domingo, 19 de abril de 2020

Haverão mudanças substanciais na forma de operar do mundo depois da Pandemia do Covid-19?

Corona Vírus e a Favela da Rocinha no RJ, recursos e benefícios mau
distribuídos. Até quando?
Em seu artigo de sábado, dia 18 de abril de 2020, o historiador Daniel Aarão Reis fala da distribuição diferenciada no sistema atual de operação do sistema capitalista da dor das pessoas no período e após a Pandemia do Covid-19. Apesar da contaminação pelo Corona Vírus se disseminar sem distinção de classe no tecido social, as previsões apontam para um maior impacto no âmbito das populações precarizadas e fragilizadas do mundo. A fragilidade econômica, social e cultural provavelmente será mais atingida, durante e após a pandemia do Covid-19, pela falta de recursos acumulados e pelas suas condições de existência. A falta de acúmulo de recursos de sustento, a inexistência de condições mínimas de salubridade nos bairros e moradias aonde habita, bem como, a precarização do seu trabalho e das suas condições de auto reprodução serão sentidas antes e depois dessa crise de forma dramática. O artigo se inicia com a descrição de uma prática absolutamente corriqueira, naturalizada, permitida e banal do nosso tempo contemporâneo, que capta as dramáticas diferenças de acessibilidade marcadas entre nós;

"Em artigo sobre a atual pandemia, Nick Paumgarten narrou a história de um capitalista que joga na Bolsa de Valores. O homem é esperto e descreveu sua última proeza. Ao perceber o ritmo de expansão do vírus na China, suspendeu as férias numa estação suíça de esqui, investiu firme em ações de uma fábrica de equipamentos médicos nos Estados Unidos, botou dinheiro em empresas cujas ações subiriam com a disseminação universal da doença, e se mandou para sua casa de campo, bem longe da cidade onde mora. No caminho para o autoconfinamento, comprou o que pôde de máscaras cirúrgicas e luvas para si mesmo e para a família — mulher e três filhos — dois bujões de oxigênio e uma sacola de cloroquina. A salvo, comentou que ficaria feliz e em segurança até o próximo mês de outubro, acompanhando pelo computador a valorização dos investimentos. Até o momento, seu lucro era de 2.000%. Tudo na perfeita paz, dentro da ordem, respeitando a lei." AARÃO REIS 2020 O Globo 18/04/2020 

Realmente os endinheirados, que multiplicam suas fortunas a partir de seus movimentos especulativos, agora caseiros e no isolamento social, da ciranda financeira das bolsas e das moedas, não só não serão impactados, pela atual pandemia, como também podem tirar benefícios polpudos para seus patrimônios. Sem dúvida, segue o articulista, a metáfora repetida pela grande mídia de que, "estamos todos no mesmo barco", não corresponde aos fatos, e não antecipam às possíveis mudanças que porventura terão de ocorrer. Dissimulados argumentam que poderosos foram igualmente atingidos, como o presidente do Santander da Espanha, que morreu acometido pela devastação da pandemia naquele país. Sem dúvida, nem a biologia, nem os desígnios sagrados possuem uma seletividade, que se aproxime da justiça, mas as estatísticas que apesar de manipuladas e recalcadas já estão aí, mostrando sua seletividade, principalmente no número de mortos. Nos EUA, o número de óbitos de afro-americanos é muito maior do que o de brancos, apesar de vários estados da nação mais poderosa do mundo não distinguirem nas suas estatísticas esses dados. O site de informação Nexo Jornal traz os seguintes dados;

"Vários estados e cidades americanas têm reportado uma desproporção de mortes afro-americanas devido à covid-19, doença causada pelo vírus. Na Louisiana, elas equivalem a 70% de todas as mortes, embora só 33% da população do estado seja negra. No Alabama, negros são 44% das mortes e 26% do total de habitantes. Na cidade de Chicago, 68% das mortes pelo vírus são de afro-americanos, sendo que eles perfazem 30% da população. As estatísticas são preliminares porque a maioria das cidades e estados americanos não inclui informações sobre raça." NEXO Jornal 15/04/2020

Impressionante perceber como em 2008, com a Crise cíclica do capitalismo, que foi mais dramática no mercado imobiliário dos EUA e da Espanha, como o mundo parece não ter percebido sua política necrófila. Aonde o acúmulo de riqueza por uma minoria, ampliava como consequência um número de precarizados pelo mundo de forma exponencial. Naquela ocasião, mais uma vez o sistema socializou as perdas e privatizou os lucros, seguindo com sua atitude de celebração da competição, e seu desdém pela solidariedade. E, apesar de algumas vozes, que explodem em protestos variados desde 1999, como as manifestações daquele ano em Seatle, ou em 2001, em Gênova na Itália, ou em 2009, em Belém do Pará no Brasil, na reunião do Fórum Social Mundial, a hegemonia do capital financeiro permanece inabalável. Uma irresponsabilidade assustadora, que segue distribuindo de forma desigual o acesso a saúde e a vida, repetindo o discurso da eficiência da empresa privada e da competição de todos contra todos, em detrimento da inclusão e da distribuição de recursos, benefícios e renda. Com relação ao Brasil, os dados diferenciados da pandemia, também começam a chegar, segundo a rede Brasil atual; o Covid-19 se espalha mais rapidamente nos bairros ricos, mas mata em muito maior proporção nas áreas pobres, mostrando de forma mais flagrante as nossas desigualdades sociais.

"Dados divulgados pela Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo nesta sexta-feira (17) mostram que a epidemia de coronavírus torna ainda mais flagrante os efeitos da desigualdade social na capital paulista. De acordo com as informações referentes à situação epidemiológica, os distritos que têm mais casos oficiais de covid-19 estão entre os mais ricos do município, enquanto regiões periféricas lideram em número de óbitos. A cidade tinha um total de 9.356 casos registrados até as 14 horas desta sexta-feira (17). Em termos de localização, os distritos administrativos do Morumbi, com 297 casos; Vila Mariana, com 207, e Jardim Paulista, com 200 casos, eram os que tinham maior número de contaminações registradas por coronavírus. Em relação aos óbitos, que chegaram a 1.935 de acordo com os dados coletados, sendo 743 confirmados e 1.192 suspeitos, os distritos de Brasilândia, com 54 mortes, e Sapopemba, com 51, eram os mais atingidos. Na sequência, aparecem São Mateus, com 41 óbitos, e Cidade Tiradentes, com 37." Rede Brasil Atual, coletado no site em 22/04/2020

Sem dúvida, alguma coisa precisa mudar. Mas será que a injustiça de nosso sistema social será finalmente colocada em debate? Ou permaneceremos privilegiando a minoria que acumula recursos de forma irresponsável, improdutiva e fazendo dinheiro a partir de mera moeda, se esquecendo da miséria e penúria de grande parte dos humanos? A carga tributária, que no Brasil continua reproduzindo nossas injustiças cotidianas, se quer tem coragem de mencionar a taxação de grandes fortunas, ou o incremento da tributação sobre lucros especulativos e financeiros. Recentemente, o economista ex fundamentalista do mercado, André Lara Resende, em entrevista no Globo defendeu a transformação do "Estado cartorial e patrimonialista, num Estado eficiente e a favor da população". Mas quando perguntado, sobre uma taxação mais equânime, se quer mencionou a taxação de fortunas, ou de capitais financeiros especulativos, alegando  não ser o momento propício para aumento de impostos. Realmente cabia a pergunta, sobre seu posicionamento em relação a recente reforma da previdência, ou o corte de recursos do SUS, capitaneado pelos mesmos paladinos da pseudo modernização neo liberal. Nesse momento, me parece fundamental considerar, que não estamos no mesmo barco, mas que, há uma minoria endinheirada que ocupa fortes barcos de aço, outros em frágeis barquinhos de papel, e ainda alguns lançados ao mar e agarrados a tábuas de madeira. Esse reconhecimento me parece fundamental para iniciar qualquer mudança, e a humanidade e o planeta parecem não suportar mais a manutenção dessa situação, aonde recursos e benefícios cada vez mais se concentram.

BIBLIOGRAFIA:

Link para matéria do NEXO JORNAL: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2020/04/15/O-impacto-do-racismo-estrutural-nas-mortes-por-covid-19