domingo, 5 de fevereiro de 2017

A derrubada de Dilma Roussef

A capacidade de esconder interesses políticos
Ainda teremos, que fazer um imenso esforço para compreender nosso presente mais recente, mas seja pela vertente do golpe, ou pela via da normalidade institucional é preciso reconhecer que não se destitui uma presidenta legitimamente eleita sem uma articulação poderosa de fatos e fatores. O livro do jornalista e cientista político Rodrigo de Almeida, À sombra do poder, bastidores da crise que derrubou Dilma Roussef é uma excelente leitura, para entender os recentes fatos ligados ao impeachment do segundo mandato da presidente. A crise econômica e política pela qual passamos, e como os fatos foram se precipitando, numa conjunção que envolvia Lava-Jato,sistema financeiro nacional, Michel Temer, prisão do senador Delcídio Amaral, Eduardo Cunha e um executivo cada vez mais acuado pelos acontecimentos. Assessor de imprensa do então ministro da fazenda Joaquim Levy até setembro de 2015, o autor Rodrigo de Almeida virou secretário de imprensa da Presidência, depois dessa data, chamado pelo ministro de Dilma Roussef, Edinho Silva. Junto com o livro a Radiografia do Golpe: entenda como e por que foi enganado do sociólogo Jessé de Souza constituem para mim as melhores interpretações desses nossos tempos conturbados e recentes. O primeiro livro, a partir de uma relatoria jornalística se remete a circunstâncias fatuais, retiradas das manchetes de nossa imprensa, enquanto o segundo remonta a problemas estruturais, que constituem inércias de comportamento ancestrais da cultura brasileira.

Do lado político, os dois autores ressaltam a conjunção de agentes interessados no impedimento, ocorrida a partir de; uma das eleições mais apertadas depois da redemocratização; um no início barganhador, transformado em algoz-mor encarnado no deputado federal Eduardo Cunha, que operou em claro conluio com o vice-presidente Michel Temer, e um inconsolado derrotado o senador Aécio Neves. Do ponto de vista da matemática dos votos, o arranjo que está registrado foi; Dilma Roussef  54,5 milhões de votos, ou 51,65% dos votos válidos, contra 51 milhões de Aécio Neves, ou 48,36% dos nomeados. Outros 30 milhões de votos haviam se ausentado das urnas, enquanto que outros 5,21 milhões haviam anulados seus votos, se recusando a apontar qualquer um dos dois candidatos.

Do lado econômico, os dois autores apontam a ausência de direcionamento claro das intenções governamentais, que variou entre o neo-desenvolvimentismo e os juros altos, fazendo a política hora beneficiar e na outra contrariar os financistas, minguando sua base de apoio. Os interesses e pressões do sistema financeiro nacional ficam claros e transparentes a partir dos relatos abaixo, deixando-nos numa posição privilegiada de esclarecimento. Começando por Rodrigo de Almeida;

"Enquanto os bancos ganharam fortunas durante o governo Lula, suas margens caíam  a patamares insustentáveis, conforme expressão de Roberto Luiz Troster, economista-chefe da Federação Brasileira dos Bancos, a Febraban. 'Crédito a 2% ao mês? Não vai dar certo', era o título de um artigo seu publicado no jornal Folha de São Paulo em abril de 2012...Foi com essa oposição real, forte e sistemática que Dilma acabou reeleita e iniciou  o segundo mandato. Joaquim Levy a ajudaria a aplacar a falta de apoio no empresariado." ALMEIDA 2016 página43

Enquanto no livro de Jessé de Souza, o tom é mais estrutural;

"Como vimos anteriormente, não deveria ser considerado corrupção impor uma taxa arbitrária - no caso, a maior do mundo - acoplada a todos os preços que pagamos no mercado que drena o produto do trabalho de todos para o bolso de uma meia dúzia de privilegiados? É isso que, basicamente a taxa de juros faz...O governo ficou acuado e aderiu, ás bandeiras do inimigo. No campo econômico, adotou um ajuste fiscal suicida que implica afastamento progressivo de sua base de apoio popular. Os interesses que haviam sido desafiados em 2012 agora mandavam e desmandavam no próprio Palácio do Planalto. Nada disso aplacava a sanha revanchista." SOUZA 2016 páginas113e124

Realmente, a difícil conjunção de forças enfrentada pelo segundo mandato da presidenta Dilma Roussef não envolve apenas adversários sedentos por retirar uma mandatária legitimamente eleita, mas também a ausência de um direcionamento claro dos objetivos a serem perseguidos. Desde os 1990s a crítica ao processo de globalização geral, no qual os financistas são os grandes beneficiários, parece estar encurralada e sem perspectivas. O governo Dilma ao final de seu primeiro mandato fez um tímido desvio em sua rota para tentar construir uma alternativa nacional ao processo de globalização, a partir de um espasmo neo-desenvolvimentista. E, aqui fica cada vez mais claro que desde FHC, Lula e mesmo Dilma o Brasil tem se adequado ao gigantismo da globalização, imerso num otimismo quanto à nova ordem capitalista.

Bibliografia:

ALMEIDA, Rodrigo de - À sombra do poder, bastidores da crise que derrubou Dilma Roussef - Editora Leya São Paulo 2016

SOUZA, Jessé de - Radiografia do Golpe: entenda como e por que foi enganado - Editora Leya Rio de Janeiro 2016