sexta-feira, 24 de outubro de 2014

A ausência do espaço nas discussões eleitorais no Brasil

As periferias urbanas, ausência de urbanidade
As eleições presidenciais brasileiras de 2014 chegam a reta final nesse final de outubro. Há uma sensação generalizada de ausência de alguns temas centrais que afligem a sociedade brasileira no discurso dos candidatos. Se pegarmos os temas que foram pautados pelas manifestações de junho de 2013, que eram saúde, educação, habitação, segurança e transporte percebemos sua presença nas campanhas e nas propostas dos candidatos, mas de uma forma descontextualizada, um pouco abstrata por que parecem prescindir da dimensão espacial desses problemas. Essa alienação da base física e concreta do espaço determina muitas vezes, que os temas assumam uma dimensão incompreensível, afeita apenas a especialistas, longe portanto da assimilação comum, que é o campo efetivo da política. Me parece que há uma utilização conservadora e intransparente da linguagem política, que pretende utilizá-la como forma de alijar setores substanciais da população que não reconhecem nos debates políticos, o seu cotidiano. Nesse sentido, parece existir uma supremacia dos temas econômicos, frente a dimensão espacial e territorial, que acaba por dificultar sua compreensão pelo senso comum.

O cotidiano e o bem viver nas metrópoles contemporâneas
Na verdade, o cotidiano concreto das pessoas é profundamente impactado pelo espaço, e ele contextualiza muito dos problemas relativos a saúde, a educação, a segurança e aos transportes de massas. A contextualização desses problemas sobre a base espacial possibilita e potencializa a compreensão das formas diferenciadas de apropriação dessas benfeitorias no seio da sociedade, explicando a partir dos diferentes níveis de acessibilidade a eles, por vexemplo os diferentes valores da terra urbana no seio das cidades. A base espacial condiciona de sobremaneira o cotidiano dos diferentes extratos sociais, determinando a experiência concreta do dia a dia. Afinal, a cidade é o espelho da sociedade, e seu mapeamento ou descrição possuem um imenso poder de explicar nossas cisões e diferenças. Como exemplo, podemos falar sobre a saúde. Os equipamentos de saúde trabalham com diversos graus de resolutividade de problemas, a rede de saúde possui desde o médico de bairro, passando pelos postos de saúde local, até os hospitais gerais e os hospitais especilaizados, como INCA, Traumato ortopedia, Cérebro, etc... A rede é espacializada e integrada, sua legibilidade no território é fundamental para que a população compreenda seu grau de resolutividade, para que não sobrecarregue unidades de alta complexidade com problemas que podem ser resolvidos nos postos locais.

Urbanidade e acesso a oportunidades
Nesse contexto, uma dimensão efetiva da experiência cotidiana das pessoas são as grandes metrópoles brasileiras, que apresentam níveis diferenciados de universalização de infraestruturas urbanas, tais como; coleta de esgoto, distribuição de água, coleta de lixo, calçamento, pavimentação de ruas, iluminação pública, arborização urbana, dentre outras. As comodidades urbanas, tais como; escolas, parques, bibliotecas, cursos, lazer, esportes, envolvem muitas vezes a acessibilidade a oportunidades de progresso para famílias ou extratos sociais fragilizados. Elas podem representar para os extratos sociais mais fragilizados a construção de oportunidades de progresso e desenvolvimento, que muitas vezes apenas se materializarão no periodo de uma geração. A dimensão da proximidade ou distância na cidade pode significar diferentes graus de acessibilidade a um curso ou formação, que podem transformar as perspectivas de progresso de diferentes cidadãos. O bem viver ou a boa vida estão profundamente conectados ao espaço, e sua acessibilidade pode ser determinada por nossa posição na cidade.

Pois bem, essas obviedades não pautaram os discursos políticos das candidaturas brasileiras, seja no primeiro, como também no segundo turno das eleições brasileiras. A ausência de espacialização dos problemas brasileiros representa um forte fator de incompreensão dos temas políticos. Para Habermas toda tentativa de conhecimento só apreende a informação quando essa se transforma em signo, que exige do interlocutor interpretação, que acaba por gerar mais uma nova produção de signos. Me parece que a didática política brasileira está precisando ser remapeada.