sexta-feira, 26 de junho de 2015

Debate sobre o Fórum Metropolitano da Sustentabilidade

Divulgação do evento, Fórum Metropolitano da Sustentabilidade
Nessa última quarta feira dia 24 de junho de 2015 participei como palestrante do Fórum Metropolitano da Sustentabilidade, uma realização da FGV, Brasil no Clima e do Instituto Diálogos Cariocas, com apoio da Câmara Metropolitana de Integração Governamental e da Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS). Minha palestra tinha um título de Possibilidades de controle e mitigação da Informalidade, sobre o tema das favelas  e loteamentos irregulares na cidade metropolitana do Rio de Janeiro. Como não concordo com o conceito da informalidade, coloquei-o entre parênteses e transformei-o no tema da auto construção, que está presente em todas as cidades brasileiras.

Minha palestra se desenvolveu a partir da explicitação de que as favelas e os loteamentos irregulares são cidade, tais como foram possíveis no Brasil, e na verdade precisam ser avaliadas por seus aspectos positivos e negativos. As favelas estão presentes em proporções variadas nas diversas cidades brasileiras - no Rio de Janeiro e em São Paulo atinge 20% da sua população, já em Recife chega a 40%. A cidade brasileira que pretendemos construir precisa incluir a lógica das favelas e da auto construção, garantindo a ela o acesso as infraestruturas, sendo na verdade importante explicitar prioridades que nossos sistemas de planejamento devem eleger. Identifiquei quatro pontos, que ao meu ver precisam ser modificados na maneira como a cidade brasileira vem se reproduzindo e se constituem como prioritários:


  • Cidade compacta e densa, que inicie o combate a sua dispersão interminável, enfatizando o papel aglutinador do antigo centro da cidade
  • Cidade baseada na convivência da diversidade de classes, que combata a tendência de gerar guetos de ricos e de pobres da cidade brasileira
  • Cidade de mobilidade ampliada, que combata a exclusão determinada a partir da ausência ou tarifação cara do transporte público
  • Cidade que amplie a visibilidade e a aproximação dos seus biomas particulares com seus cidadãos
O enfrentamento do problema da autoconstrução não está em desacordo com esses princípios, e envolve a promoção da urbanização desses conglomerados, mantendo suas pré existências notáveis, mas implantando infraestruturas semelhantes a cidade formal. A favela e o loteamento informal fazem parte da cidade e precisam ter acesso as infraestruturas que caracterizam a urbanidade, tais como; calçamento de ruas, pavimentação, iluminação, coleta de esgoto e lixo, distribuição de água, iluminação, águas pluviais, segurança etc... Esses serviços precisam estar presentes nesses aglomerados e ser mantidos com a mesma qualidade dos bairros formais.

Na minha apresentação fiz uma compilação aleatória de uma cronologia do problema das favelas, da autoconstrução e da informalidade jurídica no Brasil e mais particularmente no Rio de Janeiro, mostrando que ele retrocede ao império, e que ele se constitui num embate ideológico, que demanda uma reflexão mais aprofundada;
  • 18/09/1850 – Lei de Terras no Brasil. “Artigo 5: Serão legitimadas as posses mansas e pacíficas, adquiridas por ocupação primária,..., que se acharem cultivadas, ou com princípio de cultura e morada habitual do respectivo posseiro.”
  • 1927 – Agache define as favelas como um “problema social e estético” e também  “cidades jardins em formação espontânea”. Uma declaração condenatória e outra celebratória.
  • 1962/77 – Política de erradicação das favelas
  • 1977 – Sociedade Rio Towers propõe a retirada da favela do Vidigal, a comunidade e a cidade se mobilizam contra.
  • 1982/86 – Governo Brizola monta o Programa Cada Família um Lote. Pretensão de assentar 400 mil títulos, mas concede apenas 16mil títulos.
  • 1982 – Lei municipal 330 do RJ autoriza poder público a construir praças nas favelas. Lei 380 do RJ permite a conexão dessas praças às redes públicas de serviços.
  • 1988 – A Constituição Federal nos seus artigos 182 e 183 define que a propriedade da terra deverá cumprir sua função social.
  • 1992 – A restituição das favelas do Rio de Janeiro são inclusas nos aeros fotogramétricos da cidade. As favelas passam a constar dos mapas da cidade.
  • 1994 – Inicio do Programa Favela Bairro, determinando o protagonismo do projeto na busca de transformação da favela num bairro, respeitando suas pré-existências. Ruptura da lógica pontual da “política da bica”, busca de uma intervenção articulada e estruturada, que reune uma interdisciplinaridade. Afirmação da urbanização das favelas como um projeto mais sofisticado que a erradicação ou a construção de conjuntos habitacionais. Apesar do sucesso do programa há muito pouco avanço na questão da regularização fundiária das áreas.
  • 1996 – Dec. Municipal do RJ 15.214 determina que as permissões para o comércio e os empreendimentos são sempre provisórios e precários nas favelas.
  • 2000 – Emenda Constitucional número 26 garante o Direito a Moradia.
  • 2001 – Aprovação do Estatuto das Cidades, estabelece o instrumento das Zonas de Especial Interesse Social (ZEIS) para construção de uma política continuada de enfrentamento das favelas.
  • 2003 – Novo Código Civil reforça a idéia da Moradia como um direito do cidadão.
  • 2003 – Criação do Ministério das Cidades. Apesar disso a política urbana não participa do núcleo mais central do poder, não há o reconhecimento do potencial de distribuição de renda da política urbana.
  • 2005 – Série de reportagens do O Globo sobre informalidade Ilegal e daí? identifica imóvel de 11 pavimentos na Rocinha.
  • 2011 – Abril chuvas torrenciais no Rio de Janeiro causam deslizamentos em favelas já contempladas com urbanização, enfatizando o discurso da erradicação das favelas.
  • 2011 – Concurso de Metodologias de Urbanização de Favelas MORAR CARIOCA, pretendendo ser uma política de enfrentamento da informalidade. O foco era sobre a manutenção da qualidade dos serviços públicos nas favelas depois da implantação das obras. Apesar das promessas de promover a urbanização de todas as favelas da cidade até o ano de 2020, o programa não se viabiliza assumindo dimensões bem modestas.
A partir do fracasso do Programa Morar Carioca amplia se a sensação de ausência de controle por parte do poder público. O crescimento de algumas favelas chega a um ponto de deterioração da infraestrutura instalada pelos programas de urbanização, demandando que a sociedade encontre mecanismos e pactue novos controles. Em 1997 a favela de Parque Royal na Ilha do Governador, que fora contemplada pelo Favela Bairro tinha 4.146 habitantes ao final da urbanização, em 2005 ela atinge um contingente de 8.200 habitantes. A partir dessa cronologia, e desses últimos fatos procurei reunir uma série de depoimentos e uma definição, que no meu entendimento pontuam o problema da autoconstrução nas cidades brasileiras:
  • Jailson Silva - A auto construção...”representa um processo gigantesco de enfrentamento de condições adversas por parte de um grupo social que construiu seu habitat..”
  • IBGE – A definição de favela é “um conjunto constituído por um mínimo de 51 domicílios, ocupando ou tendo ocupado até período recente terreno de propriedade alheia – pública ou privada – disposto de forma geral desordenada e densa e carentes, em sua maioria, de serviços públicos essenciais.”
  • KOSTOF – “De fato, nenhuma cidade, por mais arbitrária que nos pareça sua forma, pode ser dita como não planejada...,resta uma ordem pertencente à ocupação anterior, à cadeia de comprometimento entre direitos individuais e interesses comunitários.”
Portanto, creio que o problema está colocado para as cidades brasileiras de uma forma sintética como um embate ideológico entre; Urbanização de Favelas ou Erradicação de Favelas, com sua substituição por conjuntos habitacionais. Na verdade, o problema habitacional brasileiro demanda da sociedade uma visão mais complexa e articulada do real, ele terá que promover a construção de novas unidades habitacionais, mas também a urbanização de favelas e de loteamentos irregulares. Me parece que o cardápio das soluções precisa levar em consideração as pré-existências da cidade brasileira, pois esta é uma solução mais sofisticada e adequada ao nosso contexto.

Mas na minha apresentação, o que mais causou polêmica foi a proposta que fiz relativa ao Arco Metropolitano recém inaugurado na cidade, com o tema da auto construção e do fomento a baixa densidade. Defendi a idéia de segmentação absoluta da via com suas bordas, mantendo sua conexão em poucos pontos; apenas na rodovia Rio / Angra, na Dutra, na Washington Luís e na BR101 já em Itaboraí. Tal atitude conformaria uma auto estrada sem capilaridade para suas bordas, evitando-se sua ocupação lindeira e a pressão de diferentes agentes que certamente já estão em operação. Essa premissa do desenho da via deveria ser mantida de forma pétrea, para evitar qualquer ocupação nas suas margens, evitando um novo vetor de dispersão da mancha urbana da cidade metropolitana do Rio de Janeiro.