segunda-feira, 28 de agosto de 2017

A cidade de Armação de Búzios e sua urbanidade

Mapa da cidade de Armação de Búzios
Recentemente fui a inauguração da exposição de arquitetura da cidade de Armação de Búzios, na Região dos Lagos no estado do Rio de Janeiro, montada pelo núcleo regional de Búzios do IAB-RJ. A exposição mostra muito do que se convencionou chamar da forma Búzios de fazer arquitetura, que pode ser resumida; numa aproximação ao organicismo, com aplicação de materiais rústicos, tais como; emboço texturizado, madeiras escalavradas, telhados de telhas coloniais, etc... Esse padrão da arquitetura de Búzios se hegemonizou na cidade a partir dos projetos de casas de veranistas abastados e das pousadas e hotéis. Mas além da arquitetura e da sua materialidade, essa forma de construção do espaço humano também condicionou uma certa urbanidade, que projetou de forma determinante a vida social na cidade.

Alguns estudiosos da questão social afirmam que as cidades são espelhos da nossa condição em sociedade, as diversas formas de ocupação do território refletem as contradições, os conflitos, os medos, os problemas e as potencialidades dos arranjos societários. A cidade de Búzios ocupa um território emblemático da costa brasileiro, uma ponta de terra que avança no mar, exatamente no ponto em que nosso litoral faz uma inflexão, deixando de estar virado para leste e passando para a frente sul. Diante de um litoral recortado por enseadas, falésias, pequenas elevações, conformando recintos, diante de uma natureza inusitada, a ocupação humana foi colonizando esses recintos das enseadas, a partir do seu antigo centro que era a Rua das Pedras. Esse logradouro, a Rua das Pedras, era o antigo centro da cidade e que se constituiu inicialmente como uma colônia de pescadores, que viviam da lida diária com o mar. Um paraíso idílico, com uma natureza exuberante, que começou a ser badalado com a descoberta da atriz francesa Brigitte Bardot, nos anos 60 desse trecho do litoral brasileiro com uma vila de pescadores autêntica.

A antiga Rua das Pedras é hoje dominada por um comércio de tendência quase unifuncional, com predominância dos restaurantes e cafés, salpicado por alguns exemplares de lojas esportivas e de biquínis. Dentro de todo esse contínuo comercial da Rua das Pedras, que se estendeu muito além dela, numa malha xadrez, com ruas paralelas a costa e perpendiculares, há apenas uma única livraria, o que demonstra claramente de que não somos definitivamente uma sociedade livresca. Mas esse ponto do território de Búzios, dedicado a atender os veranistas e turistas do litoral idílico é um dos únicos pontos onde se desfruta de uma urbanidade, caminhável a pé, com bares e restaurantes de forma predominante, aqui se desfruta de uma certa vivacidade citadina, não encontrada nas áreas residenciais e de pousadas.

A ocupação do território em Búzios sempre se caracterizou por uma certa densidade do padrão unifamiliar ou das pousadas nas orlas e uma imensa dispersão no território afastado do mar. A orla marítima foi de forma recorrente privatizada, não havendo em muitos casos o logradouro de frente para a costa. Tal situação, claramente reforçava o caráter exclusivo e particular de Búzios, que pretendia excluir os enormes contigentes de ônibus fretados, que carreavam grandes hordas de farofeiros para a Região dos Lagos. Esse caráter exclusivo vem se transformando, a partir da constatação do aparecimento de praças e espaços públicos como orlas, não comerciais, mas de convivência e de contemplação, fora das praias exclusivas e das zonas turísticas. Muitas das intervenções executadas pelas últimas administrações da cidade de Búzios privilegiam o convívio, sejam nas orlas ou em áreas de uso da população local, pretendendo disciplinar quiosques, calçadas e estacionamentos. A escala e a dimensão da cidade, das suas praias e enseadas demandam efetivamente um cuidado com a predatória indústria do turismo, que demanda uma gestão inteligente e criativa.

Nunca houve no Brasil um projeto de inclusão das maiorias excluídas do país, muitos sociólogos se referem a elas como o precariado brasileiro, uma massa de indivíduos que permanecem na linha da sobrevivência, que servem as classes acima dos extratos médios. A própria cidade de Búzios apresenta uma área cinzenta, logo após a praia Rasa, onde se concentra a área de serviços e comércio local, onde me parecem moram o precariado brasileiro da cidade. A tônica de nossa história, do nosso desenvolvimento e mesmo de nosso projeto de nação sempre foi a exclusão desse precariado, que em Búzios são caracterizados como farofeiros. Talvez, em Búzios esse projeto apareça de forma mais explícita, pois a chamada Região dos Lagos da costa fluminense sempre foi uma opção popular de lazer, invadida por ônibus fretados de farofeiros de várias partes do país.

Acho que precisamos mudar esse projeto de cidade, a partir de um movimento contra-hegemônico, que tenha uma lógica inclusiva e uma pretensão didática para sensibilizar nossa sociedade da relevância ambiental e social do convívio comum de toda a nação.