quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

O bairro de Santa Teresa, suas peculiaridades e potencialidades

Um dos exemplares da tipologia arquitetônica do bairro, que 
demonstra a profusão de torres e minaretes captando vistas
inusitadas. O Castelo Valentim, segundo alguns, obra de
Lucio Costa, nos seus anos de juventude, antes de aderir ao
movimento moderno
Toda grande cidade, no mundo apresenta uma diversidade de peculiaridades, e partes com fortes personalidades diferenciadas, que se constituem como sua riqueza, que irá propiciar e promover uma grande variedade de maneiras de viver e se comportar. O bairro de Santa Teresa é um desses lugares, que fazem parte da imensa diversidade do Rio de Janeiro. A riqueza das opções faz parte dessa capacidade de toda grande cidade abrigar diferentes mentalidades, crenças, comportamentos e atitudes, gerando e promovendo diversidade cultural. A cidade contemporânea e especulativa tende a gerar partes e bairros homogêneos, uma vez que as diferenças tendem a gerar uma certa ansiedade, quando nos defrontamos com ela.  É claro também, que a cidade capitalista estratifica essas escolhas entre suas partes entre diversos extratos sociais, mas os bairros de uma maneira geral, que apresentam maior vitalidade são exatamente aqueles que oferecem diversidades de uso e renda. Por outro lado, as diferenças não se restringem a um padrão de renda, mas envolvem diversidades como; crenças, etnias, opção sexual e outras. No mundo contemporâneo há uma tendência ao tribalismo e uma certa vertente de classificação estereotipada dos grupos sociais, que me parece o bairro de Santa Teresa claramente contraria. Portanto, partes da cidade do Rio de Janeiro, como Santa Teresa contrariam uma regra básica da cidade especulativa; a segmentação de classes sociais, nas suas diversas partes, abrigando um certo cosmopolitismo diverso.

Nesse sentido, há nesse bairro uma incrível diversidade de extratos sociais, e diferenças inclusive na sua articulação internacional, a partir da recorrência de determinados hotéis boutiques de diárias caras na sua trama de ruas. Além dessa presença há uma rede de estrangeiros instalados no bairro, que volta e meia atraem um novato, que se encanta por suas particularidades, e se instala. Mas muito além da presença dos estrangeiros, há em Santa Teresa a presença de uma grande quantidade de favelas, pequenas e grandes, que garantem a convivência com extratos sociais mais populares, que fazem a fortuna do local. Afinal de contas, nada mais entediante do que a homogeneização social promovida pela cidade especulativa. Mas, também há uma clara carência; a ausência de comércios, transportes e serviços diversificados daquelas partes da cidade que gozam de maior grau de centralidade, trazendo um ar provinciano e num paradoxo, pouco cosmopolita ao bairro.

Há um certo distanciamento montanhês nessas paragens, e um certo distanciamento folclórico das altas temperaturas típicas do verão carioca, que não correspondem aos fatos. Na verdade, nos curtos períodos do inverno carioca, Santa Teresa realmente apresenta a maior recorrência de temperaturas mínimas da cidade, mas no verão, também disputa com Bangú, as suas máximas. Mas o isolamento acaba sendo um dado construído pela morfologia de seu relevo, que se diferencia fortemente das áreas de baixada, que constituem a maior parte da cidade do Rio de Janeiro. A topografia é uma forte presença no bairro determinando o lançamento das ruas, a sua divisão fundiária dos lotes, e portanto, sua arquitetura. Há um tema recorrente na tipologia arquitetônica do bairro, as torres e minaretes que enquadram vistas emblemáticas, desde o castelo Valentim, que segundo alguns nasceu da prancheta do doutor Lucio Costa, o autor de Brasília, em sua fase eclética da juventude, até a residência de Benjamim Constant, os observatórios pontuam a paisagem do lugar de forma determinante.

Esse mesmo relevo vai determinar o traçado orgânico de suas ruas, vielas e escadas que sobem os contra fortes da Floresta da Tijuca, volta e meia no ambiente agora público enquadram vistas da zona sul, centro e norte magníficas. Um velho tio-avô meu, que nasceu no bairro, e era embaixador do Brasil, tendo representado o país em Cabo Verde, Boston, Argélia e Japão dizia que mais que Monmartre em Paris, Santa Teresa lembrava Lisboa, e seu bairro da Mouraria. Sem dúvida, há uma forte analogia com o bairro Lisboeta, que possui o mesmo encanto das perspectivas seriadas, que apenas são descobertas enquanto nos movimentamos. A escala das ruas demanda uma velocidade no bairro, para fruição de sua complexa arquitetura, que não deveria ultrapassar o limite de 30 Km/h, dos seus bondes, ou melhor das caminhadas sem destino certo.

O vetor principal de articulação do bairro, e sua espinha dorsal de legibilidade são as ruas Joaquim Murtinho e Almirante Alexandrino, que estruturam o bairro desde dos Arcos da Lapa até a Floresta da Tijuca, na subida para as Paineiras, Mirante Dona Marta e Corcovado. A origem desse eixo surge, ainda no século XVII, com a necessidade de coleta de águas do Rio Carioca para leva-las ao centro da cidade, no chafariz do Largo da Carioca, tanto que as ruas Joaquim Murtinho e Almirante Alexandrino tinham o mesmo nome até o século XIX; Rua do Aqueduto. E, correspondiam ao leito do canal de água desviado do Rio Carioca, na área hoje a montante da Favela Cerro Corá, um pouco antes do ponto final do ônibus 006. Local, que vem sendo restaurado pelo INEPAC, e que concentra uma série de obras de engenharia hidráulica, que remontam à época da construção do aqueduto e ao período de reflorestamento das encostas promovido por Dom Pedro II, quando a cidade vive uma crise hídrica sem precedentes. Esse eixo é o que confere legibilidade geral ao bairro, surgindo ao longo dele o Centro de Bairro do Largo dos Guimarães até o Curvelo, aonde se concentram a maior parte dos restaurantes e comércio local. Nos últimos tempos, houve uma clara gourmetização desse centro de bairro, que passa a ser exclusivo quase de restaurantes e cafés, enquanto há alguns anos atrás ainda abrigava um comércio mais variado e diversificado, como açougue, loja de materiais de construção e verdureiro. Tal tendência, certamente se instalou a partir da intensificação do turismo na cidade, fazendo com que os antigos e novos estabelecimentos do comércio de alimentação aumentassem seus preços de forma que não atendem mais a população do bairro.

O bonde elétrico de Santa Teresa, que atualmente parte do Largo da Carioca, usa os arcos da Lapa e se conecta na rua Joaquim Murtinho, e chega na rua Almirante Alexandrino no edifício Pereira da Silva, na altura do Silvestre é um claro animador do bairro. Vários comerciantes celebram a reimplantação do bondinho, como um importante acontecimento, mobilizador de passeios bucólicos para estrangeiros no bairro. Atualmente, o sistema atende gratuitamente a população do bairro, e cobra uma tarifa salgada dos estrangeiros, que pagam R$20,00 por uma viagem do Largo da Carioca ao Silvestre. Há ainda um ramal que não foi reinaugurado, que liga o Largo da Carioca ao Largo do França na Paula Matos, e que é de suma importância para esse outro eixo comercial do bairro, pois desempenha esse mesmo papel, nesse recorte. Esse sistema, que foi recentemente reformado, a partir do grave acidente de 28 de agosto de 2011, reforça o caráter da legibilidade do eixo Joaquim Murtinho / Almirante Alexandrino, como eixo estruturante. O sistema existe desde o século passado, primeiro puxado a burros, e depois eletrificado, e era segundo os moradores mais velhos do bairro, um primor de funcionamento. Vários depoimentos colhidos entre os idosos reafirmaram, que acertavam seus relógios pela passagem das composições. Nesse aspecto, é interessante destacar a independência do bairro, até a década de sessenta, com relação ao automobilismo e rodoviarismo, hoje hegemônicos em toda a cidade. Há testemunhos, arquitetonicamente materializados, que atestam essa independência antes da década de sessenta, tais como; o condomínio Terra Brasilis que oferece grandes apartamentos, de 600 metros quadrados, sem oferta de vagas de garagem. Fato que atesta, como já houve um tempo na cidade do Rio de Janeiro, em que suas elites usavam os sistemas públicos de mobilidade, compartilhando-os com as classes mais populares.

A proposta para esse sistema em funcionamento é extender a linha até a Estação da Ladeira do Ascurra, que era parada do trem do Corcovado no passado, reativando esse ponto, diminuindo a demanda de passageiros na Estação dessa linha no Cosme Velho. Essa proposta, quando instalada poderá dinamizar e ampliar o centro de bairro de Santa Teresa, atraindo novos serviços e comércios para o bairro, a partir de uma maior afluxo de turistas. Além disso, essa proposta pode representar uma diminuição expressiva no afluxo de vans ao Corcovado, que hoje em dia se constitui num sério gargalo da visitação a atração turística mais procurada da cidade. Nesse sentido, seria importante a instalação de novos modais ligando outros bairros a Estátua do Cristo Redentor, como por exemplo, um teleférico que ligasse o Jardim Botânico ao Hotel das Paineiras, dividindo a demanda com os trens do Cosme Velho, e as vans. Um outro ponto importante no bairro é a melhoria de suas calçadas, que sofrem com as pequenas dimensões, com a presença de um rodoviarismo arrogante, que volta e meia rouba espaço dos pedestres, e uma certa descoordenação na localização de postes de concessionárias - light, outros serviços e a rede de eletrificação do bonde - que também tornam o caminhar a pé, uma corrida de obstáculos. A diminuição da caixa de rolamento de veículos é possível em alguns pontos, e a coordenação entre concessionárias de serviços, na locação de seus postes melhorariam substancialmente essa condição. Além disso, o bairro se ressente de uma melhor arborização urbana, nessas mesmas calçadas, que certamente seria muito melhorada se as redes de fios fossem subterrâneas. Na verdade, o bairro de Santa Teresa é uma dessas preciosidades que a cidade do Rio de Janeiro possue, e que, precisa de novos investimentos no seu sistema de mobilidade para ampliar suas conexões e suas oportunidades, bem como nas suas calçadas, que representam a infraestrutura primeira para uma boa movimentação.