quinta-feira, 18 de outubro de 2018

Uma palestra na Faculdade Silvio e Souza de Arquitetura

Palestra na Faculdade de Arquitetura da Silvio e Souza
No último dia 17 de outubro de 2018, na Faculdade de Arquitetura da Silvio e Souza, no Catete fui convidado para palestrar sobre mobilidade urbana nas cidades brasileiras, o nome que dei a palestra foi "A cidade metropolitana do Rio de Janeiro e a mobilidade ativa". Sem dúvida nenhuma um tema de suma importância para as cidades brasileiras, que apresentam sistemas de mobilidade deficientes, segmentados, e perpassados por interesses pouco republicanos. A cidade brasileira vem se reproduzindo de uma maneira equivocada e contrária para a promoção de uma mobilidade mais eficiente. O imenso esgarçamento da malha urbana, a partir da sua periferização interminável, e uma expansão contínua sobre seu entorno natural é um fato. A cidade metropolitana do Rio de Janeiro, por exemplo, cresce sua mancha a uma proporção de 31Km2/ano. O que representa um crime para o desenvolvimento do país, que certamente encontrará cada vez mais, grandes dificuldades em promover a universalização das infraestruturas urbanas. A densidade das cidades brasileiras, - número de habitantes por hectare - vem decrescendo de forma contínua, a partir do advento do transporte de ônibus e do carro individual, como modo hegemônico de circular em nossas aglomerações urbanas. Em minha palestra procurei focar em apenas quatro pontos cruciais, que estão na gênese do desenvolvimento da mancha urbana brasileira, que devem ser combatidos de forma contundente pelos arquitetos;

1. Cidade dispersa e esgarçada.
2. Cidade fragmentada entre diversos extratos sociais e usos compartimentados.
3. Cidade com mobilidade ineficiente, e baixo investimento nos modais de alta capacidade.
4. Cidade predadora do meio ambiente.

A primeira provocação, que fiz no âmbito da minha fala foi que apesar do pouco respeito que a sociedade brasileira tem pelo plano e pelo projeto, essas características da cidade no Brasil eram fruto de intenções muito claras de exclusão de parcelas significativas da sua população. O plano e o projeto de nação, de cidade no Brasil nunca foi promotor da coesão social do comjunto completo de nossa população, mas sempre teve um caráter excludente e exclusivo para uma minoria. Basta, para tal percorrermos as cidades brasileiras e identificarmos que todas sempre apresentam um território onde se identifica uma clara exclusão; favelas e áreas desprovidas de infraestrutura urbana. Essas áreas são onde se localiza o precariado brasileiro, uma parcela significativa de nossa população, que não acessa os benefícios do desenvolvimento do país, sendo sempre deixada à margem. Na minha provocação afirmei categoricamente, que isso era fruto de um planejamento e de um projeto sem promoção de coesão social, e investimento na autoestima de parcelas significativas de nossa população. Esse para mim é o projeto das elites brasileiras, que nunca se identificaram com o conjunto de nossa população, e sempre, pretendeu excluí-la do desenvolvimento geral. Esse paradigma é fundamental ser mudado buscando um projeto de nação e de cidades, que invista na coesão social e na autoestima de parcelas expressivas de nossa população. A partir dessas colocações lancei a ideia de que era necessário a formulação de um projeto contra-hegemônico, que mudasse a forma inercial de reprodução da cidade brasileira, combatendo os quatro pontos acima:

1. Cidade compacta e densa, que inicie o combate a sua dispersão interminável, enfatizando o papel aglutinador dos antigos centros de nossas cidades, que devem passar a abrigar usos diferenciados.
2. Cidade baseada na convivência da diversidade de classes e usos, que combata a tendência de gerar guetos de pobreza e de riqueza da cidade brasileira.
3. Cidade de mobilidade ampliada, que combata a exclusão determinada a partir da ausência ou tarifação cara do transporte público, com investimento em modais de alta capacidade.
4. Cidade que amplie a visibilidade e a aproximação dos seus biomas particulares com seus cidadãos ampliando seu uso e apropriação.

Ao final, apresentei as recentes transformações por que passou a cidade do Rio de Janeiro, no que se refere ao campo da mobilidade e transportes, enfatizando que a cidade possui uma das maiores malhas de trens urbanos do mundo, - os ramais da Central do Brasil - que está subutilizada, e que poderia ser requalificada transformando-a em metrô de superfície. Essa requalificação implicaria em benefícios para parcelas significativas da população da cidade, localizadas na zona norte e oeste, com impactos positivos nos seus tempos de deslocamento, casa/trabalho e casa /escola. Se tivéssemos investido os R$10bilhoes da linha 4 do Metrô, que liga o Jardim Oceânico na Barra da Tijuca a Ipanema, obra recém inaugurada, em alguns ramais da Central do Brasil teríamos uma melhoria de vida significativa de parcelas muito maiores, que as atendidas na Barra e no Recreio. Enfim, acho que está chegando a hora de mudar o rumo das preocupações das pranchetas de planos e projetos dos arquitetos brasileiros, buscando maior inclusão, coesão social e auto estima para os tradicionais excluídos da sociedade brasileira.

quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Um Edifício emblemático na Praça da Liberdade em BH

Edifício Oscar Niemeyer em BH, vista da 
Avenida Brasil
Sempre fico maravilhado diante do Edifício Oscar Niemeyer na Praça da Liberdade em Belo Horizonte, dotado de um design potente e algo inusitado, ele ocupa uma das quadras triangulares, que resultaram do Plano de Aarão Reis de 1894, para a nova capital do Estado de Minas Gerais. Com uma implantação primorosa, proporções perfeitas, ele é um dos mais preciosos frutos da prancheta do arquiteto Oscar Niemeyer. Suas geratrizes de desenho se encontram, na conformação e nas medidas dessa quadra triangular, fruto da torção da malha de avenidas em 45o em relação a malha de ruas vicinais, típica dos Planos Neoclássicos da passagem do século XIX para o XX, que tangenciam curvas compostas e contínuas para o máximo aproveitamento. Menos famoso que o edifício Copan em São Paulo, o edifício Oscar Niemeyer possue a mesma gênese em sua composição, uma massa edificada, circundada por finas e elegantes pestanas de concreto, protetoras da insolação. Numa área privilegiada da capital mineira, o edifício Oscar Niemeyer é mais exclusivo do que o Copan em São Paulo, tendo apenas dois apartamentos por andar de sala e três quartos. Sua exclusividade pode ser comprovada por um de seus mais ilustres proprietários e morador, o ex governador e quase presidente da República do Brasil, Tancredo Neves. Os dois edifícios me lembram a arquitetura de um desenho animado dos meus tempos de criança, os Jetsons, que chegavam em suas casas em aero móveis e moravam em casas e apartamentos, também com finas pestanas. A construção do edifício Oscar Niemeyer é de 1954-55, enquanto o desenho animado dos Jetsons, com produção dos estúdios Hanna Barbera é de 1962-63, o que revela a sua primazia, e a imensa capacidade do arquiteto em sintetizar ícones identitários para diversificados fins. Atualmente, no sistema de ônibus de BH, a silhueta do edifício, junto com a Igreja de São Francisco na Pampulha, ambas de Oscar Niemeyer, estão estampadas em suas carrocerias. De forma recorrente ao longo de nossa história, as formas do arquiteto carioca foram apropriadas como imagem identitária de diferentes cidades - Belo Horizonte, São Paulo e Niterói - , ou de um país como o Brasil, na sua nova capital federal, Brasília. Ainda me lembro, muito jovem nos idos dos anos 1960s, como as colunas do Palácio Alvorada em Brasília foram apropriadas por caminhoneiros, que usavam o perfil da coluna como elemento de decoração de suas carrocerias. Essa capacidade do design de Oscar Niemeyer de sintetizar uma ideia panfletária, seja de modernidade almejada, de símbolo de urbanidade, ou de simples elemento decorativo é um dos dados mais potentes de sua obra.

Edifício Niemeyer, vista da Rua Claudio
Manoel
Há poucos passos, do apartamento de minha mãe em Belo Horizonte, ele está sendo restaurado em sua fachada, ao que me pareceu, por uma obra de iniciativa pública do órgão de preservação do patrimônio do governo do Estado de Minas Gerais. Essa questão da preservação de um patrimônio construído, que não é de propriedade estatal, mas sim privada é uma das complexidades mais sensíveis da conservação edilícia na contemporaneidade. A relevância da obra, sua importância no panorama da história mundial da arquitetura é algo indiscutível para mim, no entanto sua propriedade privada deveria buscar algum tipo de compensação em função da valorização do patrimônio privado, que certamente será obtido a partir da sua conservação por uma iniciativa Estatal. Importante salientar que contínuos privados nas cidades brasileiras, de importante relevância para nossa história, também possuem condições análogas a esse edifício. E, aqui mais uma vez emerge uma questão que estão nos conteúdos dos últimos textos desse meu blog, o problema da diferenciação entre o comum, o Estatal e o privado, como esferas autônomas conceitualmente, mas interlaçadas sobre o ponto de vista do valor, do uso e do usofruto. Afinal, o valor desse objeto para a cidade de BH, para a história da arquitetura nacional e mundial é indiscutível, e pode ser inclusive aferido pelo depoimento de críticos e historiadores, o que acaba envolvendo interesses não necessariamente divergentes entre as esferas do público ou do comum, o Estatal e o privado. A quantificação dos benefícios nesses três campos, o Comum, o Estatal, e o privado não pode ser restringido apenas a valores monetários, pois envolvem questões como autoestima e identidade que são sempre intangíveis.

quinta-feira, 11 de outubro de 2018

A colheita de lenha, o pré-sal, o comum e nossas eleições de 2018

Gravetos e lenha que caem no chão pertencem a alguém?
Na cena inicial do filme o Jovem Marx, um grupo de pessoas visivelmente precarizada e pobre coleta a lenha caída numa floresta, a cena é interrompida pelo ataque de uma guarda montada, que reprime com truculência a atividade. A cena narra um artigo do jovem Karl Marx no jornal Reinish Zeitung, que descreve a criação de leis pelo Estado Prussiano, cercando e privatizando áreas de florestas que antes da aceleração do capitalismo no século XIX eram áreas comuns. Muito além disso, narra uma certa irracionalidade nas práticas do comportamento capitalista, uma vez que as pessoas apenas coletam a lenha caída no chão sendo por conta disso atacadas em nome do direito de propriedade, colocando em confronto dois direitos; o do uso, e o da propriedade. Então, o direito de propriedade supera outras argumentações, que poderiam afirmar a lógica do aquecimento, ou da cocção dos alimentos, ou da extração e do uso obtidos por essa lenha catada. Desde então, apesar da expansão contínua do cercamento de diversos comuns, que eram considerados como bens inapropriáveis porque pertencentes à todos continuamos produzindo bens e valores que são desfrutados de forma coletiva. O Patrimônio histórico construído pela cultura arquitetônica de diferentes épocas, o espaço público de nossas cidades, onde não se pode constranger o acesso de qualquer pessoa, espacialidades como a Praça de São Marcos em Roma, o Adro de Bom Jesus do Matosinhos em Congonhas do Campo, a Praça dos Tres Poderes em Brasília, a praia no Rio de Janeiro são lugares comuns. São locais, que concentram esforços simbólicos notáveis, que são de certa forma inapropriáveis do ponto de vista de que sua privatização é inviabilizada por um costume compartilhado, que também determina a inexistência de qualquer constrangimento a seu acesso.

A política e a história do Brasil tiveram sempre essa conotação de negar acesso ao comum, por parte de amplas parcelas da nossa população, havendo sempre um hiper dimensionamento da exclusividade, restritiva de sua elite endinheirada. A libertação dos escravos em 1888, pela princesa Isabel mostra-nos um gesto fundador dessa ausência de generosidade, por parte de nossas elites, que de forma concomitante com essa supressão da escravidão, sem qualquer indenização aos negros, promove simultaneamente a atração de mão de obra imigrante branca, que impossibilita a sobrevivência digna da massa de negros excluídos. O projeto macabro chega a declarar explicitamente a necessidade de promover o embranquecimento de nossa composição populacional, para aprimoramento do país. Um outro exemplo, ainda não inteiramente relatado é o caso da descoberta das reservas de petróleo do pré-sal, na costa brasileira, mais um caso emblemático dessa resistência por compartilhar com a maioria da população das riquezas, que ainda não estavam cercadas. Afinal, tratava-se de um acontecimento geológico, num passado muito distante, que determinou a presença dessas reservas na costa brasileira. Como o direito a sua exploração pode ser cercado e privatizado? Não seriam essas reservas patrimônio da humanidade? Como Ouro Preto? Ou o Museu Nacional em São Cristóvão no Rio de Janeiro? Ou ainda a lenha que cai no chão e garante a comida às familias brasileiras, que simplesmente não conseguem mais acessar o preço do gás de cozinha? E, aqui se conectam as duas pontas dessa narrativa, o pré-sal produtor também de gás de cozinha e a lenha catada no chão das periferias brasileiras, por contingentes de precariados que não mais conseguem pagar pelo botijão.

Há portanto, uma constante ampliação do horizonte de brutalidade da política brasileira, que tem como premissa de seu projeto a exploração exclusiva dos recursos, não permitindo seu desfrute de forma ampla, sejam eles lenha ou gás de cozinha. A coleta de gravetos e lenha na sociedade brasileira continua sendo uma prática, como mostra a foto estampada nesse artigo, o pior é que essa prática se restabelece na medida em que parcelas expressivas da população brasileira, não conseguem mais comprar gás de cozinha para fazer sua comida. A face mais aparente dessa ânsia por exclusividade está na operação da governabilidade no Congresso Nacional em Brasília, que é invariavelmente dependente do fisiologismo do Centrão. Um grupo de parlamentares sem alinhamento ideológico que opera a partir da lógica do "toma lá, da cá", isto é a partir de benefícios pouco republicanos, exclusivos. Diferentes governos do nosso espectro político demonstraram pouca capacidade de criação institucional, fora e além dessas práticas oligárquicas, excusas e privatistas, que se digladiam por benefícios particulares e privatistas. A mudança dessas práticas está hoje no cerne da questão das nossas eleições presidenciais, que estruturam o nosso "presidencialismo de coalizão", que precisam superar um módus operandi calcado em interesses particulares.

A partir de 2013, com as jornadas de protestos, que se iniciam pela cobrança de melhores serviços públicos, notadamente transporte público, saúde e segurança, e depois descambam para uma genérica e perigosa delação da corrupção, sem viés ideológico, os grupos de esquerda dos mais diversos matizes demonstram um certo medo da mobilização social, então em curso, e uma certa incapacidade de propor uma nova hegemonia. É claro, houve uma confusa presença de grupos anarquistas e fascistas que praticavam várias depredações em bens públicos, se apresentando nas manifestações contra qualquer filiação partidária. Mas a partir desse momento, a esquerda ficou refém de um discurso redutor, simplificador e binário entre estatismo e mercado, sem lembrar de uma das primeiras lições de sua cartilha, a de que o Estado é uma criação da burguesia, e basicamente zela por seus interesses. Aliás, o neo liberalismo, que é distinto do liberalismo clássico exatamente pela importância que confere à construção do Estado Nacional, como o principal regulador do mercado, e criador das condições de libertação da concorrência e do cercamento dos comuns tem demonstrado maior capacidade de produzir hegemonia no Brasil e em nosso mundo contemporâneo. A direita conservadora e retrógrada aparece não mais como interessada na manutenção do status quo, mas como propositora de mudanças e transformações, empurrando a esquerda para o campo da manutenção e preservação.

E, aqui cinco anos depois chegamos as nossas eleições de 2018, onde de um lado está a barbárie, que prega que a ditadura civil-militar no Brasil deveria ter torturado menos e matado mais, ou que ela não existiu, ou que a solução para o problema da violência é armar os cidadãos de bem, ou que proclama a celebração de um torturador como o General Ustra, que realizou verdadeiras atrocidades contra brasileiros que pensavam diferente dele. E, de outro um professor do Partido dos Trabalhadores (PT), Fernando Haddad, que apesar de ter operado nossa governabilidade como as outras diversas correntes de nosso espectro político dentro da barganha fisiológica, "do toma lá da cá", nunca se manifestou com teses autoritárias, contra a democracia. Na verdade, é preciso reconhecer e cobrar mudança na forma de operar essa governabilidade do PT, buscando maior transparência e o embate legítimo de interesses que possam ser explicitados e identificados como interesses comuns Portanto, para uma pauta mais afirmativa e propositiva é fundamental colocar em xeque antigas formas de negociação com o Congresso Nacional e com lideranças políticas. Assumir compromissos com uma governabilidade transparente e baseada em barganhas de interesses amplamente declarados, que representam teses concretas e de interesse comum pode muito bem aperfeiçoar a combalida democracia brasileira.