domingo, 5 de abril de 2015

MInha Casa, Minha Vida um programa e suas mazelas já conhecidas

O conjunto da Cidade de Deus em 1969
O Programa do Governo Federal Minha Casa, Minha Vida (MCMV), para produção subsidiada de moradias de interesse social está reproduzindo erros do antigo Sistema Financeiro da Habitação do extinto BNH. Os empreendimentos acabam por só se realizar nas periferias mais distantes das cidades brasileiras, pois apenas nesses territórios de baixa urbanidade, onde invariavelmente ainda não existe ruas, calçadas, iluminação, etc.., os construtores conseguem viabilizá-los. O resultado é que a população mais frágil economicamente, entre um e três salários mínimos, acaba localizada nessas áreas onde não há emprego, educação, lazer, cultura e infra-estruturas urbanas. O jornal Extra do Rio de Janeiro acaba de publicar, como uma série desses conjuntos acabam sendo dominados por traficantes ou por milícias armadas. O presidente nacional do IAB, arquiteto Sérgio Magalhães, também publicou artigo denominado Minha casa, minha cidade, no qual aponta que o diálogo no programa se restringe aos governos e aos empreiteiros, deixando de fora os interesses das familias e das cidades.

É interessante registrar que o cineasta Fernando Meireles, quando procurou uma locação para seu filme Cidade de Deus, que representasse esse bairro do Rio de Janeiro em seu nascimento escolheu o bairro de Nova Sepetiba, na periferia, no extremo da Zona Oeste. O que mostra como estamos repetindo erros históricos de nossa história recente. A entrevista que dei ao jornal Extra que fechou a mencionada série de reportagens, debate essa questão.

O link pode ser acessado abaixo.


Vale a pena também reler o artigo do presidente nacional do IAB, publicado no último sábado dia 28 de março de 2015.


Além disso publico também uma carta, que o IAB entregou a presidente Dilma Roussef em 2012, que já apontava os problemas do programa.

Brasília, 25 de Maio de 2012

CARTA 2012 - IAB 10/12

Exma. Sra. Dilma Roussef
Presidente da República Federativa do Brasil
Nesta


Sra. Presidente,

Ao cumprimentar V. Exa., o Instituto de Arquitetos do Brasil, IAB, entidade cultural quase centenária, que propugna pela qualidade da arquitetura e do urbanismo no país, vem, respeitosamente, encaminhar o documento “Propostas do IAB para a Política Habitacional Brasileira”, manifestando o entendimento do Instituto sobre o Programa de Governo  Minha Casa Minha Vida, com recomendações que visam à melhor qualidade da população brasileira.

Através do seu Grupo de Trabalho “Habitação de Interesse Social”, o IAB, com a participação de diversos Departamentos e com a colaboração de instituições de ensino superior, dos movimentos sociais e de outras entidades de classe, se dispõe a contribuir, de forma propositiva e contínua, para o aprimoramento da política habitacional brasileira, e solicita espaço efetivo para que estas contribuições possam ser discutidas nas instancias responsáveis pela definição deste novo desenho dessa política.

O IAB se coloca pronto a contribuir ativamente para o aprimoramento do PMCMV, no sentido de reforçar a ARQUITETURA e o URBANISMO como instrumentos de melhoria da qualidade de vida da população brasileira.

Respeitosamente,

Gilson Paranhos
Presidente – IAB 2010/2012


PROPOSTAS DO IAB PARA A POLÍTICA HABITACIONAL BRASILEIRA

O Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) promoveu o Simpósio “O Desenho da Casa Brasileira”, sobre o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), através de encontros regionais realizados pelos seus Departamentos, com a participação de arquitetos e urbanistas, engenheiros, economistas, o poder público, professores e universitários, lideranças dos movimentos sociais e empresários da construção civil. Como resultado dessas discussões, o Conselho Superior do IAB, em sua 139ª Reunião, delibera encaminhar às autoridades a seguinte Recomendação:

A. Considerando:
• Que o Governo Federal manifesta, através do PMCMV, a disposição de enfrentar o déficit habitacional brasileiro, direcionando pesados investimentos na construção de habitação de interesse social;

• Que o PMCMV pretende construir, até 2014, um total de 3,4 milhões de unidades habitacionais, que irão contemplar cerca de 10% da população brasileira, com recursos da ordem de R$ 5,1 bilhões somente no primeiro trimestre de 2012, aquecendo o setor da construção civil, criando empregos e dinamizando a economia;

• Que passaram três anos desde o lançamento do PMCMV, o que já permite realizar avaliações pós-ocupacionais dos primeiros empreendimentos construídos de acordo com as rígidas regras deste programa, identificando qualidades, problemas, limites e potencialidades;

• A importância de dar continuidade à política de eliminação do déficit habitacional brasileiro, que, pela primeira vez, tem garantido, através de subsídios estatais, que milhões de famílias tenham uma moradia digna;

A. O IAB entende:
• Que as ações públicas em habitação de interesse social pressupõem a articulação de diversos agentes, tais como empresas de projeto e construção (de grande, médio e pequeno porte), agentes públicos, movimentos sociais, universidades e entidades profissionais, dentre outros;

• Que a ação pública em habitação de interesse social deve se dar de forma abrangente e diversificada, envolvendo formatos e possibilidades diferenciadas, nos quais a pesquisa continuada, a inovação, a assistência técnica, o acompanhamento e o monitoramento de processos tenham espaço garantido;

• Que há uma diversidade cultural, social, econômica, tecnológica, paisagística e climática no território brasileiro, assim como múltiplas composições familiares a serem atendidas pelo PMCMV, que inclui ainda a habitação de interesse social nas zonas rurais, com suas singularidades;

• Que a política habitacional brasileira em vigor tem promovido à construção de empreendimentos sem continuidade com a cidade existente e desprovidos de equipamentos comuns e espaços de convivência, comprometendo a sociabilidade urbana e dificultando a vida dos seus moradores, que muitas vezes viviam, anteriormente, de trabalhos dependentes da dinâmica urbana inerente à cidade consolidada;

• Que, no caso dos empreendimentos implantados em áreas periféricas desprovidas de infraestrutura, caberá ao poder público financiá-la, bem como prover os equipamentos públicos básicos, o que implica vultosos investimentos;

• Que essa produção transforma, em larga escala, curto período de tempo e de modo definitivo, as cidades e o território brasileiros;

• Que o projeto arquitetônico e urbanístico de qualidade é fundamental na produção de habitação de interesse social, devendo ser valorizado pelas políticas públicas;

• Que o volume de recursos que ora está sendo aplicado cria oportunidades de qualificação das cidades brasileiras, no sentido da configuração de um tecido urbano sustentável, sob os aspectos sociais, ambientais e econômicos.

B. O IAB propõe:
• Que os diversos programas que compõem a política habitacional brasileira, incluindo o PMCMV, se articulem com o Estatuto da Cidade, com o Plano Nacional de Habitação (PlanHab) do Ministério das Cidades, com os Planos Diretores e com os demais programas e políticas urbanas desenvolvidas pelo Estado, especialmente no que se refere à oferta de infraestrutura e equipamentos públicos nas proximidades dos empreendimentos;

• Que a política habitacional brasileira, incluindo o PMCMV, seja continuamente avaliada pelas instâncias consolidadas de regulação e controle social, como o Conselho das Cidades;

• Que a política habitacional brasileira se baseie na diversificação de formatos e soluções, em todos os sentidos, incluindo habitações de dimensões e tipologias diversas, que contemplem, com soluções projetuais variadas, as distintas composições familiares, assim como habitações específicas para as áreas rurais, que deem conta das singularidades decorrentes da intrínseca relação entre espaço de trabalho e espaço de moradias existentes;

• Que devem ser criados indicadores de projeto que qualifiquem a produção habitacional de interesse social no Brasil, através da avaliação de aspectos como proximidade de equipamentos urbanos (escolas, saúde, lazer e comércio), acessibilidade e mobilidade, adequação à topografia, oferta de equipamentos comuns e espaços de convivência como parte do empreendimento, conforto ambiental, dimensionamento e agenciamento espacial, diversidade tipológica e de usos e possibilidade de ampliação da unidade habitacional, dentre outros;

• Que a política habitacional brasileira inclua programas voltados à requalificação e adaptação de edificações desocupadas ou subutilizadas localizadas em áreas urbanas centrais; dentre outras ações, podem ser feitas articulações com a Secretaria de Patrimônio da União no sentido de utilizar alguns dos milhares de imóveis não operacionais de propriedade da Rede Ferroviária Federal S.A., que se encontram em processo de inventário;

• Que, através da efetiva implementação da Lei Federal nº 11.888/2008, voltada a assegurar às famílias de baixa renda assistência técnica pública e gratuita para o projeto e construção de habitação de interesse social, a política habitacional brasileira passe a incluir programas voltados à regularização fundiária e reurbanização de assentamentos precários e, simultaneamente, fortaleça o PMCMV – Entidades, subsidiando a contratação de projetos arquitetônicos e urbanos;

• Que o processo de ocupação de novos empreendimentos habitacionais de interesse social executados com recursos do Governo Federal seja acompanhado e facilitado por ações voltadas à inserção física e social de suas populações nessas novas áreas;

Através do seu Grupo de Trabalho “Habitação de Interesse Social”, o IAB, com a participação de diversos Departamentos e com a colaboração de instituições de ensino superior, dos movimentos sociais e de outras entidades de classe, se dispõe a contribuir, de forma propositiva e contínua, para o aprimoramento da política habitacional brasileira, e solicita espaço efetivo para que estas contribuições possam ser discutidas nas instancias responsáveis pela definição deste novo desenho dessa política.

O IAB se coloca pronto a contribuir ativamente para o aprimoramento do PMCMV, no sentido de reforçar a ARQUITETURA e o URBANISMO como instrumentos de melhoria da qualidade de vida da população brasileira.

Brasília, 25 de maio de 2012.