projeto e implantação da Favela de Parque Royal do escritório de arquitetura
Archi5 arquitetos associados
O tema da gentrificação é extremamente complexo e merece do mercado, dos arquitetos, dos governos e da sociedade uma abordagem mais sistêmica e coordenada. A demanda habitacional, quando desproporcional como no caso do Brasil, acaba gerando pressões sobre o valor da terra urbana que precisam de regulação do poder público para se evitar valorizações abruptas e desmedidas. Essa valorização desproporcional acaba sempre prejudicando as classes mais precarizadas, que se vêem afastadas de condições mínimas de urbanidade, que muitas vezes garantem seu sustento. Vários economistas liberais desde o século XIX, como Henry George e David Ricardo (1772-1823), apontam que o mercado da terra é uma distorção do sistema capitalista, carreando recursos da produção para uma atividade especulativa, pois a valorização da terra urbana é fruto de condições exteriores ao trabalho. Segundo Henry George (1839 Filadélfia, Estados Unidos – 1897 Nova Iorque, Estados Unidos), a terra existia em quantidades limitadas, criava uma renda imerecida, fazia com que os proprietários de terra explorassem todos os outros e conduzia ao monopólio. Nessa construção Henry George argumentará pela forte taxação sobre a valorização da terra, condenando em contraposição a qualquer outro imposto sobre a produção, que para ele prejudicava também os mais pobres. No Brasil ainda estamos longe dessa construção, pois o artigo de nossa constituição, que declara a função social da propriedade privada, não foi introjetado como princípio pelo conjunto da população.

No Rio de Janeiro, uma série de favelas vêm sofrendo com processos de gentrificação, a mais emblemática delas talvez seja a do Vidigal, no Morro Dois Irmãos, entre os bairros do Leblon e do Vidigal. Há também, no mesmo Rio de Janeiro, uma série de processos de gentrificação no tecido formal da cidade, como o que ocorre na Zona Portuária, que recentemente recebeu uma série de benfeitorias públicas. Notadamente, na área da franja entre os morros da Conceição, Livramento e do Pinto, onde não há permissão para implantação de grandes torres e onde há um contínuo de sobrados e antigas implantações degradadas, de grande valor histórico para o patrimônio da cidade. No Brasil e particularmente no Rio de Janeiro, onde muitas vezes o valor da terra urbana assume cifras inacreditáveis, tornando o empreendimento imobiliário um investimento arriscado, pois envolve o médio prazo (9meses a 18 meses). Tal situação determina que as iniciativas empreendedoras de novas unidades não sejam pulverizadas entre pequenos investidores, mas concentradas em torno de grupos oligopolizados. Essa forma de operar acaba fazendo com que investimentos de menor escala no número de unidades não se realizem, pois os grupos oligopolizados preferem os empreendimentos em grandes glebas e com grande número de apartamentos a serem comercializados. Tal fato, determina muitas vezes um retrocesso na oferta de uma diversidade de tipologias arquitetônicas, não atendendo uma clara demanda da sociedade, e representando um declínio da qualidade arquitetônica. Além disso, as áreas já construídas com patrimônios históricos memoráveis notáveis não atraem esses grupos monopolizados, pois demandam projetos específicos e particulares, capazes de selecionar elementos a serem preservados e aqueles a serem descartados, demandando projetos qualificados.

A imagem selecionada para acompanhar esse artigo é a da Favela de Parque Royal na Ilha do Governador, um empreendimento do Programa Favela Bairro da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro (PCRJ), que foi projetada pelo escritório Archi5 arquitetos associados, e que ganhou vários prêmios internacionais. Um exemplo notável de qualificação, sem gentrificação. O Programa Favela Bairro e o do Bairrinho da PCRJ traz nos uma interessante lição com relação ao problema da gentrificação urbana, nas favelas. Na medida em que o programa atuou sobre 148 Favelas espalhadas por todo o município, transmitiu para a sociedade uma objetiva mensagem, de que; pretendia espalhar benefícios para a cidade como um todo, e não apenas para algumas poucas partes. Essa atuação expansiva determinou a percepção por parte da população de que a ação visava efetivamente integrar o fenômeno da informalidade e da precariedade à cidade formal e constituída, como um todo, e não apenas de algumas de suas partes. É claro também, que tal atitude não poderia se restringir a inauguração de obras, mas demandava do poder público uma atitude continuada no sentido de promover a manutenção nas áreas urbanizadas dos serviços urbanos, tais como esgoto, água, lixo, iluminação, calçamento, etc. Foi exatamente a falta dessa continuidade, que acabou determinando, que muitos dos esforços da urbanização se perdessem, fazendo com que muitos assentamentos do programa voltassem ao estágio de favela, conservando o estigma da desintegração e da segmentação do território.

Por último gostaria também de registrar que dentro do tema da resistência a gentrificação, vem se generalizando um posicionamento, ao meu ver, conservador, que rechaça qualquer tipo de qualificação, pretendendo preservar as condições insalubres ou de sub urbanidade, com o argumento, de que qualquer intervenção acabará por determinar a expulsão daquela população. Ou por outro lado, a proposição de regulações que façam com que os antigos moradores sejam impedidos de comercializar seus imóveis após a implantação das benfeitorias, se apropriando da valorização, que também me parece um posicionamento conservador e equivocado. A atuação extensiva, em várias partes da cidade buscando a universalização das comodidades urbanas permanece sendo o posicionamento capaz de afastar a ocorrência de valorizações desmedidas no território da cidade. O esforço na cidade brasileira deve ser o de espalhar benfeitorias extensivas a todo seu território, combinando; a construção de cidade com toda sua infraestrutura adequada em áreas em que predominam a auto construção, assim como promover novas unidades onde já existe cidade, e nunca em áreas de expansão.

Abaixo o link da revista digital Sócio Economia, onde dei entrevista sobre o tema da gentrificação nas cidades.

http://socioeconomia.org/gentrificacao-um-guia-para-nao-confundir-com-revitalizacao/