sábado, 28 de dezembro de 2019

Uma Banca de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), notável

Banca de arguição da aluna Priscila Rembischwski (em pé), com os 
professores Roberto Lucas Junior (co-orientador), Vera Hazan (orientadora) 
e Fernando Betim, sentados
Uma das vantagens de ser professor universitário no ensino de arquitetura no Brasil é poder desfrutar de uma visão crítica sobre o desenvolvimento da ocupação do espaço em nossa sociedade, e suas consequências para o meio ambiente, a economia, e a nossa sociabilidade. Um dos momentos aonde isso se materializa são nos Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC), nas escolas de arquitetura, quando alunos recortam um problema e constroem um plano ou projeto, que enfrentem suas dimensões de forma inteligente e sensível. Numa quarta feira, dia 11 de dezembro de 2019 fui convidado para participar da banca de TCC da aluna Priscila Rembischewski, no Curso de Arquitetura e Urbanismo da PUC-Rio, juntos com os professores Vera Hazan (orientadora),  Fernando Betim, e Roberto Lucas Junior (co orientador). Em novembro participei da banca preliminar dessa aluna na PUC-Rio, e já havia percebido o enorme potencial didático e revolucionário da sua proposta.

O projeto se insere no campo do tratamento dos efluentes, ampliando sua visibilidade para a população, e articulando isso com a criação de um parque no centro da cidade de Itaboraí, um  município da periferia metropolitana do Rio de Janeiro. O título, PARQUE EM ITABORAÍ, UM NOVO OLHAR PARA O TRATAMENTO DE EFLUENTES, retrata com precisão a necessidade de mudança de práticas arraigadas em nossa sociedade ocidental. A potência do trabalho nasce exatamente do seus esforço para trazer visibilidade ao problema de nossos mananciais, rios e corpos hídricos de nossas cidades, que seguem sendo maltratados pelo esgoto gerado diariamente em nossas residências.

Maquete do trabalho, mostrando o Parque e o centro da cidade de Itaboraí
Num tempo, em que a questão ambiental ganha uma dimensão central como problema maior de nossa geração e das futuras, uma vez, que nosso planeta já começa a apresentar sinais de estresse na questão climática, a proposta de Priscila sintetiza a verdadeira dimensão crítica do projetar. O paradigma ambiental nos aponta para novas formas de convivência com os ritmos da natureza, entendendo nossas práticas do dia a dia como necessitadas de reeducação. A partir da presença do rio Vargem, que corre em direção a Baía de Guanabara, e passa junto ao antigo centro da cidade de Itaboraí, aonde estão localizados, o Teatro João Caetano e a Matriz de São João, edifícios emblemáticos do casco histórico da cidade. Num terreno, de uma antiga olaria desativada com 300 mil metros quadrados, o projeto de Priscila implanta "wetlands construídos", lagoas de despoluição, dando visibilidade ao processo de saneamento e gerando um imenso parque urbano didático. No sentido, que explicita para o conjunto da população processos de despoluição das águas a partir da fitorremediação, gerando ao mesmo tempo pontos de amenidades e lazer.

"A fitorremediação é o processo que utiliza as plantas como agentes de purificação de ambientes aquáticos ou terrestres, com a remoção dos poluentes por meio das raízes, que drenam os efluentes." REMBISCHEWSKI, Priscila página 11

Na verdade, o encanto do trabalho de Priscila Rembischewski está numa relação dialética entre paisagem e sociedade, que me parece notável, aonde ambos assumem um caráter processual de auto-ensinamento contínuo e mútuo. A proposta também dimensiona um gradualismo de implantação, ao longo do leito do Rio Vargem até sua foz na Baía de Guanabara, que também trabalha com a dimensão da sensibilização e mobilização do conjunto da população para o problema das águas urbanas. Enfim, um trabalho, que explicita toda a capacidade crítica presente no ato de projetar e pensar o vir-a-ser de nossas cidades e atitudes. Muito bem explicitada na primeira citação de seu caderno apresentado aos membros arguidores, na banca intermediária em novembro de 2019;

"Se a paisagem é registro da transformação da sociedade, será normal que se a sociedade mudar, mude com ela a paisagem." DOMINGUES 2009 página23

BIBLIOGRAFIA:

DOMINGUES, Álvaro - Paisagem e Identidade, a beira de um ataque de nervos - in COSTA, Pedro Campos (org.) Duas Linhas Lisboa 2009

REMBISCHEWSKI, Priscila - Parque em Itaboraí - Caderno da Banca Intermediária da Banca de TCC PUC-Rio 2019

sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

Arquitetura Moderna Brasileira, uma crise em desenvolvimento, um livro notável

Cartaz do lançamento do livro de Ana Paula Koury
No dia 03 de dezembro de 2019, uma terça feira chuvosa no Rio de Janeiro foi o lançamento do livro da Ana Paula Koury sobre Rodrigo Lefèbvre na sede do IAB-RJ, na rua do Pinheiro, 10 no bairro do Flamengo, ARQUITETURA MODERNA BRASILEIRA, UMA CRISE EM DESENVOLVIMENTO. Um livro notável, que se debruça sobre um período da arquitetura brasileira, que parece esquecido por nossa historiografia recente e pelas gerações mais novas de arquitetos e estudantes. Um período, que se sucedeu a construção de Brasília a nova capital do Brasil e o Golpe Civil-Militar de 1964, e envolveu figuras como Rodrigo Lefèvre, Flávio Império, Sérgio Ferro em São Paulo, e Carlos Nelson dos Santos e João Ricardo Serran ou Joca Serran no Rio de Janeiro. Figuras, que emergem e convivem com arquitetos personalistas e calcados no mecenato, como; Vilanova Artigas, Lucio Costa e Oscar Niemyer, dentre outros. Um período, e uma geração que iniciaram uma revisão crítica importante, que com a tendência brasileira de se desfazer e desprezar sua própria história nos indica, a perigosa possibilidade de repetição de erros.

Essa geração enfrentou, em meados dos anos sessenta a perda das liberdades democráticas e repetidos constrangimentos às suas expressões e posicionamentos, foram presos e exilados, mas apesar disso nos legaram uma reflexão importante no campo da teoria do projeto e da construção da nação. O país se defrontava com a massificação da contratação do plano e do projeto, instrumentos fundamentais na ampliação da participação societária na definição de seu futuro. O plano e o projeto ainda representavam documentos respeitáveis de antevisão das intervenções solicitadas, iniciando um processo de ampliação dos agentes indutores das suas definições. A profissão e o ofício do urbanismo e da arquitetura, como formuladora de planos e projetos era ainda considerada como uma elite intelectual, capaz de sintetizar e debater os grandes temas nacionais. A modernidade de Brasília expressa em seu traçado e em sua arquitetura contrastava com as formas arcaicas de contratação do precariado brasileiro, que povoava os canteiros de obras, e ficou relegado as periferias das cidades satélites. A convivência entre a face modernizadora superficial e o arcaísmo das relações entre topo e base da pirâmide social se explicitava de maneira emblemática nos canteiros de obra da nova capital, era uma modernização por cima, sem que o conjunto social o desfrutasse. A geração de Rodrigo Lefèvre, Sérgio Ferro, Carlos Nelson dos Santos e Joca Serran tomou consciência dessa realidade e a discutiu, a partir de suas pranchetas, com os instrumentos do nosso ofício.

De certa forma, a ausência de uma maior sinergia e interação entre a arquitetura paulista e a carioca já pode ser identificada nesse momento, pois ao final pelo que sei as citações mútuas entre esses autores são inexistentes, apesar da similaridade de abordagens e reflexões. Duas cidades afastadas por apenas 450 quilômetros simplesmente não se liam, e ainda não se leem mutuamente. A vertente paulista se mantém mais presa aos aspectos tecnológicos, produtivos e construtivos, enquanto a carioca se envereda mais por questões de composição, uso e uma sociologia aplicada. Apesar disso, ambas conseguem reconstruir um campo específico do urbanismo e da arquitetura, sempre centrados nas ações de plano e projeto. Basta para tal checarmos as páginas de A Cidade como jogo de cartas de Carlos Nelson dos Santos, ou O IAB e a política habitacional de Joca Serran, ou ainda os textos de Sérgio Ferro e de Rodrigo Lefèvre. Há nessa geração uma preocupação comum para entender a arquitetura e o urbanismo como uma linguagem construtiva disponível para todos e manipulável socialmente. A arquitetura das favelas e da auto construção, as formas de apropriação social do discurso erudito das escolas de arquitetura, a assimilação das técnicas do concreto armado, e a produção da cidade brasileira, enfim arquitetura como linguagem.

O relacionamento da velha geração e a nova, com o nacional-desenvolvimentismo e a formulação de uma nova postura de desenvolvimento nacional-popular, que permanece em nossa pauta contemporânea, me parece a contribuição maior do livro de Ana Paula Koury, que traz de novo a tona um debate fundamental da nossa arquitetura. Uma marca na transição entre, "a passagem de um projeto nacional-modernizador-autoritário para outro nacional-democrático-popular." Uma bela e necessária reflexão para a cidade e a arquitetura brasileira. 

Vale a leitura...

BIBLIOGRAFIA:

KOURY, Ana Paula, org. - Arquitetura Moderna Brasileira, uma crise em desenvolvimento, textos de Rodrigo Lefèvre (1963-1981) - Editora da Universidade de São Paulo Edusp 2019 São Paulo

SANTOS, Carlos Nelson dos - A cidade como jogo de cartas - editora Projeto Eduff 1987 Niterói

SERRAN, João Ricardo - O IAB e a política habitacional - editora 1983 Rio de Janeiro

quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Um debate com os economistas do CORECON-RJ sobre a ocupação do território

Pedro da Luz (Presidente do IAB-RJ), Henrique Silveira (Casa
Fluminense), Mireli Malaguti (UFRJ) e Alexandre Jerônimo
(UFRRJ)
Na quarta feira dia 11 de dezembro de 2019 estive no Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro (CORECON-RJ) para apresentar o Congresso da UIA2020Rio e a Capital da Arquitetura Mundial no Rio de Janeiro, e aproveitar para destacar as complexas correlações entre ocupação espacial e economia. A mesa foi composta pelo mediador Henrique Silveira (Casa Fluminenese), pelos economistas Mireli Malaguti (UFRJ), Alexandre Jerônimo (UFRRJ), e por Pedro da Luz Moreira (Presidente do IAB-RJ). A primeira fala foi minha, Pedro da Luz (IAB-RJ), uma vez que fiquei com a incumbência, dada por Henrique da Silveira (Casa Fluminense), de articular desenvolvimento econômico, com território e espaço, na cidade metropolitana do Rio de Janeiro. Um assunto central para as sociedade contemporâneas, e que no Brasil, pelo menos por parte dos políticos oficiais não vem sendo debatido de forma integrada. A macro-política, seja do governo Federal, do Estadual, ou mesmo do Municipal não pensa o espaço e o território, como potencializador de ações de saúde, de educação,  de cultura, de finanças, e de outras, que invariavelmente compõem os programas de partidos de diferenciadas tendências ideológicas nas eleições. E, mais não pensam uma política de estruturação espacial das cidades brasileiras, que promova uma melhor divisão de renda, ou um projeto de inclusão de parcelas significativas da nossa população.

No mercado brasileiro de produção imobiliária, a própria reprodução da cidade brasileira, há um déficit continuado de inacessibilidade à moradia urbana de qualidade, isto é, uma célula familiar, casa ou apartamento, com qualidade ambiental e construída em locais onde ocorram; calçamento, arborização adequada, segurança, iluminação pública, coleta de esgotos, de lixo, distribuição de água e de energia, transporte público, equipamentos de educação, cultura, lazer e saúde, etc... Ao final uma urbanidade de qualidade, aonde as infra estruturas estão universalizadas para todos, permitindo o amplo acesso ao;  calçamento, arborização adequada, segurança, iluminação pública, coleta de esgotos, de lixo, distribuição de água e de energia, transporte público, equipamentos de educação, cultura, lazer e saúde, etc... Na verdade, as cidades brasileiras são marcadas pela presença de territórios, aonde há carência de grande parte desses serviços, seja nas periferias distantes, ou nas favelas. A ideia de formulação de um plano e projeto de país, que universalize o acesso a todas essas infra estruturas é quase uma obsessão do IAB, nacionalmente e nos seus departamentos desde a década de sessenta, quando da discussão das Reformas de Base no Governo João Goulart. Num encontro em 1963, no Hotel Quitandinha em Petrópolis, a rede nacional do IAB já defendia a urbanização de favelas, como parte da política habitacional do país. Os tempos, logo após a inauguração de Brasília marcam no campo da arquitetura e do urbanismo, uma reflexão importante para promoção de um desenvolvimento mais inclusivo, principalmente a partir dos canteiros de obra (1). Esses mesmos canteiros de obras, que marcavam, e ainda marcam, uma profunda divisão técnica e social no país, aonde um precariado desassistido e desinformado produzia nossa arquitetura moderna quase sem equipamentos, mostrando como nossa modernidade se amparava no arcaico.

Nesse mesmo momento, deixávamos uma face agrário-exportadora de produtos básicos para se transformar numa economia urbano-industrial, promovendo uma incrível transformação espacial; de país rural, para urbano. Uma transformação, que na verdade sempre se conciliou com os aspectos arcaicos anteriores, evitando o confronto, mantendo sempre uma elite oligárquica no comando de forma autoritária e autocrática, bloqueando a participação, e portanto a inclusão. Nosso desenvolvimento será sempre exclusivo e restrito a parcelas minoritárias, que sempre defenderam a ideia de; "primeiro temos de fazer o bolo crescer para depois distribuí-lo"(2). A oitava ou décima economia mundial, o Brasil, manteve sempre um arcaísmo explosivo nas formas de reprodução do nosso precariado, condenado a sobreviver em favelas ou loteamentos irregulares, auto produzindo sua própria moradia. O comando de nossas elites manteve sempre um dualismo exploratório(3) entre arcaísmo e modernidade, que lhe beneficiava junto com uma classe média cooptada pela sub remuneração do precariado, que também lhe garantia serviços inusitados, como em nenhum outro lugar do mundo. A manutenção de entradas de serviços, quartos de empregada e outras peripécias programáticas em nossas modernas edificações multi familiares demonstram a estrutura hierarquizada e segmentada da nossa sociedade. Um testemunho material e físico, contido em nossas cidades, moradias, bairros e vizinhanças da super exploração do nosso desenvolvimento, que permanece fomentando mais concentração de renda.

Por outro lado, nos mesmos anos JK, idealizador de Brasilia o país abraça um rodoviarismo imposto pela moderna indústria fordista das montadoras nacionais e multinacionais de ônibus e automóveis, que passam desde a segunda metade dos anos cinquenta a desestruturar nossa incipiente malha ferroviária. A própria nova capital, Brasília, possui um desenho rodoviarista celebrador da incipiente indústria automobilística,, sem previsão de qualquer estrutura de transportes públicos, imaginando que o automóvel e os ônibus se generalizariam para todos em nossa sociedade. Essa mesma indústria automobilística será impositiva e indutora na adoção da dispersão urbana interminável, gerando periferias precarizadas, sem infra estrutura, aonde a terra urbana barata e o loteamento irregular são as opções para a maioria das nossas faixas de renda. As periferias de São Paulo, do Rio de Janeiro, ou as cidades satélites de Brasília atestam para nós essa experiência, que empurram para longe a pobreza, mantendo os centros como exclusivos, mesmo que já esvaziados.  Esse mesmo rodoviarismo cobrará dos governos investimentos vultosos em avenidas, ruas e estradas, conformando um sistema público de transportes baseado no ônibus para as parcelas menos aquinhoadas e no automóvel particular para os remediados, transformando a cidade brasileira num grande engarrafamento sem igual. O interesse das grandes montadoras, dos monopólios de transporte coletivos em ônibus definiram os investimentos públicos da cidade, aprisionando os investimentos governamentais a sua pauta, muitas vezes contrários as expectativas da maioria.

Portanto é na estrutura física de nossas cidades, moradias, bairros, vizinhanças que a sub remuneração se materializa, condenando parcelas expressivas da nossa população a conviver com dificuldades de saneamento, precariedade de segurança e de transportes. Nesse sentido, as favelas aparecem como um enfrentamento também físico e material às condições inerciais de reprodução da sociedade brasileira. Pois elas, invariavelmente se localizam em centralidades, aonde há empregos e biscates, que pelo menos garantem a sobrevivência de sua população, que resiste aí contra o destino das periferias intermináveis. Também diga-se de passagem, favelizadas, mas sem possibilidade de ocupação próxima, condenando o nosso precariado a um movimento pendular de muitas horas, num transporte público ineficiente e caro. Enfim, o plano ou projeto da cidade brasileira é uma máquina de exclusão de uma parcela expressiva da sua população, que luta por se manter em localidade centrais (favelas) densas, sem infra estrutura e insalubres, ou nas periferias intermináveis (loteamentos irregulares) dispersas e também sem infra estruturas e insalubres. Importante salientar, que crianças de 0 a 2 anos, submetidas a essas condições de insalubridade podem apresentar difterias e diarreias continuadas nesse periodo, comprometendo o desenvolvimento de seus cérebros. Nesse sentido, a política urbana brasileira é semelhante a um genocídio, que cada vez mais incrementa os índices de violência urbana, que atingem mais fortemente nossa classe média. Em termos gerais, as cidades brasileiras são dispersas, ocupando uma área muito maior do que a necessária, induzindo uma deseconomia perversa, aonde pobres pagam mais, e ricos se beneficiam de forma continuada de sua localização nas cidades, sendo menos taxados.

Diante disso tudo, procurei enfatizar que  é necessário a formulação de um outro plano-projeto para a cidade brasileira, buscando pela ordenação espacial e territorial promover divisão de renda, revertendo sua lógica concentradora. Na verdade, grande parte das lutas da redemocratização lutaram pela construção de um acordo jurídico, que permitisse o aprisionamento do lucro imobiliário pelos governos municipais, gerando fundos que permitissem a formulação de uma cidade com mais equidade. Os artigos 182 e 183 da Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Cidade de 2001 procuravam explicitar o lucro imobiliário, taxando um direito intocável no nosso capitalismo; o Direito de Propriedade da terra urbana. A função social da Propriedade Privada, que tanta luta gerou nos anos constituintes, e que teve sua tese regulamentada em lei no Estatuto da Cidade, apenas em 2001, treze anos após a sua vigência demonstram para nós a resistência da cultura patrimonialista a sua efetividade. Até hoje muito poucas cidades brasileiras conseguiram operar os modernos mecanismos do Estatuto da Cidade para aprisionar o lucro imobiliário, gerando uma cidade mais inclusiva. 

A partir dessas colocações lancei a ideia de que é necessário a formulação de um projeto contra-hegemônico, que mudasse a forma inercial de reprodução da cidade brasileira, combatendo quatro pontos, que induzem a exclusão de parcelas significativas da nossa população:

1. Cidade dispersa e esgarçada.
2. Cidade fragmentada entre diversos extratos sociais e usos compartimentados.
3. Cidade com mobilidade ineficiente, e baixo investimento nos modais de alta capacidade.
4. Cidade predadora do meio ambiente.

Para isso a cidade brasileira deveria reverter sua forma de reprodução continuada, devendo formular ações que buscassem um novo arranjo espacial, capaz de promover a inclusão e a coesão social a partir de um plano-projeto claro e debatido com todos:
 
1. Cidade compacta e densa, que inicie o combate a sua dispersão interminável, enfatizando o papel aglutinador dos antigos centros de nossas cidades, que devem passar a abrigar usos diferenciados.
2. Cidade baseada na convivência da diversidade de classes e usos, que combata a tendência de gerar guetos de pobreza e de riqueza da cidade brasileira.
3. Cidade de mobilidade ampliada, que combata a exclusão determinada a partir da ausência ou tarifação cara do transporte público, com investimento em modais de alta capacidade.
4. Cidade que amplie a visibilidade e a aproximação dos seus biomas particulares com seus cidadãos ampliando seu uso e apropriação.

Depois dessas colocações, os economistas Mireli Malaguti (UFRJ), Alexandre Jerônimo (UFRRJ) teceram considerações sobre as especificidades do desenvolvimento brasileiro, que permanece sem considerar a totalidade de sua população, pretendendo-se exclusivo.

NOTAS:

(1) Figuras como Rodrigo Lefèvre e Sérgio Ferro em São Paulo, ou Carlos Nelson dos Santos e Joca Serran no Rio de Janeiro, pautam sua atuação profissional por um afastamento do mecenato dos clientes e para entender a produção popular e disseminada das nossas cidades e abrigos.da Economia.
(2) Formulação explícita do Ministro Delfim Neto no governo do General Castelo Branco, o primeiro da Ditadura Civil-Militar.
(3) O sociólogo Chico Oliveira defendeu que a Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL) deixou-se aprisionar por uma lógica dualista, aonde a modernidade desenvolvimentista conseguiria a superação do arcaísmo, defendendo que as duas posições conviviam de forma simbiótica na América Latina e no Caribe.

BIBLIOGRAFIA:

KOURY, Ana Paula - Arquitetura Moderna Brasileira, Uma Crise em Desenvolvimento - Edusp São Paulo 2019

OLIVEIRA, Francisco - A economia brasileira, crítica a razão dualista / O ornitorrinco - Editora Boitempo São Paulo 2007