tag:blogger.com,1999:blog-72301369559937362862024-03-15T22:11:42.498-03:00Arquitetura, Cidade e ProjetoDiário de Pedro da Luz Moreira, interessado em discutir a arquitetura, a cidade e o projetoPedro da Luzhttp://www.blogger.com/profile/07320690622387710961noreply@blogger.comBlogger552125tag:blogger.com,1999:blog-7230136955993736286.post-70913897318668786622024-03-07T17:06:00.000-03:002024-03-07T17:06:13.486-03:00Antropoceno ou Capitaloceno, conceitos em disputa, ampliação ou redução das racionalidades<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgZO2SmQqMXhFCM6i84R3Y_OWPzuilc2gmlYYpzm1lO8k43Te7k_NFOqnKuLibF3XsRYlNRbPZ1O1a0SZ_edkSB2WgjN-mQaqBucwX0B0efsLyYXK2WfCydkARH5C8RUuKMZM9tuAm8dErLOyq9CI0cXZ5nmFQzwCA9X2SP7XxQ_cTYjcY2NDhIiyXp0ZR5/s339/antropoceno.gif" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="339" data-original-width="301" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgZO2SmQqMXhFCM6i84R3Y_OWPzuilc2gmlYYpzm1lO8k43Te7k_NFOqnKuLibF3XsRYlNRbPZ1O1a0SZ_edkSB2WgjN-mQaqBucwX0B0efsLyYXK2WfCydkARH5C8RUuKMZM9tuAm8dErLOyq9CI0cXZ5nmFQzwCA9X2SP7XxQ_cTYjcY2NDhIiyXp0ZR5/s320/antropoceno.gif" width="284" /></a></div><br />Afinal, vivemos uma nova era geológica denominada Antropoceno, na qual os impactos da atividade humana generalizada sobre o planeta atingem a dimensão de uma Era Geológica, fazendo-nos superar o Holosceno, decretando uma crise ecológica nunca vista. Ou, estamos diante do Capitaloceno, uma era na qual a produtividade capitalista, o extrativismo desenfreado, a expansão do imperialismo, a ampliação da mercantilização da vida atinge várias áreas do planeta, enfim uma ordenação social específica, que determina uma crise ecológica sem precedentes. As duas versões vem sendo debatidas, e trazem cada uma, um alinhamento ideológico, um critério de juízo sobre a Crise Ambiental que vivenciamos; o Antropoceno aparece como uma construção das ciências naturais, enquanto o Capitaloceno emerge de uma visão das ciências sociais. As duas conceituações não são excludentes, mas reforçam posicionamentos e alinhamentos ideológicos; o Antropoceno responsabiliza a humanidade como um todo pelo que alcançamos, enquanto o Capitaloceno responsabiliza os beneficiários de um sistema econômico, social e político, que emerge num determinado tempo histórico. As mudanças climáticas, a extinção de espécies animais, o advento de biomas naturais modificados e desequilibrados são frutos de um longo processo de autonomização da espécie humana em relação a natureza? Ou são produzidas por um desenvolvimento predatório, com excesso de desperdícios e não absorção de dejetos e subprodutos de um processo produtivo exponencial, cujo os beneficiários se restringem a uma minoria da humanidade? Há aqueles que se voltam contra a razão ocidental, eurocêntrica que a partir do século XV, se lançou a conquista do mundo, impondo uma lógica linear redutora, instrumental, incapaz de perceber a complexidade da vida. A modernidade, que frutificou no Renascimento, reconstruindo a ontologia da cultura greco romana que impulsiona uma racionalidade que se restringe a alcançar fins redutores e limitados. Que racionalidade é essa? A racionalidade é a mesma para toda a humanidade? Para Max Weber existiam dois tipos de racionalidades; uma mais completa ou integral era a <i>ação racional valorativa</i>, e outra mais limitada e restrita era a <i>ação racional instrumental</i>, o autor vinculava essa segunda racionalidade instrumental à modernidade. Há também em Jürgen Habermas, uma distinção importante entre razão instrumental e razão intersubjetiva; a primeira é dominada pela restrição individual ou interesses de grupos restritos e sua objetivação é ditada pela manipulação de meios adequados a fins. Enquanto, a segunda racionalidade contempla ou negocia com o coletivo e objetiva-se por valorizações morais e éticas, onde a gestão dos recursos disponíveis é problematizada e os benefícios são ampliados socialmente. Habermas ao contrário de Weber, se mantinha como defensor da racionalidade renascentista e iluminista da modernidade, partindo da ideia de Kant do universalismo da razão(1), além das identidades, e impulsionada pelo auto esclarecimento.<p></p><p style="text-align: right;"><i>"Não podemos excluir de antemão que o neoconservadorismo ou o anarquismo de inspiração estética está apenas tentando mais uma vez, em nome de uma despedida da modernidade, rebelar-se contra ela. Pode ser que estejam simplesmente encobrindo com o pós esclarecimento sua cumplicidade com uma venerável tradição do contra-esclarecimento."</i> HABERMAS, 2002, pág.8</p><p>Mas além, do Capitaloceno como expressão questionadora do Antropoceno, também surgiram outras expressões que além do Capitalismo localizam o problema em outras ordenações sociais como; o Faloceno (machismo), o Racismoceno (racismo), o Plantatioceno (colonialismo), ou ainda Necroceno (necrofilia). Enfim, o valor de todos esses termos emerge do mérito de identificar no conjunto da humanidade, os principais responsáveis ou beneficiários de uma racionalidade redutora instrumental de meios-fins, procurando distinguir em consequência, os principais prejudicados, a sub humanidade deixada ao largo pelo mesmo sistema produtivo. É claro as correspondências entre os impactos da crise climática e as atividades antrópicas principalmente as que decorrem da concentração de Gases do Efeito Estufa (GEE) na atmosfera, majoritariamente provenientes da queima de combustíveis fósseis, incrementados pelos processos históricos de industrialização decorrem ao final da distribuição desequilibrada de oportunidades fomentada pelo capitalismo, pelo machismo patriarcal, pelo racismo, pelo colonialismo, pelo imperialismo. No entanto, é necessário manter um certo cosmopolitismo da consciência humana geral, identificando que a maioria dos seres humanos são despossuídos e foram colocados à margem como uma sub espécie, que não desfrutou e segue sem desfrutar dos benefícios de uma ordenação sócio-cultural excludente, o capitalismo. É importante nesse contexto, a identificação do neoliberalismo hegemonizado pela globalização capitalista como promotor e responsável central dos riscos ambientais que corremos, de forma absolutamente diferenciada, pois são as populações do Sul Global que mais serão atingidas. O sistema de operação do neoliberalismo naturalizou, que um número pequeno de interesses particulares controle a maior parte da produção e reprodução da vida social no planeta, apurando benefícios individuais particulares, de maneira mais explícita a partir dos governos de Thatcher (1979) e Reagan (1981). Tudo isso fica atestado de forma clara pelo enorme crescimento da pobreza, da desigualdade social e econômica nas sociedades e entre nações, fruto da expansão capitalista, do imperialismo e da hegemonia financeira-produtivista. Enfim, é necessário reconhecer que as políticas de afirmação identitária não tem conseguido fazer frente, oposição consistente, ou construir alternativas ao <i>módus operandi</i> do neoliberalismo. A partir da perspectiva crítica da história é preciso começar a reconhecer que o mundo do trabalho - sindicatos, associativismo de categorias, partidos trabalhistas e ligas camponesas - eram mais eficientes na contenção dos interesses predatórios dessa minoria endinheirada, do que as políticas identitárias atuais. Será preciso combinar, com grande sensibilidade, uma convergência geral de revalorização do mundo do trabalho e das formas variadas de reprodução da vida, questionadoras do acúmulo desregrado de renda de uma minoria, e ao mesmo tempo, frutificar as lutas identitárias específicas dos subalternos do mundo. Uma busca aparentemente paradoxal, entre a homogenização dos despossuídos do mundo e a heterogenização das identidades variadas do mundo.</p><div style="text-align: left;"><div style="text-align: right;"><i><span style="font-family: inherit;">"0 neoliberalismo é o paradigma econômico e </span><span style="font-family: inherit;">político que define o nosso tempo. Ele consis</span><span style="font-family: inherit;">te em um conjunto de políticas e processos que p</span><span style="font-family: inherit;">ermitem um número relativamente pequeno </span><span style="font-family: inherit;">de interesses particulares controlar a maior parte </span><span style="font-family: inherit;">possível da vida social com o objetivo de maxi</span><span style="font-family: inherit;">mizar seus beneficios individuais. Inicialmente </span><span style="font-family: inherit;">associado a Reagan e Thatcher, o neoliberalismo </span><span style="font-family: inherit;">é a principal tendência da politica e da economia </span><span style="font-family: inherit;">globais nas últimas duas décadas, seguida, além, </span><span style="font-family: inherit;">da direita, por partidos politicos de centro e por </span><span style="font-family: inherit;">boa parte da esquerda tradicional [...]. As conse</span><span style="font-family: inherit;">quências econômicas dessas políticas têm sido as </span><span style="font-family: inherit;">mesmas em todos os lugares e são exatamente as </span><span style="font-family: inherit;">que se poderia esperar: um enorme crescimento </span><span style="font-family: inherit;">da desigualdade econômica e social, um aumento </span><span style="font-family: inherit;">marcante da pobreza absoluta entre as nações e </span><span style="font-family: inherit;">povos mais atrasados do mundo, um meio am</span><span style="font-family: inherit;">biente global catastrófico, uma economia global in</span></i><i><span style="font-family: inherit;">stável e uma bonança sem precedente para os </span><span style="font-family: inherit;">ricos. Diante desses fatos, os defensores da ordem </span></i><i style="font-family: inherit;"><span style="font-family: inherit;">neoliberal nos garantem que a prosperidade che</span><span style="font-family: inherit;">gará inevitavelmente até as camadas mais amplas </span></i><i style="font-family: inherit;"><span style="font-family: inherit;">da população - desde que ninguém se interponha </span><span style="font-family: inherit;">a política neoliberal que exacerba todos esses pro</span></i><span style="font-family: inherit; font-style: italic;"><i>blemas!"</i> </span><span style="font-family: inherit;">CHOMSKY, 2002, p. 3</span><span style="font-family: inherit; font-style: italic;">.</span></div><div style="text-align: right;"><span style="font-family: inherit; font-style: italic;"><br /></span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: inherit;">A crença de que o modelo do neoliberalismo promoveria a distribuição de riqueza e um desenvolvimento mais equilibrado entre as nações, típica das décadas de 80 e 90, já se desfez pela recorrente emergência de crises financeiras<i>, </i>aumento da pobreza e da inequidade<i> </i>ao longo desse tempo. Mas, ainda nos confrontamos com agentes defensores dos paradigmas neoliberais, particularmente na grande imprensa, tais como; valorização da competição geradora de eficiência, a desregulamentação estatal do mercado, o fomento a iniciativa privada desvencilhada das externalidades, supervalorização do Mercado como reino da virtude, e subvalorização do Estado como reino da corrupção e da ineficiência. O sistema desconsidera de forma recorrente a manutenção das condições de vida, em nome de uma eficiência da competitividade, com a primazia da razão técnica, que não leva em conta as externalidades humanas ou ambientais. Será preciso superar o identitarismo branco e europeu, questionando a modernidade carregada de uma racionalidade redutora de meios e fins, rompendo com o colonialismo que dita verdades sem pensar e sentir os meios de produção e reprodução da vida. A própria compreensão da história da humanidade precisa ser ampliada, para envolver a todos da espécie, reconsiderando as relações entre centro e periferia. A clássica subdivisão entre História da Antiguidade Pré Clássica, Clássica, Idade Média e Modernidade, que carregam o eurocentrismo deve ser questionada. Apenas, no espaço do ocidente deve-se revalorizar as contribuições; Árabe para as ciências modernas e a própria preservação do Aristotelismo, a Epistemologia dos povos originários da América, com sua lógica cíclica centrada na reprodução da vida, e a Africana que rejeita o <i>pathos</i> da demolição e de não aceitação do outro e do diverso </span>(2). A consideração reproduzida em compêndios de História da arte, arquitetura e urbanismo, que se apresenta como universal, mas que recalca o imenso período de 5 século e meio, que vai da Queda do Império Romano do Ocidente (476d. C.) até o século X (1.000d.C.) na Europa é um testemunho cabal da desconsideração com a expansão árabe no norte da África e na Península Ibérica, ocorrida nesse momento. Manifestações como a Alhambra em Granada, ou o Califado e a Mesquita de Córdoba são desconsiderados, por não pertencerem ao esquematismo colonizador da Europa hegemônica.</div><div style="text-align: left;"><br /></div><div style="text-align: left;"><div style="text-align: right;"><i>"O domínio epistemológico tem na razão instrumental sua fundamentação. A razão nessa perspectiva soberana, totalitária, tornou-se, no Ocidente, a racionalidade científica que, como modelo totalitário, nega o caráter racional de todas as outras formas de conhecimento que não tiverem como critério os princípios epistemológicos e regras metodológicas da epistemologia dominante. Funciona como um acontecimento apropriador, como diria Heidegger. Isso nos leva a crer que os processos de </i></div><div style="text-align: right;"><i>descolonização que se iniciaram, historicamente, como um processo de libertação das colônias formação de Estados-nacões independentes, hoje devem continuar com a libertação de uma colonização epistêmica que, se efetivada, abriria espaço para a concepção de outra razão, de outra racionalidade ou ainda de outras formas de operação humanas para produzir conhecimento científico e filosófico. A descolonização colocaria fim a um processo histórico de implantação de poder, ou ao menos o enfraqueceria."</i> PIZA e LIMA 2023 pág.113</div></div></div><p>A modernidade carregada de colonialismo precisa ser superada, por uma modernidade sem colonialidades brancas, uma questão complexa, que não deve descambar para uma simplificação redutora, da mera desqualificação como um todo, da contribuição da Europa. A divisão pseudo científica da história "humana" em Idade Antiga (antecedente greco-romano), a Idade Média (preparatória ou crítica) e Idade Moderna (Renascimento Europeu) é uma ordenação ideológica redutora, que não corresponde a sua pretensão de ser "humana" ou universal. Uma parte dessa ordenação serve a reprodução da razão instrumental, com claras finalidades de reprodução do acúmulo do capital, do imperialismo e da concentração de renda. Há uma cruel lógica capitaneada pelo avanço tecnológico, que como assinalou Franz Hinkelammer opera como um bicicleta ergométrica, que independente da velocidade não sai do lugar. O ambiente no capitalismo globalizado e neoliberal transmite a impressão de mudança constante e inevitável, sem nada mudar, mantendo sempre a mesma catástrofe de exclusão e concentração de renda. O marco histórico das bombas de Hiroshima e Nagasaki em 1945, assinalam aquilo que alguns autores consideram como a ampliação da "natureza barata"(3) humana ou natural, quando se processa uma imensa expansão do capitalismo pelo mundo e da razão instrumental de meios e fins. A implantação de um raciocínio de guerra, afinal quanto custa a destruição da Amazônia? Segundo a racionalidade instrumental de meios e fins, apenas os custos da mão de obra, das serras elétricas, do transporte da madeira, e nada mais, pois a venda da madeira que consegue superar esses custos, se apresenta e mensura o lucro. Apenas, a partir daí, no segundo pós guerra (4), é que emerge a consciência dos limites dos recursos do planeta, da finitude da Terra, que apesar de já operar desde a exploração da prata em Potosí na Bolívia, ou do ouro em Minas Gerais no Brasil, nos séculos XVI e XVII, só alcançará nesse ponto a materialidade do estrago planetário, ou sua consciência. As consequências para o campo da arquitetura e do urbanismo são notórias e incontornáveis, pois fica claro a relação entre realidade e projeção, entre contexto e formulação do devir, entre terreno e projeto, entre cidade e plano, agora condicionada pelo <i>"automatismo do mercado"</i>. Já não se fala mais em corrigir o mercado, em respeito a satisfação das necessidades humanas, na lógica neoliberal deve-se agora adaptar a "realidade" às imposições do mercado, como algo automático, insuperável e repetido ao infinito. <span style="background-color: #f0f2f5; color: #050505;">Com isso, parece que e</span><span style="background-color: white; color: #050505; font-family: inherit;">stamos indo rapidamente em direção a um suicídio coletivo, dado por essas condições de operação pouco sustentáveis ambiental e socialmente. Afinal, o que será das próximas gerações? </span><span style="background-color: white; color: #050505; font-family: inherit;">O esloveno Slavoj Zizek tem uma irônica e trágica colocação assinalando nossa corrente atitude suicida; </span></p><p style="text-align: right;"><span style="background-color: white; color: #050505; font-family: inherit;"><i>"a nós nos parece muito mais fácil imaginar o fim do mundo do que uma pequena mudança do sistema político. A vida na terra possivelmente vai acabar, mas o capitalismo de algum modo continuará."</i> DUAYER 2023 pág.89</span></p><p><b>NOTAS:</b></p><p>(1) Imanuel Kant escreveu em 1784 um opúsculo denominado "Ideia de uma história universal com um propósito cosmopolta", no qual se contrapõe a ideia de <i>"sujeitos singulares"</i> e o <i>"conjunto da espécie"</i> para a determinação de uma <i>"liberdade da vontade"</i>, que acaba por conformar as disposições naturais para o uso da razão na humanidade.</p><p>(2) As epistemologias decoloniais do Sul Global, fomentadas por autores como; Enrique Dussel, Juan José Bautista, Franz Hinkelammert, Henry Mora Jiménez e Achille Mbembe.</p><p>(3) Jason Moore se refere a <i>"Cheap Natures"</i> para se referir a forma de apropriação do colonialismo, que explora naturezas humanas e naturais na periferia do mundo de baixo custo, numa atitude predatória de segregação.</p><p>(4) O primeiro autor a se referir ao Antropoceno no início dos anos 2000 foi o prêmio Nobel de Química, Paul Crutzen, segundo MOREIRA e GARRIDO, 2024 pág140. Os mesmos autores fazem referência a "Grande Aceleração", ocorrida após a década de 50, após as bombas atômicas como uma época de aceleração da industrialização e urbanização.</p><p><b>BIBLIOGRAFIA:</b></p><p>BAUTISTA, Juan José - <b><u><i>Hacia la descolonización de la Ciencia Social Latinoamericana</i></u></b> - La Paz, Rincón Ediciones, 2012</p><p>CHOMSKY, Noam - <b><u>Como parar o relógio do Juízo Final?</u></b> - São Paulo, Instituto do Conhecimento Liberta (ICL), 2023</p><p><span style="color: #050505;">DUAYER, Mario - </span><b style="color: #050505;"><u>Teoria Social, Verdade e Transformação: ensaios de crítica ontológica</u></b><span style="color: #050505;"> - Editora Boitempo, São Paulo 2023</span></p><p>__________, Noam - <b><u>O lucro ou as pessoas</u></b> - Rio de Janeiro, Bertrand Russel, 2002</p><p>DUSSEL, Enrique - <b><u>1492; el encobrimiento del otro</u></b> - La Paz, Plural 1994</p><p>________, Enrique - <b><u>Ética da libertação: na idade da globalização e da exclusão</u></b> - Petrópolis, Editora Vozes, 2000</p><p>HINKELAMMERT, Franz e JIMÉNEZ, Henry Mora - <b><i><u>Hacia una economia política para la vida</u></i></b> - Costa Rica, San José, UNA Economía y Sociedad n.21 2005</p><p>MBEMBE, Achiles - <b><u>Necropolítica: biopoder, soberania, Estado de exceção, política da morte</u></b> - São Paulo, N-1 Edições, 2016</p><p>MOREIRA, Danielle de Andrade e GARRIDO, Carolina de Figueiredo - <b><u>Uma nova época: Antropoceno ou Capitaloceno? Contexto histórico e desafios contemporâneos da crise climática</u></b> - São Paulo, ICL, 2023</p><p>PIZA, Suze e LIMA, Bruno Reikdal de - <b><u>Racionalidade e economia no fim dos tempos</u></b> - São Paulo, Instituto do Conhecimento Liberta, 2023</p><p>HABERMAS, Jürgen - <b><u>O discurso filosófico da modernidade</u></b> - São Paulo Martins Fontes 2002</p>Pedro da Luzhttp://www.blogger.com/profile/07320690622387710961noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7230136955993736286.post-40280508011048098082024-03-01T16:04:00.002-03:002024-03-01T16:04:40.717-03:00As origens da arquitetura, um livro notável<p></p><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEjR5S_21AVBA2p6PrdAtT1N2xMqOFqi9g6RXmEfCMz6JVvDZpOjXRDRSSRugLx-g5UK-rIN4OyrPUaZRuhazPROt1vwE6N-YTMV1Na7EBCYPxTM7tJqNObP0MW8X8rF-lNi3_Y5bfAbiscqGV6kAww1SpfuFP6_5e6ADJ3LUWaLOf3OIUS61lSmwW3s9buJ" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img alt="" data-original-height="948" data-original-width="1518" height="250" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEjR5S_21AVBA2p6PrdAtT1N2xMqOFqi9g6RXmEfCMz6JVvDZpOjXRDRSSRugLx-g5UK-rIN4OyrPUaZRuhazPROt1vwE6N-YTMV1Na7EBCYPxTM7tJqNObP0MW8X8rF-lNi3_Y5bfAbiscqGV6kAww1SpfuFP6_5e6ADJ3LUWaLOf3OIUS61lSmwW3s9buJ=w400-h250" width="400" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><b>Figura 1: Cronologia da Pré História, com a distinção entre <br />o Paleolítico (200.000 a.C. até 18.000a.C.), o Neolítico <br />(18.000a.C. até 5.000a.C.) com a Revolução Agrícola e a <br />Idade dos Metais (5.000a.C. até 4.000a.C.) com a Metalurgia <br />e a Rev. Urbana</b></td></tr></tbody></table><br />O texto a seguir é fruto da leitura do livro de Leonardo Benevolo e Benno Albrecht, que tem como título; "As Origens da Arquitetura", uma obra notável impulsionadora de questões fundamentais para operação da projetação contemporaneamente. Já, há alguns anos sou responsável pela cadeira de Teoria e História da Arquitetura 1 (THArq1) na Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (EAU-UFF), que abarca um período longo, entre o advento da espécie humana, ou das primeiras manifestações de expressão pictórica nas cavernas ou de marcação territorial no Paleolítico (2,5 milhões de anos antes de Cristo), até o Renascimento Italianos nos séculos XIV, XV e XVI na era cristã. Um período extremamente extenso e complexo, no qual a humanidade constrói, transmite, apaga, recupera e retoma técnicas construtivas diversificadas, que interagem com várias formas de organizações sociais, constituindo o patrimônio da humanidade. Essa noção de Patrimônio Construído Comum, que perpassa esse longo período carrega a ideia de que a experiência humana em sua auto construção, ou na ampliação de sua humanização é um processo contínuo compartilhado, onde as tecnologias são apropriadas pela ideia kantiana de História Comum da Humanidade. Essa disciplina THArq1 era ministrada pelo Professor Juarez Duayer, que gentilmente forneceu me todo seu material didático e de trabalho, e a quem, sou extremamente grato por seus apontamentos, bibliografia e conceituação. Aqui nesse texto, pretende-se abordar o grande período da Pré História, que se refere ao tempo anterior a Idade Antiga, quando ainda não há escrita. Já houve aqui no blog, uma abordagem desse período no texto de 13 de outubro de 2021; <b><u>"O filme a Guerra do Fogo e a disciplina de Teoria e História da Arquitetura 1 (THArq1)"</u></b>, que aborda o citado filme do diretor Jean Jacques Annaud de 1981. Esse imenso período, conforme mostra a cronologia de 200.000a.C até 4.000a.C., que está subdividido em três partes. O primeiro período, o Paleolítico quando a espécie humana é caracterizada pelo nomadismo e por atividades extrativistas como a caça e a pesca e pelo aparecimento dos primeiros utensílios de pedra. O segundo trecho é o período do neolítico, quando ocorre a revolução agrícola, quando se desenvolve o início da fixação dos grupos humanos em sítios específicos em assentamentos classificados como aldeias. O terceiro período nomeado como Idade dos Metais, quando aparecem os primeiros utensílios de ferro e cobre, a metalurgia, e a Revolução Urbana, que determina uma aceleração incrível da apropriação de tecnologias pela humanidade, até alcançar o advento da escrita, que determina o final da pré história e o início da História. Esse período, apesar de distante é de suma importância para a arquitetura, o urbanismo e o paisagismo, por representar o advento da modificação do meio natural e o desenvolvimento da construção do abrigo, da casa, da cidade e da paisagem humana. É o período de artificialização ou da desnaturalização do humano, tanto pela confecção de utensílios, como pela formulação do abrigo, como um lugar que se constrói. Inicia-se aí a humanização do homem, que se manifesta na sua autonomização com relação ao meio natural, uma diferenciação que não mais reconhecerá na natureza a capacidade de abrigar e acolher a sua espécie. Começa um processo de acumulação contínua de tecnologias, saberes e pensamentos, que produz uma capacidade crescente de compreensão do mundo natural que passa a ser manipulado para seu próprio proveito e conforto. Emerge a arquitetura, o urbanismo, o paisagismo e a manipulação territorial em benefício do grupo humano, que pelas Revoluções Agrícola e Urbana materializam uma fenomenologia humana, parcialmente destacada da animalidade. Nesse sentido, em 1881, o arquiteto William Morris nos forneceu uma das mais precisas definições do que é a arquitetura, o urbanismo e o paisagismo, numa palestra intitulada, "The Prospects of Architecture in Civilization".<p></p><p style="text-align: right;"><i>"Arquitetura é uma concepção ampla, pois abarca todo o ambiente da vida humana. Não podemos subtrair-nos a ela enquanto fizermos parte da sociedade civil, porque a arquitetura é o conjunto das modificações e alterações introduzidas na superfície terrestre como vistas as necessidades humana, com a única exceção do deserto puro [...] </i>citação de William Morris em<i> </i>BENÉVOLO e ALBRECHT 2002 pág.7</p><p style="text-align: left;">A ideia de constituição de uma sociedade colaborativa humana, que desemboca numa sociedade civil regrada e pautada por princípios de convivência, que garantem, e ao mesmo tempo promovem a autonomização do homem frente ao natural, identificando aí uma força diferenciadora. E, que concentram nessa atitude, nesse ambiente construído, modificado e adequado a sua existência, a seu comportamento diferenciado com relação ao natural, o próprio fator de uma reprodução da espécie autonomizada. E, prosseguem Leonardo Benévolo e Benno Albrecht, destacando o afastamento da tradição de certas definições culturais arraigadas da arquitetura, que destacaram a diferenciação entre necessidade e contemplação estética, como fenômenos distintos<i>. </i>E, mais ao fato de que as transformações humanas do meio natural estão carregadas de um espírito empreendedor impossibilitado de distinguir necessidade e arte no fazer humano.</p><p style="text-align: right;"><i>"[...]A uma ideia restrita de arquitetura, historicamente qualificada, continua ser fiel, como se sabe, um grupo ínfimo de arquitetos contemporâneos, por um intuito programático preciso"</i> BENÉVOLO e ALBRECHT 2002 pág.7</p><p>Essa definição materialista da arquitetura, de William Morris, que é compartilhada por alguns profissionais e pensadores do século XIX, e que questiona claramente a postura idealista, que encara o ofício como uma manifestação cultural compartilhada pela humanidade como um todo. E, que se distancia do posicionamento mais corriqueiro, idealista, que considera arquitetura e as transformações <i>"introduzidas na superfície terrestre",</i> apenas aquelas, que possuem intencionalidade estética, longe do império da necessidade. Nessa visão, necessidade e intencionalidade estética se misturam, mantendo-se a utilidade operacional e contemplativa dos objetos num interação dialética. Instrumentação e contemplação se somam a partir da capacidade de pré imaginar ou pré figurar - planejar e projetar - antes de realizar, como uma forma de problematizar as escolhas e assim refletir sobre o sentido. Liberdade e necessidade interagem de forma contínua e progressiva, gerando a auto problematização de sua própria existência, das tecnologias já inventadas e as que ainda devem ser inventadas para seu benefício próprio e do seu grupo. Há aqui, um embrião do desenvolvimento futuro da cultura arquitetônica, que se materializará na exposição do <i>Museum of Modern Art</i> (MOMA) de 1964, com curadoria de Bernard Rudovski, denominada <i>"Architecture without Architects"</i>, que demonstra o vínculo intrínseco entre construção e cultura pulverizada e compartilhada. Um dos méritos dessa exposição do MOMA foi a apresentação de conjuntos construídos, como determinados vilarejos nas Ilhas Gregas ou em vilarejos africanos, que demonstravam uma profunda interação entre meio ambiente natural e humano, onde a parte e todo conformavam uma expresividade integral. Essa posição, me parece derivar da atitude romântica que nasce da crítica a razão universalista do Iluminismo francês, que resistia a reavaliação do gótico, da Idade Média ou do particular, como uma expressão única de um gênio espontâneo, muito além dos cânones. </p><p style="text-align: right;"><i>"O estudo da arquitetura passada serviu sempre para estimular a criatividade contemporânea. Basta recordar, no passado próximo, a redescoberta do gótico pelas vanguardas inglesas - John Ruskin, William Morris - da segunda metade do século XIX a releitura do classicismo nas universidade americanas - Rudolph Wittkower, James S. Ackermann, Joseph Rykwert - e por Loui I. Khan e seus discípulos; a reavaliação das vanguardas no início do século XX pelos movimentos revisionistas europeus; a curiosidade omnívora de James Stirling por qualquer achado do passado."</i> <span style="text-align: right;">BENÉVOLO e ALBRECHT 2002 pág.9</span></p><p>São atitudes que comprovam a permanência do romântico de forma trans temporal, como um posicionamento humano, que muito além de estar localizada num determinado espaço, a Europa Central, o mundo Germânico, ou num determinado tempo, o último terço do século XVIII até a primeira quadra do século XIX perpassa ou corresponde a um estado de espírito da humanidade. O espírito romântico seria a negação da possibilidade de um pensamento absoluto, simétrico, bem arranjado e comportado, que criasse uma ordem racional universalmente inteligível. Esse seria por excelência o mundo do longo período do Paleolítico, quando os padrões estão por ser estabelecidos e a humanidade não tem consciência de si própria. Quando olhamos para nossa cronologia, na Figura 1, percebe-se que os acontecimentos figurativos que chegaram até nós estão concentrados nos períodos; Finais do Paleolítico, a partir de 40.000a.C., Neolítico e na Idade dos Metais, quando a atividade humana ganha capacidade de representar o mundo exterior. Pinturas rupestres nas cavernas, em Lascaux na França, na serra da Capivara no Piauí, Ordenações de Menires em Carnac, Dólmens variados pelo mundo, Stonehenge na Inglaterra, dentre outros, testemunham uma vontade de marcar o território, de domínio sobre a caça, ou de controle do tempo. Nessa observação, há uma clara aceleração da História Comum da Humanidade, chegando até a passagem entre a aldeia e a cidade, da Revolução agrícola à Revolução urbana, como entidades conceitualmente muito diferentes quantitativa, mas principalmente qualitativamente. Na cidade, que difere da aldeia por sua ruptura com o provincianismo das famílias próximas, nasce um cosmopolitismo de convivência entre a diversidade de humanos, propiciando um incrível desenvolvimento tecnológico, pela aceleração do compartilhamento entre diferentes. Emerge uma didática da cidade, que impõe a convivência com a diversidade, a ampliação do respeito a uma certa privacidade única e particular, obtida a partir do anonimato da grande cidade. Um aprendizado com a presença da diversidade entre seres humanos; de crenças, costumes e tecnologias, que é gerador de curiosidades e portanto de um intenso desenvolvimento científico, artístico, poético e político para a humanidade. Mas sigamos com calma;</p><p style="text-align: right;"><i>"Os artefatos físicos arquitetados pelo homem e ainda visíveis compreendem aquilo que não desapareceu no naufrágio das esperanças passadas, consumidas pelo tempo e pelo acaso. Permitem-nos a nós, descendentes afastados, um contato direto, face a face, com os nossos antepassados, transpondo o abismo do tempo. A partir de uma certa época, os artefatos são acompanhados de monografias, que, do ponto de vista histórico geral, estabelecem a diferença entre pré história e história. Mas os objetos construídos tem uma eloquência direta própria, que impressiona de igual modo os olhos de todas as gerações, e que pode passar por cima de qualquer diferenças de culturas e tradições."</i> <span style="text-align: right;">BENÉVOLO e ALBRECHT 2002 pág.9</span></p><p>A presença silenciosa, sem uma base textual explicativa das Pinturas Rupestres nas cavernas, em Lascaux na França, na serra da Capivara no Piauí, Ordenações de Menires em Carnac, Dólmens em partes variadas do mundo, Stonehenge na Inglaterra, dentre outros, aparecem como enigmas, que nos desvendam a nós mesmos como humanos. Elas parecem ser possíveis através de um longo desenvolvimento, que se processa no Paleolítico e nos marca a morfologia corporal, a configuração atual da mão humana, a postura ereta e a adaptação das cordas vocais marcam o longo processo da transformação e do alcance da condição humana. Emergem três limiares importantes da condição humana. O primeiro, a capacidade de se colocar a si próprio e os objetos exteriores num espaço unitário, compreendido pelos limites da visão humana e por sua possibilidade de ser descrito e apropriado, seria a consciência de si e sua localização espacial. O segundo, a capacidade de denotar simbolicamente os objetos, as coisas e a vida de uma maneira geral, indicando e nomeando aos outros próximos a localização e o tipo. E, o terceiro a capacidade de colocar sobre um suporte qualquer - grutas, pedras, areias, e outros - a representação imagética de qualquer objeto visível, como sustentação e comprovação de seus relatos particulares. Esses limiares são compartilhados e trocados entre os grupos humanos, iniciando um processo infindável de acumulação de experiências e vivências particulares, que vão se desenvolvendo em técnicas, poéticas e abstrações, que explicam o mundo. Essas experiências transcendem o indivíduo, ganham o grupo e passam a ser compartilhadas por gerações, que se sucedem e compartilham técnicas e relatos que sempre são aprimorados ou eleitos; objetos cortantes, objetos que apiloam, objetos que armazenam, vestimentas, etc... O desenvolvimento de trabalhos coletivos, onde as capacidades, as características etárias, sexuais e morfológicas de cada um são medidas e avaliadas, iniciando o processo de divisão social do trabalho. A comunidade ganha em coesão e interação, a medida que alcança objetivos e fins compartilhados de forma comum, realizados a partir do esforço conjunto, muitas vezes realizados em torno de ritmos e cantos, a partir de uma divisão social do trabalho embrionária, medindo e avaliando os potenciais particulares de cada um.</p><p style="text-align: left;"></p><div style="text-align: right;"><i><span style="font-family: inherit;">"Ao longo deste caminho entrevê-se uma história relativamente </span><span style="font-family: inherit;">recente, diferente de qualquer outra, que se liga ao presente </span>imprime a todo o<span style="font-family: inherit;"> percurso intermédio um carácter unitário: o aparecimento da espécie </span>atual<span style="font-family: inherit;">, o Homo sapiens sapiens, que </span><span style="font-family: inherit;">substituiu em toda a parte as espécies anteriores. Este resultado </span><span style="font-family: inherit;">parece apontar para a dependência de um acontecimento único e não </span>repetível<span style="font-family: inherit;">, e para esta conclusão convergem, até agora, tanto </span><span style="font-family: inherit;">as provas arqueológicas como os estudos feitos ao DNA dos grupos </span><span style="font-family: inherit;">humanos vivos (foi demonstrado que os grupos não africanos têm </span><span style="font-family: inherit;">uma historia que não ultrapassa os 100.000 anos). A espécie atual, nascida provavelmente em </span>África<span style="font-family: inherit;">, propagou-se durante o</span></i></div><div style="font-style: italic; text-align: right;"><i><span style="font-family: inherit;">último </span>período<span style="font-family: inherit;"> glaciar em todas as terras que emergiram nos dois </span><span style="font-family: inherit;">hemisférios, muitas vezes ligadas entre si pelo abaixamento do </span><span style="font-family: inherit;">nível dos mares, substituindo ou absorvendo os grupos humanos </span><span style="font-family: inherit;">precedentes. Nenhuma particularidade anatômica relevante </span><span style="font-family: inherit;">distingue os nossos antepassados de então dos seis bilhões de des</span><span style="font-family: inherit;">cendentes que hoje povoam a Terra. No que respeita aos equipa-</span></i></div><span style="font-family: inherit; font-style: italic;"><div style="text-align: right;"><i><span style="font-family: inherit;">mentos técnicos e culturais tudo mudou, mas não a marca comum, </span><span style="font-family: inherit;">reconhecível nos desempenhos fundamentais. </span><span style="font-family: inherit;">Esta observação é particularmente importante no campo que estamos a tratar, A história geral da </span>arquitetura<span style="font-family: inherit;"> não se apresenta </span><span style="font-family: inherit;">como um feixe de experiências separadas, mas sim como uma</span></i></div></span><span style="font-family: inherit;"><div style="text-align: right;"><i style="font-style: italic;"><span style="font-family: inherit;">árvore de experiências conexas e </span>comensuráveis</i><span style="font-family: inherit; font-style: italic;"><i>."</i> </span><span style="text-align: right;">BENÉVOLO e ALBRECHT 2002 pág.24</span></div></span><p></p><p>É a esse patrimônio comum, que a partir dos 40.000 anos do Paleolítico aparecem para nós hoje em dia, como uma capacidade de abstração e representação, nos mais diferentes substratos como uma arte, tal qual a nossa. Como bem enfatizaram vários críticos, como Giulio Carlo Argan, Ernst Fischer, Bruno Zevi dentre outros, esse fenômeno - a Arte - não nasce primitivo, como esperando evoluir, onde não há possibilidade de qualquer juízo evolucionista. Ela nasce nos maravilhando, como que carregando uma euforia identitária, que invade todos os campos da experiência humana afirmando para todos o advento de algo específico do humano. As interpretações funcionalistas reduzem a sofisticação das representações, a uma necessidade do ganho de coragem para enfrentar feras e manadas que precisam ser caçadas. Ou a entonação de ritmos e cantos, a música primitiva, que suavizavam as tarefas a serem realizadas para se alcançar um maior conforto, mas que já nascem com essa capacidade de gerar empatia dos trabalhos comuns. Certamente, ela também está presente, mas também não se restringem a esse ganho de coragem, ou de entorpecimento há nessas manifestações um compartilhamento de uma capacidade já consciente dos mistérios da vida, da morte, da luz, das trevas, do medo, da coragem, do amor, do ódio. Enfim, uma síntese descritiva feliz dos dramas humanos diante do mundo, no qual o olhar aparece como sentido privilegiado, que nos indica ou permite conhecer melhor, nunca inteiramente mas sempre com um reconfortante sentido de progresso. Nessas representações planares começa a emergir um controle embrionário do espaço e a compreensão de sua capacidade de nos transmitir um sentido. Elementos como uma montanha, um riacho, uma árvore e uma vegetação começam a criar conjuntos, que nos conferem uma compreensão do caminho, uma legibilidade, a identidade de um lugar, que passam a ser valorados. A movimentação passa através desse patrimônio descritivo que identifica particularidades e valores a ser feita com maior segurança, mapeia-se a água, as manadas, os frutos, as ervas, os perigos e os confortos. Logo, já no neolítico emerge a vontade de interferir nesse território formulando a construção de cenários humanizados, marcas na paisagem que assinalam o cemitério das saudades dos antepassados queridos e venerados, pois a morte sempre nos relembra de nossa origem animal, cíclica e misteriosa.</p><p style="text-align: right;"><i><span style="font-family: inherit;">"A modificação do terreno, sobre o qual o homem tem caminhado </span>há centenas de milhar de anos é,<span style="font-family: inherit;"> por sua vez, rica em implicações </span><span style="font-family: inherit;">intelectuais e emocionais. A imutabilidade da paisagem é um atributo </span><span style="font-family: inherit;">divino, cuja lembrança sobrevive frequentemente nas tradições </span><span style="font-family: inherit;">religiosas subsequentes. Perturbá-la não pode ser um ato desen</span>cantado, mas tem um <span style="font-family: inherit;">duplo valor: de transgressão de uma ordem </span><span style="font-family: inherit;">existente e de imposição de uma nova ordem. Assim como a </span><span style="font-family: inherit;">referência constituinte dos objetos construídos, é a linha vertical, a </span><span style="font-family: inherit;">referência constituinte do que está agarrado à terra é o plano </span><span style="font-family: inherit;">horizontal. Todos os projetos devem transformar a complexidade </span><span style="font-family: inherit;">tridimensional da superfície de apoio na simplicidade de uma série </span><span style="font-family: inherit;">de planos horizontais, separados por paredes verticais no escarpadas </span>inclinadas. A <span style="font-family: inherit;">dialética entre planos horizontais colocados a alturas dife</span><span style="font-family: inherit;">rentes põe em evidência um principio importante para toda a história </span><span style="font-family: inherit;">da arquitetura que se segue: as medidas em elevação - as alturas </span><span style="font-family: inherit;">-tem um peso diferente das medidas horizontais - comprimentos e larguras - e atraem uma </span><span style="font-family: inherit;">vez mais a força da gravidade, que difi</span><span style="font-family: inherit;">culta os movimentos em subida e facilita os movimentos em descida. </span><span style="font-family: inherit;">Uma pequena distância entre SO níveis em elevação origina um </span><span style="font-family: inherit;">efeito grandioso, em comparação com as distâncias existentes no </span><span style="font-family: inherit;">terreno plano. A arquitetura das movimentações de terras adquire </span><span style="font-family: inherit;">assim um papel central nos novos cenários inventados pelo homem, e</span><span style="font-family: inherit;">, sobretudo, regula a colocação das construções de todos os tipos em relação </span><span style="font-family: inherit;">ao suporte territorial. Para </span><span style="font-family: inherit;">qualquer construção, pode escolher-se entre três situações, </span><span style="font-family: inherit;">mantê-la ao nível do terreno circundante, elevá-la a um nivel su</span><span style="font-family: inherit;">perior ou encaixá-la um nível inferior; para realizá-las é preciso </span><span style="font-family: inherit;">recorrer a três operações diferentes: aplanar o terreno, juntar material para obter uma elevação, ou</span></i><span style="font-family: inherit;"><i> retirar material para obter uma escavação. Se for possível, essas três operações tornam-se complementares, de modo a compensar entre si as movimentações de terras."</i> </span><span style="text-align: right;">BENÉVOLO e ALBRECHT 2002 pág.24</span></p><p>Essas operações correspondem a grande maioria dos sítios arqueológicos encontrados e pesquisados hoje em dia, nas mais variadas culturas e quadrantes do planeta no neolítico, cumprindo segundo teorias recentes; formas de contar o tempo para ordenar a colheita, tais como o nascer do sol, ou o por do sol, ou o solstício de inverno, ou solstício de verão. Arranjos articulados construtivos, paisagísticos em pedras, que muitas vezes envolvem territórios extensos e variados, tais como os túmulos sepulcrais na Dinamarca, ou os menires de Carnac na França, ou Stonehenge na Inglaterra, ou o sítio arqueológico em Caçuenes no estado do Amapá no Brasil. Enfim, antes de produzir sua própria habitação o homem do neolítico desenvolve implantações paisagísticas notáveis que permanecem para nós como enigmas, que são reduzidas por nossa razão instrumental; a formas de contar o tempo.</p><p><b>BIBLIOGRAFIA:</b></p><p>BENEVOLO, Leonardo e ALBRECHT, Benno - <b><u>As Origens da Arquitetura</u></b> - Edições 70 Lisboa, 2002</p>Pedro da Luzhttp://www.blogger.com/profile/07320690622387710961noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7230136955993736286.post-64453756104748806762024-01-15T16:46:00.001-03:002024-01-15T16:54:09.792-03:00Duas Revoluções: Rússia e China, um livro com importantes reflexões para o nosso tempo<p></p><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiSA_KciECMm45FoccPEOoUrRcwuFDv79bkofpmYjp0Jo7tl16B8R_cD5UrdHr4wVwLi74kOPHJVgGUKzB3m_8Xc1Kp6iJb6E7IFOEhXk-ZmYF_l06Fzyvs7X3x_or8vxnS64y7_4zOlFm2121VXz7lzD-Yvnbwh8Lk0Z2qrD2TbpD0gbaxDSQ-esREjguA/s1587/Pra%C3%A7a%20da%20paz%20celestial%20-%20Pequim.jpg" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="690" data-original-width="1587" height="174" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiSA_KciECMm45FoccPEOoUrRcwuFDv79bkofpmYjp0Jo7tl16B8R_cD5UrdHr4wVwLi74kOPHJVgGUKzB3m_8Xc1Kp6iJb6E7IFOEhXk-ZmYF_l06Fzyvs7X3x_or8vxnS64y7_4zOlFm2121VXz7lzD-Yvnbwh8Lk0Z2qrD2TbpD0gbaxDSQ-esREjguA/w400-h174/Pra%C3%A7a%20da%20paz%20celestial%20-%20Pequim.jpg" width="400" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Manifestação na Praça da Paz Celestial, em Pequim em 1989</td></tr></tbody></table><br />O livro Duas Revoluções: Rússia e China é um interessante esforço de reflexão sobre dois acontecimentos, que marcaram o nosso tempo contemporâneo de forma relevante; a Revolução Comunista de Outubro de 1917 na Rússia, e a também Comunista, Revolução Chinesa de 1949, quando o Exército Popular Chinês assume o poder. O livro tangencia a questão do espaço da cidade e da organização territorial dos países, que vem mobilizando esse blog, no entanto envolve uma questão fulcral do poder, sua representação e sua legitimidade, que possue claros impactos sob a arquitetura, o urbanismo e a gestão do território. O livro se desenvolve em quatro partes; um prefácio do economista brasileiro da Universidade de Campinas, Luiz Gonzaga Belluzo (1942-), que já se debruçou sobre o tema no seu artigo "Um conto Chinês", publicado no jornal Valor Econômico em 1/08/2017. Segue-se a ele, o texto propriamente de Perry Anderson (1938-), o marxista inglês, editor da New Left Review, que carrega o título; <i>"Two Revolutions"</i>, publicado originalmente no número de Janeiro e Fevereiro de 2010, na mesma revista. O texto da líder chinesa nas manifestações da praça da Paz Celestial em 1989 em Pequim, Wang Chaohua (1952-), <i>"The Party and its Sucess Story. A response to "Two Revolutions""</i>, que é doutora em literatura chinesa pela Universidade da Califórnia de Los Angeles, membra do <i>Institut d´Études Avancées de Nantes</i>, e organizadora da coletânea de ensaios; <i>"One China, many Paths"</i> publicado pela Verso 2005. E, por último o posfácio da brasileira, Rossana Pinheiro-Machado, que é cientista social e antropóloga, professora visitante na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e é autora de <i>"Counterfeit Itinararies in Global South"</i> Routledge 2017. Os dois textos de Anderson e Chaohua foram publicados pela primeira na New Left Review, número 61 jan-fev.2020 (<i>"Two Revolutions"</i>) e número 91 jan-fev.2015 (<i>"The party and its Sucess Story"</i>). E, a tradução de "Duas Revoluções" já foi publicada na Revista Serrote número 5 em julho de 2015. Apesar do declarado esforço de aparente comparação, entre Rússia e China, há um claro foco maior na questão chinesa, como uma economia declarada pelo menos pelo Partido Comunista Chinês como "socialista com características próprias". E, conforme afirma Wang Chaohua questionando as afirmações algo celebratórias de Perry Anderson que se declara com uma tentação da esquerda em se manter no nível do "benefício da dúvida";<p></p><div style="text-align: right;"><i><span style="font-family: inherit;">"Se há tão poucas pessoas no Ocidente ainda dispostas a aceitar a afirmação como verdadeira, permanece uma tentação à esquerda de dar a ela uma espécie de benefício da dúvida, "Rumo a que horizontes está se deslocando o gigantesco junco da RPC, isso é algo que resiste ao cálculo, ao menos quando se utilizam os astrolábios ora conhecidos." - no julgamento suspenso de sua sentença final, devemos entender que Anderson compartilhe isso? Ele diz, em certo </span><span style="font-family: inherit;">momento </span><span style="font-family: inherit;">que a pretensão do PCC ao socialismo funciona como uma profilaxia necessária </span><span style="font-family: inherit;">contra os ainda fortes sentimentos revolucionários de injustiça e </span><span style="font-family: inherit;">reivindicações </span><span style="font-family: inherit;">por igualdade entre os cidadãos chineses, que o partido não pode jgnorar com</span><span style="font-family: inherit;">pletamente sob pena de perder sua legitimidade Isso, porém, não é mais </span><span style="font-family: inherit;">que o </span><span style="font-family: inherit;">empenho em sentido negativo. Negligencia-sc. ai. a funçáo positiva desse discurso </span><span style="font-family: inherit;">político para a elite dominante do pais. Na Era da Reforma, a sociedade chinesa </span><span style="font-family: inherit;">passou por um processo abrangente de mercantilização e comercialização - em </span><span style="font-family: inherit;">todos os aspectos: da atividade econômica aos serviços sociais c à vida cultural </span><span style="font-family: inherit;">- de que o capital financeiro, estatal ou estrangeiro, tem sido a força condutora. Agricultores </span>operários<span style="font-family: inherit;"> e até pequenos emprcendedores tèm muito pouco poder </span><span style="font-family: inherit;">para proteger seus próprios interesses diante deles. E mesmo que tentem fazè-lo, </span><span style="font-family: inherit;">são mais frequentemente confrontados por rcpresentantes do Estado - funcio</span><span style="font-family: inherit;">nários do governo, quadros partidários, patrulhas locais (chengguan), policiais e, </span><span style="font-family: inherit;">em casos mais sérios, as Forças Armadas - que por representantes imediatos do </span><span style="font-family: inherit;">capital, </span></i><span style="font-family: inherit;"><i>"</i> CHAOHUA 2018, pág.110</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: inherit;"><b>1. O TEXTO DO PREFÁCIO DE LUIZ GONZAGA BELLUZZO:</b></span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: inherit;">Enfim, os textos parecem ter um efeito promissor para confrontar um certo pensamento único da nossa sociedade, que insiste em caracterizar a República Popular da China como uma mera economia capitalista, sem especificidades próprias, sem uma visão crítica das suas diferenciações. O prefácio de Belluzo faz menção logo em seu início a interpretação de Gramsci, que mapeava a expansão espacial do capitalismo pelo mundo, a partir de um centro definido pela Inglaterra, França e Estados Unidos e destacava as particularidades nacionais, daquilo que ele denominava como a primeira borda periférica, a própria Itália e a Alemanha. Esses dois países e outros haviam por suas especificidades históricas alcançado de forma atrasada ao sistema capitalista central, determinando uma certa minoridade de suas burguesias, que se manifestava numa certa incapacidade de autonomia no seu pensar. O texto aborda em primeiro lugar a experiência soviética entendendo a Revolução de 1917 na URSS a partir da primeira guerra mundial, uma guerra entre impérios emergentes (Alemanha e EUA) e declinantes (Inglaterra e França). Belluzo, na verdade pontua a emergência dos EUA e da Alemanha no início do século XX, como potências emergentes da 2a revolução tecnológica do capitalismo, que então manifestavam sinais de grande expansão econômica. A compilação inicial de Belluzo envolve a menção, além de Gramsci, à pensadores como; Lenin, Hobson, Hilferding, Keynes, Hobsbawn, Toni Judt e Francesco Mazzucheli que destacam a crescente tendência especulativa do capitalismo liberal, que acaba por desaguar no Crack da Bolsa de Nova York de 1929. A Rússia em 1917, elo mais fraco do ponto de vista econômico-financeiro e militar, é derrotada pelo exército alemão e obrigada a assinar o tratado de paz Brest-Litovsky, ingressando num processo revolucionário mais contundente. </span>Belluzzo também destaca a primazia dada a indústria em detrimento da agricultura pontuando a contradição, a partir de citação de Hobsbawn, que a URSS em 1913 possuía 82% de sua população engajada em trabalhos no meio rural, enquanto apenas 7,5% estavam empregados em atividades urbanas. <span style="font-family: inherit;"> Essa origens, na 1a Guerra Mundial, num perfil rural, mas também no seu desenvolvimento a ocorrência da 2a Guerra Mundial, na qual a Rússia é mais uma vez fustigada pela Alemanha, e será a grande vitoriosa do conflito derrotando o nazismo de Hitler cobra um preço, conformando o modelo soviético. Tudo isso determinou a militarização da vida soviética, elegendo o investimento de forma desproporcional na </span>indústria<span style="font-family: inherit;"> pesada alimentando um complexo industrial-militar autonomizado, sem atingir uma diferenciação produtiva, que atendesse a demanda de sua população. </span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></div><div style="text-align: right;"><span style="font-family: inherit;"><i>"A economia soviética estava fundada na quantidade... A capacidade de produção era enorme, o problema é que não se ofereciam os produtos certos... O sistema soviético produzia cada vez mais para satisfazer cada vez menos às demandas dos consumidores. Coexistiam o excesso e a escassez."</i> Luiz Gonzaga Belluzzo em ANDERSON 2018 pág.11 e 12</span></div><p> A perestroika de Gorbachev teria de enfrentar estes problemas, apesar da grande expansão da economia soviética nos anos 1950, 1960 e 1970, nos anos 1980 inicia a estagnação e as limitações da indústria de bens de consumo, o déficit crônico de moradias e a precariedade das condições de vida tornam-se mais aparentes. A revisão dos crimes de Stálin por Kruchev claramente apontavam a necessidade de renovação no Partido Comunista da União Soviética (PCUS), que não foi enfrentada por ele ou por Brejniev. Belluzzo aponta um confronto de duas ortodoxias dogmáticas, que determinaram o fracasso do modelo soviético, de um lado, um parque industrial-militar-espacial pesado ligado a interesses burocráticos e dogmáticos, e de outro, a também dogmática pregação do livre mercado sem amarras, dos anos 1980. No momento do fracasso da perestroika, a China experimentava as reformas de Deng Xiaoping, após as trágicas consequências sociais e econômicas do Grande Salto para a Frente e da Revolução Cultural, capitaneados por Mao Tsé Tung. Assim como a União Soviética, a República Popular da China (RPC), e também sobre os países com modelos de capitalismo de proteção social do imediato pós-guerra, para a reestruturação produtiva do neo-liberalismo. Com o primeiro choque do Petróleo, a estagflação e o endividadmento da periferia global se estabelecem como padrão, e o ideário neo-liberal irá surgir, criando as condições para ampliação da hegemonia estadounidense. Para Belluzzo, o controle das finanças identificado com a administração da taxa de câmbio e do financiamento subsidiado mostram que a China não se dobrou totalmente ao receituário neo-liberal, mostrando uma simbiose específica entre Mercado e Estado. A remuneração dos títulos públicos é discreta e controlada canalizando a voraz sede de acumulação do capital para a produção, distanciando-a das práticas rentistas. As <i>"instituições centrais da economia competitiva moderna"</i>, como o sistema de crédito, a taxa de câmbio e o comércio exterior são canalizados para o investimento produtivo e em infraestrutura. Como afirmou Xi Jinping, num discurso em 15 de julho de 2017, confrontando o raciocínio binário do saber ocidental sempre preso ao confronto Mercado e Estado;</p><p style="text-align: right;"><i>"A finança pertence ao coração da competitividade do país, a segurança financeira está no centro da segurança nacional e deve se constituir no fundamento do desenvolvimento econômico e social."</i> Xi Jinping em Prefácio de Luiz Carlos Belluzzo em ANDERSON 2018, pág. 18</p><p>Ao concluir, seu prefácio Luiz Gonzaga Belluzzo faz ainda menção as economias dos países emergentes, Brasil incluso, levando nos a pensar, que passados 30 anos do Consenso de Washington e a aplicação de seu receituário neo-liberal, constituído por; desregulamentação do sistema financeiro, liberalização da taxa de juros, disciplina fiscal rígida, reforma do Estado, venda de empresas estatais representaram uma forte perda da capacidade de crescimento dessas economias. Após uma citação de Joseph Stiglitz, <span style="font-family: inherit;"><span style="background-color: white; color: #202122;">vice-Presidente Sênior para Políticas de Desenvolvimento do </span><span style="color: black;">Banco Mundial</span><span style="color: #202122;">,</span></span> que claramente desaconselha a adoção das recomendações do Consenso de Washington, tanto pela teoria econômica, mas também pela empiria histórica da economia chinesa.</p><p><b>2. TEXTO DE PERRY ANDERSON: Duas revoluções: Rússia e China</b></p><p>O texto de Perry Anderson está dividido em 5 subtítulos; Anotações, Matrizes, Mutações, Pontos de Ruptura, e por último, O novum, que abordam as transformações nos dois países, a partir da decretação da revolução passando pelo final década de setenta, e chegando a nossa contemporaneidade. Anotações inicia-se com a afirmação de que a trajetória do século XX foi determinada pela Revolução Russa de 1917, e que provavelmente, o século XXI será conformado pela Revolução Chinesa. Logo no início do texto, Anderson questiona a ideia de <i>"colapso do comunismo"</i>, como uma típica atitude intelectual eurocêntrica, que parece querer apagar do mundo, o imenso território da Ásia, e, que segundo ele; <i>"o comunismo não apenas sobreviveu como se tornou a narrativa de sucesso dos tempos atuaís."</i> ANDRESON 2018, pág.24. Na seção Matrizes, a primeira distinção construída por Anderson se refere a Guerra Civil, que assolou os dois países de forma diferenciada. Enquanto na Rússia, a revolução soviética de 1917 encontrou extensas partes de seu território sob o domínio alemão, que foi derrotada apenas em 1918, e na sequência teve de se confrontar com o Exército Branco, que era apoiado por forças expedicionárias de 10 países; estadunidense, britânica, canadense, sérvia, finlandesa, romena, turca, grega, francesa e japonesa, que se prolongou até 1920. A China, que teve seu Partido Comunista Chinês (PCC) fundado em 1921 enfrentou uma Guerra Civil de 25 anos antes da tomada do poder, envolvendo uma série de acontecimentos; em 1926 a Expedição do Norte, em 1927 o massacre dos comunistas por Chiang Kai-shek em Xangai, em 1931 o estabelecimento do soviete de Jiangxi, de 1934-1935 a Grande Marcha do Exército Vermelho rumo a Yan'an, com a criação de regiões no nordeste governados pelo PCC, de 1937 a 1945 a frente Unida com o Kuomintang para enfrentar o invasor japonês. E, por fim a Guerra Civil de 1946 a 1949, em que o Exército Popular Chinês arrebata o país e chega ao poder em Pequim. Nessa distinção, Anderson também destaca a presença de uma vertente internacionalista na Revolução Soviética, sem qualquer menção ao orgulho patriótico da Rússia. Lenin e Trotski sempre declaravam a importância da ocorrência de revoluções em outras partes da Europa, para seu fortalecimento. Enquanto, na China o apoio recebido pelo Kuomintang de japoneses e alemães, e depois de 1945 dos britânicos e estadunidenses forjou um claro nacionalismo beneficiando o Exército Vermelho de Mao Tsé Tung.</p><p style="text-align: right;"><i>"Após ter tomado o poder num país (a Rússia) tão vasto quanto atrasado, de economia predominantemente agrária e população em grande parte analfabeta, os bolcheviques esperavam que revoluções nas regiões europeias mais desenvolvidas e industrializadas pudessem resgatá-los da difícil posição em que se achavam, a de um comprometimento radical com o socialismo numa sociedade que não apresentava nenhum dos pressupostos de um capitalismo orgânico."</i> ANDERSON 2018, pág.26</p><p>A partir da conceituação construída por Max Weber, de que o Estado pode ser definido como o exercício do monopólio da violência legítima sobre determinado território, Anderson distingue três tipos de revolução. A primeira seria determinada por uma paralisia do aparato de repressão, que simplesmente entrega e abandona o poder - a Revolução Iraniana. A segunda, seria o confronto entre uma insurreição violenta e o aparelho de violência do Estado, que é subjugado mediante um golpe rápido e decisivo - a Revolução Soviética de 1917. E, por último, uma progressiva conquista de territórios, quebrando em parcelas o monopólio da violência sobre algumas partes até atingir o país como um todo - as Revoluções Chinesa, Iugoslávia e Cubana, seguiram esse modelo. Por último, Anderson menciona a legitimidade das oligarquias que reinavam sobre a Rússia e a China, apontando que o declínio do czarismo se manifesta apenas no início século XX, enquanto a dinastia Qing já era odiada em emados do século XIX, por sua sujeição e corrupção às potências ocidentais. Esses fatores determinaram uma muito maior penetração do PCC, na ampla maioria da população campesina da China, condição que o PCUS nunca desfrutou. A maior legitimidade do PCUS foi alcançada sob Stálin, no período da 2a Guerra Mundial, quando a Rússia é invadida pelos nazistas, e o regime mobiliza a opinião pública em torno do patriotismo, apesar da continuada repressão dos gulags, denunciada por Kruschev. No entanto, segundo Anderson havia semelhanças e uma certa subordinação do pensamento do PCC ao PCUS; </p><p></p><div style="text-align: right;"><i><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;">"O Partido chinês herdou o modelo soviético tal como ele se configurou sob </span><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;">Stálin, incorporando em larga medida a mesma disciplina monolítica, a mesma </span><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;">estrutura e os mesmos hábitos de comando autoritários. Em termos organi</span><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;">zacionais e ideológicos, o Estado criado por ele no início da década de 1950 </span><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;">assemelhava-se bastante ao soviético. Mais que isso: no desenrolar do processo, o </span><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;">governo comunista infligiria à China duas convulsões sociais equivalentes as </span><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;">soviéticas. Uma vez que as raizes do Partido estavam no campo, onde, de modo </span><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;">geral, os trabalhadores rurais mantiveram sua confiança nos líderes, o PCC foi </span><span style="background-color: white;"><span style="color: #222222; font-family: inherit;">capaz de promover a </span><span style="color: #222222;">coletivização</span><span style="color: #222222; font-family: inherit;"> rápida e integral das fazendas poucos anos</span></span></i></div><i><div style="text-align: right;"><i><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;">após as primeiras redistribuições de terras, sem incorrer na calamidade sucedida </span><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;">na Rússia. Em 1958, porém, decidido a acelerar o ritmo do desenvolvimento, o </span><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;">Partido lançou o Grande Salto para a Frente, criando comunas populares que </span><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;">deveriam tanto instalar indústrias de fundo de quintal quanto prover cotas muito </span><span style="background-color: white;"><span style="color: #222222; font-family: inherit;">mais elevadas de </span><span style="color: #222222;">grãos</span><span style="color: #222222; font-family: inherit;">, O desvio da mão de obra para fornos siderúrgicos caseiros </span></span><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;">e o baixo rendimento da safra, provocado pelo mau tempo, resultaram no pior </span><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;">surto de fome do século, o qual causou a morte de pelo menos 15 milhões de pessoas - </span><span style="background-color: white;"><span style="color: #222222; font-family: inherit;">talvez 30 milhões. Oito anos depois, a </span><span style="color: #222222;">Revolução</span><span style="color: #222222; font-family: inherit;"> Cultural ceifou as </span></span><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;">fileiras do próprio Partido, dizimando seus quadros em uma série de expurgos </span><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;">que, como na Rússia, se exacerbaram rapidamente. Ao que tudo indicava, como </span><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;">se</span></i></div><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;"><div style="text-align: right;"><i style="background-color: transparent;"><span style="font-family: inherit;">se arrebatada por uma inexorável dinâmica comum, a RPC tinha reproduzido os</span><span style="font-family: inherit;"> dois piores cataclismos da história da URSS. </span><span style="font-family: inherit;">Todavia, por mais estranhas que pareçam as similitudes, a matriz diversa da </span></i><i style="background-color: transparent;"><span style="color: #222222;">Revolução</span><span style="color: #222222; font-family: inherit;"> Chinesa acabou prevalecendo. Se o número de vitimas no campo </span><span style="font-family: inherit;">em relação à população total foi provavelmente comparável, os mecanismos do </span></i><span style="font-family: inherit;"><i>processo e suas consequências diferiram."</i> ANDERSON 2018, pág.32</span></div></span></i><p></p><p>Na seção Mutações, Anderson relembra o espaço de tempo entre a Revolução Soviética de 1917 e a Chinesa de 1949, um intervalo de trinta anos, que de certa forma garantiu ao PCC uma antevisão contra alguns aspectos da implantação do novo regime. É mencionado, que uma das principais motivações da Revolução Cultural de Mao era se precaver contra a casta de burocratas congelados da burocracia, que levavam a <i>"URSS pós-stalinista para uma sociedade de classes indistinguivel da capitalista."</i> ANDERSON 2018, pág.33. Na década de 60, Khruschov foi deposto sem cogitar qualquer mudança no sistema econômico, apesar das denúncias contra Stálin e o desmantelamento da máquina do terror, a URSS mantinha seu crescimento e o status de segunda potência na Guerra Fria. A burocracia soviética se acomodou nos vinte anos de Brejniev, com um estoque crescente de armamentos e os impulsos a indústria pesada, com a população sem acesso a bens variados. A pressão determinada pela Guerra Fria determinava na URSS o desvio de uma vultosa quantia do PIB para gastos militares e espaciais, <i>"a glásnost e a perestroika"</i>, termos usados de modo fortuito por Lenin voltam a baila. Gorbachov (1931-2022) apenas entra em cena em 1985, enquanto Deng Xiaoping (1904-1997) assume a direção da China em 1978 permanecendo no poder até 1992 iniciando por rearrumar o país após a Revolução Cultural. A China, portanto, sete anos antes inicia as reformas econômicas, com um PIB per capita 14 vezes menor que o da URSS, e com uma população de 70% empregada na agricultura, contra apenas 14% na União Soviética. Anderson destaca que o sistema chinês de poder apresentava-se muito mais descentralizado que o soviético, apesar que a diferença entre qualidade de vida no campo e na cidade na China era muito pior do que na URSS. A China apresentava algumas vantagens negativas, que possibilitavam maiores mudanças, como; o ônus mais leve de sua indústria pesada e obsoleta, um campesinato precarizado sedento por mudanças, que havia durante o Grande Salto para Frente de Mao fora impedido de migrar para as cidades, a presença de Taiwan e da diáspora chinesa, que nos anos 70 e 80 apresentara grande desenvolvimento, assim como o Japão. Deng, que possuía uma trajetória de perseguição por parte do grupo de Mao, era um dos membros heroicos da Grande Marcha de 1937 a 1945, mas que fora chamado de volta, articulando no interior do PCC, o intocável grupo dos "Oito Imortais", e irá desde o início mostrar uma compreensão aguda de seu tempo;</p><p style="text-align: right;"><i>"Hoje, o mundo assiste a um progresso galopante, uma milha a cada minuto, principalmente em ciência e tecnologia. mal conseguimos acompanhar o ritmo... não seria possível nenhum desenvolvimento econômico, nenhum aumento de padrão de vida, nenhum fortalecimento do país."</i> Deng Xiaoping citado em ANDERSON, 2018 pág.47</p><p>Anderson ainda destaca os dois contextos, a Europa e o Oriente, eram bem diversos, no que se refere ao desenvolvimento econômico e tecnológico. A Comunidade Econômica Europeia durante os anos 1970 e 1980 atravessava um longo período de declínio, enquanto no Extremo Oriente, o Japão quebrava todos os recordes de crescimento desde a década de 1950. A Coreia do Sul assistia a um vertiginoso crescimento industrial, e ainda pior para o gigante continental da China, Taiwan, nas suas bordas e carregando parcela da diáspora chinesa, não ficava atrás. Culturalmente a Rússia tinha uma estranha tradição messiânica, que variava entre um ocidentalismo com complexo de subalternidade ou uma visão do país como uma nova Roma, redentora dos eslavos e liberta do materialismo ocidental. Lenin, Trotsky e algumas lideranças da Revolução Soviética propunham a superação do atraso mais tradicional do país, superando a mera imitação do desenvolvimento capitalista ocidental, por uma crítica radical, internacionalista e humanista. Sob Stálin, com a 2a Guerra Mundial diante da invasão do exército nazista há um retorno a um nacionalismo retrógrado, evocando a "Grande Rússia". Com Khruschov retoma-se um alento internacionalista, que logo é esquecido no período Brejniev por uma desesperança fria e burocrática. Na perestroika, retoma-se a veneração pelo ocidente com um certo complexo de rebaixamento, diante da consciência imutável da imensidão e atraso da Rússia. Na China, o cenário é bem diferente, o antigo Império do Meio havia sido uma das nações mais poderosas do Extremo Oriente, onde a filosofia de Confúcio fundava uma celebração mista da tradição e da autoridade de uma cultura milenar. Sua vocação imperialista era um fato histórico atestado pela constante ampliação dos domínios até o século XVIII, chegando até a Ásia Central. Conforme Anderson; <i>"A China era o centro da civilização e seu apogeu natural."</i> ANDERSON 2018, pág.40. Ainda no século XIX, com a ruína da dinastia Qing houve o alerta dos literatos que eram a mola mestra da administração imperial, pois tornava-se cada vez mais claro a cooptação das oligarquias pelos interesses do Império Britânico. O movimento do Quatro de Maio em 1919, que se aglutinou em torno dos protestos estudantis, se rebelou contra as exigências do Japão e do Tratado de Versalhes. Os intelectuais se rebelaram contra o cânone confuciano, que regera a ordem sócio política da China desde da dinastia Han (206 a.C. a 220 d. C.), a insatisfação com a tradição e a autoridade como geradoras de um comportamento subserviente e autocrático. Anderson contrasta as diferentes atitudes diante das mutações impulsionadas pela perestroika na URSS, e pelo realinhamento da China;</p><p style="text-align: right;"><i><span style="background-color: white;"><span style="color: #222222; font-family: inherit;">"O grau de </span><span style="color: #222222;">convicção</span><span style="color: #222222; font-family: inherit;"> intima </span></span><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;">inicialmente com que o senado de anciãos revolucionários (Oito Imortais) atacou os problemas em seu caminho manifestou-se inicialmente na mesma maneira como lidaram com o passado e o futuro do Partido. </span><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;">Na Rússia, a desestalinizacão tinha sido </span><span style="background-color: white; color: #222222;">a espetacular porém </span><span style="background-color: white; color: #222222;">sub-reptícia façanha de um único líder, Khruschov, que </span><span style="background-color: white;"><span style="color: #222222;">surpreendeu o XX Congresso de seu partido com um discurso - sobre o qual não consultara ninguém - </span></span><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;">denunciando os crimes de Stálin. Emocional e </span><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;">anedótica sem maiores explicações de como as </span><span style="background-color: white;"><span style="color: #222222;">repressões</span><span style="color: #222222; font-family: inherit;"> relatadas seletivamente </span></span><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;">tinham sido possíveis que não o vazio eufemismo burocrático "culto da personalidade", a divagadora arenga de </span><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;">Khruschov nunca foi publicada oficialmente </span><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;">nem complementada por documentos e análises</span><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;"> mais </span><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;">substanciais por parte da liderança daquela época ou das seguintes, até os tempos da perestroika. </span></i></p><p style="text-align: right;"><i><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;">Deng e seus colegas procederam de modo </span><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;">muito diferente. Convocaram </span><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;">cerca 4 mil funcionários e historiadores do </span><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;">Partido para elaborar um retros</span><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;">pecto da Revolucão Cultural, e, com base nas discussões </span><span style="color: #222222;">então </span><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;">mantidas, um grupo de vinte a quarenta </span><span style="background-color: white;"><span style="color: #222222; font-family: inherit;">redatores produziu, sob a </span><span style="color: #222222;">supervisão</span><span style="color: #222222; font-family: inherit;"> de </span></span><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;">Deng, </span><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;">um documento-síntese de 35 mil palavras que foi formalmente adotado como </span><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;">resolução pelo Comite Central do PCC em junho de 1981. Embora certamente </span><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;">não fosse um relato pormenorizado da \Revolução Cultural - qualificava a res</span><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;">ponsabilidade de Mao como "ampla pela escala e prolongada pela duração", mas </span><span style="background-color: white;"><span style="color: #222222; font-family: inherit;">restringia as vítimas das </span><span style="color: #222222;">repressões</span><span style="color: #222222; font-family: inherit;"> ao Partido, omitindo-se quanto à população - </span></span><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;">o documento oferecia uma explicação coerente dos acontecimentos, além dos des</span><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;">mandos de poder de um único homem: as tradições peculiares de um partido cujo caminho para o poder o</span><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;"> tornara afeito à luta de classes irredutível, como se esta fosse </span><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;">uma </span><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;">tarefa permanente; o</span><span style="background-color: white;"><span style="color: #222222; font-family: inherit;">s efeitos de </span><span style="color: #222222;">distorção</span><span style="color: #222222; font-family: inherit;"> do conflito com a URSS alimentando </span></span><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;">temores de revisionismo; e por último, mas não menos importante, "a </span><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;">perniciosa </span><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;">influência ideológica e política de séculos de autocracia feudal." </span><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;">Ao contrário do </span><span style="background-color: white;"><span style="color: #222222; font-family: inherit;">libelo </span><span style="color: #222222;">acusatório</span><span style="color: #222222; font-family: inherit;"> de Khruschov, a </span></span></i><span style="background-color: white;"><i><span style="color: #222222;">resolução</span><span style="color: #222222; font-family: inherit;"> admitia a responsabilidade conjunta do Comitê Central nas gestões do moderno autocrata e não procurava de modo algum diminuir sua contribuição para a Revolução Chinesa como um todo."</span></i><span style="color: #222222; font-family: inherit;"> ANDERSON, 2018 pág. 51 e 52</span></span></p><p>Por último, ainda na seção Mutações, Anderson destaca o papel de duas estruturas econômicas concebidas pela Revolução Chinesa para as reformas; a Township and Villages Enterprise (TVEs), algo como Empresas de Povoados e Aldeias, que eram organismos com estatutos híbridos, empresas estatais, coletivas e privadas, que se beneficiavam de impostos baixos e financiamento subsidiado estruturadas a partir das antigas cooperativas campesinas. No final da década de 1980 tinham grande capilaridade no território da China, a relação mão de obra/capital fixo nas TVEs era nove vezes maior do que as empresas estatais. O outro mecanismo foram as Zonas Econômicas Especiais (ZEEs), que iniciaram em 1979-1980, e desenvolviam suas atividades na zona costeira do sul, interessadas em atrair investidores da diáspora chinesa dos expatriados de Hong Kong, Taiwan e do Sudeste Asiático. Eram uma política de ocupação e gestão do território, garantindo Portas Abertas para empresários estrangeiros, inicialmente expatriados e depois generalizados entre todos os países, que se beneficiavam da mão de obra barata e de incentivos fiscais. As ZEEs se especializaram em eletrônica e eletrodomésticos, e assim com as TVEs mostravam a nova face descentralizada da República popular da China.</p><p></p><div style="text-align: right;"><i><span style="font-family: inherit;"><span style="background-color: white; color: #222222;">"Isso significou que o império do planejamento a remodelar seria muito menor, sem uma rígida parafernália de cotas e diretrizes, </span><span style="background-color: white; color: #222222;">contava com uma rede de centros autônomos de </span></span><span style="background-color: white; color: #222222;">atividade econômica nas províncias. Quando estas se libertaram ainda mais da </span><span style="background-color: white; color: #222222;">intervenção de Pequim, seus governos entraram com força total, oferecendo </span><span style="background-color: white; color: #222222;">todo tipo de incentivos para aumentar os investimentos acelerar o</span></i></div><i><div style="text-align: right;"><i><span style="background-color: white; color: #222222;">em suas jurisdições. A </span><span style="background-color: white; color: #222222;">certa altura, isso acabou provocando uma série de </span><span style="background-color: white;"><span style="color: #222222;">distorções e irracionalidades: duplicação de indústrias, gigantismo na </span></span><span style="color: #222222;">consecução </span><span style="background-color: white;"><span style="color: #222222;">de obras públicas, alastramento do protecionismo informal, para não falar do </span></span><span style="background-color: white;"><span style="color: #222222;">enfraquecimento da capacidade de fiscalização do governo central, uma vez </span></span></i><i style="color: #222222;">que as autoridades locais passaram a competir entre si por melhores resultados. <span style="font-family: inherit;">Contudo, apesar de todas suas aberrações, a concorrência interprovincial na </span><span style="font-family: inherit;">China, tal como a rivalidade entre as cidades italianas no passado, foi e continua </span><span style="font-family: inherit;">a ser uma fonte de vitalidade econômica. A Rússia é hoje nominalmente uma </span><span style="color: #222222;">federação</span><span style="color: #222222; font-family: inherit;">; no entanto, suas vastas e </span><span style="font-family: inherit;">uniformes planícies nunca favoreceram a </span></i><i style="color: #222222; font-family: inherit;"><span style="font-family: inherit;">criação de fortes identidades regionais e seu governo continua centralizado como </span><span style="font-family: inherit;">nunca. O contraste com a</span><span style="font-family: inherit;"> China é notável. A República Popular da atualidade é </span><span style="font-family: inherit;">não em matéria de direito constitucional, mas de realidade comercial, um </span><span style="font-family: inherit;">exemplo </span></i><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;"><i>rematado de federalismo dinâmico, tanto quanto os Estados Unidos."</i> ANDERSON 2018, pág.55 </span></div></i><p></p><p>As duas últimas seções do texto de Anderson, Pontos de Ruptura e O <i>Novum</i> lançam hipóteses a respeito do futuro da República Popular da China como potência emergente, na qual as relações entre Estado, Partido, Sociedade e Iniciativas Empresariais são problematizadas muito além de uma dicotomia simplificadora. Na seção, Pontos de Ruptura, Anderson destaca uma argumentação de Deng, que distensionava a dualidade dos termos capitalismo e socialismo, sugerindo a retirada das letras maiúsculas das duas palavras. Ao mesmo tempo, em maio de 1989, Deng declarava;</p><p style="text-align: right;"><i>"Há, é claro, aqueles que pensam que 'reforma' significa um movimento em direção ao liberalismo ou ao capitalismo. O capitalismo é a essência da reforma para eles, mas não para nós. Aquilo que nós entendemos por reforma é algo diverso, que ainda está sendo debatido."</i> ANDERSON 2018, pág.62</p><p>Na seção O <i>Novum</i>, que fecha seu texto, Anderson após reforçar os fatores da presença de uma civilização avançada ligada ao imenso desenvolvimento atual da China, lança três hipótese de pensamento, que imaginam seu futuro a partir de diversificados pressupostos . A primeira, que seria a mais em voga entre historiadores, que atribui o acelerado crescimento econômico da RPC essencialmente aos legados milenares do passado imperial, que abrigavam a economia maior e mais sofisticada do mundo. A segunda, mais influente entre economistas aponta que a proteção e o isolamento continuado da China da economia global de meados dos anos 50 até os 80 gerou um imenso território aberto e disponível para a integração tardia ao sistema capitalista global, com grande ferocidade. E, uma terceira corrente encontrada mais recorrentemente entre sociólogos identifica a chave para o crescimento chinês na própria característica da Revolução Chinesa, que produziu um Estado soberano, forte e cioso de suas responsabilidades, livre da sujeição colonial. Provavelmente a razão não está em nenhuma dessas hipóteses de forma isolada, mas no seu conjunto de forças e determinações, que fizeram da RPC um fenômeno notável em nossa contemporaneidade. Andreson oferece inclusive uma bibliografia de autores, que se alinham entre as três correntes; na primeira, POMERANZ, Kenneth - <b><i><u>The Great Divergence: Europe, China and the Making of the Modern World Economy</u></i></b> - Princepton Press New Heaven 2000, ARRIGHI, Giovanni (org.), particularmente KAORU, Sugihara - <b><i><u>The East Asian path of Economic Development: A Long Term Perspective</u></i></b> e ARRIGHI, Giovanni - <b><i><u>The Resurgence os East Asia: 500, 150 and 50 Year Perspectives</u></i></b> - Routlege, Londres 2003. Para uma ilustração da segunda corrente; ROWHER, Jim - <b><i><u>When China Wakes</u></i></b> - Relatório especial de The Economist, 28 nov. 1992. E, por último para a terceira tese; BRAMALL, Cris - <b><i><u>Sources of Chinese Economic Growth 1978-1996</u></i></b> - Oxford University Press, Oxford 2000 e CHUN, Li - <b><i><u>The Transformation of Chinese Socialism</u></i></b> - NC Duke University Press, Durham 2006</p><p><b>3. TEXTO DE WANG CHAOHUA: The Party and its Sucess Story. A Response to 'Two Revolutions'</b></p><p>Segundo Chaohua, o texto de Anderson usa o caso da URSS como espelho para o caso da China, fazendo uma série de assimetrias determinadas pelo fracasso da experiência da Rússia e o sucesso da República Popular da China. O tom do texto de Wang Chaohua é bem menos celebratório do que o de Perry Anderson, afinal trata-se de uma exilada da China, radicada em Los Angeles na Califórnia desde 1990, por ter participado das manifestações da Praça da Paz Celestial, com outros estudantes de abril a junho de 1989, movimento que foi duramente reprimido. Chaohua permaneceu quase um ano como clandestina na China, como uma das líderes mais procurada do movimento, seu texto foi publicado 5 anos após o texto de Anderson, na New Left Review, número 91, Jan.-Fev. 2015. O centro de sua crítica ao texto de Anderson se baseia em sua desconsideração do papel desempenhado pelo PCC na Era das Reformas, <i>"e até mesmo sua completa supressão, mais notoriamente no massacre da Praça da Paz Celestial, que moldaram o caminho específico da ascensão da China na economia mundial."</i> Wang Chaohua em ANDERSON, 2018, ´pag.75 O texto de Wang Chaohua está subdivido em cinco subtítulos; o primeiro; ""Duas Revoluções" - Wang Chaohua", no qual há essas considerações a respeito das limitações do texto de Anderson, por desconsiderar o PCC e o massacre da paz Celestial. O segundo é "Anatomia da revolução", o terceiro é "Caminhos para a reforma", o quarto; "Praça da Paz Celestial: antes e depois", e o quinto: "O Milagre econômico". </p><p>A seção; "Anatomia da revolução" inaugura chamando a atenção para a desconsideração de qualquer menção por parte de Anderson as duas derrubadas dos regimes imperiais; na Rússia, a Revolução de Fevereiro de 1917, que destituiu o tzarismo, e na China a Revolução Republicana de 1911, que destituiu a Dinastia Qing. Há a demonstração de um certo desdém pela apropriação do marxismo leninismo por parte das lideranças chinesas, na menção ao representante do Kuomitang Sun Yat-sen. A ausência de menção no texto de Anderson do intelectual e filósofo chinês Kang Yowei, na questão da "Grande Harmonia", que teria papel importante na superação do pensamento de Confucio soa condenatória. Esse posicionamento desemboca numa interpretação de que o pensamento e as posições de Mao Tsé Tung não eram tão sofisticadas quanto as do bolchevismo, apontando que tanto O Grande Salto para a Frente, decretado 10 anos após a conquista do poder, quanto a Revolução Cultural, que a sucedeu representavam uma "tentativa ilusória de emular o desenvolvimento industrial do Reino Unido e dos Estados Unidos, ..." Essa atitude desemboca na identificação de uma certa auto suficiência da China, que não se interessava nem pela mobilização social, bem como pela construção da igualdade e da abundância econômica, que pode ser derivada das reflexões a respeito do "Socialismo de Guerra".</p><p></p><div style="text-align: right;"><i><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;">"A guerra de guerrilhas de base camponesa contra os governos coloniais ou os tiranos domésticos se tornaria a marca registrada das rebeliões maoistas em todo o mundo, rompendo os límites teóricos estabelecidos do movimento comunista internacional. A abordagem teve, porém, </span><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;">suas desvantagens. Uma vez estabelecida a RPC, a primeira geração de lideres e </span><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;">quadros do PCC esteve sempre atenta à sociedade rural, embora isso não </span><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;">signifique que eles a protegessem socialmente, A zona rural foi sistematica</span><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;">mente explorada para o desenvolvimento industrial, e deu-se pouca atenção </span><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;">efetiva aos desafios de transformar a vasta população camponesa da China </span><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;">em uma classe trabalhadora urbana. Nem a análise econômica do capitalis</span><span style="background-color: white;"><span style="color: #222222; font-family: inherit;">mo moderno e suas </span><span style="color: #222222;">contradições</span><span style="color: #222222; font-family: inherit;"> internas, nem o inescapavelmente longo e </span></span><span style="background-color: white;"><span style="color: #222222; font-family: inherit;">sinuoso caminho da </span><span style="color: #222222;">mobilização</span><span style="color: #222222; font-family: inherit;"> social imediata para um futuro definitivo de</span></span></i></div><div style="text-align: right;"><i style="font-style: italic;"><span style="background-color: white;"><span style="color: #222222; font-family: inherit;">igualdade e abundância figuraram entre as principais </span><span style="color: #222222;">preocupações</span><span style="color: #222222; font-family: inherit;"> de Mao </span></span><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;">depois que o PCC assumiu o poder. Ao fim da primeira década da RPC, ele </span><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;">lançou pais no Grande Salto para a Frente uma tentativa ilusória de emular o </span><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;">desenvolvimento industrial. do Reino Unido e dos Estados Unidos, buscando </span></i><i><span style="color: #222222; font-family: inherit; font-style: italic;">as cegas conduzir a China diretamente ao comunismo por meio apenas de seus </span><span style="color: #222222; font-family: inherit; font-style: italic;">próprios esforços. Nos últimos anos de sua vida, ele levou ao extremo o culto </span><span style="color: #222222; font-family: inherit; font-style: italic;">à </span><span style="color: #222222; font-family: inherit; font-style: italic;">autossuficiência, na </span><span style="color: #222222; font-family: inherit; font-style: italic;">Revolução</span><span style="color: #222222; font-family: inherit; font-style: italic;"> Cultural, organizando a sociedade chinesa em </span><span style="color: #222222; font-family: inherit; font-style: italic;">unidades protomilitares e concebendo a igualdade social em um espirito mais </span><span style="color: #222222; font-family: inherit; font-style: italic;">próximo de um nivelamento primitivo, pré-capitalista, que de um comunismo </span><span style="color: #222222; font-family: inherit; font-style: italic;">avançado, pós-industrial. Foi como se fracasso do Grande Salto para Frente </span><span style="color: #222222; font-family: inherit; font-style: italic;">tivesse desiludido Mao da ideia de alcançar seus objetivos por meio do desen</span><span style="color: #222222; font-family: inherit; font-style: italic;">volvimento </span><span style="color: #222222; font-family: inherit; font-style: italic;">econômico</span><span style="color: #222222; font-family: inherit; font-style: italic;">. Com a. Revolução Cultural, ele desviou sua imaginação </span><span style="color: #222222; font-family: inherit;">utópica do materialismo histórico, em uma </span><span style="color: #222222;">direção</span><span style="color: #222222; font-family: inherit;"> que era o completo oposto </span></i><i><span style="color: #222222; font-family: inherit;">de tudo o que é moderno. Suas </span><span style="color: #222222;">visões</span><span style="color: #222222; font-family: inherit;"> do futuro, se comparadas ao legado dos </span><span style="color: #222222; font-family: inherit; font-style: italic;">debates bolcheviques, eram inferiores em termos de qualidade intelectual, e </span></i><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;"><i style="font-style: italic;">os experimentos aos quais elas levaram foram desastrosos em sua conclusão."</i> Wang Chaohua em ANDERSON 2018, pág.79</span></div><p></p><p>De forma algo contraditória com essa passagem acima, Wang Chaohua menciona a ocorrência de um certo hegemonismo soviético, não mencionado por Anderson, muito claro na redução dos satélites soviéticos depois da 2a Guerra Mundial, nas sucessivas intervenções na Hungria e na Tchecoslováquia, onde a repressão ficou clara. A menção aos casos de tentativa de tutela, tanto da Iugoslávia por Stálin, quanto da própria China na época de Kruschov, que desembocarão na cisão sino-soviética da década de 1960 e se manifestariam nas tendências auto declaradas de maoismo de alguns movimentos de esquerda no ocidente. Realmente, a teoria da guerra de guerrilhas fez a cabeça de amplas parcelas da esquerda ocidental e oriental, em Cuba e no Vietnam, e também nos movimentos de libertação da África Portuguesa. Apesar desse posicionamento, Wang Chaohua afirma que a RPC evitou empunhar abertamente essa bandeira maoista nos seus movimentos internacionais, demonstrando para ela a estratificação entre Estado e Partido, que está no cerne de seu questionamento. Ainda nessa questão há uma menção interessante à redemocratização <i>"bem sucedida"</i> dos anos 1980, no Brasil e na Coreia do Sul, que segundo Chaohua se basearam em ondas de greve de grande escala Wang Chaohua em ANDERSON, 2018, pág.82. Na entrevista de Wang Chaohua no jornal O Globo de 03/06/2019 há uma menção clara e celebratória do movimento sindical da Polônia, o Solidariedade, que foi cogitado como hipótese para nomear o movimento dos estudantes na Praça da Paz Celestial em 1989.</p><p style="text-align: right;"><span style="background-color: white;"><span style="font-family: inherit;"><i>"Quando formamos a primeira organização estudantil não oficial, no campus da Universidade de Pequim, sugeriram que poderíamos nos chamar Solidariedade Chinesa. Logo pensamos que isso poderia ser provocativo demais, e decidimos nos chamar só União Autônoma."</i> Wang Chaohua em entrevista ao jornal O Globo de 03/06/2019, acesso em 12/01/2024 </span></span>https://oglobo.globo.com/</p><p>Na seção "Caminhos para a reforma", Chaohua inicia com a crítica a Anderson pela ausência de qualquer crítica a Revolução Cultural de Mao, que é comparada aos expurgos e perseguições de Stálin, para ela havia uma <i>"utopia primitivista em Mao"</i> ANDERSON 2018, pág.86. Wang também menciona manifestações estudantis precursoras, ainda em 1976, na mesma Praça da Paz Celestial, que se colocavam frontalmente contra o grupo de Mao, o Bando dos Quatro, e lamentavam a morte de Zhou Enlai (1898-1976) e expressavam apoio a Deng Xiaoping, que havia sido posto no ostracismo pela Revolução Cultural. A figura de Zhou Enlai, as vezes grafado como Xu Enlai é bastante interessante, pois foi ministro das Relações Exteriores de Mao, e muitas vezes se colocou contra os excessos da Revolução Cultural. Zhou Enlai será o articulador da visita de Richard Nixon em 1972 à China, e por seu aberto confronto dentro do PCC ao Bando dos Quatro, seu funeral será o mobilizador das manifestações precursoras de 1976. O fato é que em 1976, Deng Xiaoping toma o poder destituindo o Bando dos Quatro inicia o período das reformas, e intensifica a repressão isolando o Muro da Democracia e prendendo Wei Jingsberg, formulador de um manifesto em nome dos Direitos Humanos, que será continuamente perseguido pelo regime. Há uma menção elucidativa a um discurso de Deng, cujo o título "Libertar o pensamento, buscar a verdade, unir e olhar à frente" é um claro sintoma desses tempos. No fechamento da seção, Wang Chaohua volta ao paralelo entre Stálin e Mao Tsé Tung, denunciando que a visão de Anderson, na sua comparação entre Khruschov e Deng como os revisores dos crimes de ambos, mostrando que o dirigente soviético teve um posicionamento isolado, enquanto Deng submeteu suas denúncias ao conjunto do PCC deve ser relativizada. Pois, as conclusões com relação ao Mao permanecerão vagas e arbitrárias, "de que Mao era 70% grande revolucionário e 30% déspota errático." ANDERSON, 2018, pág.90. Na última parte, há uma menção a invenção de um perigo por parte de Deng Xiaoping vindo do Vietnam em 1979, numa manobra típica de poderes autocráticos para forjar o "unir-se e olhar para frente". Além disso, o movimento marca também a ascensão de uma lógica típica das grandes potências, por parte da China, que não admitem ingerências de outras potências em suas áreas de influência, afinal o Vietnam tinha apoio da URSS, de certa forma enfraquecendo o apelo da China aos movimentos de libertação periféricos.</p><i><div style="text-align: right;"><i>"Em alguma medida, principalmente fora das grandes cidades, o governo foi bem-sucedido em controlar a memória dos eventos na praça e da repressão que impôs. Mas o próprio governo esteve sob pressão, em todos estes anos, para esconder os episódios, porque havia, até mesmo no partido, a impressão de que era errado usar as Forças Armadas para reprimir revoltas internas. O governo, a princípio, chamou os eventos de "rebelião contrarrevolucionária". Depois mudaram apenas para "rebelião". Em seguida passaram a chamar de "lamentáveis infortúnios". Há outras questões. See aqueles episódios continuam a ser vistos como uma vitória do partido sobre seus inimigos, não deveriam ser comemorados? Alguns membros do Exército morreram, então deveriam homenageá-los todos os anos. Mas sempre temeram fazer isso. Também tiveram muito medo de que o aniversário servisse como lembrança para os atuais estudantes. Por conta disso, começaram a reprimir estudantes ativistas. Desde o ano passado, movimentos e grupos de estudantes marxistas que apoiam trabalhadores foram reprimidos."</i> <span style="background-color: white; text-align: right;"><span style="font-family: inherit;">Wang Chaohua em entrevista ao jornal O Globo de 03/06/2019, acesso em 12/01/2024 </span></span><span style="text-align: right;">https://oglobo.globo.com/</span></div></i><p>Na seção com título, "Praça da Paz Celestial: antes e depois" Wang Chaohua lança dúvidas sobre as verdadeiras habilidades dos Oito Anciãos, que são celebrados no texto de Anderson, apresentando uma série de argumentos que mostram uma luta franca pelo poder no seio do PCC. A habilidade do grupo de Deng foi no sentido de se obter legitimidade para o PCC a qualquer custo, e contrariar frontalmente as manifestações e interesses do povo chinês. Há uma interessante distinção entre democracia socialista e democracia popular, onde se menciona a variedade de formas de propriedade, o usufruto de meios de produção e o direito a administração do próprio Estado, sem qualquer menção a questão da igualdade. A incapacidade do grupo dos Oito Anciãos é apontada principalmente no caso da sucessão de Mao Tsé Tung, que desde a morte do grande timoneiro até 1989 viu a remoção de três grandes líderes; Hua Guofeng (1976-1981), Hu Yaobang (1981-1987) e Zhao Ziyang (1987-1989). A partir dessa instabilidade o poder se concentra na China, passando o chefe do PCC a ser simultaneamente chefe de Estado e comandante supremo das Forças Armadas, que será feito com; Jiang Zemin (1989-2002), Hu Jintao (2002-2012) e Xi Jiping (desde de 2012). Outra questão apontada por Wang Chaohua é a troca imposta desde o tempo de Deng Xiaoping, de que o desenvolvimento econômico não era contemplado se houvesse questionamento político. As reformas conservadoras se ampliaram; a família e não mais a Comuna passou a ser a unidade básica de produção agrícola e a propriedade rural foi lançada em grande indefinição. Para Wang Chaohua, o Massacre da praça da Paz Celestial abriu o caminho da integração da China a economia global capitalista, a partir do discurso de que a turbulência social dificultava esse desenvolvimento. O editorial do jornal Diário do Povo de 26 de abril de 1989 é usado como comprovação, cujo o título foi; "Devemos nos opor resolutamente à turbulência.", que usava inclusive argumentos contrários aos dias da Revolução Cultural de Mao.</p><div dir="auto" style="background-color: white; text-align: right;"><i><span style="color: #222222; font-family: inherit;">"Anderson, no entanto, está errado em pensar que, depois de 1989, o crescimento se tornou a única </span><span style="color: #222222; font-family: inherit;">ideologia justificadora do PCC. O crescimento econômico</span><span style="color: #222222; font-family: inherit;"> deu conta de apenas metade da legitimidade necessária ao Partido. A outra </span><span style="color: #222222; font-family: inherit;">metade veio de uma </span><span style="background-color: transparent;"><span style="color: #222222;">extensão do que se tornara uma palavra de ordem para Deng desde o evento da </span></span><span style="color: #222222; font-family: inherit;">praça da Paz Celestial. O PCC explicaria incessantemente </span><span style="color: #222222; font-family: inherit;">que pré-requisito do desenvolvimento econômico era a "estabilidade" política contra uma suposta </span><span style="color: #222222; font-family: inherit;">"turbulência" ao estilo da Revolução Cultural, expressa no protesto </span><span style="color: #222222; font-family: inherit;">da praça. O sufocamento de </span><span style="color: #222222;">manifestações</span><span style="color: #222222; font-family: inherit;"> políticas era o preço </span><span style="color: #222222; font-family: inherit;">neces</span><span style="color: #222222; font-family: inherit;">sário ao governo caso se quisesse que ele promovesse crescimento econômico. "O </span><span style="color: #222222; font-family: inherit;">ponto-chave é a estabilidade" tornou-se o refrão </span><span style="color: #222222; font-family: inherit;">oficial - "manter a estabilidade a todo custo" e eliminar </span><span style="color: #222222; font-family: inherit;">os elementos de instabilidade no estágio embrionário" tornaram-se diretivas permanentes. No novo século, esse imperativo foi institucionalizado com a consolidação de "órgãos para manutenção da estabilidade" por meio do aparato estatal, com orçamentos e equipes amplamente aumentados, agora acompanhados por programas </span></i><span style="color: #222222; font-family: inherit;"><i>"antiterroristas" que visavam às regiões étnicas não Han."</i> Wang Chaohua em ANDERSON 2018, pág.102</span></div><p>Ao final, na última seção do texto de Wang Chaohua, "O Milagre Econômico" é lembrado de que a União Soviética deixou de existir a partir de 1991, e que a Rússia pós soviética pode ter algo para ensinar a China, de que a perestroika se centrava em reformas políticas em detrimento da economia. A autora destaca casos recorrentes de corrupção, que para ela se tornaram endêmicas, e são decorrentes da financeirização do patrimônio público, que envolveram; o desvio de fundos de pensão para empreendimentos imobiliários em 2006 por parte de Chen Liangyu, chefe do PCC em Xangai. E, a prisão do ministro das ferrovias, Liu Zhijun, em 2011 por uma gigantesca fraude na fiscalização do sistema de trens de alta velocidade. Mesmo o destaque dado as Towns, Villages Enterprise (TVEs), dado no texto de Anderson são questionadas, apontando seu abandono no final da década de 1990 pela influência da ideologia neo liberal na China. Wang Chaohua aponta que não são apenas empresas particulares que são privilegiadas, mas os aparatos estatais, como empresas estatais e burocratas do Partido. Ela ainda destaca numa citação de pé de página, um outro texto de Anderson, onde esse autor denunciava uma certa síndrome de celebração do modelo chinês nas esquerdas, num texto de 2010, portanto contemporâneo a "Two Revolutions", denominado "Sinomania". Por fim Wang Chaohua sublinha;</p><i><div style="text-align: right;"><i>"Essas instâncias burocráticas agem em nome não do capitalismo, mas do socialismo - ou de sua lustrosa forma modernizada, uma "sociedade harmoniosa". Se aldeões forem despejados de suas casas por barragens no Yang-tsé, ou pastores forem tirados de seus pastos na Mongólia Interior, isso se dará pela causa do bem maior "socialista". Aqui reside a utilidade positiva do discurso do "socialismo com características chinesas" em mascarar o oposto dos princípios que supostamente defende."</i> Wang Chaohua em ANDERSON 2018, pág.110</div></i><p><b>4. POSFÁCIO DE ROSANA PINHEIRO-MACHADO: Rumo e Repressão</b></p><p>Por último, chegamos ao texto de Rosana Pinheiro-Machado, professora visitante da Universidade Federal de Santa Maria no Rio Grande do Sul, que não é uma estudiosa da China, mas ligada a estudos do Sul Global, e que nos contempla com uma excelente análise. Retomando questões de relevância para nosso contexto de época e da nossa realidade sobre as questões levantadas pelos dois textos de Anderson e Wang Chaohua, com grande sensibilidade. A começar pela importante menção a biografia de Deng Xiaoping de VOGEL, Ezra - <b><i><u>Deng Xiaoping and the Transformation of China</u></i></b> - Cambridge, Belknap Harvard 2011, que me parece pessoa central para compreender as contradições entre desenvolvimento econômico e liberdades políticas. Um debate, central para o Brasil contemporâneo, onde emergem desmemoriados irresponsáveis do pensamento conservador celebrando a Ditadura Militar instalada no país em 1964, e só superada em 1988 com a Constituição Federal. Nessa questão, um texto fundamental, ainda de 1980 é o de Carlos Nelson Coutinho - <b><u>A democracia como valor Universal</u></b> - Revista da Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1980, inclusive para a esquerda que sempre se aproximou de experiências autoritárias. Mas acho que Rosana Pinheiro-Machado mapeia corretamente as origens autoritárias do regime chinês, num dilema típico do país "frequentemente atualizado em poemas e óperas... de que a felicidade só é alcançada à custa de grande sofrimento." Rosana Pinheiro-Machado em ANDERSON 2018, pág.113. Sua reflexão parte de uma questão fundamental, pensando a legitimação histórica a partir da ideia de "rumo", que apesar de ser a justificativa social da repressão, segundo ela, "não está no centro da filosofia política chinesa" pág.114. Apesar disto, a autora relativiza a ideia presente, tanto no texto de Anderson, bem como no de Wang Chaohua, de que existiria uma perspectiva atemporal e culturalista, na China, contrapondo que a ideia de "cultura é também hegemonia". A partir da menção ao confucionismo, a autora constrói a ideia fundamental de uma ética particular da China, como uma analogia ou paralelismo ao que seria a cultura judaica-cristã para o Ocidente. De certa forma, um meio naturalizado, que vem demonstrando grande capacidade de flexibilidade e adaptabilidade, que se introjetam nos indivíduos independente de sua aceitação ou rejeição dos seus legados específicos. Há uma menção a dinastia Zhou oriental (771-256 a.C), que nos remete a um tempo contemporãneo a Grécia clássica, onde se destacam; o confucionismo, o taoísmo e o legalismo. Algo, que segundo a autora, vincula fortemente regimes autocráticos e a ocorrência de prosperidade chinesa, nas eras imperiais e imperialistas do Império do Meio, um discurso que valoriza a harmonia, a hierarquia, a autoridade e a paz, a partir de um certo punitivismo baseado no uso legítimo da força. Uma certa celebração do mundo tal qual ele é, em contraposição a celebração da mudança, que "nortearia a filosofia política das democracias ocidentais." pág.115 conviventes com a instabilidade e a insegurança. A questão é complexa e deve ser contrabalançada, com sua partida ou premissa de que a ideia de cultura, ou de sua descrição, é também hegemonia, e portanto, envolve as complexas relações de dominação do "outro", ou do "exótico". Talvez, mais uma indicação de leitura me parece fundamental para contrabalançar o raciocínio da autora, a partir do livro de SAID, Edward W. - <b><u>Orientalismo; o oriente como invenção do ocidente</u></b> - Companhia das Letras, São Paulo 2007. Mas, voltando a Rosana Pinheiro-Machado;</p><div style="font-style: italic; text-align: right;"><i>"O código de "pesos e medidas" da era Qin (221-206 a.C.), que previa punições e torturas específicas para cada tipo de má conduta, foi usado e reelaborado por diversos imperadores que governaram a</i></div><div style="font-style: italic; text-align: right;"><i>China nos séculos subsequentes, sendo considerado um legado fundamental para a formação da militarização e centralização chinesa. A era Ming (1368-1644) exemplifica o funcionamento do imperialismo chinês: produziu obras magníficas, como a Cidade Proibida e a atual Grande Muralha; queimou livros antigos; gerou releituras confucionistas voltadas para a harmonia e a paz; aplicou</i></div><div style="font-style: italic; text-align: right;"><i>um código de punição semelhante ao da era Qin; promoveu o abuso dos monarcas, que banalizaram a tortura e executaram dezenas de milhares de eunucos; e, por fim, expandiu fronteiras.</i></div><div style="font-style: italic; text-align: right;"><i>Uma das lições que os lideres políticos chineses há muito aprenderam sobre governança, é que leis punitivistas e grandes exércitos não sustentam um império: também é preciso ter valores e virtudes</i></div><div style="text-align: right;"><i style="font-style: italic;">fortes no primeiro plano. No longo curso, entre ondas de rupturas e crises, a história oficial chinesa, escrita por oficiais mandarins, manteve a atenção no confucionismo, na fraqueza das leis e na importância atribuída à autoridade para que o Reino do Meio alcance não apenas a harmonia social, mas também a grandiosidade."</i> Rosana Pinheiro-Machado em Anderson 2018, PÁG.116</div><p style="text-align: left;">Por último destaco uma categoria importante no texto de Rosana Pinheiro-Machado, dentre outras, a ideia contida na palavra chinesa Xiaokang, um termo segundo ela mobilizado de Mêncio a Mao e que se refere a confôrto econômico, presente na "Grande Harmonia" de Confúcio, algo entre o mandato celestial dos governantes e o bem estar da população em geral. Uma questão central para o poder, sua representatividade e legitimidade, algo que está no cerne do conceito de subalternidade das massas populares e a delegação de poder. Portanto, intrinsecamente ligado a arquitetura, urbanismo, território e sua capacidade de representar e espelhar o poder. Termino aqui com uma citação da autora numa entrevista ao portal UOL;</p><div style="text-align: right;"><i style="font-style: italic;">"A luta por reconhecimento das minorias, no Brasil, só ganhou centralidade nos últimos anos. Grande parte da população vive ainda uma tensão com sua identidade, dividida entre o papel de oprimido e o desejo entre ser parte do lado opressor. Fruto da colonização, há também uma luta constante para ser/parecer da elite. Isso explica porque tantos pobres, negros, mulheres e LGBTs apoiaram Bolsonaro....</i><i> - </i>Entrevista Rosana Pinheiro-Machado - É impossivel separar bolsonarismo do antifeminismo diz antropologa - em https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2019/03/01/, acesso em 15/01/2024</div><div><p><b>BIBLIOGRAFIA:</b></p><p>ANDERSON, Perry - <u style="font-weight: bold;">Duas Revoluções: Russia e China; com textos de Wang Chaohua, Luiz Gonzaga Belluzo e Rossana Pinheiro-Machado</u> - São Paulo, Boitempo, 2018</p><p><span style="text-align: right;">Entrevista Rosana Pinheiro-Machado - <b><u>É impossivel separar bolsonarismo do antifeminismo diz antropóloga</u></b> -</span><span style="text-align: right;"> em https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2019/03/01/, acesso em 15/01/2024</span></p><p>Entrevista com Wang Chaohua; <b><u>"Trinta anos depois, líder estudantil chinesa vê Massacre da Praça da Paz Celestial como 'uma ferida da História'"</u></b> - <span style="background-color: white; text-align: right;"><span style="font-family: inherit;">jornal O Globo de 03/06/2019, acesso em 12/01/2024 </span></span><span style="text-align: right;">https://oglobo.globo.com/</span></p></div>Pedro da Luzhttp://www.blogger.com/profile/07320690622387710961noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7230136955993736286.post-11186565491902602942023-11-17T13:20:00.000-03:002023-11-17T13:20:13.781-03:00Gustav Landauer, uma figura ímpar do judaísmo na Europa Central, na passagem do século XIX ao XX<p></p><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgpCD3KoUjVB0b4yp46wl37c9Icd3b1syeSwKSoaWU2peIE0ato7QdAHMGATFv1GcC-FH2Fr_uNFCcbzQf5SAQZU-YVAl3raB7r0gVZDA_ZT6QCwa3JcSHBpo0eGZLyVuBAxdXUz4eLILXzJFQ85LgI5r-OIbsap-YgzH7eFBl72mxkqnBvrGGdR4jnkrdu/s407/300px-Gustav_Landauer_189x.png" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="407" data-original-width="300" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgpCD3KoUjVB0b4yp46wl37c9Icd3b1syeSwKSoaWU2peIE0ato7QdAHMGATFv1GcC-FH2Fr_uNFCcbzQf5SAQZU-YVAl3raB7r0gVZDA_ZT6QCwa3JcSHBpo0eGZLyVuBAxdXUz4eLILXzJFQ85LgI5r-OIbsap-YgzH7eFBl72mxkqnBvrGGdR4jnkrdu/w295-h400/300px-Gustav_Landauer_189x.png" width="295" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Gustav Landauer (1870-1919)<br /><br /></td></tr></tbody></table><br />Gustav Landauer (1870-1919), que se auto intitulava um judeu anarco-socialista, talvez seja dessas figuras, apenas possíveis de serem encontradas na transição do século XIX para o século XX, quando, um espectro progressista rondava toda a Europa, e particularmente, aquilo que se convencionou chamar da <i>Mittle Europe</i>, ou Europa Central, ou ainda, a Europa de influência germânica. Landauer era amigo e correspondente de figuras notáveus nesse contexto, como o sionista Martin Buber ou judeus assimilados como Walter Benjamim, Gyorgi Lukács, Ernst Bloch e Gershon Scholen. Com uma clara capacidade ímpar de celebração tanto da revolução, quanto da restauração medieval e comunitária, típicas do romantismo alemão e da cultura judaica messiânica e utópica da <i>Mitle Europe</i>, desse período. A visitação aos seus pensamentos e reflexões anti estatais e universalistas são como importantes testemunhos relativizando nossas concepções contemporâneas de nação, território e identidade, tão absolutizadas, no atual conflito judaico islâmico entre Palestinos e o Estado de Israel. A ideia de povos sem territórios e de nações sem Estados aparecem como provocações, que na verdade são celebradas como potencialidades, e que tenham tanto para nos ensinar e nos fazer pensar. A partir de uma perspectiva de convívio com a Revolução Russa de 1905-1917, das dificuldades concorrenciais da emergência da Alemanha como um Estado Nacional tardio, no sistema competitivo capitalista de nações. Ao mesmo tempo, a presença arraigada nesta mesma cultura de uma crítica romântica a sociedade moderna industrial, seu vínculo à práticas sagradas e culturais com as tradições judaicas, que ao final fazem suas reflexões serem enquadradas como um esforço heterodoxo e multipolar. Importante referência para olharmos para problemas, como Identidade e Representação, Práticas e Costumes Comuns, Estado e Sociedade Civil, a partir de um perspectiva inusitada, uma outra lente, com relação a uma ética da pluralidade. Pois, o sonho de ordenar a história humana a partir de uma totalidade universal, com um sentido didático, auto explicativo e auto justificativo, que está presente em Imanuel Kant (1724-1804) também aparece nas pretensões utópicas de Gustav Landauer.<p></p><p style="text-align: right;"><i>“Uma tentativa filosófica de elaborar a história universal do mundo segundo um plano da natureza que vise à perfeita união civil na espécie humana deve ser considerada possível e mesmo favorável a este propósito da natureza. É um projeto estranho e aparentemente absurdo querer redigir uma história segundo uma ideia de como deveria ser o curso do mundo, se ele fosse adequado a certos fins racionais – tal propósito parece somente poder resultar num romance. Se, entretanto, se pode aceitar que a natureza, mesmo no jogo da liberdade humana, não procede sem um plano nem um propósito final, então esta ideia poderia bem tornar-se útil; e mesmo se somos míopes demais para penetrar o mecanismo secreto de sua disposição, esta ideia poderá nos servir como fio condutor para expor, ao menos em linhas gerais, como um sistema, aquilo que de outro modo seria um agregado sem plano das ações humanas.” </i>KANT 2022, pág.16</p><p>Landauer, que se engajou na efêmera Comuna da Baviera em abril de 1919, no contexto de emergência das revoluções socialistas da Europa Central, como comissário do povo para a Instrução pública, e que ao final será preso e prematuramente assassinado em 2 de maio de 1919. Encerrando uma trajetória de um pensamento vivo e provocador, que procurava reunir; a crítica romântica da sociedade industrial moderna com seus processos alienantes, o anarquismo e sua desconfiança com relação ao exercício da coerção e dominação, e o sonho do socialismo, como a busca de um sentido para o trabalho humano não mais refém da mera lógica produtivista e consumista, mas libertador da individualidade cidadã. A necessidade e o supérfluo, a socialização e a personificação, a produção social e a auto expressão do trabalho se reuniam em Landauer a partir de um prisma de equilíbrio entre as soberanias individuais e sociais num diagnóstico dinâmico das angústias da sociedade alemã do início do século XX. Entre a veneração dos procedimentos artezanais e expressivos da Idade Média, e as conquistas mercantil produtivista do mundo moderno, Landauer identificava uma profunda crise de nossa sociedade, ainda hoje não resolvida. Ele criticava o marxismo, por recusar a afinidade entre o socialismo a ser perseguido no futuro e a tradição de certas estruturas sociais do passado, como as repúblicas das cidades do Medievo, com o comunitarismo de marca rural, chegando a mencionar as práticas do Mir russo, como típica experiência da resistência das terras comuns, diante dos cercamentos. Landauer é um romântico-revolucionário, um típico pensador ao mesmo tempo restaurador-utópico, articulando extremos aparentemente inconciliáveis, tais como; passado e futuro, conservadorismo e revolução, e messianismo e utopia.</p><p style="text-align: right;"><i>"Num artigo autobiográfico redigido em 1913, Landauer descreve a atmosfera de sua juventude como uma revolta contra o meio familiar, como "choque incessante de uma nostalgia romântica contra as estreitas barreiras do filisteísmo". O que significa o romantismo para ele? Em uma nota que se encontra entre seus papéis no Arquivo Landauer de Jerusalém, indica que o romantismo não deve ser entendido nem como "reação política (Chateaubriand)" ou "medievalismo alemão-patriótico", nem como "escola lietrária". O que o romantismo, Goethe, Schiller, Kant, Fichte e a Revolução Francesa têm em comum é que todos eles são antifilisteus - filisteu é uma expressão que designa na linguagem cultural do século XIX, a estreiteza, a mesquinharia e a vulgaridade burguesa."</i> LÖWY 2020, pág.134</p><p>Segundo LÖWY 2020, no livro de 1911 de Landauer, - <b><u>O Apelo ao Socialismo ou </u></b><b style="color: #0f1111; font-style: italic; text-decoration-line: underline;">Llamamiento al socialismo: Por una filosofía libertaria contra el estado y el progreso tecnológico </b>- há um claro ataque as noções de progresso compartilhadas tanto pelos liberais, como pelos marxistas da Segunda Internacional (Londres 1896), rejeitando a crença em um evolução progressista uni direcionada. De certa forma, antecipando as famosas <b><u>Teses sobre a Filosofia da História</u></b> de Walter Benjamin, que lançam profundas dúvidas sobre a direção do progresso técnico-produtivista da modernidade, nos anos 1930. A história humana não corresponde a uma acumulação quantitativa direcionada para um artificialismo produtivista predador e negador da natureza. Há uma clara presença de uma melancolia saudosista, típica do movimento do Romantismo, notadamente germânico, que celebra a micro economia, a auto determinação das pequenas comunidades / cidades, e os processos locais de longa duração de apropriação tecnológica e cultural. LÖWY 2020, também menciona um ensaio de Landauer sobre o poeta americano Walt Whitman, comparando-o ao socialista francês Proundhon, num esforço comum de conciliação entre individualismo e socialismo. Ao mesmo tempo, o pensamento de Landauer pensa em reunir; tradição ancestral e esperança no futuro, mobilizando-os contra o gigantismo do Estado moderno, a partir das posições de Proudhon, Kropótkin, Bakunin e Tolstoi, mirando e celebrando a descentralização das pequenas comunidades. Há uma clara ponte entre o pensamento de Landauer e a religiosidade judaico-cristã do final do século XIX, como clara reação ao Iluminismo francês universalista de Voltaire, LÖWY 2020, pág.139 se refere ao livro de Martin Bubber intitulado <b><u>A Lenda do Baal Schem</u></b>, que provoca uma guinada na posição de judeu assimilado.</p><p style="text-align: right;"><i>"Pouco após o aparecimento desse livro, Landauer saúda, em carta de outubro de 1908, "esses maravilhosos contos e lendas da tradição de místicos judeu-poloneses do século XVIII do Baal Schem e de rabi Nakhman". Ele escreve um artigo a respeito - que aparecerá somente em 1910 -, pondo em evidência os aspectos romântico/messiânicos do livro. "O extraordinário dessas lendas judaicas é [...] que o Deus que é buscado deve não apenas libertar dos limites e ilusões da vida sensível, mas sobretudo ser o Messias, que fará erguer do sofrimento e da opressão os pobres judeus torturados." Os contos hassídicos são a obra coletiva de um Volk (povo), o que não significa algo de "popular' ou trivial mas "um crescimento vivo; o futuro no presente, o espírito na história, o conjunto no indivíduo [...] O Deus libertador e unificador no homem aprisionado e dilacerado, e o céu na terra."</i> LÖWY 2020, pág.140</p><p>No campo da arquitetura e urbanismo, Landauer manifestou profunda simpatia pelo movimento inglês do <i>Arts and Krafts</i>, de socialistas como John Ruskin e William Morris e formuladores como Patrick Guedes e Ebenezer Howards das proposições das <i>Gardens Cities of Tomorow</i>. Numa clara celebração do comunitarismo dos pequenos produtores, presente no renascimento das cidades-estados medievais, a partir do século X na Europa inglesa e germânica. Ruskin, que escrevera <b><i><u>Las Siete Lâmparas de la Arquitectura</u></i></b>, e <b><u>As Pedras de Veneza</u></b>, celebrando a cidade da Itália e a cultura do construir da Idade Média, nos seus longos processos de estratificação do tempo, que acabavam configurando um território sem repetições, e de constantes surpresas e maravilhamentos únicos. Landauer identifica no messianismo judaico a presença da constante insatisfação do povo consigo mesmo, uma constante crítica a forma de operar da sociedade humana e terrena. Segundo LÖWY 2020, pág.143 era forma arquetípica do messianismo pária, que remonta a própria Bíblia, que "num comentário sobre Strindberger de 1917, ele afirma a existência de duas grandes profecias na história: "Roma, a dominação do mundo; Israel, a redenção do mundo." Enfim, para nosso anarquista anti Estatal a missão redentora e messiânica judaica assumia a forma secular do socialismo, que pela condição do judeu internacionalista na Alemanha do começo do século XX. Afinal, os judeus tinham então esta particularidade única de ser um povo, um grupo, uma comunidade, sem a presença de um Estado, pelo menos na Alemanha do início do século XX. Há uma rejeição, por parte de Landauer das duas correntes que mobilizam a cultura judaica da <i>Mitle Europe</i>, de um lado, a assimilação ao Estado imperial alemão, e do outro, a pretensão a estabelecer um Estado judeu. LÖWY 2020, menciona um artigo de Landauer, que tem como título; Serão estes Pensamentos Heréticos? (Sind das Ketzergedanken?), no qual celebra, que enquanto as outras nações separam-se dos seus vizinhos pelas fronteiras, "a nação judaica carrega seus vizinhos no próprio peito."</p><p style="text-align: right;"><i>"Convidado em 1912 por um agrupamento local do movimento sionista alemão em Berlim para proferir uma conferência sobre "Judaísmo e Socialismo", Landauer lança a ideia provocante de que Galuf, a diáspora, o exílio, é precisamente o que liga o judaísmo ao socialismo - tese que decorre logicamente de toda sua análise da condição judaica. Eis aí aonde seu caminho separa-se do de seu amigo sionista Martin Buber e o conduz à revolução de 1918-1919."</i> LÖWY 2020, pág.143</p><p>Portanto, Landauer apresenta profundas divergências frente ao movimento Sionista, e ao emergente nacionalismo da Alemanha, enxergando nesses movimentos, por um lado, uma clara atitude pró Estatal, com a qual como anarco-socialista não pode concordar, e por outro, como questionador da emergente burguesia nacionalista alemã, que também insufla o mesmo Estado. Afinal, o posicionamento de Gustav Landauer me parece ser um importante ponto para refletir sobre os lugares comuns compartilhados hoje por nosso senso comum reducionista, que articula de forma mecânica a positividade da construção do Estado.</p><p><b>BIBLIOGRAFIA:</b></p><p>BENJAMIN, Walter - <u style="font-weight: bold;">Teses sobre a Filosofia da História</u> - Editora Ática, São Paulo 1985</p><p>BUBER, Martin - <u style="font-weight: bold;">A Lenda do Baal Schem</u> - Ed. Perspectiva São Paulo 2002</p><p>LANDAUER, Gustav - <span style="background-color: white; color: #0f1111; font-family: inherit;"><b style="font-style: italic; text-decoration-line: underline;">Llamamiento al socialismo: Por una filosofía libertaria contra el estado y el progreso tecnológico</b> - <i>Ediciones el Salmon</i>, Madrid, 2019</span></p><p>LÖWY, Michael - <b><u>Redenção e Utopia: o judaísmo libertário na Europa Central (um estudo de afinidade eletiva)</u></b> - Editora Perspectiva, São Paulo 2020</p><p>KANT, Imanuel – <b><u>Ideia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita</u></b> – Editora Martins Fontes São Paulo 2022, pág16</p><p>RUSKIN, John - <u style="font-style: italic; font-weight: bold;">Las Siete Lâmparas de la Arquitectura</u> - <i>Editora Alta Fulla</i>, Barcelona 1987</p><p>RUSKIN, John - <b style="text-decoration-line: underline;">As Pedras de Veneza</b> - Editora Martins Fontes, São Paulo 1992</p><div><br /></div><p><br /><br /></p>Pedro da Luzhttp://www.blogger.com/profile/07320690622387710961noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7230136955993736286.post-31427378195805878282023-08-27T17:39:00.906-03:002023-10-17T22:21:28.727-03:00Novas Tecnologias e mudanças; a necessidade de distinção e avaliação da essência do nosso tempo<p style="text-align: right;"><i><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiP2PD5DMWImmZCgq3GE1Vv10kvDLSk3JLEnDk5xKhcjbOLId63tZaoyxLqFj87_kc_Hr8xH1nNLDGMXiXF2m0BBeQZ_gKyVbyP5OqfdGs0g_ipKo70tvfMYoNe2wJ99yjTc_PHHc_ylCRvarqHfa0rYbX45m3PSgto4wNjUrXVWkI1jOsjXjHt__Iq1Tbu/s750/arquitetos%20desenhando.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="423" data-original-width="750" height="225" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiP2PD5DMWImmZCgq3GE1Vv10kvDLSk3JLEnDk5xKhcjbOLId63tZaoyxLqFj87_kc_Hr8xH1nNLDGMXiXF2m0BBeQZ_gKyVbyP5OqfdGs0g_ipKo70tvfMYoNe2wJ99yjTc_PHHc_ylCRvarqHfa0rYbX45m3PSgto4wNjUrXVWkI1jOsjXjHt__Iq1Tbu/w400-h225/arquitetos%20desenhando.jpg" width="400" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Escritório de Arquitetura dos anos 70; desenho da cidade<br />e consciência crítica do momento</td></tr></tbody></table><br />"Do madeiro torto de que é feito o homem nada de totalmente reto pode ser talhado."</i> KANT 2022, pág.16</p><p style="text-align: left;">O texto a seguir pretende pensar de forma aberta e não doutrinária, a questão da alienação em nosso cotidiano contemporâneo, presente mesmo em locais dedicados a buscar a explicitação crítica de nossos pensamentos e práticas, um antídoto ao entorpecimento geral, inclusive na Academia. Há a presença de quatro proposições apontadas pelo pensador liberal de Oxford na Inglaterra, Isaiah Berlin, que celebram o que ele mesmo define como, a "Ética do Pluralismo", no que concerne as premissas teóricas que utilizo; 1. A escolha é inevitável, 2. A escolha de uns e outros é sempre limitada, 3. As pessoas gostam da escolha única, pois conviver com politeísmo teórico é sempre difícil, mas deve-se buscar uma crença inabalável na capacidade de fecundidade dos antagonismo, e 4. Convicções são sempre provisórias, no entanto, isto não significa e nem é motivo para não defendê-las de forma veemente. O texto inicia-se pelo aceleramento das tecnologias digitais, as Técnicas de Informação e Comunicação (TICs), que parecem ter imposto ao mundo uma dinâmica novidadeira sem fim, que me parece interessada em gerar uma clara confusão entre o essencial e o episódico, entre a permanência e a ocasião. Numa prática, que nos rouba a consciência do que estamos fazendo, nos lançando numa operação imediata descolada da consciência da reprodução da vida, das dádivas do planeta.</p><p style="text-align: right;"><i style="font-family: "Roboto Serif"; font-size: 16px;">"quanto mais corre o tempo da luta pela sobrevivência, tanto menos tempo temos para estudar a fundo a própria dialética em sua razão teórica, histórica, cultural e política."</i><span style="background-color: white; font-family: "Roboto Serif"; font-size: 16px;"> TRASPADINI 2023</span></p><p>Primeiro precisamos nos policiar com relação a uma perspectiva novidadeira e de celebração acrítica do "novo", como alguma coisa além do livre arbítrio, como algo inevitável, e que, de uma maneira geral amplia as possibilidades disruptivas da humanidade, como numa revolução aparente, que na essência quer manter tudo como está. Gadamer, já nos alertou a respeito do valor da tradição como algo intrinsecamente reconhecido pela sociabilidade geral, este argumento não pretende conferir a tradição o caráter de uma verdade absoluta, mas algo que deve ser problematizado e pensado. E, que está sempre disponível para uma nova leitura, por exemplo, o Tratado de ALBERTI (2012) escrito no século XV, e, que ainda apresenta verdades válidas relativas a prática da arquitetura e do urbanismo na nossa contemporaneidade. Particularmente na questão, do direcionamento tecnológico, considero de suma importância pensar a partir de um esforço de diferenciação entre o essencial e o episódico, entre a permanência e a ocasião no tempo histórico, isto é procurar identificar aquilo que efetivamente mudou em essência, e aquilo que se mantém tal como sempre foi, apenas sobre a episódica aparência de uma grande mudança. Esta é uma questão central, particularmente para a Academia, que pretende ter um juízo crítico sobre a direção que as sociedades humanas estão tomando, no que se refere aos usos das tecnologias disponíveis e seus impactos. Ao final, ter a consciência, ou apresentar ferramentas que nos permitam avaliar, oferecer alternativas aos caminhos que estamos tomando, enquanto espécie humana é função precípua da Universidade. Nesta temática estamos diante de um claro impasse, que cada vez fica mais claro para diferentes correntes de pensamento, de que é a forma como operamos os recursos naturais e humanos (tecnologias) disponíveis para promoção do bem estar geral, que nos ameaçam. A hegemonia humana sobre a face do planeta em que vivemos foi conquistada a partir de esforços diferenciados que geraram e geram uma sinergia de desenvolvimentos e de tecnologias interrelacionadas, que precisam ser avaliados em sua direção geral. Daí decorre a necessidade de correta avaliação desta história, não apenas no curto prazo, mas no médio e longo prazo, fazendo nos debruçar sobre a série histórica, que dispomos, refletindo onde ela nos levou, principalmente no ponto da reprodução da vida e de sua generalização. É claro, que aqui, os empiristas e naturalistas de plantão, no seu anti historicismo apontarão a incapacidade da história de avaliar nosso tempo presente dado a sua absoluta especificidade inusitada, construída pelas novas Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), que só podem ser avaliadas a partir de seus próprios dados empíricos. Tal visão, nos faz confundir transformações episódicas com transformações essenciais, que nos impedem por exemplo de ver, que o protagonismo não está na manipulação dos aparelhos eletrônicos do nosso tempo, mas nas relações de propriedade que os atravessam e os compartimentam em benefício de poucos.</p><p style="text-align: right;"><i>"Mas não foi (e não é) a tecnologia que expandiu (ou expande) a esfera pública. A força motriz da expansão vem do emprego social e econômico da tecnologia. O protagonismo não é dos aparelhos eletrônicos, mas das relações de propriedade que os atravessam e os compartimentam."</i> BUCCI 2021, pág.51</p><p>Na manipulação tecnológica de última geração identifica-se algumas potencialidades, mas que devem ser avaliadas do ponto de vista crítico, basicamente sobre o crivo da reprodução da vida, foco fundamental, da preservação natural em tempos de desequilíbrios ambientais. Como exemplo, pode-se refletir sobre a adoção no campo da arquitetura e do urbanismo de softwares, como Building Information Modeling (BIM), que aparece como desenvolvimento inevitável, numa celebração acrítica e fetichizante das novas tecnologias. Esses software foram desenvolvidos para a precisão demandada pela Engenharia Mecânica, algo que se refere à milímetros, completamente diferente da construção civil, que trabalha no âmbito dos centímetros. As consequências e condicionalidades precisam ser avaliadas pelo campo da construção civil, atividade majoritariamente industrial, e que, no Brasil opera com profundos impactos no meio ambiente. Pois, apenas no que se refere a geração de resíduos sólidos, segundo pesquisas do Sindicato da Construção Civil do Rio de Janeiro (SINDUSCON-RJ), nossos canteiros de obras produzem um volume de resíduos sólidos de quantidades proibitivas ou alarmantes. Pois, a cada 3 edificações multifamiliares construídas gera-se 1 edificação inteira em resíduos sólidos, entulhos de obra e material descartável, que seguem impactando nosso meio ambiente. A questão tecnológica demanda da sociedade um foco, para se aprofundar em determinados aspectos, oferecendo aos interlocutores uma interpretação coesa de nosso tempo contemporâneo, a partir da avaliação dos impactos no meio ambiente das suas práticas. Apesar da crescente ampliação das racionalidades produtivas, os impactos ambientais da construção civil não são introjetados pelos seus donos, mas sim pelo conjunto da sociedade, que é impactada pelos seus efeitos. Defende-se, no campo da arquitetura e do urbanismo, que nossas principais preocupações são relativas as dimensões do tempo e do espaço em nossa contemporaneidade, como esses podem garantir a reprodução das futuras gerações. E, como eles podem representar uma generalizada ampliação da consciência e liberdade humana, ou seu inverso, o que demanda uma reflexão sobre o desenvolvimento tecnológico, e uma determinada noção de progresso e bem estar. O progresso não seria mais unidirecionado e hierarquizado a partir de um centro mais desenvolvido, contraposto a uma periferia arcaica e atrasada, mas articulado a uma interação humana e natural, que nos garanta futuro e bem estar generalizados. E, o bem estar não estaria mais fixado num padrão de comodidades habitacionais e ambientais homogêneas, que representariam o paradigma de um bem viver homogenizado.</p><p style="text-align: right;"><i>"Assim como a história das religiões estava, para todos os efeitos e propósitos, manifestamente acabada, deixando uma gama de importantes fés às quais não podiam ser adicionados mais credos, também agora todas as formas ideológicas e estéticas seculares tinham-se convertido num inventário fixo. Não eram mais possíveis as filosofias gerais do gênero outrora desenvolvido a partir de Darwin, ou Marx, ou Nietzsche, embora as atitudes básicas que eles inspiraram continuem vivas - tal como as novas avan-gardes em pintura ou literatura, com capacidade para radical inovação, deixaram de aparecer... Gehlen(1) foi buscar o próprio termo "cristalização" em Pareto(2). Terminou sua fala, profeticamente, comentando que havia dois problemas políticos que ainda avultavam: um consistia nas pressões que estavam se acumulando entre os estudantes em condições de educação massificada, e o outro no brado de fome das superpopulações do Terceiro Mundo."</i> ANDERSON 1992, pág.73</p><p>Primeiro, com relação, ao tempo, que é algo difícil de se separar do espaço, pois tradicionalmente usamos o tempo como medida de compreensão do espaço, e vice versa. Mas o nosso tempo tem se comprimido de forma dramática, tendo feito que nós atualmente estamos respondendo a demandas contínuas que não cessam de parar, pelo email, pelo whatsapp, pelo noticiário da TV ao vivo, etc..., diante de muita informação, mas sob uma teorização frágil. Aponta-se, que foi Benjamim Franklin, que pela primeira vez afirmou que <i>"tempo é dinheiro"</i>, determinando para nós uma urgência na utilização do nosso tempo, que nos arrancou do tempo de meus afetos, dos meus prazeres, daquilo que podemos chamar de auto-realização, que é particular e plural em cada um de nós. Por exemplo, pode-se considerar que ganho tempo, lendo Machado de Assis, pois amplio a compreensão do que é o Brasil, ou do que representa na sociedade brasileira, na passagem do século XIX para o século XX, da questão da escravidão, a partir desse autor. Imagina-se que a apreensão da realidade contemporânea que vivemos está profundamente impactada pelo fato do o Brasil ser o último país do Ocidente a promover a libertação dos escravos, determinando uma inserção periférica e subalterna na globalização. Mas, a pergunta dos positivistas anti-historicistas, de como um autor do século XIX, antes do advento da internet, pode me explicar o que é o Brasil contemporaneamente, profundamente impactado pelas TICs? Diante disso é necessário reafirmar simplesmente, que a arte sempre teve esta capacidade, basta ler Sófocles ou Shakespeare, para entender que alguns dramas humanos estão conosco a partir de tempos imemoráveis, representando a permanência de angústias continuadas. A luta pela conquista do próprio tempo é um universo de possibilidades para se aproximar de uma sempre incompleta auto-realização, sem ele estaremos sempre respondendo de forma mecânica e impensada a demandas que nos chegam como avalanches. E, essa luta pelo tempo está nos suprimindo da experiência da cidade, da sua diversidade, de seu didatismo revolucionário, da sua compulsória exposição ao outro e ao diverso, que na verdade nos educa.</p><p style="text-align: right;"><i>"Também a "cidade do espetáculo", o aparato midiático, a imersão compulsiva na rede virtual, a multiplicação de devices (dispositivos) portáteis e a consagração do efêmero, do instante e do bombástico nos retiram continuamente de nós mesmos, apesar das "bolhas" cada vez mais estreitas que nos envelopam, e nos afastam do lógos com que a cidade libertaria nossas potencialidades e nos permitiria nascer de novo."</i> BRANDÃO, 2023, pág29 e 30 </p><p>Numa ilustrativa citação, o filósofo alemão da Escola de Frankfurt, Walter Benjamim, cita num ensaio de 1940, que os revoltosos da Comuna de Paris em 1848, em vários bairros da cidade, de forma independente, e sem conhecimento um dos outros dipararam tiros contra as torres de relógios, numa rebelião contra a medição das horas de forma mecânica e contínua. Um outro autor Eugênio Bucci (BUCCI, 2021, pág194), que fala do uso contínuo do gerúndio pelas atendentes de tele-marketing, que denotaria a vontade do sistema de conformar um "presente estendido", que se amplia em duas direções, tanto em direção ao passado, quanto ao futuro, suprimindo nossa consciência da passagem da História. Fazendo, aliás também gerúndio, que o tempo de serviço não vale mais nada, ou que a contagem dos anos trabalhados para fins de aposentadoria seja extinta, afinal estamos todos enredados num presente contínuo maravilhoso propiciado pelas novas TICs. Além do tempo, é agora necessário se pensar no espaço, que desde tempos anteriores sofre uma forte pressão pela sua descartabilidade, num planeta assolado por desequilíbrios ecológicos, em grande parte fruto de novas construções, que desfazem em ruínas em obsolescências muito rapidamente. A menção ao espetáculo retrocede às Exposições Internacionais, como a Colombina de Chicago de 1893 ou à Exposição de 1922 no Rio de Janeiro para celebração de 100 anos de nossa independência, pois nos relembram do médio prazo e das fantasmagorias do sistema de declínio do conhecimento e de primazia do consumo desenfreado na cidade do espetáculo, do início do século XIX, quando a montagem de exposições se generaliza. A exposição de Chicago, por exemplo, acabaram por exilar nos subúrbios, arquitetos criativos e inovadores como; Louis Sullivan e Frank Lloyd Wright, pois a arquitetura oficial eleita para a feira em seu centro foram a Arquitetura Branca Neoclássica, típica de Washington, como numa História instantânea, e como expressão hegemônica da identidade Estadounidense.</p><p style="text-align: right;"><i>"Hoje, para muitas pessoas, o tempo se tornou tão fragmentado que apenas o presente parece ter significado: o passado é visto como "obsoleto", e portanto inútil. Além disso, como o presente difere tanto do passado, vai se tornando cada vez mais difícil compreender como era este. Como Hans Meyerhoff observou, "o passado está sendo triturado pelo moinho da mudança inexorável, incompreensível."</i> BUCCI 2021, pág197</p><p>Além das Exposições Internacionais, nos aproximando de nosso tempo contemporâneo nos confrontamos com, os Parques Temáticos da Disney, ou do Beto Carrero World, ou os Aeroportos, ou as Estações Ferroviárias, ou a tela da TV, ou os Shoppings Centers, dentre outros. Espaços que, apesar de espalhados pelo mundo possuem uma face homogeneizadora, sem personalidade, sem nos revelar a identidade local. De certa forma estas espacialidades anteciparam um entorpecimento geral e alienante daquilo que denominamos como "Realidade Ampliada", que simula os projetos de arquitetura, dando-lhes uma objetividade, liberta do artístico, ou da pessoalidade como a "Inteligência Artificial". Na verdade, uma terminologia, que permanece no campo celebratório, e que prolonga e não revela a alienação não crítica, e que, estaria melhor nominada por termos como; o "Telespaço da Internet", ou "Inteligência Mecânica" ou dos "Não Lugares" do Marc Augé, e que tem uma tradução brasileira de 1994. AUGÉ 1994 faz referência a superabundância espacial como estratégia de alienação das pessoas em não lugares em contínua expansão, engendrando um mundo onde o humano abre mão da personalidade única do lugar. </p><p style="text-align: right;"><i>"</i><i style="text-align: right;">Um mundo onde se nasce numa clínica e se morre num hospital, onde se multiplicam [...] os pontos de trânsito e as ocupações provisórias, onde se desenvolve uma rede cercada de meios de transporte que são também espaços habitados [...] propõe ao antropólogo, como aos outros, um objeto novo." </i><span style="text-align: right;">AUGÉ 1994, pág.</span></p><p><span style="text-align: right;">Discordo do Augé, estes lugares não são novos, estiveram sempre presentes na história humana nos locais de trânsito, nas Estações Ferroviárias, nos Grands Magazines, ou nos pontos de saída de carroças e diligências, o problema é que eles se expandiram colonizando nosso mundo todo, como "Não Lugares", como locais de História instantânea.</span><span style="text-align: right;"> Ou melhor nós é que nos transformamos em efêmeros, centrados numa auto suficiência subjetiva,</span> onde todos estamos refugiados, e apenas uma minoria desfruta do verdadeiro lugar. Aliás, é preciso apontar, que o capitalismo da Super Indústria (não é pós industrial) contemporânea é aquele que internaliza o processo de inovação tecnológica para exponenciar a exploração das forças produtivas, sem prestar contas dos custos ecológicos e sociais. Além disso, a lógica financeira preencheu todas as formas de se pensar, exponenciando a capacidade especulativa do valor, descolada de qualquer produção ou valor de uso, na ciranda das Bolsas de Valores que não dormem. As perguntas que precisamos nos fazer de forma urgente são; para onde estamos indo? ou àquilo que estamos construindo fomenta uma sociabilidade inclusiva ou exclusiva? E, por último o programa atual, que demanda à cidade e à arquitetura é inclusivo do conjunto da humanidade, ou mira em sua minoria consumidora?</p><p><b>NOTAS:</b></p><p>(1) Arnold Karl Franz Gehlen (1904-1976) filósofo e sociólogo alemão, que investigou questões relativas a Pós História.</p><p>(2) Vilfredo Fritz Pareto (1848-1923) cientista político, sociólogo e economista italiano, que na verdade nasceu na França, devido ao exílio de seu pai determinado por suas discordâncias com o comando piemontês do Risorgimento, ou unificação da Itália. O pai de Pareto era da Liguria e suas ideias republicanas levaram-no ao exílio. Pareto participou em Florença da Sociedade Adam Smith, e era contra o socialismo de Estado, o protecionismo e o miltarismo do govero italiano.</p><p style="background-color: white;"><b><span style="font-family: inherit;">BIBLIOGRAFIA:</span></b></p><p style="background-color: white; text-align: justify;"><span style="font-family: inherit;">ALBERTI, Leon Battista - <b><u>Da arte do construir, tratado de arquitetura e urbanismo</u></b> - Editora Hedra, São Paulo 2012</span></p><p style="background-color: white; text-align: justify;"><span style="font-family: inherit;">ANDERSON, Perry - <b><u>O fim da história de Hegel a Fukuyama</u></b> - Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro 1992</span></p><p style="background-color: white; text-align: left;">AUGÉ, Marc - <span style="background-color: transparent; text-align: left;"><b><u>Não Lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade</u></b> - Editora Papirus, Campinas 1994</span></p><p style="background-color: white; text-align: justify;"><span style="font-family: inherit;">BENJAMIM, Walter - <b><u>Rua de mão única</u></b> - Editora Brasiliense, São Paulo 1987</span></p><p style="background-color: white; text-align: justify;"><span style="font-family: inherit;">________________- <b><u>Walter Benjamim, sociologia, Teses sobre a filosofia da história</u></b> - Editora Ática São Paulo 1985</span></p><p style="background-color: white; text-align: justify;"><span style="font-family: inherit;">BRANDÃO, Carlos Antônio Leite - <b><u>A formação do homem moderno vista através da arquitetura</u></b> - AP Cultural, Belo Horizonte, 1991</span></p><p style="background-color: white; text-align: justify;"><span style="font-family: inherit;">BRANDÃO, Carlos Antônio Leite - <b><u>A genealogia da cidade</u></b> - Editora da UFMG, Belo Horizonte, 2023</span></p><p style="background-color: white; text-align: justify;"><span style="font-family: inherit;">BUCCI, Eugênio - <b><u>A superindústria do imaginário: como o capital transformopu o olhar em trabalho e se apropriou de tudo que é visível</u></b> - Autêntica, Belo Horizonte 2021</span></p><p style="background-color: white; text-align: justify;"><span style="font-family: inherit;"></span></p><p style="background-color: white; text-align: justify;">KANT, Imanuel – <b><u>Ideia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita</u></b> – Martins Fontes São Paulo 2022</p><p style="background-color: white; text-align: justify;">TRASPADINI, Roberta - <b><u>Os marxismos e seus dilemas contemporâneos</u></b> - Le Monde Diplomatique 05/09/2023, coletado no site em 08/09/2023: <a href="https://diplomatique.org.br/a-falta-de-oxigenio-do-materialismo-historico-dialetico-na-atualidade/" style="background-color: transparent; text-align: left;">A falta de oxigênio do materialismo histórico dialético na atualidade (diplomatique.org.br)</a></p><div style="text-align: justify;"><br /></div><p style="background-color: white; color: #666666; text-align: justify;"><span style="font-family: inherit;"><br /><br /></span></p><p style="background-color: white; color: #666666; text-align: justify;"><span style="font-family: inherit;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></div><span style="font-family: inherit;"><br /><br /></span><p></p>Pedro da Luzhttp://www.blogger.com/profile/07320690622387710961noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7230136955993736286.post-18011253645412785892023-08-09T16:39:00.004-03:002024-03-15T16:47:01.777-03:00Reflexões a partir de um debate com um orientando, ou estamos condenados ao progresso emburrecedor?<p style="text-align: justify;"></p><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgnlHr5b8C4W-QehF_-JrqLBf8RQYlmiOHIGtjnIkJZSaMSSlnE-ihngI-VvflGQ4udgqELGVMxNHDPwT7a4JJwBdMC3TC0T8uxMvHqaUPcTAkc3ij6E5hERohYu_mBYAVM2gM3JIN87FeIiD6BSzrLahw5FuneXkRyDbTaYX8j6xmrw07xahjdidsGemwS/s268/Paul%20Klee%20angelus%20novus%20gueto%20vars%C3%B3via.jpg" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="188" data-original-width="268" height="280" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgnlHr5b8C4W-QehF_-JrqLBf8RQYlmiOHIGtjnIkJZSaMSSlnE-ihngI-VvflGQ4udgqELGVMxNHDPwT7a4JJwBdMC3TC0T8uxMvHqaUPcTAkc3ij6E5hERohYu_mBYAVM2gM3JIN87FeIiD6BSzrLahw5FuneXkRyDbTaYX8j6xmrw07xahjdidsGemwS/w400-h280/Paul%20Klee%20angelus%20novus%20gueto%20vars%C3%B3via.jpg" width="400" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Menino judeu na rendição do Gueto de Varsóvia(1943), <br />e o Angelus Novus de Paul Klee (1920),com o rosto voltado <br />para o passado e de costas para o futuro, segundo Walter <br />Benjamim; <i>"Mas uma tempestade sopra do Paraíso, aninhando<br />-se em suas asas,.. Aquilo que chamamos de Progresso é essa<br />tempestade."</i> BENJAMIM 1985 pág.158</td></tr></tbody></table><br />O texto a seguir é fruto do processo de orientação de um pesquisador de mestrado do Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGAU-UFF), no qual se sucedem provocações mútuas, debates sobre a apreensão do real nas condições contemporâneas, estruturação e limitação do campo da arquitetura, cenografia e urbanismo e respeito mútuo pelas distintas formas de se abordar o problema. O tema é excessivamente amplo geral e difícil, podendo mesmo se desdobrar numa pesquisa de uma vida - mestrado, doutorado, pós doutorado, etc... - a <i>"sociedade do espetáculo"</i>, a <i>"realidade ampliada"</i> e o <i>"novo capitalismo"</i>. Minha primeira reação foi bastante rabugenta, rechaçando tanto a ideia de <i>"realidade ampliada"</i> colocando que, se nossa realidade fosse ampliada estávamos perdidos numa dispersão interminável, pois desde os antigos gregos que não conseguimos dar conta do real efetivo. Quanto também, do <i>"novo capitalismo"</i>, que no meu entender continua em essência o mesmo de cinco séculos atrás, preso a uma lógica final especulativa e até as vezes, desvinculada da produção. No que concerne a <i>"sociedade do espetáculo"</i> tudo bem, teríamos um material palpável que seria o livro do Guy Debord com o mesmo nome, que poderia ser esquadrinhado. Minha segunda reação foi onde estava o campo da arquitetura, cenografia e urbanismo, destacando aqui, que o pesquisador Douglas Alves é um cenógrafo profissional, vinculado a televisão no Brasil. Argumentava que o campo da arquitetura, cenografia e urbanismo deveria estar conectado aos temas do espetáculo, do real e do capitalismo, pois o espaço ou o território tem sido muitas vezes negligenciado em suas especificidades pela academia; Afinal, o que faz o arquiteto e urbanista? Tal posicionamento, no meu entendimento dificulta a atuação interdisciplinar, ao contrário de fomentá-la, pois quando um campo não está definido dificulta-se toda a matriz de operação interativa entre expertises. Por outro lado, mas nessa mesma temática, afastava de forma veemente qualquer pretensão de autonomia absoluta do campo, mas reforçava as questões de uma semi-autonomia, determinada por suas especificidades decorrentes das ações do plano e do projeto. Assim, identifica-se também na academia no Brasil uma tendência recorrente a uma idealização desmedida das temáticas, alienando-se os problemas da reprodução efetiva da vida. Seria como se fosse possível, pensar agentes ou situações variadas desvinculadas dos condicionantes da produção e reprodução da sua própria manutenção existencial, isto é, a obtenção de comida, abrigo, saúde, afeto, etc... Uma idealização, um idealismo exacerbado que absolutiza a ideia e o pensamento, em detrimento das formas materiais de obtenção do nosso sustento e manutenção.<p></p><p style="text-align: justify;">O texto se inicia com minha sugestão de interação com a entrevista do historiador Yuval Noah Harari sobre as novas Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), segue com a sugestão do livro da Shoshana Zuboff sobre o capitalismo de vigilância. Se desenvolve a partir da conceituação de Fernand Braudel da diversidade de tempos; da longa duração e da curta duração para caracterizar mudanças superficiais e essenciais. Envereda-se pelo texto clássico de Friedrich Engels sobre a Questão da Habitação, para caracterizar e localizar no mundo material a diferenciação entre infraestrutura e superestrutura no marxismo, como análogas as preocupações de longa e curta duração. Busca desvendar uma referência no texto de Françoise Lyotard, para caracterizar o declínio dos meta discursos da pós modernidade, onde se recalca a narrativa do mercado, acabando por absolutilizá-lo como única presença, e de uma certa imposição do presente. Retoma-se então o debate sobre a utopia, ou a ampliação das nossas possibilidades de nosso por vir, algo que o tempo do pós modernismo pretendeu recalcar como inexoravelmente autoritário, se auto definindo como realista. Aponta-se então as proposições dos filósofos; Antônio Gramsci e Walter Benjamim, nos anos 30 do século XX, no que se refere aos diferentes tempos; o calendário e o dia a dia. Fecha-se o texto, com a sugestão de leituras que de certa forma nos comprovam a persistência no longo prazo de algumas de nossas questões; leon Battista Alberti no século XV, e Joseph A. Schumpeter nos anos 40 do século XX.</p><p style="text-align: justify;">Há uma muito boa entrevista do historiador e pensador Yuval Noah Harari, que está disponível na internet no site; <a href="https://www.youtube.com/watch?v=oQMxYU6EYZQ">Yuval Noah Harari: Humanidade, não é assim tão simples - YouTube</a> à Fundação portuguesa Francisco Manuel dos Santos, numa série denominada; Humanidade, isto não é assim tão simples. É uma entrevista densa, complexa e variada abordando temas difíceis, como o colapso ambiental que vivemos, as ameaças à Democracia, a emergência de Ditaduras, a inteligência humana e a inteligência artificial, o tempo e nossa capacidade de se adaptar a mudanças intensas e inesperadas, etc.. A entrevista me foi indicada pela Professora Maria de Lourdes, companheira do PPGAU-UFF, com uma celebração diante da atitude de historiadores, que a partir de respostas de certa forma inusitadas nos colocam para pensar e problematizar nosso tempo presente, basicamente a partir de um tempo mais longo e estruturado. Yuval Noah Harari é professor da Universidade Hebraica de Jerusalém, no departamento de história e autor de livros, que não conheço, tais como; <b><u>Sapiens, uma breve história da humanidade</u></b>, <b><u>Homo Deus, uma breve história do amanhã</u></b>, <b><u>21 Lições para o século 21</u></b> e <span style="background-color: white;"><span><span style="color: #202122; font-family: inherit;"><b><u>Notas sobre a Pandemia: E breves lições para o mundo pós-coronavírus (artigos e entrevistas)</u></b>. Uma pergunta do próprio Yuval perpassa toda a entrevista; "se somos tão inteligentes, os seres humanos (o homo sapiens), porque somos capazes de coisas tão estúpidas?" A resposta não é explícita e declarada, mas se depreende do seu conjunto de que há uma forte crença no poder doutrinador e explicador dos ciclos históricos e na capacidade humana de se moldar, adaptar a partir da compreensão crítica da história. Uma doutrina, de um certo otimismo, que nos aponta a partir de uma escala de tempo do longo prazo, para uma construção coletiva, colaborativa, associada e inclusiva, que nos una, e não seja mais competitiva, individualista e exclusiva, que nos separa. A ideia de que as tecnologias sempre nos colocaram desafios e oportunidades são cotejadas a partir da necessidade de implantação de controles estatais, que regulem sua operação a partir da identificação de agentes. Quando abordado sobre as questões das redes sociais e sua imensa capacidade de propagar medo, conspiração, ódio e polarizações argumenta claramente para uma importante diferenciação entre dados, responsabilidades e decisões. Enfatizando de forma clara, que a falsificação do humano através dos <i>"</i></span><span style="color: #202122;"><i>algoritmos</i></span><span style="color: #202122; font-family: inherit;"><i> de recomendação"</i> precisa urgentemente ser regulada, identificada e condenada por premissas que se pautem pela sobrevivência da democracia, que por sua vez depende de sobre maneira do diálogo e da confiança mútua entre as pessoas. Há uma constante </span></span></span><span style="color: #202122;">ênfase na compreensão do humano como uma interação holística entre mente e corpo, um afastamento da absolutização do ideal platônico desconectado da nossa concretude corpórea. Uma reafirmação do materialismo biológico e presencial e uma desconfiança do idealismo platônico, que o mundo digital contemporâneo parece interessado em nos manipular nessa direção etérea, com menção inclusive ao cristianismo primitivo no sofrimento do corpo concreto. No que se refere a Inteligência Artificial e o Chat GPD, há uma constatação de que não possuímos um distanciamento histórico, frente a mudanças muito rápidas, que podem estar esgotando nossa capacidade de adaptação, colocada como uma característica de seres biológicos, que somos.</span></p><p style="text-align: justify;">Compartilho de grande parte de suas assertivas e colocações, mas questiono e desconfio de uma capacidade afirmada de forma implícita por Yuval Noah Harari na entrevista de superação de alinhamentos ideológicos, como se pudéssemos nos libertar de amarras políticas, ou de visões fragmentadas e parciais. Me parece, como uma pretensão impossível de ser alcançada, que seria nossa libertação de ordenamentos ideológicos, que no pensamento do Harari ficam expressos numa imensa capacidade de mudança, metamorfose e transformação, que no fundo, me parece não temos. E, que envolve em nossa contemporaneidade uma certa inevitabilidade do desenvolvimento tecnológico e científico das <i>Big Techs</i>, que em minha opinião é uma decisão política de cunho conservador, com a intenção de manter o <i>status quo</i> do sistema. A enorme concentração, manipulação e monopolização do novo setor das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) nos mostram que o capitalismo se reveste de uma aparência de mudança, para permanecer o mesmo. Por uma exigência de consciência acadêmica achei por bem folhear o Sapiens, uma breve história da humanidade, do HARARI 2018, que me pareceu um livro celebratório da vitória do mercado e do liberalismo em nosso tempo de hegemonia financeira. Apesar de algumas identificações da destruição especulativa do capitalismo, como a <i>"Bolha do Mississipi"</i> ou <i>"A Guerra do Ópio"</i>, o tom geral de celebração do credo capitalista é permanente no livro; </p><p style="text-align: right;"><i>"Depois de 1908, e especialmente depois de 1945, a ganância capitalista foi um pouco freada, sobretudo pelo temor ao comunismo... A única forma séria de governar o mundo de uma forma diferente - o comunismo - foi tão pior em todos os aspectos concebíveis que ninguém tem estômago para tentar de novo."</i> HARARI 2018, pág.343</p><p style="text-align: justify;"><span style="text-align: left;"></span></p><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhvIdvJLhPTMLBJbeFl5EU2dJws7WG3UwcsQYKhYCO9Z2E_-aAINqjmouEMg6nVFP-KfbmS3mtFhXR7ghcQqUKOhLfN3kSE0RUCvHuDMa0-ohMa4xJHRqGpcR8sNKgqUSuu0SOJ-_yswsLZUeWoQBwM84dKSXmcXYep-xOz7eKpNktIP9OGuMr6AgnLa4xo/s275/Habita%C3%A7%C3%A3o%20Brasil%20Karl%20Marx%20Hof%20Viena.jpg" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="183" data-original-width="275" height="266" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhvIdvJLhPTMLBJbeFl5EU2dJws7WG3UwcsQYKhYCO9Z2E_-aAINqjmouEMg6nVFP-KfbmS3mtFhXR7ghcQqUKOhLfN3kSE0RUCvHuDMa0-ohMa4xJHRqGpcR8sNKgqUSuu0SOJ-_yswsLZUeWoQBwM84dKSXmcXYep-xOz7eKpNktIP9OGuMr6AgnLa4xo/w400-h266/Habita%C3%A7%C3%A3o%20Brasil%20Karl%20Marx%20Hof%20Viena.jpg" width="400" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">O Conjunto Habitacional do Karl Marx Hof em Viena,<br />habitação e a busca por uma cidade inclusiva </td></tr></tbody></table><span style="text-align: left;"><br />Em outro livro, já comentado aqui da ZUBOFF, Shoshana - </span><b style="text-align: left;"><u>A Era do Capitalismo de vigilância; a luta por um futuro humano na nova fronteira do poder</u></b><span style="text-align: left;"> - Editora Intrínseca, Rio de Janeiro 2020 há uma menção importante de sermos "superdescritos, mas subteorizados" em nossa contemporaneidade. Para mim só enfrentaremos a enorme quantidade de informação que temos de digerir, enquanto estivermos ancorados numa ordenação ideológica clara, isto é, reequilibrarmos a relação entre teoria e descrição na nossa sociedade. Entendendo, que os sistemas gerais teóricos de ordenação do mundo são ferramentas fundamentais na ordenação das informações. Enfim, não acho possível pleitear-se a superação do alinhamento ideológico, que para mim está entre ideologias conservadoras, propondo a manutenção do status quo, que é o projeto de uma minoria, e ideologias progressistas, que lutam pela mudança do status quo, que no fundo interessa a maioria. O historiador Harari menciona a questão da colaboração intra humana, e a integridade de corpo e mente para se pensar um outro mundo, ao meu ver uma proposição progressista, mas esta não é uma condição ou decisão do cidadão isolado, mas do indivíduo coletivo na sociedade, na sua ordenação política e ideológica. Muito menos, uma decisão de um distanciamento apolíneo da ciência ou da técnica, que não se encontram num lugar além da ordenação político ideológica que sempre as pautou. Afinal, </span><i style="text-align: left;">"uma andorinha não faz verão"</i><span style="text-align: left;">, isto é, num mundo fragmentado e dividido como o nosso estamos submetidos inexoravelmente a clivagem ideológica e política por uma obrigação moral e ética de compromisso com a democracia.</span><p></p><p style="text-align: right;"><i>"Seus negócios se caracterizam como um modelo de publicidade, e muito foi escrito acerca dos modelos de leilão automatizados do Google e outros aspectos de sua invenções no campo da publicidade online. Com tanta verborragia, esses desenvolvimentos são ao mesmo tempo super descritos e subteorizados."</i> ZUBOFF 2020, pág.83</p><p style="text-align: justify;">A professora Shoshana Zuboff é da Universidade de Harvard, e portanto se enquadra numa tendência de manipulação de uma quantidade excessiva de dados, muitas vezes desdenhando de uma base teórica mais estruturada. O empiricismo de tradição anglo saxônica é a versão ideológica de estruturação de seu pensamento e da representação do real, mas paradoxalmente a melhor crítica a isto pode ser encontrada na página 83 do seu próprio livro; <i>"esses desenvolvimentos são ao mesmo tempo super descritos e subteorizados". </i>A questão, que se coloca de forma dramaticamente no nosso tempo é que, a cada dia que passa, seguimos testemunhando o surgimento de novas técnicas dedicadas à integração entre as realidades virtuais oferecidas pelo aparato digital e a realidade material do mundo que nos cerca. A velocidade com que essas novas tecnologias se somam, sobrepõem e/ou são substituídas, tem sido responsável por um processo de alteração constante da realidade material vivida pelas sociedades aderentes à elas, determinando a presença de um esgotamento físico das pessoas, <i>"a sociedade do cansaço"</i>(1). Afinal as máquinas, as TICs, as formulações dos algoritmos e o mundo virtual não descansam e não precisam dormir, enquanto os humanos precisam de sono, lazer, alimentação, afeto, alegria e amor, basicamente improdutivos. Muitas são as questões associadas a esse processo acelerado de transformação da realidade que ainda carecem de, ao menos, serem discutidas, problematizadas e colocadas em benefício da maioria da população, e não de uma minoria endinheirada. Se há, uma permanência imutável no sistema capitalista, esta pode ser identificada pela sua tendência a formação de monopólios, concentradores de renda, que este nosso tempo mantém. E, aqui se manifesta uma clara condição que precisa ser denunciada, <i>"a destruição criativa"</i> (2) constante e repetida, pois é bem provável que estas condições daqui há uma década sejam substituídas, antes mesmo de serem respondidas ou até mesmo formuladas, justamente por conta da velocidade com que a realidade se altera. A quem interessa essa produção constante de instabilidade e volatilidade das condições de existência em nossa contemporaneidade, quem controla esses processos e quem está submetido a eles, quem são os grandes beneficiários da perda de previsibilidade do mundo desregulado?</p><p style="text-align: justify;">Cabe a pergunta; Será que a realidade efetivamente se altera? Ou ela apenas muda sua face para permanecer a mesma em sua essência. Há uma passagem no Fernand Braudel, um historiador da Escola dos Anais francesa, em que ele usa uma metáfora com o mar revolto e encapelado das tempestades; na superfície, onde há uma aparência de transformação e mudança, mas nas profundidades tudo permanece o mesmo... A metáfora faz menção a uma conceituação central do historiador francês centrada na diferenciação do tempo em <i>"longa duração e curta duração"</i>, assim como na <i>"questão da civilização material"</i>. Essas ideias, <i>"longa duração e curta duração",</i> fazem menção a longa transformação das sociedades em seus costumes diários, nas práticas cotidianas e na reprodução da vida a partir por exemplo de estruturações feudais, que se transformam em capitalistas. Uma distinção entre a história dos acontecimentos e a história das mentalidades, uma história dos indivíduos e uma história da sucessão de várias gerações, uma história dos fatos e uma história social. Ou ainda, a <i>"questão da civilização material"</i>, que envolve a reprodução e manutenção concreta da vida, nosso sustento e das futuras gerações no seu cotidiano mais banal, muitas vezes estruturalmente conectada com as condições geográficas concretas. Essas instâncias se movimentam dentro de uma certa autonomia, mas basicamente interagem e se retroalimentam num movimento dialético, onde a subordinação ou a sobredeterminação mudam de forma constante.</p><p style="text-align: right;"><span style="background-color: white;"><span style="font-family: inherit;"><i>Finalmente, a terceira parte, a da história tradicional ou, se quisermos, a da história cortada não à medida do homem, mas à medida do indivíduo, a história dos acontecimentos, segundo François Simiand: a agitação de superfície, as ondas que alçam as marés em seu potente movimento. Uma história de oscilações breves, rápidas e nervosas. Ultrasensível por definição, o menor passo fica marcado em seus instrumentos de medida. História que, como tal, é a mais apaixonante, a mais rica em humanidade e, também, a mais perigosa. Desconfiemos desta história todavia em fragmentos, tal como as pessoas da época a sentiram e viveram ao ritmo de sua vida, breve como a nossa. Essa história tem a dimensão tanto de suas cóleras quanto a de seus sonhos e ilusões”</i> (BRAUDEL, 2005: Int. XIII).</span></span></p><p style="text-align: justify;"></p><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi9iVKfLHs5MClXkpRgYH-vZ_btPKX-WkIJOCgPT5uOQBPJ_PPoqUApn6V89x8F5L7SXHPGJT-9EBzgaNasRkwWYbZxlspgrTjn0HL3ExWjgjrQzEEU-nR7y-EIQbljkuSXuAuhNsKu8WjK-BOHemn_DC44IJQ75RblAShayK8DvEFqLej0xm_8TA_hdJxK/s259/Habita%C3%A7%C3%A3o%20Brasil.jpg" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="194" data-original-width="259" height="300" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi9iVKfLHs5MClXkpRgYH-vZ_btPKX-WkIJOCgPT5uOQBPJ_PPoqUApn6V89x8F5L7SXHPGJT-9EBzgaNasRkwWYbZxlspgrTjn0HL3ExWjgjrQzEEU-nR7y-EIQbljkuSXuAuhNsKu8WjK-BOHemn_DC44IJQ75RblAShayK8DvEFqLej0xm_8TA_hdJxK/w400-h300/Habita%C3%A7%C3%A3o%20Brasil.jpg" width="400" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">A habitação no Brasil, autoconstrução das favelas e o <br />mercado imobiliário restrito; uma cidade da exclusão.<br />Paraisópolis e Morumbi em São Paulo</td></tr></tbody></table><br />Nesse sentido, o marxismo faz uma importante distinção entre infra e superestrutura, por exemplo, quando Engels destaca em seu clássico <u style="font-weight: bold;">Sobre a questão da moradia</u>, na Inglaterra da Revolução Industrial, de onde se depreende que a efetiva transformação está no controle da propriedade dos meios de produção, e não no acesso simples à moradia. Era uma clara afirmação da interação e sobre determinação entre política, concepção filosófica e a emergência de um novo problema das cidades europeias do século XIX, que explodiam de tamanho pelo êxodo rural. A técnica da produção de unidades habitacionais, iguais, produzidas industrialmente esbarrava na sobre determinação da propriedade privada, que acabava absolutizando o valor de troca, frente ao valor de uso. Enfim, a moradia é uma mercadoria ou um direito? Ou, se a técnica é neutra, ela deveria servir a conservação do status quo do módus operandi da sociedade capitalista ou ao seu revolucionamento em novas relações sociais? A técnica serve a manutenção do bloco histórico hegemônico ou às ideologias contra-hegemônicas? Minorias endinheiradas ou a massa dos despossuídos? Mais uma vez se manifesta o confronto e a interação entre fatos e sua essência, entre atuação individual e mentalidades, entre práticas cotidianas e a longa duração. Disso também se percebe, que há um claro achatamento de nossas pretensões utópicas, a partir de uma absolutização do tempo de curta duração, uma identificação de algo autoritário, inercial e imutável - o mercado - por falta de consciência ou de consideração pelo longo prazo. Afinal a habitação mantêm-se como uma questão em aberto, não só nas cidades brasileiras, desde o século XIX, quando ENGELS 2015 escreveu estas considerações, reforçadas pela orelha da mesma edição do livro <b><u>Sobre a Questão da Moradia</u></b> produzida por BOULOS 2015, em nosso tempo presente sobre a mesma crise no século XXI.<p></p><p style="text-align: right;"><i>"Basta um exemplo: em meu livro, (<b><u>A situação da classe trabalhadora na Inglaterra</u></b>, pág.102) descrevo nas páginas 80 e seguintes um agrupamento de casas situado no vale do rio Medlock, batizado de Pequena Irlanda (Little Ireland), que durante anos foi a vergonha de Manchester. A Pequena Irlanda despareceu há muito tempo; em seu lugar, ergue-se agora sobre uma base elevada uma estação de trem; a burguesia destacou ostensivamente o êxito da eliminação definitiva da Pequena Irlanda como se tivesse sido um grande trunfo. Ora, no verão passado houve uma grave imundação, como ocorre em geral com os rios represados de nossas grandes cidades, que por razões facilmente explicáveis vêm provocando ano após ano inundações cada vez maiores. Descobriu-se, então, que a Pequena Irlanda não havia sido eliminada, mas apenas transferida da banda sul para a banda norte de Oxford Road, e que ela ainda florescia."</i> ENGELS 2015 pág.105</p><p style="text-align: right;"><i>"Num momento em que a luta dos sem-teto e as ocupações urbanas ganham força no Brasil, nada mais pertinente do que lançar Sobre a questão da moradia, de Engels. O texto aborda a falta de moradia, suas razões e soluções, de forma dolorosamente atual. Sim, lamentavelmente, a natureza do problema da habitação permanece a mesma quase 150 anos depois. Engels mostra como a formação de grandes aglomerados urbanos provoca aumento de aluguéis, concentração de famílias em uma única moradia e, no limite, desabrigados. Explica que o problema não é de falta quantitativa de moradias, mas de distribuição: "já existem conjuntos habitacionais suficientes nas metrópoles para remediar de imediato, por meio de sua utilização racional, toda a real escassez de moradia." Era a Europa do século XIX, mas poderia ser o Brasil do século XXI, com mais de 5 milhões de imóveis ociosos - pouco menos do que o necessário para resolver o déficit habitacional do país, em torno de 5,8 milhões de famílias."</i> BOULOS, na orelha do livro ENGELS 2015</p><p style="text-align: justify;"><br /></p><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjelwZftPX8t14FUWp5Rdb47PvIFAZA_K9RDzEExuhxwkKkf0FzBrGEeqdeOY4wzw6Q2Ioyn5ywBrDgA6al3VjKHbaHBlhcondI4N8sQsmwNjQKoOFRpzQi89Ow7h_8UYpptAqmmaUcJEIRwU6VJBjMo89v7FcYTMzjG8wQIeWoy-gJA2BvUiWpuBkaL8xE/s229/Habita%C3%A7%C3%A3o%20Brasil1.jpg" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="229" data-original-width="220" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjelwZftPX8t14FUWp5Rdb47PvIFAZA_K9RDzEExuhxwkKkf0FzBrGEeqdeOY4wzw6Q2Ioyn5ywBrDgA6al3VjKHbaHBlhcondI4N8sQsmwNjQKoOFRpzQi89Ow7h_8UYpptAqmmaUcJEIRwU6VJBjMo89v7FcYTMzjG8wQIeWoy-gJA2BvUiWpuBkaL8xE/w384-h400/Habita%C3%A7%C3%A3o%20Brasil1.jpg" width="384" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">A situação da classe trabalhadora diante da explosão da <br />urbanização da Revolução Industrial, um problema que<br />persiste.</td></tr></tbody></table><br />Há então a persistência de um problema, que bloqueia a possibilidade de acesso à moradia, que persiste no mundo, desde o século XIX, e no Brasil quando de sua rápida urbanização até o século XXI, instalado na longa duração, apesar da imensa aparência de mudança na superfície. Apesar dessa presença, que claramente se agravou a partir da emergência da ideologia neo liberal, nosso mundo persiste celebrando a absolutização do direito de propriedade da moradia, negando mecanismos legais já alcançados, pelo Estatuto das Cidades de 2001, que se voltam para a taxação do lucro imobiliário abusivo. O mencionado achatamento utópico é uma atitude caudatária do pós modernismo, dos anos 70 e 80, que decretou a extinção das metanarrativas da modernidade, como o marxismo e o iluminismo; a rejeição dos universais para celebração das particularidades identitárias. Travestido de realismo e cientificismo, mas na verdade governado por um positivismo redutor, o pós modernismo invertia a crítica marxista ao utopismo na sua diferenciação entre socialismos utópicos e científicos. O pós moderno repetirá a exaustão que os movimentos utópicos eram autoritários, que em nome da conquista da igualdade suprimia liberdades individuais, e se envolvia com um aparato burocrático, gerador de uma casta de privilegiados, invariavelmente associados ao poder estatal. Foi Jean Françoise Lyotard, no seu <b><u>A condição pós moderna</u></b>, um ex socialista e anti stalinista, que reinvindicou para as ciências a condição de independência com relação aos meta discursos explicadores da modernidade. Desde os movimento de 1968, em Paris e no mundo todo, que as esquerdas apontavam em sua maioria a perda do apelo utópico do bloco soviético. No Brasil, no final da Ditadura Militar em 1980 emerge um texto emblemático, <b><u>A democracia como valor Universal</u></b>, de Carlos Nelson Coutinho, que reafirmava o vínculo inseparável entre socialismo e democracia. Neste texto COUTINHO 1980, pág.14 menciona-se, que essa preocupação retrocedia aos anos cinquenta com Leandro Konder e aos anos sessenta em documentos oficiais do Partido Comunista Brasileiro (PCB) (3).<p></p><p style="text-align: right;"><i>"Simplificando ao extremo, considera-se “pós-moderna” a incredulidade com relação aos metarrelatos. É, sem dúvida, um efeito do progresso das ciências; mas este progresso, por sua vez, a supõe. Ao desuso do dispositivo metanarrativo de legitimação corresponde sobretudo a crise da filosofia metafísica e a da instituição universitária que dela dependia. A função narrativa perde seus atores (functeurs), grandes heróis, grandes perigos, os grandes périplos. e os grandes objetivos. Ele se dispersa
em nuvens de elementos de linguagem narrativos, mas também denotativos, prescritivos, descritivos etc., cada um veiculando consigo validades pragmáticas sui generis. Cada um de nós vive em muitas dessas encruzilhadas. Não formamos combinações de linguagem necessariamente estáveis, e as propriedades destas por nós formadas não são
necessariamente comunicáveis."</i> LYOTARD 1986 pág.XVI </p><p style="text-align: justify;">O problema foi que essa independência se esquecia de um meta discurso da modernidade, não puramente filosófico, que era a narrativa dos economistas fisiocráticos, que celebravam a colonização do real pelo "Mercado". LYOTARD 1986, simplesmente não mencionava o "Mercado", a competição e a propriedade como uma meta narrativa explicadora, se restringindo a mencionar o iluminismo e o marxismo, assim naturalizou-se, o que era também uma construção ideológica. A naturalização do "Mercado", da propriedade privada e da expansão do cercamento dos comuns que emergia desde o Renascimento como uma forma de comportamento ético, que privilegiava a acumulação monetária, em alguns momentos, em detrimento até mesmo da produção. O humanismo renascentista, o iluminismo e o marxismo, na verdade celebraram de forma recorrente a emergência do individualismo e a autonomia da consciência do cidadão, no entanto sempre cotejaram essa emergência frente aos interesses do "Comum", a <i>Res Pública</i>. A vida coletiva, ou os interesses da maioria deveriam se sobrepor e regular a ideia da competição individual e isolada, sobrepondo a ideia compensadora da colaboração e do Comum. Há muito, que alguns autores brasileiros destacam o controle dos "Interesses Comuns" frente ao individualismo exacerbado, particularmente no campo da arquitetura e da cidade, ainda no Renascimento BRANDÃO 1991 e BRANDÃO 2000 apontam a ideia de uma ética do construir. Apesar disto, de uma hora para outra, nos anos 80 E 90, essa ideologia anti-ideológica e pseudo-científica de LYOTARD 1986 consagrava a crença que a crítica e a transformação da realidade, em favor da dignidade humana, em sua essência seria possível com a intensificação dos mecanismos de fortalecimento do mercado e do individualismo. Era a chave para sua apropriação perversa e interessada em favor do conservadorismo e do neoliberalismo, que se transformou na chave explicadora do real, por sua omissão e naturalização não intencionada de LYOTARD 1986. É claro, que tudo isto talvez passasse despercebido se não houvesse ocorrido: a eleição na Inglaterra de Thatcher em 1979 e nos Estados Unidos de Reagan em 1981, a queda da União Soviética em 1989, a publicação na década de 1990 do Fim da História de Francis Fukuyama, que incentivaram a celebração acrítica do mercado. Na verdade, uma sinergia de fatos, uma <i>"afinidade eletiva"</i> (4) de pensamentos e conquistas do pensamento conservador, que irão determinar o encolhimento dos horizontes utópicos.</p><p style="text-align: right;"><i>"Na arquitetura, entre as marcas do pós modernismo estava (ou está) a rejeição dos universais em favor de particulares: "ecletismo radical", como disse um crítico influente. Mas O Fantasma da Utopia começa e termina com a "questão da habitação" que, para arquitetos e urbanistas praticamente em todos os lugares do século XX, era a própria definição de uma questão universal, assim como a questão climática é hoje. O fato de tantas sociedades terem respondido a essa questão de maneira diferente é uma marca de sua universalidade, não porque a habitação seja um tipo de construção universal que reflete necessidades universais, mas porque ao ser colocada como uma questão - Como viver juntos? - refere-se a antagonismos básicos incorporados ao campo comum da humanidade."</i> MARTIN 2022 pág.18</p><p style="text-align: justify;"></p><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjf14xy9CvEgIIQgetM6qrDLzdmEaEfNIPyJ_ky-BvwzPN8YVRwTUlMNOLRKKZN2Ao2f_4px1HJXeT7OPNz7pC2TWiMLnfIXYRf5NssRnCgqCRIyfNu5xAkRCaLW16f7Zp2ZZcGVVor43lmibqi_i8HezdzpiWUb5loERok6Wg4k5iprSW5YRqQc-AUxi-8/s403/Teses%20sobre%20a%20filosofia%20da%20hist%C3%B3ria%20passagens.jpg" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="403" data-original-width="399" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjf14xy9CvEgIIQgetM6qrDLzdmEaEfNIPyJ_ky-BvwzPN8YVRwTUlMNOLRKKZN2Ao2f_4px1HJXeT7OPNz7pC2TWiMLnfIXYRf5NssRnCgqCRIyfNu5xAkRCaLW16f7Zp2ZZcGVVor43lmibqi_i8HezdzpiWUb5loERok6Wg4k5iprSW5YRqQc-AUxi-8/w396-h400/Teses%20sobre%20a%20filosofia%20da%20hist%C3%B3ria%20passagens.jpg" width="396" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">A utopia, nas Passagens de Paris, como um Estado em <br />suspensão de Walter Benjamim</td></tr></tbody></table><br />O campo da arquitetura e do urbanismo, no final das décadas de 60 e 70 passa também a excluir a possibilidade utópica, se envolvendo com jogos de linguagem plurais que pretendem se adequar às maneiras de construir de cada lugar. O pós modernismo não pode ser considerado em bloco como conservador, no entanto ao privilegiar os jogos de linguagem acabou por privilegiar as narrativas hegemônicas da classe dominante, silenciando os discursos pulverizados do precariado em sua luta por construir seu abrigo. É interessante perceber esta lógica, como na sua árvore genealógica do pós modernismo do crítico JENCKS 1981, a localização de Hassan Fathy um arquiteto egípcio que recuperou a utilização do adobe na conformação de abóbodas, num modo extrativista e recorrente na cultura do construir árabe é classificado como "revivalismo direto" e não como "neo vernáculo". Num mundo onde um meio como a linguagem é o mais importante, a versão e o discurso, volta e meia é mais dominante, que o fato em si. No entanto, era cada vez mais claro a absolutização do presente contínuo e acrítico, que passa com as TICs a ser soterrado por dados e fatos, realmente novos e inusitados, mas governados pelo "Mercado". O debate entre a expressão "se transforma", que seria diferente de, "se altera", justamente pelo fato de que a "alteração constante" permite tanto a idéia de conversão de uma determinada realidade em outra, como também suporta a idéia de uma simples modificação de condições superficiais ou temporárias, é algo, Escolástico. Nessa nova Idade Média, onde o real de curto prazo entorpece a crítica de longo prazo numa alienação novidadeira, que claramente cooptou a academia de forma definitiva. Não se trata de não reconhecer que a realidade esta sendo alterada rápida e constantemente, mas a referência de que as bases de reprodução da vida, de sua sustentação não idealizada - o pagamento das contas, a obtenção de comida, educação, saúde e habitação - permanecem inalteradas, sendo dilapidadas pela mentalidade de que o trabalho foi superado pelo empreendedorismo individual. Na verdade, a reprodução da vida como a conhecemos estão em cheque, ou melhor foram esquecidos, sendo recalcadas pela celebração da competição desenfreada e pela negação da possibilidade da solidariedade, da cooperação entre humanos. Os únicos que alcançaram uma certa previsibilidade na sua reprodução da vida em nossa contemporaneidade são os financistas, que jogam diariamente no sistema financeiro internacional, sempre ganhando e enriquecendo. Nessas condições, o risco de aniquilação voluntaria e domesticada da espécie humana talvez nunca tenha sido tão alto, pela falta absoluta da utopia revolucionária. O maior risco que corremos hoje é o de sermos extintos pela celebração acrítica de um progresso do "novo" repetitivo e inevitável da produção exclusivamente mercantilizada. A guerra nuclear onde alguns poucos poderosos tomam decisões que afetam as massas, a civilização produtivista do cansaço depauperando os recursos naturais e estressando o clima, a crença num progresso tecnológico autômato desprovida de memória que celebra a repetição do sempre igual travestido de novidadeiro exterminarão os seres humanos, de forma ordeira e comportada. Tal risco de migrarmos em massa, voluntariamente e de forma acrítica fazendo nossas consciências se dirigirem para dentro da matrix, inclusive pagando caro para fazê-lo é fruto de um fetiche do progresso. É provável que muitos seres humanos dediquem todo trabalho de suas vidas materiais à conquista de uma "eternidade imaterial", sem pensar no futuro das próximas gerações. <p></p><p style="text-align: justify;"></p><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjFu93BiZqcGHcskIFs8-qgfpoL42ZiFkldXsA9HD-i6H4FwIToIFH6Yf84-xuuQX0WsQ7kbXlGlxER96NdRW4YQ-So73HS6WOctKugdtnLdQ8T7Zut3q14I37zWOp3aE4-fsiTze39qdYl_iAzeMPqKtswgLqtM1wfUeH4RTaF1adTq91We74Pd_gHlRCl/s236/Teses%20sobre%20a%20filosofia%20da%20hist%C3%B3ria.jpg" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="213" data-original-width="236" height="361" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjFu93BiZqcGHcskIFs8-qgfpoL42ZiFkldXsA9HD-i6H4FwIToIFH6Yf84-xuuQX0WsQ7kbXlGlxER96NdRW4YQ-So73HS6WOctKugdtnLdQ8T7Zut3q14I37zWOp3aE4-fsiTze39qdYl_iAzeMPqKtswgLqtM1wfUeH4RTaF1adTq91We74Pd_gHlRCl/w400-h361/Teses%20sobre%20a%20filosofia%20da%20hist%C3%B3ria.jpg" width="400" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">As teses sobre a Filosofia da História de Walter Benjamim, <br />um autômato mestre em xadrez; "Na verdade, um anão <br />corcunda, mestre em xadrez, estava sentado dentro dela,<br />dirigindo a mão do boneco através de cordas. Pode-se <br />imaginar um equivalente dessa aparelhagem na filosofia.<br />Vencer deve sempre o boneco que se chama de <br />"materialismo histórico"</td></tr></tbody></table><br />O movimento que estamos assistindo passivamente é de abdicação voluntária e onerosa de toda e qualquer faculdade emancipatória do ser humano, da utopia revolucionária, em favor de uma dominação espetacular plena, promovida por uma lógica de financeirização do cotidiano, mas controlada por um aparato tecnológico dominado por poucos beneficiários. Não é a primeira vez na história da humanidade que estamos flertando de perto com potencialidades tecnológicas desconhecidas e inimagináveis, se alguns algoritmos de aprendizado de máquinas já são capazes de produzir, autonomamente, novos algoritmos de atualização e evolução de suas próprias capacidades, ou seja, um algoritmo inicialmente programado pode alterar suas próprias funções e aplicações, sem o conhecimento ou anuência de seus programadores humanos, cabe a pergunta; a quem interessa esse progresso? Na década de 30, no ambiente asfixiante da ascensão do fascismo, do nazismo e da cristalização da burocracia soviética na Europa assistimos vozes como Antônio Gramsci (1891-1937) e Walter Benjamim (1892-1940) se levantarem contra o produtivismo industrialista, o fordismo e o taylorismo como formas de alienação do trabalho. GRAMSCI (2002), Caderno 25, pág129; As margens da História, nos anos 30, a partir da conceituação de uma história única, que apagava, neglicenciava e reprimia os relatos históricos dos grupos sociais subalternos, construindo uma história dos vencedores e uma história dos vencidos. Uma crítica que apontava claramente para o apagamento dos relatos, discursos, técnicas dos grupos sociais subalternos, demonstrando de forma contundente o componente de classe e de interesses do desenvolvimento tecnológico. O exemplo atual, mais emblemático, ilustrando a persistência do interesse de classe na eleição tecnológica dominante apontada por Gramsci é o caso da Wikipédia, uma enciclopédia colaborativa, que corre o risco da supressão, se não alcançar formas de monetização. Por outro lado, BENJAMIM (1985), pág.153, em Rua de Mão Única, dos anos 40, apontava a continuidade catastrófica do progresso técnico submetido às classes dominantes, que operavam no sentido da "dominação da natureza", e que era urgente revolucioná-las no sentido do "domínio da relação entre natureza e a humanidade". Exatamente, a questão atual da sustentabilidade das práticas humanas sobre a face do planeta, que se não forem revolucionadas em seu cotidiano significarão a <span style="text-align: left;">aniquilação da vida frente às capacidades adquiridas pelas máquinas automatizadas. As críticas de Gramsci e Benjamim não são de negação da técnica, mas sua redefinição radical, a partir do combate ao mito de que o desenvolvimento técnico trará por si mesmo uma melhoria das condições sociais, proporcionando a liberdade aos homens. Na verdade, o importante agora a denunciar são as ideologias do progresso quantitativo, infinito, contínuo, linear e automático, que não apresentam qualquer correspondência com a experiência dos vencidos da história oficial, estatal e dominada pela lógica produtivista do capitalismo. A hipótese de que o </span><span style="text-align: left;">capitalismo consiga superar a existência humana, já que a Inteligência Artificial e a Realidade Aumentada conseguem desempenhar o trabalho produtivo de forma mais eficiente é reducionista e ordenada por um progresso regressivo, que dispensa as classes subalternas como sempre fez. A diferenciação entre o tempo do calendário e o tempo do relógio, na tese XV sobre a Filosofia da História de Benjamim, talvez exemplifique bem a questão;</span><p></p><p style="text-align: right;"><span style="text-align: left;"><i>"A consciência de explodir com o continuum da história é característico das classes revolucionárias no momento de sua ação. A Grande Revolução Russa introduziu um novo calendário. O dia em que um calendário começa atua como um arrebanhador do tempo histórico. E, a rigor, é o mesmo dia que sempre reaparece configurado nos feriados, nos dias de comemoração. Os calendários não contam o tempo como os relógios. Eles são monumentos de uma consciência da história, da qual há cem anos não parece mais haver o menor traço na Europa. Ainda na Revolução de Julho havia ocorrido um incidente em que essa consciência exerceu seus direitos. Ao anoitecer do primeiro dia de lutas ocorreu que, em diversos pontos de Paris, ao mesmo tempo, foram, independentes entre si, disparados tiros contra os relógios das torres. Talvez devendo a rima o seu poder divinatório, uma testemunha então escreveu; </i></span></p><div style="text-align: justify;"><div style="text-align: right;"><i><span style="text-align: left;">"Irritados contra a hora - quem diria! -,</span></i></div><i><div style="text-align: right;"><i><span style="text-align: left;">Os novos Josués, ao pé da torre, </span></i></div></i><span style="text-align: left;"><div style="text-align: right;"><i>Atiravam contra os relógios para afastar o dia""</i> BENJAMIM 1985, pág.162</div></span></div><p style="text-align: justify;">Portanto, permanece no longo prazo desde do advento da cidade industrial, uma questão central no nosso campo, da arquitetura e do urbanismo, a reconstrução da previsibilidade, de nossa capacidade de construir o futuro das próximas gerações. O plano e projeto como estruturadores de um outro futuro, construtor de esperança, não idealizada, mas ancorada diante de fatos banais e cotidianos, próprios da reprodução da vida, que garantam nossa sobrevivência. Por exemplo, como a recusa de considerar a moradia, uma mercadoria, restringindo-a ao valor de troca e não ao valor de uso, mas sim, um direito humano, assim como a educação, ou a saúde, ou a própria vida. Nossa história recente, a Pandemia de Covid19, pareceu nos doutrinar no sentido de que não será o mercado ou a competição desenfreada, mas a colaboração coletiva, o repúdio a monetização da vida, que nos resguardará de um futuro mecânico e impensado. A dimensão das atividades de plano e projeto, tão desprezadas em nossa contemporaneidade, envolvem exatamente uma lógica trans temporal entre passado, presente e futuro, como já apontado e defendido há cinco século por ALBERTI 2012, no <b><u><i>Ra Edificatória</i>, a arte de construir</u></b>. Um tratado de arquitetura renascentista de 1452 com uma impressionante atualidade para o enfrentamento do fetiche do progresso dos nossos tempos, simplesmente por nos lembrar do Projeto, como realização física de uma vida melhor. Assim, pensa-se, que cabe a nós na academia no Brasil em 2023 pensar e engendrar a ampliação de horizontes utópicos, além da simples operação da mercantilização e financeirização generalizada, abandonado a celebração acrítica do nosso progresso regressivo. Nesse sentido, na década de 1943, um autor, Joseph A. Schumpeter publicou o livro <b><u>Capitalismo, Socialismo e Democracia</u></b>, que abordava a questão da "destruição criativa", já mencionada aqui, como um suposto equilíbrio do sistema que na verdade envolvia a ideia de que ninguém podia melhorar a sua situação sem piorar a de outra pessoa. Enfim, a radicalização da competição e não da solidariedade e contribuição no seio da produtividade, seja capitalista ou comunista, apesar de sua clara ineficiência no longo prazo para o sistema. A questão deve ser colocada em perguntas; o conhecido modelo oferta e demanda, ensinado em qualquer curso de economia liberal, funciona bem com a emergência dos monopólios e oligopólios? Devido a questão do declínio dos lucros nas atividades produtivas e ampliação constante do horizonte de consumo, como regular a tendência inevitável ao comportamento especulativo, não-produtivo dos ricos e endinheirados? A racionalidade sensível está do nosso lado, isto é do pensamento progressista, ou melhor libertário e anti-coercitivo e, não do lado conservador, reafirmador do poder e retrógrado que tem se pautado por uma estratégia de disseminação do medo entre nós, como forma de bloqueio da verdadeira mudança. </p><p style="text-align: justify;"></p><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEjspkXMb-_VPaUXsxHEpIc2_Jicv9q_24Vsnam9IRutsyIzkU1JeIJzJ7ZVJt90wKOAUSJxY4_izBSzZaECrkE6KGVJ3ljvpoJqy9L6EipWCwHw15X2cr7PsTUp8_kjOmU9Aa7belotR_7A8RiL4dGULQWaGeGsjUHW8K-8Jnfn_D2QYLXf4BJyDCnDkSI_" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img alt="" data-original-height="189" data-original-width="266" height="284" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEjspkXMb-_VPaUXsxHEpIc2_Jicv9q_24Vsnam9IRutsyIzkU1JeIJzJ7ZVJt90wKOAUSJxY4_izBSzZaECrkE6KGVJ3ljvpoJqy9L6EipWCwHw15X2cr7PsTUp8_kjOmU9Aa7belotR_7A8RiL4dGULQWaGeGsjUHW8K-8Jnfn_D2QYLXf4BJyDCnDkSI_=w400-h284" width="400" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Machado de Assis e a condição da escravidão no Brasil;<br />ironia e cinismo</td></tr></tbody></table><br />Aliás, com relação a questão da desconfiança com relação aos horizontes utópicos e a ampliação de uma atitude cínica diante de nossa condição periférica no Brasil, já havia mencionado o conto do Machado de Assis (1839-1908), cujo o nome fiquei te devendo, que é o, <b><u>"Pai contra Mãe"</u></b>, um conto terrível, que nos mostra o potencial irônico justamente na questão da escravidão, de um dos nossos maiores escritores. Aliás, no sentido de tentar vincular sua reflexão aos nossos problemas brasileiros sugiro o recente livro do Abílio Guerra - <b><u>"Cultura Pau-Brasil; o encontro de Lucio Costa, Mario de Andrade, Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral"</u></b> Neste livro há a indicação de uma importante revisão bibliográfica sobre nossa complexa condição, o Brasil, uma realidade ainda por ser explicada e pensada de forma autônoma e crítica, como aliás fizeram nos anos 30 estes quatro pensadores. Nossa condição periférica, de nação explorada pelo sistema capitalista internacional, com suas especificidades na operação da construção do abrigo, da cidade e na ordenação territorial. O livro é uma inteligente aproximação e problematização do movimento modernista no Brasil, e suas pretensões de construção de uma forma específica de pensar e construir, mais sintonizada com o país. Por exemplo, no tema ainda do intelectual situado numa nação periférica, segundo Graça Aranha (1868-1931) - <b><u>"A estética da vida"</u></b>, que é de certa forma contemporâneo, mais jovem que Machado, e que reconhecia a sua verve irônica e cínica como; <p></p><p style="text-align: right;"><i>"dissimula e ignora o grande elemento cósmico em que vive o espírito brasileiro. A esperteza de Machado de Assis iludindo a natureza tropical que o esmaga, e libertando-se de sua opressão pela ironia, não resolve o primordial problema da inteligência brasileira, que é o de vencer o terror do mundo físico e incorporar a si a natureza."</i> GUERRA 2022 Pág.117 e 118. </p><p style="text-align: justify;">Por outro lado, um crítico mais próximo de nós, que também está no livro do Abilio Guerra, é o Roberto Schwarz, que escreveu; <b><u>"Um mestre na periferia do capitalismo: Machado de Assis"</u></b> reitera e celebra a denuncia machadiana sobre a afetação da vida intelectual brasileira. Uma certa ambivalência ideológica de nossas elites cultas, que permanecem se enxergando como participantes de um <i>"Ocidente"</i> progressista e culto, mas que tira proveito do último sistema escravagista nessa parte do mundo, no tempo de Machado. E não só na virada do século XIX para o XX, nossa classe dominante de certa forma permanece dissimulando e recalcando as condições de seu precarizado super explorado, que lhe possibilitou um imenso desenvolvimento e acumulação, sempre e ainda sem qualquer divisão de renda. Uma importação contínua, acrítica e sem qualquer identificação com o solo local, com nossa auto construção, uma espécie de vergonha de si mesmo, com aquilo que já foi caracterizado como "as ideias fora do lugar". </p><p style="text-align: right;"><i>"fruto da incompatibilidade entre as condições locais e os valores importados, ressaltando o descompasso entre centro e periferia..."</i> SCWARZ 1990, apud GUERRA 2022 Pág. 381</p><p style="text-align: justify;">Estamos diante um mundo distópico, que se mostra incapaz de pensar um outro futuro, que não seja o da catástrofe ecológica, da automatização do progresso sem controle social e do extermínio da espécie humana. Na década de 30, diante de condições brutais de derrota, frente ao nazi-fascismo, frente a ditadura da burocracia stalinista e de cooptação do mundo do trabalho pela alienação produtivista, Benjamim e Gramsci mostraram um enorme capacidade de engendrar mundos a partir do destaque dado aos grupos sociais subalternos. Não se trata apenas, de dar destaque à capacidade descritiva da literatura, mas a ironia e a ilusão machadianas fazem parte de uma tradição das nações periféricas, onde a "aguda consciência do mimetismo e uma forma sutil de trazer a tona a alienante realidade social brasileira.", nos confrontam com um mundo controlado por um minoria. Esta questão tem sido central para mim, pois envolve a presença inescapável do projeto, da ideologia, e da hegemonia, que não seria possível ultrapassar pela simples manipulação de dados possibilitada pelas TICs. O ambiente novidadeiro e descontextualizado de nossas verdadeiras perspectivas é muito presente em nosso ambiente acadêmico e periférico, que idealiza de sobre maneira as reflexões desconectadas das reais condições de reprodução da vida. Afinal minha tese de doutorado foi "Projeto, Ideologia e Hegemonia; em busca de um conceito operativo para a cidade brasileira" (2007), que mencionava este debate a partir do "Complexo de Vira-Latas" do Nelson Rodrigues. Mas, que hoje tenho de reconhecer, ficava na superficialidade, pois o livro do Abílio Guerra - <b><u>"Cultura Pau-Brasil; o encontro de Lucio Costa, Mario de Andrade, Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral"</u></b> se aprofunda muito mais no tema, e portanto faz muito mais conexões. Inclusive, com conexões entre nossos povos originários e os pensamentos de Montaigne, século XVI e Rousseau século XVIII, particularmente nas ideias do Mario de Andrade (Macunaíma), do Oswald de Andrade (Manifesto da Poesia Pau-Brasil), do Lucio Costa e da Tarsila do Amaral. Talvez seja o caso de pensarmos sobre uma Utopia Preguiçosa, onde se festeja a contemplação de um mundo, onde;</p><p style="text-align: right;"><i>"A partir do momento que o homem se põe a fazer música, versos, uma pintura, um traçado, não deve, se quiser permanecer autêntico, se escravizar às forças telúricas, mas saber extrair das coisas uma espécie de eternidade. Roberto Burle Marx embrenhou-se no coração da mata, e a resgatou em seus jardins, onde reencontra-se a vegetação da caatinga, dos planaltos, das serras e das praias."</i> REGO, apud GUERRA 2022, pág.392</p><p><b>NOTAS:</b></p><p style="text-align: justify;">(1) CHUL-HAN 2017 págs. 7 e 8 no livro A sociedade do Cansaço menciona uma cegueira no âmbito social em nossa sociedade; <i>"Visto a partir da perspectiva patológica, o século XXI não é definido como bacteriológico nem viral, mas neuronal. Doenças neuronais como a depressão, transtorno do déficit de atenção com síndrome de hiperatividade (TDAH), Transtorno de personalidade limítofre (TPL), ou a Síndrome de Burnout (SB) determinam a paisagem patológicado começo do século XXI... Nesse dispositivo imunológico, que ultrapassa o campo biológico adentrado no campo e em todo o âmbito social, ali foi inscrita uma cegueira."</i></p><p style="text-align: justify;">(2) SCHUMPETER publicou o livro Capitalismo, Socialismo e Democracia em 1943, antes do final da 2a Guerra Mundial, num mundo que compartilhava de um consenso de que as tendências especulativas do capitalismo deveriam ser reguladas para que fossem evitadas as matanças vivenciadas na Europa.</p><p style="text-align: justify;">(3) No livro há a citação do secretário geral do PCB, Luiz Carlos Prestes, que afirmava no ano de 1961: "Os comunistas brasileiros reafirmam ainda uma vez que não são contra o regime democrático. Ao contrário, lutam pela democracia e são favoráveis à pluralidade de partidos, que exprime os diversos interesses e tendências do povo brasileiro. Reconhecem os comunistas que o povo brasileiro é herdeiro de um rico patrimônio de tradições liberais. Essas tradições são valores que os comunistas querem enriquecidos para todo o povo e não apenas para as camadas mais afortunadas, como, de fato, tem ocorrido em nossa história." COUTINO 1980 pág.14</p><p style="text-align: justify;">(4) A ideia de <i>"afinidade seletiva"</i> inaugura as reflexões de LÖWY 2020 sobre a Utopia e o Messianismo Judaico, e tem definições algo imprecisas, tais como; <i>"um tipo particular de relação dialética que se estabelece entre duas configurações sociais ou culturais, não redutível á determinação casual direta ou à influência no sentido tradicional."</i> LÖWY 2020 pág.6, ou ainda; <i>"quando dois seres ou elementos buscam-se um ao outro, atraem-se, ligam-se um ao outro e a seguir ressurgem dessa união íntima numa forma (Gestalt) renovada e imprevista."</i> LÖWY 2020 pág.9</p><p><b>BIBLIOGRAFIA:</b></p><p style="text-align: justify;">ALBERTI, Leon Battista - <b><u>Da arte do construir, tratado de arquitetura e urbanismo</u></b> - Editora Hedra, São Paulo 2012</p><p style="text-align: justify;">BENJAMIM, Walter - <b><u>Rua de mão única</u></b> - Editora Brasiliense, São Paulo 1987</p><p style="text-align: justify;">________________- <b><u>Walter Benjamim, sociologia, Teses sobre a filosofia da história</u></b> - Editora Ática São Paulo 1985</p><p style="text-align: justify;">BRANDÃO, Carlos Antônio Leite - <b><u>A formação do homem moderno vista através da arquitetura</u></b> - AP Cultural, Belo Horizonte, 1991</p><p style="text-align: justify;">___________ - <b><u>Quid Tum? O combate da arte em Leon Battista Alberti</u></b> - Editora da UFMG Belo Horizonte 2000</p><p style="text-align: justify;">BRAUDEL, Fernand - <b><u>Escritos sobre a história</u></b> - Editora Perspectiva, São Paulo 2005 </p><p style="text-align: justify;">COUTINHO, Carlos Nelson - <b><u>A democracia como valor Universal, notas sobre a questão democrática no Brasil</u></b> - Editora Ciências Humanas São Paulo 1980</p><p style="text-align: justify;">CHUL-HAN, Byung - <b><u>A sociedade do cansaço</u></b> - Editora Vozes Petrópolis RJ 2017</p><p style="text-align: justify;">ENGELS, Friedrich - <b><u>Sobre a questão da habitação</u></b> - Editora Boitempo, São Paulo 2015</p><p style="text-align: justify;">ENGELS, Friedrich - <b><u>A situação da classe trabalhadora na Inglaterra</u></b> - Editora Boitempo, São Paulo 2010</p><p style="text-align: justify;">GRAMSCI, Antônio - <b><u>Caderno 5, Quaderni 25; As margens da história, História dos Grupos Sociais Subalternos</u></b> - Civilização Brasileira, Rio de Janeiro 2002</p><p style="text-align: justify;">GUERRA, Abilio - <u style="font-weight: bold;">Cultura Pau-Brasil; o encontro de Lucio Costa, Mario de Andrade, Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral</u> - Romano Guerra Editores, São Paulo, 2022 </p><p style="text-align: justify;">HARARI, Yuval Noah - <b><u>Sapiens, uma breve história da humanidade</u></b> - LP&M, Porto Alegre 2018</p><p style="text-align: justify;">JENCKS, Charles - <b><i><u>El lenguage de la Arquitectura posmoderna</u></i></b> - Gustavo Gilli, Barcelona 1981</p><p style="text-align: justify;">LYOTARD, Jean françoise - <b><u>A condição pós moderna</u></b> - Editora José Olimpio, Rio de Janeiro 2009</p><p style="text-align: justify;">LÖWY, Michael - <b><u>Redenção e utopia: o judaísmo libertário na Europa Central (um estudo de afinidade eletiva)</u></b> - Perspectiva, São Paulo 2020</p><p style="text-align: justify;">MARTIN, Reinhold - <b><u>O Fantasma da Utopia: arquitetura e pós modernismo, outra vez</u></b> - Perspectiva, São Paulo 2022</p><p style="text-align: justify;">SCHUMPETER, Joseph A. - <u style="font-weight: bold;">Capitalismo, Socialismo e Democracia</u> - Editora UNESP, são Paulo 2017</p><p style="text-align: justify;">SCWARZ, Roberto - <u style="font-weight: bold;">Um mestre na periferia do capitalismo: Machado de Assis</u> - Editora Duas Cidades, São Paulo 1990</p><p style="text-align: justify;">ZUBOFF, Shoshana - <b><u>A era do capitalismo de vigilância; a luta por um futuro humano na nova fronteira do poder</u></b> - Editora Intrínseca, Rio de Janeiro 2020</p>Pedro da Luzhttp://www.blogger.com/profile/07320690622387710961noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7230136955993736286.post-25550870458152950382023-03-12T19:42:00.000-03:002023-03-12T19:42:00.907-03:00A política de juros, o risco fiscal, inflação e o pensamento único da nossa imprensa<p><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiOPBLNt3ReqTb3AV_ta9aR4wDMa-SDtsbuNeNTcoU62gCM7-ZPzNT_ARSlChoCpdo7KOHBzlIj8oITwKd7OxBRCQ172VZeed6PWJrsQ_a_6nkoxujWdQ6Z3PmSxJz74QAZPyu-fqSkDIQ0d9BITjRBhQjRgmrorlgZR80Tbhq2SflFgETDJjaod_7pbg/s225/risco%20fiscal.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="225" data-original-width="225" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiOPBLNt3ReqTb3AV_ta9aR4wDMa-SDtsbuNeNTcoU62gCM7-ZPzNT_ARSlChoCpdo7KOHBzlIj8oITwKd7OxBRCQ172VZeed6PWJrsQ_a_6nkoxujWdQ6Z3PmSxJz74QAZPyu-fqSkDIQ0d9BITjRBhQjRgmrorlgZR80Tbhq2SflFgETDJjaod_7pbg/w320-h320/risco%20fiscal.jpg" width="320" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">A política de juros, o risco fiscal e a hegemonia<br />do rentismo no Brasil</td></tr></tbody></table><br />A imprensa nacional, monopolizada por poucos agentes econômicos repete de forma obsessiva, que a Taxa de Juros determinada pelo Banco Central não pode cair, por ser um gerador automático de inflação e subida de preços e serviços, sendo portanto um fator de penalização dos setores populares. Importante antecipar aqui, que não sou economista, mas arquiteto e urbanista, que partilha com a primeira ciência, a classificação dentro da CAPES, como ciência social aplicada, que na verdade deveria ser acrescida pela característica de ser uma arte aplicada. Dentro desta perspectiva parece que a taxa de juros elevada representaria um fomento a promoção de uma melhor divisão de renda, ou pelo menos de salvaguarda dos pobres, em nosso contexto de nação na semi periferia do sistema capitalista, o que me parece algo totalmente equivocado e distorcido. Em primeiro lugar, a redução da ciência econômica a uma ciência exata, onde independente da conjuntura, um determinado movimento - queda de juros -, dispara uma inevitável subida de preços de produtos e serviços - inflação -, me parece uma doutrinação interessada articulada por setores rentistas que comandam o jornalismo dos grandes meios de comunicação do Brasil. Em poucas palavras, a economia assim como a arquitetura e o urbanismo repito são ciências sociais aplicadas, definida assim, pela própria agência de pesquisa no Brasil, a CAPES, portanto uma ciência com profundos vínculos sociais e políticos. Em segundo lugar, há por parte desta mesma imprensa a utilização de uma linguagem que denomina de forma recorrente os rentistas, como investidores, recalcando sua real prática no mercado; pessoas que investem em papéis ou aplicações com rendimentos pré determinados que não oferecem qualquer risco ao operador, devendo portanto serem nomeados como rentistas, sem qualquer conotação celebratória ou pejorativa. Economistas de renome, de diferentes tendências macro econômicas, como Monica de Bolle, André Lara Resende e Juliana de Furno fazem clara distinção entre investidores e rentistas, identificando nos primeiros algum vínculo com as atividades produtivas, e nos outros, o mero investimento recorrente na dívida pública, portanto restritos às garantias do Tesouro Nacional, o que lhes garante ganhos continuados, sem risco. Em terceiro, e último lugar há uma recorrente menção a um perigo de proximidade a um "abismo fiscal", de que a dívida pública do Brasil possue proporções desmesuradas e inapropriadas, na sua relação com o PIB do país. Esta dívida está hoje num patamar de 73%, índice que segundo esta mesma imprensa monopolizada deveria ser reduzido. No entanto, os mesmos economistas assinalados defendem que países com economias similares ao nosso estágio de desenvolvimento (México, Turquia, Chile, India, os emergentes ) apresentam índices similares e até mais altos, sem que isto seja visto de forma negativa. Particularmente, o economista André Lara Resende, numa entrevista ao Canal Livre da TV Bandeirantes, identifica com bons olhos a existência da dívida pública, no patamar que ela atualmente está no Brasil, por ser uma demonstração clara da presença de um sofisticado sistema financeiro. E, aponta a repetição infinita por parte da nossa imprensa, da questão do risco fiscal, como um terrorismo interessado capaz de bloquear o debate e impedir a análise de alternativas. Na oportunidade da sua entrevista, ao Canal Livre, André Lara Resende defendeu a questão da autonomia do Banco Central e qualificou a ciência econômica como ciência social não exata, portanto avaliada a partir de sua adequação às circunstâncias;</p><p style="text-align: right;"><i>"A palavra independência para qualificar a questão do Banco Central não é correta, pois a independência configuraria um quarto poder no cenário da República, o termo ao meu ver correto seria autônomo... A ideia de autonomia resguarda o conceito de que o Banco Central é um órgão de Estado, e não de governo, portanto livre de pressões eleitoreiras ou de políticas voltadas para ampliar a popularidade de líderes políticos de diferentes correntes ideológicas... Por outro lado, a questão da autonomia suscita ao mesmo tempo a ideia de que a política monetária poderia estar livre de circunstâncias políticas, econômicas e sociais, o que não é correto... A economia é uma ciência social e política, e não exata, portanto está em constante evolução, e, deve ser avaliada com relação a sua adequação às circunstâncias com as quais lida."</i> RESENDE, André Lara, entrevista Canal Livre, da Band News em transcrição minha</p><p>A ideia de circunstância e de adequação ao mundo real me parecem importantes de serem debatidas, pensadas e problematizadas, no Brasil atual e no mundo contemporâneo, nos campos da economia, mas também de todas as ciência sociais. Assim, como no campo da arquitetura e do urbanismo as circunstâncias políticas, sociais e econômicas evoluem e se transformam exigindo dos pensadores destes campos ajustes em seus posicionamentos, para perceber o que muda e o que permanece inalterado. Daí decorre a centralidade das questões; da ideologia, da predominância de certas posições ideológicas, a hegemonia, e da alienação, como atuação mecânica potencializada pela repetição interminável de dogmas ou afirmações ligeiras. Aqui, no blog já foram publicados uma série de textos caracterizando nosso tempo contemporâneo, a partir do final dos anos 1970s, como um tempo da hegemonia do capital financeiro, determinado por uma série de desregulamentações estatais no sistema bancário internacional comandados pela ideologia neo-liberal, e pelo incrível desenvolvimento das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), que impulsionaram fluxos de capitais especulativos em detrimento dos produtivos. Em particular, o texto de Giovanni Arrighi, <b><u>O longo século XX, dinheiro, poder e as origens do nosso tempo</u></b> foi citado e explica de maneira brilhante, numa perspectiva histórica de longo prazo de maneira emblemática e didática, como atingimos esta condição de nossa sociedade contemporânea, de absoluta predominância do capital especulativo. Mas aqui, neste texto, parte-se de um ponto de vista mais recente, ou de curto prazo quando percebe-se o início de uma abordagem mais dissonante do tema, rompendo-se de forma ainda tímida o pensamento único da nossa imprensa. Certamente, esta postura foi inaugurada com a polêmica do Presidente da República, Lula, e o Presidente do Banco Central, Campos Neto, na qual o primeiro identificava uma desproporção desmedida dos juros aplicados no Brasil (13,75%) ao contexto da economia nacional, que notadamente inviabiliza o seu crescimento. Imediatamente e mais uma vez, surgiram na mídia oligopolizada julgamentos condenatórios as falas do Presidente da República, apontando sua incapacidade técnica ou de real entendimento das sutis questões macro econômicas, num claro posicionamento positivista, e de afirmação de que esta área deveria estar livre de qualquer <i>"politização"</i>. A argumentação positivista, celebratória de um cientificismo apolítico, invariavelmente partia de justificativas tecnocratas, que entendiam o âmbito financeiro como um campo de iniciados, onde operam lógicas abstratas e distantes do senso comum político e social. Ao responder a jornalista Juliana Rosa, comentarista de economia da Globo News, agora na Band News, que lhe apontava a questão do risco fiscal como algo insustentável, que preocupa o mercado financeiro, André Lara Resende respondeu;</p><p style="text-align: right;"><i><span style="font-family: inherit;">“Me explica por que não é sustentável! O que quer dizer risco fiscal? Risco de sustentabilidade? É a dívida. Se você olha as contas brasileiras, o número brasileiro e pergunta sobre o país, falam que o país está perfeitamente bem com a economia em ordem. Há um endividamento muito inferior a todos os países desenvolvidos, em linha com os países em desenvolvimento e a dívida brasileira é integralmente em moeda nacional... </span><span style="font-family: inherit; text-align: left;">Na prática, uma taxa de juros alta, ao mesmo tempo que tenta controlar a inflação, sem conseguir, reduz o crescimento. Com o indicador alto, empresas e pessoas físicas restringem o consumo, pois as famílias ficam sem dinheiro para comprar, enquanto as empresas evitam linhas de crédito para fazerem investimentos... </span></i><span style="font-family: inherit; text-align: left;"><i>Agora, como os balanços de bancos estão aquém do esperado, o fato de que tivemos quebras no varejo leva os bancos a retrair drasticamente o crédito. Assim, você agrava o processo de desaquecimento da economia e coloca o país em uma possível recessão muito séria”</i> </span>RESENDE, André Lara, entrevista Canal Livre, da Band News em transcrição minha<span style="font-family: inherit; text-align: left;"> </span></p><p><span style="font-family: inherit;">Mais uma vez, repete-se a manipulação da informação e a alienação de parcelas expressivas de nossa população, que repetem dogmas cristalizados, como independentes das circunstâncias e conjunturas específicas de cada tempo. O que parece claro é que a produção de ideias, conceitos e consciência está em nosso mundo mesclada com as relações materiais e interessadas dos homens, a linguagem da vida real, que me parece no caso em destaque, atender claramente a uma visão parcial e interessada do problema. Resta saber por quanto tempo?</span></p><p><b>BIBLIOGRAFIA:</b></p><p><span style="font-family: inherit;"><span style="background-color: white; color: #666666;">ARRIGHI, Giovanni - </span><u style="background-color: white; color: #666666;"><b>O longo século XX, dinheiro, poder e as origens do nosso tempo</b></u><span style="background-color: white; color: #666666;"> - editora Unesp São Paulo 1996</span></span></p><p><span><span style="background-color: white; color: #666666;">Entrevista ao economista André Lara Resende ao Canal Livre da TV Bandeirantes, acesso em 08/03/2023 no link: https://youtu.be/lna0J1d029A</span></span></p><p><span><span style="background-color: white; color: #666666;">https://www.youtube.com/live/tuPETK1-9kU?feature=share</span></span></p>Pedro da Luzhttp://www.blogger.com/profile/07320690622387710961noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7230136955993736286.post-14072997978752939482023-02-20T21:15:00.000-03:002023-02-20T21:15:16.542-03:00Lukács e a Arquitetura, um livro de Juarez Duayer<p><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjlihGUiKxcSlgAagH7lKi6Fk_ex5LC3sCb8v5B96yU8e7mnBBxOC6ALLDo3cR1-o2rQFU7F4t__3J9uBncOnd3aHC4XBimasgdww3Wl2XwjDuQg0Nqc6MX1XgaAniN16pZrnMAuO2BhAVIZG2_C3GMtHOYsr7LuLp6iYc80Ti-JNuhQzvQqnzmLX8ZzA/s268/Luk%C3%A1cs%20e%20a%20arquitetura.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="268" data-original-width="188" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjlihGUiKxcSlgAagH7lKi6Fk_ex5LC3sCb8v5B96yU8e7mnBBxOC6ALLDo3cR1-o2rQFU7F4t__3J9uBncOnd3aHC4XBimasgdww3Wl2XwjDuQg0Nqc6MX1XgaAniN16pZrnMAuO2BhAVIZG2_C3GMtHOYsr7LuLp6iYc80Ti-JNuhQzvQqnzmLX8ZzA/w281-h400/Luk%C3%A1cs%20e%20a%20arquitetura.jpg" width="281" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Livro Lukács e a arquitetura de Juarez<br />Duayer</td></tr></tbody></table><br />Georg Lukács (1885 - 1971) é um dos mais importantes filósofos, crítico literário e historiador do século XX, sua obra possui um caráter complexo, que de certa forma espelha os movimentos históricos de seu tempo, o século XX, na sua vitalidade e conteúdo, sempre comprometido com um posicionamento polêmico e firme. Lukács é uma personalidade única em seu tempo, que espelha o tempo que vivenciou com uma profundidade realmente impressionante, construída a partir de uma erudição ímpar e interessada. O livro <b><u>História e Consciência de Classe</u></b>, de certa forma inaugura sua trajetória de publicações, datado de 1922 trata-se de uma coletânea de ensaios, que pretendem estruturar uma base filosófica mais sistemática para o leninismo. Junto com o filósofo Karl Korsch (1886-1961), Lukács foi duramente criticado por Grigory Zinoviev (1883-1936), no quinto Congresso do Comintern em 1924 por seus posicionamentos aproximados a um certo idealismo hegeliano. Em 1924, Lukács escreve um curto estudo celebratório sobre Lenin, logo após a sua morte denominado, <u style="font-weight: bold;">Lenin, um estudo sobre a unidade de seu pensamento</u>, e em 1925 publicou uma revisão crítica sobre o <b><u>Manual do Materialismo Histórico</u></b> de Nikolai Bukharin (1888-1938). Considerado como um dos expoentes daquilo que se convencionou chamar de Marxismo Ocidental, Lukács se distanciou do revisionismo democrático, que caracteriza os expoentes desta corrente do pensamento, sendo as vezes apontado como stalinista. Segundo KONDER 2002, a compreensão de Lukács do materialismo histórico e dos escritos do autor de O Capital, Karl Marx, eram alicerçados num sólido conhecimento das ideias do idealismo alemão, particularmente Kant e Hegel. Tal condição, lhe permitiu uma compreensão aprofundada dos textos de Marx, notadamente a partir do impacto da primeira guerra mundial (1914-1918) e da Revolução Russa de 1917, quando mergulha na obra do autor alemão. Sua história, no entanto nestes anos não se restringe as reflexões filosóficas, pois assume a condição de dirigente da política cultural da breve Comuna Húngara em 1919. </p><p style="text-align: right;"><i>"A experiência de um engajamento radical na luta política e na "batalha das ideias" se expressou numa coletânea de ensaios intitulada História e consciência de classe de 1922. Nos ensaios do livro, sobretudo no ensaio sobre a reificação (ou coisificação), Lukács trouxe uma significativa contribuição para o aprofundamento da reflexão a respeito da questão da ideologia. Exilado em Viena (então sob governo social-democrata), Lukács analisava as condições da vitória obtida pela direita em seu país, a Hungria, à luz da situação do capitalismo na Europa. Estava, na época, convencido de que a revolução proletária era iminente."</i> KONDER 2002 pág.60</p><p><span style="font-family: inherit;"><span style="background-color: white; color: #222222;">No pensamento de Lukács há também uma constante referência a aspectos socio-culturais e também estéticos, que denotam a ideia de uma composição mais abrangente, que relacionam partes com um todo, numa síntese com pretensões além da eficiência tecnológica. Dentro da sua <b><u>Estética</u></b>, escrita em 1963 e que foi sucedida por <b><u>Uma Introdução a Estética Marxista</u></b> de 1967 a literatura ocupa a centralidade de suas atenções, enquanto a arquitetura é encarada como um dos ítens dentro da totalidade das artes. A arquitetura e seu projeto possuem aspectos evocativos que disparam no seu observador ou fruidor, a contemplação do belo, que é pensado e articulado em nossas mentes a partir de um todo a espacialidade, que só pode ser julgado a partir de complexas relações entre parte e totalidade. Neste sentido, um compartimento da arquitetura, uma sala ou uma cozinha, ou ainda uma fachada ou seu telhado é uma parte, que ocorre na totalidade da edificação, interagindo com outras como; o lote, a quadra, a rua, a cidade, o meio que pautam a ideia de adequação, comodidade, funcionalidade, conforto, estática e beleza em sua plenitude, que só pode ser avaliada a partir da totalidade. Afinal, a edificação deve acolher o humano em sua inteireza sem esquecer de questões como legibilidade, sucessão de espacialidades articuladas e orientadas para uma adequação ao corpóreo e ao social, sem que isto represente prejuízo a qualquer uma daquelas categorias mencionadas. Neste sentido, a tríade de Vitruvio; <i>"firmitas, utilitas e venustas"</i>, ou; estática, funcionalidade-comodidade e beleza permanecem governando o mundo do engendramento das partes com o todo no processo de concepção do projeto, seja da arquitetura ou do urbano. Em 2007, defendi a minha tese de doutorado que abordava o tema; </span><b style="background-color: white; color: #222222;"><u>Projeto, Ideologia e Hegemonia; em busca de uma conceituação operativa para a cidade brasileira</u></b><span style="background-color: white; color: #222222;">, PROURB 2007, que aborda as questões da orientação ideológica, operativa e doutrinária do fazer arquitetura e cidade. Nesta reflexão coincidentemente há, também um trecho da </span><b style="background-color: white; color: #222222;"><u>Estética</u></b><span style="background-color: white; color: #222222;"> de LUKÁCS 1982 P.261, vol.3, que foi selecionada por mim e também por Juarez Duayer, no seu livro Lukács e a Arquitetura, do ano de 2008 que diz; </span></span></p><p style="text-align: right;"><span style="font-family: inherit;"><span style="background-color: white; color: #222222;"><i>"Esteticamente a arquitetura se produz somente quando as conexões assim captadas e transpostas a prática se revelam de um modo visualmente evocador, quando a construção de sólida fundamentação cognoscitiva muta na conformação de um espaço particular, visualmente evocador, como momento construtivo determinado deste: quando as forças naturais gerais tornadas imediatamente visíveis figuram com forças gerais da vida humana. É claro que essa transposição da generalidade reconhecida em visualidade concreta, em eficácia imediata evocadora-visual, significa ao mesmo tempo a mutação da generalidade em particularidade. Neste ponto a relação inerente da generalidade à particularidade é ainda mais evidente, se isso é possível, que nas demais artes." </i>DUAYER, </span><span style="background-color: white; color: #222222;">2008, página78</span></span></p><p><span style="font-family: inherit;"><span style="background-color: white; color: #222222;">E eu, complementaria o filósofo húngaro, que a fruição da arquitetura não se restringe a visualidade, mas ao corpóreo-visível ou tátil-visível, numa evidência de que nosso juízo sobre ela depende da legibilidade, da comodidade, sensação de proteção, do conforto, vistos como uma ideia generalizante. E, esta complexa relação entre generalidade e particularidade, na arquitetura e no urbanismo é bem presente no pensamento de Lukács, construindo nosso juízo de valor da adequabilidade da obra ao contexto e ao tema. A compreensão geral da obra, em sua dimensão total, bem como suas particularidades específicas conformam uma espacialidade evocadora, que figura e abriga a vida humana, que não encontra seu lugar, se não for por um gesto arbitrário modificador ou humanizador. Aqui está a essência da matriz modificadora e conformadora de um lugar, da arquitetura e do urbanismo, que para se humanizar carrega uma expressividade ao mesmo tempo da genealogia do humano mais primitivo, e também de sua própria época. Esta genealogia do humano é sempre construção e reconstrução, objetividade e subjetividade, convencimento e arbitrariedade, checados e rechecados pela pré-figuração, o desenho, que escava não só o que foi, ou o que é, mas principalmente o que deve ser, ou o devir. Por conta de minhas aulas em Teoria e História da Arquitetura 1 na graduação, nos últimos tempos, me defrontei com um autor renascentista, Leon Baptista Alberti, que escreveu o </span><b style="background-color: white; color: #222222;"><u>Tratado de Re Aedificatória</u></b><span style="background-color: white; color: #222222;">, que usa o termo latim </span><i style="background-color: white; color: #222222;">"concinitas"</i><span style="background-color: white; color: #222222;"> para indicar a adequação, o encaixe do construído ao seu meio, numa construção bem sucedida. Sem dúvida suas questões estão no cerne do campo da arquitetura e do urbanismo há muito tempo, assim como as reflexões de Lukács sobre a arte em geral e o construído em particular. Objetivamente, o pensamento lukácsiano articula num discurso comprobatório persuasivo as questões do reflexo científico e artísticos, como forma de apreensão do real pela humanidade, como um patrimônio em contínua construção. Para Lukács, a ciência avança na medida em que desantropomorfiza sua apropriação do real, isto é supera a subjetividade e reconhece ainda que setorialmente a objetividade. Enquanto, a arte por sua própria natureza é antropomórfica, isto é lida com a matéria a partir da dimensão subjetiva, e constroe sua visão de mundo buscando sensibilizar o fruidor com a empatia de um subjetividade. A relevância de sua reflexão e a de Alberti, para a arquitetura e a cidade, tendo como premissa não apenas a objetividade científica, mas também a subjetividade da arte, pois estas reúnem em seu cerne as duas formas, além da intuitiva, de nos apropriarmos do real. A questão da presença do caráter espaço-temporal na realidade objetiva é abordado por Juarez Duayer sobre o prisma de Lukács, numa correta tensão com a <i>"fecunda contradição dialética"</i> expressa numa sequência brilhante de citações do autor húngaro baseadas no fato de que;</span></span></p><p style="text-align: right;"><span style="font-family: inherit;"><span style="background-color: white; color: #222222;"><i>"<u>todo meio homogêneo primária e imediatamente espaço-visual tenha que inserir também um quase-tempo na totalidade de seu mundo, do mesmo modo que tão pouco existe meio homogêneo temporal que seja capaz de construir seu mundo sem nenhum elemento de quase-espaço.</u> [...] <u>o movimento do homem</u> no espaço interior arquitetônico, seu movimento em relação ao espaço externo (aproximação etc) não são apenas <u>condições prévias estéticas imprescindíveis ao comportamento receptivo</u> - pois em princípio <u>é impossível perceber uma obra arquitetônica na totalidade de sua composição desde um único ponto de vista -, mas têm, além disso, a significação de uma tomada de posse desse complexo real pelo homem</u> [...] que nasce de <u>numerosas e complicadas determinações objetivas</u> e na qual, como vimos, já está contido objetivamente <u>o domínio do homem sobre as forças naturais</u>, realiza sua verdadeira finalidade intencional precisamente nessa tomada de posse produzida pelos movimentos do homem em dito espaço, ou até ele, ou em torno dele etc., [e que consumam] <u>o caráter total de dito espaço, tanto para si quanto, consequentemente, para o homem</u>[...] este <u>movimento</u> satisfaz as <u>finalidades subjacentes objetivamente à construção inteira e que condicionam o caráter concreto e único, convertido em particularidade</u>, da estática da luta das forças naturais, este comportamento subjetivo experimenta um intensificado páthos interno e pode converter-se no órgão adequado, capaz de ampliar e aprofundar aquele "mundo" que <u>o espaço arquitetônico, como um Para-nós receptivo, chama a vida"</u></i> LUKÁCS 1982, V.4, P. 120 em DUAYER 2008 pág.77 e 78, trechos sublinhados por mim</span></span></p><p><span style="font-family: inherit;"><span style="background-color: white; color: #222222;">O meio homogêneo, me parece uma figura ou um recorte do nosso pensamento, que diante do fenômeno arquitetônico ou urbano não consegue prescindir do tempo, como na música, mas que diferentemente desta reforça sua condição de <i>"quase-espaço"</i>, no movimento humano. Há aqui instalado, uma profunda desconfiança na fruição entre totalidade e particularidade, que precisam da constante revisão da memória, para construir a legibilidade da obra. Estamos no âmbito da mera recepção ou fruição, onde a tomada de posse emerge de numerosas e complicadas determinações objetivas, onde o que se celebra é o domínio do homem sobre as forças naturais. Não como algo pretensioso e arrogante, mas como algo que conforta, transmite a sensação do abrigo, da defesa contra o frio ou calor excessivo. Há nesta sequência de citações brilhantemente selecionadas por Juarez Duayer, uma concatenação complexa, que nos confronta com a fenomenologia da percepção do espaço, algo banal e corriqueiro, mas carregado pela objetividade estática do construir, como algo fundamental na reprodução da vida humana. Algo que nos remete a humanização do homem, como uma construção contínua, que está longe de ser fixa e imutável, mas na verdade perpassada pelas condições histórico-sociais de cada tempo e de cada experiência, que modula nossa interação natural. <i>"O domínio do homem sobre as forças naturais"</i> é convertido em sequência de particularidades que conforma uma totalidade ou generalidade, <i>"como um Para-nós receptivo chama a vida"</i>. Vida, que nos remete a banalidade de nossa existência, em suas demandas cotidianas mais imediatas, não apenas objetivas, mas também e complementarmente simbólicas (abrigo, segurança estática, adequação, etc), que configuram <i>"o caráter concreto e único, convertido em particularidade"</i>. Nada mais sintético da essência da espacialidade humana, nada mais representativo do fenômeno construtivo humano, que é produzido e produz demandas de cada um dos seus tempos, muito longe da imutabilidade imediata, e, portanto próximo a arte. Lukács também será preciso no debate das finalidades e funcionalidades, que este debate carrega para a convivência dos homens, debatendo categorias como caducidade e continuidade em conteúdos que originaram a obra, mas que alcançaram a obsolescência, e, que por conta disso perdem sua vivencialidade.</span></span></p><p style="text-align: right;"><span style="font-family: inherit;"><span style="background-color: white; color: #222222;"><i>"O próprio espaço expressa tão intensa, tão veementemente, a intenção evocadora originária, que sua vivencialidade já puramente estética pode preservar os principais conteúdos emocionais de sua origem e de sua eficácia contemporânea, ainda que seja, sem dúvida, com múltiplas modificações. A caducidade ou a continuidade vital de tais conteúdos não difere pois em princípio de processos análogos que ocorrem na ação histórica de outras artes. Aqui também é a recepção na evolução da autoconsciência da humanidade, o 'tua res agitur' (t</i></span></span><span style="background-color: white; color: #222222; text-align: left;"><i>rata-se de coisa tua, ou trata-se de assunto de teu interesse</i></span><i style="color: #222222; font-family: inherit;">) vivo e vitalizador possível em cada caso, o que decide acerca da atualidade ou caducidade."</i><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: inherit;"> LUKÁCS 1982, V.4, P. 12, citado em DUAYER 2008, pág.79</span></p><p><span style="font-family: inherit;"><span style="background-color: white; color: #222222;"><br /><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj97AnRR4UM_wFFfxnGFz22eJfQDJzzYf1Djq5IElGk36nrWxm9M77JwrbWRgWeoKUJXIwK6lkjFQ4qBqOSyxNxxZHg69cJywQCqczMk3xZQfBuSLnlm6p47DdQwAypO2Vj22cDLRyeoodFhgXsB-aBIT1GI4toXv-RbfLUJTA6t4L-5kxWaMl5PYeOJA/s1112/SQS%20103%20vista.png" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="504" data-original-width="1112" height="181" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj97AnRR4UM_wFFfxnGFz22eJfQDJzzYf1Djq5IElGk36nrWxm9M77JwrbWRgWeoKUJXIwK6lkjFQ4qBqOSyxNxxZHg69cJywQCqczMk3xZQfBuSLnlm6p47DdQwAypO2Vj22cDLRyeoodFhgXsB-aBIT1GI4toXv-RbfLUJTA6t4L-5kxWaMl5PYeOJA/w400-h181/SQS%20103%20vista.png" width="400" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Vista do padrão geral das superquadras em Brasília, com a<br />permeabilidade dos pilotis corbusieanos.<br /><br /></td></tr></tbody></table><br />Aqui, Lukács reforça o caráter coletivo ou o interesse público da arquitetura e do urbanismo, como representações da ordem social vigente, como a materialização das instituições humanas que governam a vida dos homens. Ela é a representação do engendramento coletivo das organizações que estruturam a interação dos indivíduos, não apenas os pertencentes ao Estado, mas também os representativos de organizações da sociedade civil. No Brasil, onde houve uma recorrência da construção de novas capitais, estaduais ou nacionais (Aracajú, Belo Horizonte, Goiânia, Brasília, Palmas), nota-se como o mecanismo da comunicação da edificação manipulam representações com graus diferenciados, na busca da identificação da centralidade, da coesão do poder. Belo Horizonte, por exemplo, localiza o poder central de Minas no platô da Praça da Liberdade, onde estão instalados, o Palácio do Governador e as Secretarias de Estado em edifícios ecléticos pontuados pelo positivismo da nossa primeira república. Brasília, na década de 60 se estrutura na contraposição do eixo monumental ao eixo habitacional, presentes no traçado de Lucio Costa, num didatismo de comunicação, que sintetiza e facilita a apropriação da centralidade pelo conjunto da sociedade. A linguagem sintética de Lucio Costa reduz a cidade ao habitar e a representação do poder, didaticamente contrapostos, para enfatizar e facilitar a leitura da presença do poder, nas formulações icônicas de Oscar Niemyer. Formulações que por sua vez, elegem o tema da coluna de sustentação como a linguagem primordial do poder (o Palácio Alvorada, o Palácio do Planalto e o Supremos Tribunal de Justiça), claramente e em contraste com o tema da placa e da torre presente no poder legislativo, do Congresso Nacional de Brasília. Elementos de uma linguagem construtiva modernista (1), que passaram a representar a capital do país, e que foram apropriados de forma pulverizada e generalizada pelo povo. Aqui, mas do que nunca a Arte-Arquitetura mais do que figurar os anseios do povo, transfigura a realidade, criando sua iconografia, que pode ou não alcançar esta sintonia com a população geral.</span></span></p><p style="text-align: right;"><span style="font-family: inherit;"><span style="background-color: white; color: #222222;"><i>"Por seu caráter estético, a arquitetura, como grande arte, se orienta resolutamente para o geral, para o social, de modo que suas obras-primas transcendem sempre do âmbito do indivíduo particular, privado, e só o levam em conta enquanto símbolo de um coletivo humano. Nos edifícios públicos, nos templos, nas construções que simbolizam o poder do Estado, a arquitetura logra em seus melhores momentos, aproximar-nos animicamente das crenças, das aspirações, dos temores, mas também do domínio da natureza, do autodomínio e do grau de socialização real de que foram capazes nossos semelhantes; e essa assimilação da experiência alheia - que poderia ser a nossa - nos é proporcionada por um "meio homogêneo" estético, espacial, que só a arquitetura, como arte, pode criar."</i> LUKÁCS citado em DUAYER 2002 pág.80 </span></span></p><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEio4kcx9g070TKVOBZ7ao3TxPW11rstTpI64zsdBlGLqrJ2aPYdGFAo8v4PZBlBUDrtaZndScyzsBDws3z6AsI5667-_AozRXwX9qGdQy-Ck3bqXYTRiDZNO9CkQpo77Ap5zwkRBGaWqcDizOLjrCaH5BgUqmFIT_xO1tMUcEi99cVznb-IdAYgV4wHvg/s1112/SQS%20409-412%20aero.png" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="517" data-original-width="1112" height="216" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEio4kcx9g070TKVOBZ7ao3TxPW11rstTpI64zsdBlGLqrJ2aPYdGFAo8v4PZBlBUDrtaZndScyzsBDws3z6AsI5667-_AozRXwX9qGdQy-Ck3bqXYTRiDZNO9CkQpo77Ap5zwkRBGaWqcDizOLjrCaH5BgUqmFIT_xO1tMUcEi99cVznb-IdAYgV4wHvg/w400-h216/SQS%20409-412%20aero.png" width="400" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Localização no Plano Piloto de Brasília<br />das SQS 409 a 412</td></tr></tbody></table><p><span style="font-family: inherit;"><span style="background-color: white; color: #222222;">Importante pontuar, que estas centralidades poderiam no longo prazo efetivamente não se consolidar na história social dos estados ou do país, sendo negadas ou apontadas como projetos de grupos minoritários, não representativos do conjunto, que retrocederiam ao uso das antigas capitais. Mas a arquitetura e o urbanismo não se restringem apenas ao âmbito da monumentalidade, da representação do poder, mas está presente na esfera privada da reprodução da vida em seu dia a dia. Diferentemente dos monumentos, </span></span></p><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgaDALupIra8TayBoXY-_IELG3UicbNh0EGlOoXpLD2NQmoah7ROy4wDa4IFJnbaOLDmBANzb7gJb-hwwnkixt0bPF6_2YW2KF-BHm_00uGSUwKfSffzKUvHANnhbnarrN4AcfK8gSSEe-FJZitmAhbyJV18S8zg0bYUeBQm2yhej_JvXWWbIx4JmvbVw/s1112/SQS%20409-412.png" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="504" data-original-width="1112" height="181" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgaDALupIra8TayBoXY-_IELG3UicbNh0EGlOoXpLD2NQmoah7ROy4wDa4IFJnbaOLDmBANzb7gJb-hwwnkixt0bPF6_2YW2KF-BHm_00uGSUwKfSffzKUvHANnhbnarrN4AcfK8gSSEe-FJZitmAhbyJV18S8zg0bYUeBQm2yhej_JvXWWbIx4JmvbVw/w400-h181/SQS%20409-412.png" width="400" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Ambiência das SQS 409 a 412 sem o Pilotis<br /><br /></td></tr></tbody></table><p><span style="font-family: inherit;"><span style="background-color: white; color: #222222;">que possuem escala e portanto se constituem em possibilidade quantitativa de marcar o território, a habitação precisa ganhar escala pela reunião, manipulando a continuidade, sua presença ou personalidade é dada pela repetição, que acabam sendo específicas das diferentes personalidades das cidades. Diria, ROSSI 1995 ou TAFURI 1979, que as áreas habitação das cidades constituem sua personalidade, pois se configuram a partir de grandes continuidades, que espelham uma forma concreta e específica do cotidiano, particular de cada cidade. As superquadras em Brasília espelham uma nova forma de habitar, marcadas pela sua interação com o solo da cidade, não mais a fragmentação do lote e a clara separação entre esfera pública e privada, mas a continuidade das estruturas habitacionais sobre pilotis, liberando o solo da cidade ao fluxo comum. É claro, o capitalismo segregou e elitizou estes espaços, a partir de sua valoração estratificada dedicada aos possuidores e excluindo os despossuídos, que não são aceites no desfrute desta parte da cidade. A razão instrumental capitalista pretende a redução quantitativa do valor, destruindo as interações qualitativas, o fundamento das convicções humanas. O que importa é o rendimento do valor, a tradução no preço. Nesta dimensão, o todo é esvaziado, a razão se fragmenta e renuncia a sua universalidade, operando racionalizações parciais, que não nos permite mais abstrair o todo. Neste cenário, é importante descer a particularidade específica de algumas superquadras, como as Super Quadras Sul 409 a 412 (mostradas nas imagens), que não apresentam pilotis, e que buscavam na época da implantação de Brasília, atender as faixas de renda mais precarizadas. É claro que não foram suficientes, nem tiveram o espírito de acolhimento aos imensos contingentes que vieram para Brasília atrás de uma vida melhor, como não foram no Rio de Janeiro ou em São Paulo. Esta particularidade diferenciada se encaixa numa totalidade, mas não é capaz de fazer frente ao movimento de estilhaçamento da razão promovido de forma contínua pela lógica da cidade capitalista.</span></span></p><p style="text-align: right;"><span style="font-family: inherit;"><span style="background-color: white; color: #222222;"><i>"sujeito que submente as forças naturais no sentido social do homem não pode ser senão, geral, coletivo. Mesmo o domínio geral-legaliforme ou conceitual, ainda sem orientação tecnológica, das forças naturais, expressa o poder da sociedade, não o do indivíduo, no enfrentamento da natureza. E mais ainda, a finalidade subjacente à emancipação é, de modo insuperável imediatamente coletiva [...] prescindindo da primeira e geral questão do reflexo que só pode ser coletivo, a determinação classista do indivíduo abarca na estética da casa privada a personalidade meramente singular do proprietário. Como é natural, a coletividade em sua aparição histórica de cada caso, é um resultado das lutas de classes; precisamente no que diz respeito à arquitetura vige de modo mais contundente a palavra de Marx, segundo a qual as ideias dominantes de uma época são as ideias da classe dominante. Mas equanto nas demais artes - cada a seu modo - os reflexos dessas lutas, os antagonismos internos e externos, seus ascensos e descensos, suas tragédias e suas comédias aparecem mimeticamente, a arquitetura - dito com alguma simplificação - não expressa mais que seus resultados, nunca o desenvolvimento social dessas lutas mesmas[...] a luta pelo domínio humano da natureza, o processo de metabolismo entre a sociedade e a natureza, mas, antes de tudo, o submetimento da natureza às necessidades de uma concreta comunidade humana, e tanto no nível alcançado nesse terreno em cada caso quanto ás finalidades humanas efetivamente realizadas no processo"</i> LUKÁCS, 1982, vol.4, p.121e122, citado em DUAYER 2008 pág.80e81</span></span></p><p><span style="font-family: inherit;"><span style="background-color: white; color: #222222;">A massa contínua das habitações multifamiliares nas superquadras de Brasília, não consegue no entanto recalcar a presença das lutas de classe, pois; "</span></span><i style="color: #222222; text-align: right;">as ideias dominantes de uma época são as ideias da classe dominante"</i><span style="color: #222222; text-align: right;">. E, em Brasília o paradigma ou a representação do <i>"bem viver"</i> das classes dominantes não parece estar mais nas superquadras, mas nas casas unifamiliares do Lago Sul, onde ostentação se junta com o medo, estruturando uma arquitetura fortificada, como numa prisão. O modelo do condomínio fechado exclusivo, com entradas controladas, perímetro murado, e com casas unifamiliares passa a representar a ideia dominante do <i>"bem viver"</i>. Apesar de suas consequências deletérias para as cidades brasileiras, a fragmentação da razão apontada por Lukács mostra-nos a incapacidade do sujeito burguês, que renega seu papel coletivo, se refugiando em sua casa unifamiliar fortificada. Nestas condições de operação, qual as possibilidades da práxis arquitetônica e urbanística, como formular contra projetos capazes de apresentar uma outra figuração, que supere esta renuncia a totalização. </span></p><p><span style="font-family: inherit;"><span style="background-color: white; color: #222222;"><b>NOTAS:</b></span></span></p><p><span style="font-family: inherit;"><span style="background-color: white; color: #222222;">(1) DUAYER 2008, irá reforçar em seu livro; <i>"O fato de Lukács reconhecer como veremos, somente a autenticidade das manifestações arquitetônicas até o período do Renascimento..."</i> O que denota, para Lukács, que no modernismo, a cidade e a construção haviam sido degradadas a mero valor de troca, o que bloqueia a autenticidade estética das obras arquitetônicas. Nesse sentido, a obsessão de Manfredo Tafuri com o Renascimento é ilustrativo desta mesma condição de angústia, com a expressão arquitetônica de nossa contemporaneidade; <i>"No deberia ser necesario recalcar que el carácter fragmentario y la desaparición de cada télos son condiciones de qualquier época. Sin embargo es bastante más importante volver a considerar todo lo que había interpretado como un eclipse. Silenciosamente, los protagonistas del arte contemporáneo - desde Klee hasta Le Corbusier - han hecho de la fragmentación y de la ausencia motivos de profunda reflexión sobre la totalidad y sobre la plenitud del sentido. Tal vez, solamente unidos mas allá de cualquier ley indiscutible - en el lugar donde el "espíritu destructor" logra construir - sea posible interrogar al espíritu de la ley."</i> TAFURI 1995 pág.9</span></span></p><p><b>BIBLIOGRAFIA:</b> </p><p>DUAYER, Juarez - <b><u>Lukács e a arquitetura</u></b> - Editôra da Universidade Federal Fluminense, Niterói 2008</p><p>KONDER, Leandro - <b><u>A questão da ideologia</u></b> - Editôra Companhia das Letras, São Paulo 2002</p><p>LUKÁCS, Györky - <b><u>Introdução a uma estética marxista; sobre a particularidade como categoria da estética</u></b> - Editôra Civilização Brasileira, Rio de Janeiro 1970</p><p>ROSSI, Aldo - <b><u>Arquitetura da Cidade</u></b> - Editora Martins Fontes, São Paulo 1995</p><p>TAFURI, Manfredo - <b><i><u>Sobre el Renascimiento; principios, ciudades, arquitectos</u></i></b> - Editôra Cátedra Madrid 1995 </p><p>TAFURI, Manfredo - <b><u>Teorias e História da arquitetura</u></b> - Edotorial Presença Lisboa 1979 </p>Pedro da Luzhttp://www.blogger.com/profile/07320690622387710961noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7230136955993736286.post-11040954702365211942023-02-11T16:12:00.000-03:002023-02-11T16:12:03.417-03:00O livro Passagens da Antiguidade ao Feudalismo de Perry Anderson<p> <table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhnpTaLYhS2B1uQpxQwzDkPGdtffTCQcgbhCXf5LlTR8An9yFk_MeY1tqYkBy4evJ1Y31aBERaAcsmm7YDxlPK8rOdpLz40BoTopyzXiNiBayXbn15XQDjwLbQnUGBpu084CjJ_rQuBbaiuJpD6Qz33jfgA4JVY9cMZpJzOihQgS6mDq1aNMo1aGINavQ/s1000/Anfiteatro%20de%20Lucca_italia.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="667" data-original-width="1000" height="266" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhnpTaLYhS2B1uQpxQwzDkPGdtffTCQcgbhCXf5LlTR8An9yFk_MeY1tqYkBy4evJ1Y31aBERaAcsmm7YDxlPK8rOdpLz40BoTopyzXiNiBayXbn15XQDjwLbQnUGBpu084CjJ_rQuBbaiuJpD6Qz33jfgA4JVY9cMZpJzOihQgS6mDq1aNMo1aGINavQ/w400-h266/Anfiteatro%20de%20Lucca_italia.jpg" width="400" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Anfiteatro da cidade de Luca na Itália</td></tr></tbody></table><br />O livro Passagens da Antiguidade ao Feudalismo do historiador marxista e professor de história e sociologia da Universidade Católica de Los Angeles (UCLA) Perry Anderson (1938 - ) é um mergulho curioso no período de transição da Antiguidade Clássica (Grega, Helenística e Romana) à Idade Média, principalmente, mas não exclusivamente na Europa Ocidental. Um período pouco estudado pela vertente do materialismo histórico e dialético, a qual o autor está filiado, que majoritariamente se dedica a construir uma compreensão sobre o desenvolvimento do capitalismo, a partir do Renascimento. Isto é, se debruça mais sobre a transição do sistema feudal para o capitalista, portanto no período histórico pós Idade Média, do Renascimento a nossa contemporaneidade, onde se identifica a ampliação, expansão e disseminação do capitalismo e da propriedade privada pelo mundo. O fulcro central do livro é a construção das variadas identidades culturais e nacionais, que emergem na Europa, e conformam essa unidade geográfica contemporânea, a partir da confluência de dois grandes sistemas culturais, de um lado a antiguidade clássica greco-romana e de outro a vertente bárbara. Como, se os dois sistemas culturais tivessem presenças variadas nas diversas unidades geográficas, que hoje compõe a Europa, ou o Ocidente. Tal desenvolvimento, inclusive terá forte atuação na distinção clássica das diferenças estruturais da nossa compreensão das condições Ocidentais e Orientais, que permeiam nossa compreensão do nosso mundo cultural e ideológico contemporâneo, como marcações culturais condicionadas pelos desenvolvimentos históricos particulares. A simplificação redutora, que de forma recorrente os meios de comunicação ocidentais reproduzem, afirmando o ocidente democrático e o oriente autocrático, a partir da contraposição entre impérios orientais autoritários e a antiguidade clássica greco-romana democrática é relativizada e problematizada.</p><p style="text-align: right;"><i>"... gira a todo momento em torno das diferenças estruturais entre Ocidente e Oriente. O Oriente, com suas ricas e numerosas cidades, sua economia desenvolvida, suas pequenas propriedades camponesas, sua relativa unidade cívica e boa distância geográfica dos impactos dos ataques bárbaros, sobreviveu. Já o Ocidente, com sua população mais esparsa e suas cidades mais fracas, com sua aristocracia pomposa e seu campesinato oprimido, sua anarquia política e sua vulnerabilidade estratégica às invasões bárbaras, soçobrou."</i> ANDERSON 2016, página18</p><p style="text-align: left;"><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgEhX1FPvpcco150t5W0vVab2cnvqNnpjvd_e-Qv3rpYAxFDd_Pnc_JKC-Uc-WAu3NZQERgZlvSsmab83w1hs-xRMmeeO-kPKunB7o-DWPNOQqk9TDKpxF2bSO4bxqM2_yS4vMExcTliDBveCEaLH-D83W43IoxqHp5jpVtk3aE5GP9MvBFZ_h5pVzWDA/s300/Arles%20Fran%C3%A7a1.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="237" data-original-width="300" height="316" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgEhX1FPvpcco150t5W0vVab2cnvqNnpjvd_e-Qv3rpYAxFDd_Pnc_JKC-Uc-WAu3NZQERgZlvSsmab83w1hs-xRMmeeO-kPKunB7o-DWPNOQqk9TDKpxF2bSO4bxqM2_yS4vMExcTliDBveCEaLH-D83W43IoxqHp5jpVtk3aE5GP9MvBFZ_h5pVzWDA/w400-h316/Arles%20Fran%C3%A7a1.jpg" width="400" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Arles na França e o processo de longo prazo de permanência<br />da forma</td></tr></tbody></table><br />A caracterização do ocidente como dotado de população esparsa, cidades fracas e com uma aristocracia pomposa, contraposto ao oriente com, suas ricas e numerosas cidades, sua economia desenvolvida, suas pequenas propriedades camponesas e sua unidade cívica nos apontam exatamente o reverso do senso comum ocidental, pelo menos no momento da longa transição entre Antiguidade Clássica e Renascimento. A permanência do Império Romano do Oriente, a partir do comando da cidade de Bizâncio ou Constantinopla, atual Istambul, durante todo o período da Idade Média vai também determinar especificidades para esta parte do mundo, que chegam até nós. ANDERSON 2016 pág.166 também assinala a emergência ou <i>"três especificidades estruturais do feudalismo ocidental"</i>; a existência ou sobrevivência de terras aldeãs comunais que representam uma significativa autonomia e resistência camponesa, com impactos na produtividade agrícola. Esta primeira característica, foi inclusive destacada por ENGELS, na <b><u>Origem da Família, da propriedade privada e do Estado</u></b>, como um fator de coesão local dos camponeses da Idade Média europeia, que <i>"mesmo sob as mais duras condições da servidão medieval"</i> garantiram meios de resistência, <i>"que nem os escravos da Antiguidade nem os proletários modernos tiveram em mãos."</i> ENGELS 2019 pág 45. Em segundo lugar, e talvez mais importante para o campo da ordenação espacial é que este arranjo determinará o parcelamento feudal das soberanias, acabando por produzir <i>"o fenômeno da cidade medieval na Europa ocidental."</i> ANDERSON 2016 pág.168 Esta condição, segundo Perry Anderson permitiu e impulsionou nas cidade medievais um desenvolvimento autônomo numa economia predominantemente agrária-natural, que por nunca terem rivalizado em tamanho com as cidades da Antiguidade ou dos impérios asiáticos, escondeu a importância de suas funções mais avançadas dentro da formação social do medievo. Por último, o autor localiza uma ambiguidade ou oscilação na hierarquia instituída nos espaços feudais; <i>"o cume da cadeia também era, em certos aspectos importantes o elo mais fraco."</i> ANDERSON 2016 pág.169 Afinal, o suserano feudal dispunha de recursos econômicos que provinham quase exclusivamente de seus domínios, sendo suas reinvindicações sobre os vassalos tinham uma natureza essencialmente militar, havendo também várias camadas de vassalagem que intermediam seu acesso político à população. Tais condições, irão garantir a celebração romântica, típica dos críticos dos séculos XVIII e XIX no campo da arquitetura e do urbanismo, da Idade Média tão recorrente em autores como PUGIN, RUSKIN, MORRIS, e outros, que celebram uma certa des hierarquização das manifestações construtivas medievais.</p><p style="text-align: right;"><i>"No Império Romano, com sua civilização urbana altamente sofisticada, as cidades se subordinavam ao mando de proprietários nobres que viviam nelas, mas não delas. Na China, vastas aglomerações provinciais eram controladas por burocratas mandarins que residiam em distritos especiais, separados de toda atividade comercial. Em contraste as paradigmáticas cidades medievais que praticavam o comércio e a manufatura eram comunas autogovernadas, com autonomia política e militar frente à nobreza e à Igreja. Marx viu essa diferença com muita clareza e lhe conferiu uma expressão memorável: "A história da Antiguidade clássica é a história das cidades, mas de cidades baseadas na propriedade da terra e na agricultura: a história da Ásia é a de uma espécie de unidade indiferenciada entre campo e cidade (deve-se encarar a grande cidade propriamente dita como um mero acampamento militar do príncipe, sobreposto á estrutura econômica real); a Idade Média (período germânico) começa com o campo como lócus da história, cujo o desenvolvimento prossegue até a oposição entre cidade e campo; a história moderna é a da urbanização do campo e não, como entre os antigos, a da ruralização da cidade.""</i> ANDERSON 2016 pág.169</p><p style="text-align: left;">Esta é uma definição, e um corte histórico no mínimo particular, pois a precariedade representativa da cidade medieval ocidental, lhe garante intrinsecamente uma potência, que decorre da fragilidade histórica da sua representação, no seio daquela transição entre Antiguidade clássica e sociedade medieval. No campo da arquitetura e do urbanismo estas condições materiais erigiram uma forma construtiva que espelha uma certa ausência da localização do poder instituído, e ao mesmo tempo, uma consciência comunitária e coletiva arraigada, que determinou processos construtivos de longa duração no tempo. As cidades medievais, no seu <i>"período germânico"</i> apresentam-nos processos construtivos de longa estratificação no tempo, que muitas vezes eram determinados por um desenho <i>"espontâneo, despreocupado e infinitamente variável"</i> BENEVOLO 1983, pág.255. Antigas estruturas das cidades romanas eram reaproveitadas e reutilizadas como fortalezas, habitação ou praças, como em Arles na França, ou Luca na Itália que se reconstroem no interior do Anfiteatro romano. Ou a cidade de Spalato, denominada Split na Croácia, que é construída dentro do recinto do palácio de Diocleciano, imperador de Roma de 284 a 305 d.C. A cidade medieval é construída a partir da urgência, das necessidades de sobrevivência e de defesa, da presença de uma cultura do construir precária e em crise de transição, mas também a partir de um senso identitário e comunitário notável. A inscrição que encimava a portada de entrada de algumas cidades germânicas - Die Luft Stadt macht Frei, O ar da cidade faz a liberdade - era uma determinação objetiva, que impunha a libertação do escravizado se este tivesse uma permanência longa no território da cidade. Era uma legislação, que identificava o território da cidade, a área intramuros, com o trabalho assalariado, que mesmo que sub valorado, tornava a coerção dos poderosos menos ilimitada. Perry Anderson descreve uma grande variedade de tipologias de formações sociais na época medieval; em função de sua localização, mais próxima ou mais distante das centralidades clássicas, ou de ordem topográfica, onde o solo em terras rochosas e estéreis não fomentaram a organização senhorial, tendendo a conservar bolsões de comunidades camponesas pobres mas independentes. </p><p style="text-align: right;"><i>"Os historiadores soviéticos Liublinskaya, Gutnova e Udatsova sugeriram com acerto, uma classificação tríplice. De fato, a região central do feudalismo europeu foi aquela onde ocorreu uma síntese equilibrada de elementos romanos e germânicos: em essência, o norte da França e zonas contíguas, o berço do Império Carolíngio. Ao sul desta área, na Provença, na Itália e na Espanha, a dissolução e a recombinação dos modos de produção bárbaros e antigos se deram sob o legado dominante da Antiguidade. Ao norte e ao leste na Germânia, na Escandinávia e na Inglaterra, onde o jugo romano jamais chegara ou apenas fincara raízes superficiais, houve ao contrário, uma lenta transição para o feudalismo sob o domínio nativo da herança bárbara. A síntese "equilibrada" gerou o feudalismo de maneira mais rápida e completa e também proporcionou sua forma clássica - que por sua vez, teve grande impacto sobre zonas periféricas com um sistema feudal menos articulado [...] Por toda a Europa, a dispersão de relações feudais sempre foi desigual em termos topográficos dentro de cada região. Pois, em toda parte, as zonas montanhosas resistiram à organização senhorial, a qual era invariavelmente difícil de impor e desvantajosa de manter em terras rochosas e estéreis. Por este motivo, as montanhas tenderam a conservar bolsões de comunidades camponesas pobres, mas independentes, econômica e culturalmente mais atrasadas que as planícies senhoriais, mas, muitas vezes, militarmente capazes de defender seus esquálidos redutos. [...] Na Escandinávia na Germânia e na Inglaterra anglo-saxã, um campesinato alodial com fortes instituições comunais persistiu até bem depois do começo da crescente diferenciação hierárquica na sociedade rural, do aumento dos laços de dependência e da consolidação de clãs guerreiros em uma aristocracia dona de terras."</i> ANDERSON 2016 pág.174</p><p style="text-align: left;">Enfim, o livro <b><u>Passagens da Antiguidade ao feudalismo</u></b> de Perry Anderson é um importante testemunho, para entendermos a variedade e diversidade do território da Europa, desde a península Ibérica até a região das atuais Turquia e Síria, e desde a península Itálica até os países Escandinavos, no norte. Uma leitura que desvenda muito da diversidade de ocupação do território europeu, e suas variadas formas de gerenciar a ocupação humana.</p><p style="text-align: left;"><b>BIBLIOGRAFIA:</b></p><p style="text-align: left;">ANDERSON, Perry - P<b><u>assagens da Antiguidade ao feudalismo</u></b> - Editora UNESP São Paulo 2016</p><p style="text-align: left;">BENEVOLO, Leonardo - <b><u>História da Cidade</u></b> - Editôra Perspectiva São Paulo 1983</p><p style="text-align: left;">ENGELS, Friedrich - <span style="background-color: white; color: #0f1111;"><span style="font-family: inherit;"><b><u>A origem da família, da Propriedade Privada e do Estado</u></b> - Editora Boitempo São Paulo 2019</span></span></p>Pedro da Luzhttp://www.blogger.com/profile/07320690622387710961noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7230136955993736286.post-45381797071937328112023-01-22T21:36:00.001-03:002023-01-22T21:36:32.279-03:00O Brasil contemporâneo e a questão do fascismo<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhiGhys6zTMepxA7kWCBRX0DSijY7227eMu9U4oK9S4x633f_tKUpEkfDIfKBkS8NGzsTK-MA712ob7vBcHxO7klbVlTcrtNs-gO21a1zvirI0qq4JyvVJGwBRPL5aFKig0rkhz7VHg_S_HhZ2GrPh7LXW6lwUQCoVR5kcjOa9VtpU6nMVOJsIcj0YP7w/s269/cr%C3%ADtica%20do%20fascismo,%20mascar%C3%B3.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="269" data-original-width="187" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhiGhys6zTMepxA7kWCBRX0DSijY7227eMu9U4oK9S4x633f_tKUpEkfDIfKBkS8NGzsTK-MA712ob7vBcHxO7klbVlTcrtNs-gO21a1zvirI0qq4JyvVJGwBRPL5aFKig0rkhz7VHg_S_HhZ2GrPh7LXW6lwUQCoVR5kcjOa9VtpU6nMVOJsIcj0YP7w/w278-h400/cr%C3%ADtica%20do%20fascismo,%20mascar%C3%B3.jpg" width="278" /></a></div><br />O livro de Alysson Leandro Mascaró, <b><u>Crítica do Fascismo</u></b> da editora Boitempo São Paulo 2022 é leitura obrigatória para tentar começar a compreender, o apelo da sociabilidade autoritária, fascista e nazista na história do Brasil. Vinculado ao campo do Direito, professor da tradicional Faculdade de Direito da USP do Largo de São Francisco, na cidade de São Paulo, Mascaró crítica claramente a idealização da justiça, que se generaliza no Brasil. Ao contrário das justificativas morais e éticas, que tendem a enxergar o direito como um instrumental neutro e imparcial, e que acabam levando a idolatria de figuras do nosso judiciário, como foram os casos passados com Joaquim Barbosa ou Sérgio Moro, e agora o mais recente com Alexandre de Moraes. MASCARÓ 2022 defende a ideia de uma sociabilidade capitalista condicionada pela competitividade e a mentalidade empreendedora, que não se coaduna mais com a democracia, com a heterogeneidade social, seja nos tempos históricos do fascismo tradicional italiano, ou do nazismo alemão, ou ainda no contemporâneo do bolsonarismo brasileiro. Embasado numa potente revisão bibliográfica, que envolve autores de diferentes matizes, tais como; Karl Marx (1818-1883), Friedrich Engels (1820-1895), Karl Kautsky (1854-1938), Clara Zétkin (1857-1933), Vladimir Ulianov Lenin (1870-1924), Leon Trotsky (1879-1940), Josef Stálin (1878-1953), Ernst Bloch (1885-1977), Nilolai Bukharin (1888-1938), Evguiémi B. Pachukanis (1891-1937), Antônio Gramsci (1891-1937), Frederich Pollock (1894-1970), Max Hockheimer (1895-1973), Alfred Sohn-Rethel (1899-1990), Michal Kalecki (1899-1970), Franz Neumann (1900-1954), Theodor W. Adorno (1903-1969), Charles Bettelheim (1913-2006), e Nikos Poulantzas (1936-1979). <p></p><p>Há uma clara predominância do marxismo nesta bibliografia, no entanto MASCARÓ não se exime de uma avaliação rigorosa dos diferentes posicionamentos, transitando entre o direito, a filosofia e a sociologia. O autor avalia a emergência de práticas autoritárias no tempo histórico, do fascismo e do nazismo, nos anos sessenta na Grécia e na América Latina, e de certa forma não se aprofunda em nossa contemporaneidade, quando fenômenos como o trumpismo e o bolsonarismo celebram o autoritarismo de Estado. Nesta sua interpretação há um afastamento da leitura moralista, ou <i>"juspositiva"</i> àquela que separa a sociedade de forma maniqueísta em cidadãos de bem e cidadãos desqualificados. Para MASCARÓ 2022, é necessário buscar a <i>"raiz material do problema"</i>, que segundo ele é a força predominante da sociedade capitalista, a forma mercadoria que se desdobra em valor, que engendra a acumulação e a concentração de renda e que tende a não conviver bem com as liberdades democráticas e os direitos humanos. </p><p style="text-align: right;"><i>"A forma do Estado e a forma do direito são derivadas da forma mercadoria, então, não pode a forma jurídica ser contrária àquela que é sua forma raiz: a forma do capital. O direito é forma do capital; não pode ele ser contra o interesse da acumulação e do capital. O direito chancela, constitui, organiza o próprio capital, e o fascismo é uma manifestação capitalista, essencialmente capitalista, fundamentalmente capitalista."</i> MASCARÓ 2022 página111</p><p>Alguns dos autores acima possuem reflexões notáveis a respeito do autoritarismo, como por exemplo Max Horkheimer, um dos fundadores da Escola de Frankfurt e testemunha da emergência do nazismo na Alemanha, que afirmou de forma algo emblemática; <i>"quem não conseguir falar do capitalismo não deve falar do fascismo."</i> MASCARÓ 2022 pág.111, apud HORKHEIMER Há aqui uma visceral ligação entre capitalismo e nazismo, que nos remete a questão, de que quando o capital quer explorar chegando ao fascismo, ou quando ele quer explorar sem fascismo, o direito sempre lhe dará apoio. Por outro lado, outro pensador contemporâneo da tragédia fascista é Antônio Gramsci, prisioneiro do Cárcere da ditadura de Mussolini, que Mascaró explora pouco, mas que a partir da identificação de uma certa fraqueza da burguesia italiana justifica a adoção e celebração do autoritarismo fascista, como forma de construção do Estado na Itália. Tal formulação representa um ramo importante das interpretações sobre o inerente autoritarismo das sociedades que chegam tardiamente a organização capitalista, como Alemanha e Itália. E, que será tão importante em nossa sociologia de Florestan Fernandes (1920-1995), Leandro Konder (1936-2014), Carlos Nelson Coutinho (1943-2012) e Luiz Werneck Vianna (1938-), que formularam a ideia de revolução burguesa passiva ou sem povo, no Brasil. </p><p>Mas voltando a revisão bibliográfica de Mascaró, percebe-se um especial destaque para o filósofo alemão Ernst Bloch, <i>"o pensador marxista mais brilhante a compreender as categorias que estavam por detrás do surgimento do nazismo"</i> MASCARÓ 2022, pág.112. Há aqui um especial enquadramento na questão dos desejos, das mobilizações das massas e a perda da aglutinação dos pobres alemães pelo pensamento progressista, para o nazismo, devido a um certo temor dos vanguardismos da República de Weimar. No livro, <i>Erbschaft dieser Zeit</i> de Bloch, que pode ser traduzido como Herança deste Tempo, e que ainda não possui tradução para o português, o autor menciona a presença de uma temporalidade em camadas. Isto é, a convivência de temporalidades e comportamentos éticos e morais distintos, onde a libertação de costumes e práticas confronta uma parcela silenciosa da sociedade, que não aceita e sente medo da velocidade das mudanças.</p><p style="text-align: right;"><i>"Suas cidades perdidas lá no interior da Alemanha têm relações feudais, seus pais viviam relações servis, faz muito pouco tempo que deixaram de ter condicionamento social servil, e basicamente sua mentalidade persiste como servil; são religiosos, de um religiosismo primitivo, separando o mundo entre bem e mal. Tal visão de muitas pessoas da Alemanha não é a mesma, no entanto de quem estava em Berlim, que na década anterior ao surgimento do nazismo, a década de 1920 viveu um florescimento cultural, inclusive com uma liberação extraordinária dos costumes até mesmo eróticos, sexuais, Então, o mesmo país de progressismos tinha massas em outra temporalidade, praticamente feudal. Aponta Bloch que, muitas vezes, as lutas sociais não compreendiam que setores inteiros da sociedade estavam alijados da dinâmica histórica do capitalismo mais avançado, mas o nazismo compreendeu isso, falando ao coração dos setores mais atrasados da sociedade."</i> MASCARÓ, 2022 pág.113</p><p style="text-align: left;">A interpretação nos remete também a ideia presente em Gramsci, dos desenvolvimentos desiguais e combinados, de arcaísmos e modernidades, entre o sul rural e agrário e o norte urbanizado e industrializado da Itália, que na verdade se constituem como peculiaridades interessadas do sistema capitalista. E, que na verdade se configura como uma característica marcante do desenvolvimento capitalista desde seu surgimento, esta combinação interessada de desigualdades, que sempre impulsionou a apropriação de mais-valia de forma intensa. Mas no livro, o autor enfatiza a interpretação gramsciana do fascismo, a partir da crise de hegemonia, isto é, uma crise de autoridade onde a classe dominante perde o consenso, não sendo mais dirigente pelo consenso, mas mantendo sobre seu domínio as forças coercitivas do Estado. Gramsci menciona, que o velho já havia morrido, e o novo ainda estava impedido de nascer na "crise da hegemonia", levando a soluções de força e a busca por líderes carismáticos ou salvadores impulsionados principalmente pela pequena burguesia. A crise de autoridade ou de hegemonia gramsciana emergia e identificava o fracasso político de um projeto da burguesia, no caso da Itália, a promoção da unificação do Estado, que não incluiu as populações desassistidas do sul do país. Esta condição determinava uma fraca aderência das classes altas ao povo, que apresentam uma tendência a adesão a movimentos políticos carismáticos, que misturam insurgências com pautas de costumes conservadoras.</p><p style="text-align: right;"><i>"Gramsci percebe as peculiaridades culturais e valorativas italianas e as contradições desse velho que morria sem que permitisse novidades de desenvolvimento capitalista ou de socialismo [...] Além disso, a ausência de um história nacional nos séculos recentes fazia com que a intelectualidade italiana se pensasse como universalista - num sentido no qual se via também a Igreja católica - sem condições de promover, então, uma revolução burguesa nacional."</i> MASCARÓ 2022 pág.27</p><p style="text-align: left;">Um fenômeno com claras analogias com a História do Brasil, onde a ausência de uma história nacional, de certa forma nos condiciona à manifestações auto depreciativas (1), que gestarão soluções de tom autoritário engendradas pelas Forças Armadas de forma recorrente. Mas retornemos, a revisão bibliográfica de MASCARÓ 2022, que então aborda o cientista social e economista alemão também da Escola de Frankfurt, Frederich Pollock (1894-1970), e que vincula o problema do fascismo e nazismo ao capitalismo de Estado e ao capitalismo monopolista. A construção do Estado totalitário, que envolvia a associação explícita entre capital, burguesia e Estado na Alemanha nazista, que para MASCARÓ 2022 acaba desembocando na defesa do direito e das instituições, naquilo que ele chama da <i>"esquerda liberal"</i>. Sua crítica, a esta visão da Escola de Frankfurt, presente no livro <i>State Capitalism; Its possibilities and limitations</i>, se baseia na pretensão de autonomia do direito frente a subjetividade jurídica capitalista, que envolve para MASCARÓ 2022 a formalização da competição e da super exploração dos despossuídos. Mas o autor, também aponta a diversidade da Escola de Frankfurt, citando dois pensadores como; Franz Neumann, com o livro; <i>Behemoth; The struture and practice of national socialism</i> e Alfred Sohn-Rethel, com o livro; <i>Economy and class struture of German Fascism</i> que divergiram das posições de Pollock, identificando o nazismo e o fascismo como aglutinadores de fraquezas, como uma coesão de fragilidades. Em contraposição a Pollock, que identificava no nazismo um amálgama de forças fortes, a partir da aliança entre burguesia, capital e Estado, Neumann e Sohn-Rethel apontam cisões e contradições entre capital, burguesia e Estado, exatamente na ênfase da busca frágil de um inimigo externo, quase efêmero tais como; judeus, comunistas, homossexuais, outros países e nações.</p><p style="text-align: right;"><i>"Tanto a tese de Neumann quanto a de Sohn Rethel apontam que o fascismo advém de fraquezas. E as senhoras e senhores transplantem essa leitura de Neumann e de Sohn Rethel para o tempo presente. Tudo aquilo que nós lemos como mobilização da extrema direita no mundo, não só no Brasil em geral não advém de setores econômicos extremamente olímpicos, no sentido da alta lucratividade, de Estados fortíssimos ou então de classes ou grupos sociais com alta dominância, advém da crise do capital, do lúmpen da classe burguesa, do lúmpen do próprio Estado, do lúmpen intelectual [...] Ou seja, Sohn-Rethel faz exatamente o oposto da leitura que diz que o fascismo e o nazismo advém do totalitarismo; muito pelo contrário, advém de uma sociedade capitalista altamente esgarçada, altamente rompida, em crise."</i> MASCARÓ 2022 pág.116</p><p style="text-align: left;">Na sequência de autores abordados por MASCARÓ 2022, destaco aqui a figura do economista polonês marxista Michal Kalecki, que por suas origens possui profundos vínculos com a dominação nazista, uma vez que seu país foi logo ocupado pela Alemanha, e abrigou grandes estruturas do holocausto. Kalecki desenvolve uma tese inusitada, apontando e conectando a emergência do nazismo e fascismo para a destruição da estrutura de reprodução da vida nas sociedades capitalistas, a partir de uma percepção relativa do posicionamento das classes sociais. Para ele, o pleno emprego gera o reacionarismo fascistas na burguesia e na classe média, que percebem a distância relativa dos pobres se reduzir, a partir da acessibilidade a determinados bens e serviços que se generalizam. Kalecki identificava nas gestões social-democratas, de centro esquerda do período entre guerras, uma ampliação do Estado de Bem Estar Social, que amplia o acesso a bens e serviços pelos pobres, e que passa a representar uma ameaça para a burguesia e a classe média em seu posicionamento social relativo. Uma certa sensação de frustração, principalmente da classe média, que se vê obrigada a compartilhar serviços e bens com os pobres. Depois de Kalecki, Mascaró aborda o também economista Charles Bettelheim, que segundo ele; é <i>"o maior economista marxista da segunda metade do século XX."</i> MASCARÓ 2022, pág.118 Para Bettelheim, o nazismo e o fascismo eram consequências do sub consumo das massas, ou de uma falta de conexão entre produção e consumo, fazendo com que a produção tenha de ser direcionada para a guerra. Para Bettelheim, o sub consumo era próprio, era uma característica central da exploração capitalista, levando-o a mesma afirmação de Hockheimer; <i>"o capitalismo é estruturalmente fascista"</i> MASCARÓ 2022, pág118 As leituras de Kalecki e Bettelheim se aproximam, na medida em que identificam no sistema capitalista, de uma forma geral, uma incapacidade para distribuir renda, e desvendam um conflito latente entre classes no sistema.</p><p style="text-align: right;"><i>"Kalecki explica: com o pleno emprego, o salário aumenta. Com as condições da massa salarial subindo, na sociedade, procura-se mais gente para ser explorada, só que já se está em pleno emprego; por isso é que, então, o salário aumentará. O Brasil viveu o pleno emprego no início do governo Dilma Roussef, até 2013, 2014. Para cá acorriam bolivianas e bolivianos, haitianas e haitianos; vinham para trabalhar no Brasil porque já brasileiros e brasileiras não queriam laborar em certos serviços que essas pessoas consideravam inferiorizados ou mal pagos, como o emprego doméstico [...] Pois bem diz Kalecki, o pleno emprego gera o reacionarismo, como o fascismo, porque as classes médias e as elites, quando veem que a distância relativa dos pobres e dos trabalhadores em relação a elas está diminuindo, reagem destruindo as condições desse progresso. Nem é necessário, para tal processo, que o pobre se torne efetivamente de classe média; basta diminuir um pouco a distância relativa entre pobres e classes médias."</i> MASCARÓ 2022 pág.117</p><p style="text-align: left;">Por fim, destaco aqui que MASCARÓ 2022 traz a luz reflexão dos anos 1970 de Nicos Poulantzas, um sociólogo e jurista grego, exilado na França por conta da Ditadura Militar no seu país, que escreveu importantes reflexões sobre o fascismo e ditaduras. Nessa apresentação, MASCARÓ 2022 destaca a diferenciação entre fascismo, nazismo e Ditaduras Militares do terceiro mundo, como no Brasil, na Argentina, no Chile e na sua Grécia. Mas, Poulantzas faz também uma importante aproximação entre fascismo e imperialismo, afirmando as conexões entre política de expansão colonial, dinâmicas econômicas e produtivas e disputas bélicas de dominação. Poulantzas destaca a chegada tardia de Alemanha e Itália na partilha do mundo colonial, principalmente em relação a Inglaterra e França, mas também Espanha e Portugal, e como, essa condição retardatária determina um certo belicismo. Enfim, o livro de Alysson Leandro Mascaró, <u style="font-weight: bold;">Crítica do Fascismo</u> é uma das mais importantes reflexões para entender a captura da sociedade brasileira por movimentos reacionários, conservadores e autoritários no início do seculo XXI.</p><p><b>NOTAS:</b></p><p>(1) O dramaturgo Nelson Rodrigues mencionou de forma recorrente, "o recorrente complexo de vira lata do brasileiro", como um narcisismo as avessas.</p><p><b>BIBLIOGRAFIA:</b></p><p>BETTELHEIM, Charles - <b><i><u>La economia alemana bajo el nazismo, vol.2</u></i></b> - Editorial Fundamentos, Madrid 1973</p><p>BLOCH, Ernst - <b><i><u>Erbschaft dieser Zeit</u></i></b> - Suhrkamp, Frankfurt 1985</p><p>GRAMSCI, Antônio - <b><u>Os cadernos do cárcere, Volume 5 Risorgimento e Notas sobre a História da Itália</u></b> - Editora Civilização Brasileira Rio de Janeiro 2002</p><p>HORKHEIMER, Max - <b><i><u>Die Juden und Europa</u></i></b> - in Zetschrift für Sozialforschung / Studies in social Science ano 8 1939-1940, Deutscher Taschenbuch, Munique 1980</p><p>KALECKI, Michal - <b><u>Os aspectos políticos do pleno emprego</u></b> - Editora Hucitech São Paulo 1990</p><p>MASCARÓ, Alysson Leandro - <b><u>A crítica do fascismo</u></b> - Editôra Boitempo São Paulo 2022</p><p>NEUMANN, Franz - <b><i><u>Behemoth: pensamiento y acción en el nacional-socialismo</u></i></b> - Fundo de Cultura Econômica, México 1983</p><p>POLLOCK, Friedrich - <b><i><u>State, Capitalism: Its Possible and Limitations</u></i></b> - The essential Frankfurt School Reader, Nova York 1982</p><p>POULANTZAS, Nicos - <b><u>Fascismo e ditadura</u></b> - Enunciado Publicações, Florianópolis 2021</p><p>SOHN-RETHEL, Alfred - <b><u>A economia dual da transição</u></b> - Zahar Rio de Janeiro, 1982</p><p>SOHN-RETHEL, Alfred - <b><u><i>The economy and Class Struture of German Facism</i></u></b> - Free Association Books, Londres 1987</p>Pedro da Luzhttp://www.blogger.com/profile/07320690622387710961noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7230136955993736286.post-63830730211993426922023-01-10T18:32:00.001-03:002023-01-10T18:32:22.223-03:00Karl Marx, arquitetura e urbanismo, descrição e prescrição<p></p><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiWMkRatGmzskUvMFDgqLmX9EtEERG1DDfuzz8IfDBt5QmQwwk9c7hGqIeWRUkaOZ9_x3EeRs9Iby41_VupEaG7EvZNB5XaCf6emGyjYRVioIyxogP3BP8maY91uaBO5Nv1P_a5suiPRRZi8mdUPh96nTvxVNr0PwqA8wm1CghQahr1k-L3HPNdhrRo0Q/s300/Marx.jpg" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="168" data-original-width="300" height="224" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiWMkRatGmzskUvMFDgqLmX9EtEERG1DDfuzz8IfDBt5QmQwwk9c7hGqIeWRUkaOZ9_x3EeRs9Iby41_VupEaG7EvZNB5XaCf6emGyjYRVioIyxogP3BP8maY91uaBO5Nv1P_a5suiPRRZi8mdUPh96nTvxVNr0PwqA8wm1CghQahr1k-L3HPNdhrRo0Q/w400-h224/Marx.jpg" width="400" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Karl Marx 1818-1883</td></tr></tbody></table><br />Karl Marx (1818-1883) é de certa forma um anti filósofo, pois em grande parte de sua vida buscou uma nova linguagem para a filosofia, uma desconstrução do discurso filosófico, emblematicamente expressa na sua 11a tese sobre Feuerbach; <i>"...os filósofos apenas interpretaram o mundo de diferentes maneiras, trata-se, entretanto de transformá-lo"</i>. Tal posicionamento aproxima o pensar marxiano do campo da arquitetura e do urbanismo, uma vez que estas matérias trabalham essencialmente com o projeto e o plano. Portanto, pensam o mundo e a realidade a partir das possibilidades do seu vir-a-ser, do devir, do futuro, daquilo que é possível realizar pela espacialidade; um outro morar, uma outra cidade, ou uma outra região. Não se trata mais da descrição do mundo, mas de sua prescrição, do seu devir, das suas possibilidades de ser revolucionado, a partir de uma atividade considerada por ele essencial no humano; o trabalho. Trabalho, que será abordado em sua obra não apenas do ponto de vista filosófico, mas também do ponto de vista do Direito, da História, da Economia Política, da Antropologia e da Sociologia. Tal posicionamento, de mirar no devir e não na análise distanciada e descritiva do real aproximam seu pensamento, como já assinalado, das ações de planejar e projetar da humanidade, que é claro, em suas construções, devem se pautar pela práxis, e não, pela construção romântica de uma utopia idealista. Este movimento, carregado de complexidade envolve a eleição de um ator ou agente incomodado, e por isso interessado na transformação social e intelectual da forma de operar da sociedade atual, capitalista. E, aqui mais um complexo movimento do seu pensar, Marx estuda de forma compulsiva e detalhada a formação econômica e social do capitalismo, eximindo-se de descrever o futuro, primeiro o socialismo, e depois o comunismo, segundo sua concepção. Esta aproximação, entre práxis cotidiana e impulso de transformação e mudança reúnem o social e o intelectual, na figura de uma experiência de seu próprio tempo, os despossuídos o proletariado, àqueles que só possuem sua força de trabalho para vender. <i>"A filosofia não pode se realizar sem a superação do proletariado, e o proletariado não pode se superar sem a realização da filosofia."</i> Manuscritos Econômico Filosóficos de 1844 em EAGLETON 1999, pág.7. Daí, destes pontos e deste movimento decorre a força de seu pensamento, a manifestação de um incômodo com as atuais condições de existência da humanidade não se restringe a apontar sua condição, mas procura construir sua superação. Desde sua tese de doutoramento, defendida em março de 1841, na Universidade de Iena: <b>"<u>A diferença entre a filosofia da natureza de Demócrito (460-370 a.C.) e a de Epicuro (341-270 a. C.)</u>"</b> percebe se a manifestação de uma rebelião frente aos sistemas de pensamento instituídos, naquilo que viria a ser a Alemanha, dominada no seu tempo pelo hegelianismo.<p></p><p style="text-align: right;"><i>"A leitura atenta do que conhecemos da Diferença justifica a avaliação de muitos biógrafos de Marx (e formulada pioneiramente por Cornu 1975, v.I, pág.277) segundo a qual, na dissertação esboçam-se traços de uma nova concepção do desenvolvimento histórico da filosofia, direcionados para a formulação materialista e com implicações políticas que apontavam para um posicionamento que, transcendendo parâmetros liberais, conduziam a um democratismo radical."</i> NETTO 2020 pág.56</p><p>A vitalidade deste pensamento, que permanece atual, apesar do distanciamento das condições e situações na qual foi elaborado, vinculado claramente ao século XIX, advém de sua síntese sistêmica, da explicitação de um funcionamento inerente a sua operação, ou de um vetor que ainda nos condiciona, ou impõe reações mecânicas no capitalismo. Tome-se como exemplo, a inerente tendência especulativa dos capitais, nas suas mais diversas origens, que tendem a abandonar a produção de mercadorias e bens e se entregar a ciranda financeira de forma cíclica. Há aqui, uma forma peculiar de cognição, que está localizada na prática, ou na realidade do caráter terreno do pensar humano, um conhecer-se de uma maneira que altera o objeto de estudo, isto é, uma abordagem que questiona a gênese de seu funcionamento, partindo-se do pressuposto de que a busca deve ser pela satisfação geral, e não apenas de pequenas parcelas. Alguém já disse, que seria como <i>"erguer-se pelos próprios cabelos" </i>EAGLETON 1999, página8, no qual o saber não mais se separa de como fazê-lo, ou melhor da busca da auto-emancipação. Não há mais distinção possível entre fatos e valores, que não se misturam, mas perdem nitidez em sua separação, passando a interagir de forma contínua e construindo o pensamento, que precisa antes de tudo, explicitar seus valores. A consciência não é mais o fundamento da realidade, mas faz-se uma inversão, pois é na prática que o homem deve demonstrar a verdade, o caráter materialista do seu pensar, não mais ligado a um idealismo abstrato, mas a sua existência concreta. A Liberdade, que permeia todo este pensamento se articula com a Necessidade, que enquanto não for superada do ponto de vista geral mantém sempre a condenação a uma livre escolha, como parcial e limitada. O ambiente no qual se formou, o Idealismo Alemão, era visto por ele de forma invertida; a consciência não era mais o fundamento da realidade, mas era fruto de sua interação com as condições materiais e instituições sociais que a conformavam.</p><p style="text-align: right;"><i>"A produção de ideias, de concepções, da consciência, é de início diretamente entrelaçada com a atividade material e com a interação material dos homens, a linguagem da vida real. O conceber, o pensar, a interação intelectual dos homens aparecem neste estágio como uma emanação direta de seu comportamento material... A consciência nunca pode ser outra coisa senão existência consciente, e a existência do homem é seu processo de vida real."</i> MARX, A ideologia Alemã, apud EAGLETON 1999, pág.10</p><p>Para ele, alcançamos a verdadeira humanidade quando produzimos livre, gratuita e independentemente de qualquer necessidade material imediata, a liberdade seria uma espécie de superabundância criativa, o trabalho artístico, por excelência. O lugar da consciência e da prática social é a linguagem, que nunca pode ser aprimorada no isolamento da solidão, mas sempre no confronto de ideias na interação com outros seres humanos. A linguagem, surge da necessidade de aprimoramento da produção no trabalho coletivo de aperfeiçoamento das condições de sobrevivência, mas ela transcende esta necessidade e desembocará na literatura. Decorre daí a divisão entre trabalho intelectual e manual, que somente floresce quando uma sociedade atingiu certo excedente econômico, acima da necessidade material, deixando que uma minoria de seus membros livres do trabalho produtivo, fazendo emergir; os políticos, acadêmicos, produtores culturais, filósofos, etc... A primeira separação nesta direção se processa, ainda em tempos bem primitivos, com a identificação do sacerdote, no seio do clã, quando a consciência pode alimentar a ilusão de ser algo diverso da existência, se emancipando como uma representação improdutiva. Neste pensamento típico do século XIX, onde se localiza um otimismo iluminista, racionalista e historicista é certamente muito mais confiante num futuro humano redentor das misérias e tragédias, do que a nossa contemporaneidade. Há a presença de uma quase certeza da redenção humana, a partir do lançamento num turbilhão de mudanças que acabam trazendo a um agente, o operariado ou os sem posses, uma consciência de sua super exploração. De certa forma, como muitos autores dentre eles, BERMANN 1986 pág.15 e EAGLETON 1999 pág.13, enfatizaram como Marx celebra as profundas transformações da sociedade burguesa que lançaram a humanidade num magnífico turbilhão de mudanças.</p><p style="text-align: right;"><i>"A burguesia, onde quer que tenha chegado ao poder liquidou todas as relações feudais, patriarcais e idílicas. Dilacerou impiedosamente os variegados laços feudais que prendiam o homem a seus "superiores naturais", e não deixou subsistir entre homem e homem qualquer outra ligação além do interesse próprio nu e cru, do impiedoso "pagamento à vista"[...] Numa palavra, em lugar da exploração velada por ilusões religiosas e políticas, colocou a exploração aberta, despudorada, direta e brutal [...] A burguesia não pode existir sem revolucionar constantemente os instrumentos de produção, e com estas todas as relações sociais [...] O revolucionamento constante da produção, a perturbação ininterrupta de todas as condições sociais, a permanente incerteza e agitação distinguem a época burguesa de todas as anteriores. [...] Tudo o que é sólido se desmancha no ar, tudo que é sagrado é profanado, e os homens são por fim forçados a confrontar com sobriedade suas reais condições de vida e suas relações uns com os outros."</i> EAGLETON 1999 pág.13 e 14, apud Manifesto Comunista MARX e ENGELS</p><p>Apesar, desta quase certeza, Marx também aponta a insidiosa presença da alienação e da reificação no pensar humano nas condições do capitalismo, mantendo-se as estratégias de dominação de classe pelo processo de fetichização geral, das mercadorias, da terra, dos seres humanos, etc. Este entorpecimento da consciência decorre da penetração da ideia de competição de todos contra todos, da ausência de cooperação e do associativismo das classes despossuídas, pela doutrinação de que o enriquecimento é acessível a todos. <i>"As ideias das classes dominantes são em cada época as ideias dominantes"</i> (EAGLETON 1999, pág.16 apud Ideologia Alemã), havendo uma distinção importante na categorização de base ou infraestrutura, contrapostas a categoria de secundárias ou superestruturais. Enquanto, a base ou infraestrutura envolve o interior e o domínio das forças de produção, que no sistema capitalista é profundamente injusto, a superestrutura envolveria a política, a filosofia, o direito, a ideologia, etc, enfim meios que legitimam e justificam as forças de produção. A separação entre as duas esferas é sempre perpassada pelo dinamismo da dialética, que está sempre em constante movimento. A inversão de Marx da construção de Hegel, de sua dialética, está corporificada pela inversão materialista do seu pensamento, entre consciência e vida; <i>"A vida não é determinada pela consciência, mas a consciência pela vida"</i> EAGLETON 1999 pág.14, apud Ideologia Alemã MARX e ENGELS. O que significa que nos auto concebemos como seres histórico-sociais, nos quais, o que dizemos ou pensamos está determinado pelo que fazemos e vivemos. Este fazer envolve o trabalho, que a cada novo desafio nos confronta com novas possibilidades do ser, fazendo com que ao final da jornada de sua realização apareça um novo ser, diferente daquele que a iniciou. A imaginação humana que pré figura num plano e num projeto, antecipa na atividade do trabalho uma vontade e uma consciência, que nunca é uma determinação, mesmo na cópia mais fiel.</p><p style="text-align: right;"><i>"Uma aranha realiza operações semelhantes às de um tecelão, e uma abelha envergonha muitos arquitetos na construção de sua colméia. Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é o fato de que o arquiteto constrói sua estrutura na imaginação antes de erigí-la na realidade."</i> EAGLETON 1999 pág.15, apud MARX, O Capital vol.1 pág.178</p><p style="text-align: left;"></p><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgdZLjDsv8aa12sYocj8AwGBnGl6MRBXs7psUeBxUu9QM_-yT9k_OFI0b-BWYZlHKWH-X0tDf0VKUwAWgup0CNUj3qWxaA45y73pTIxom6w9kHl12sBvT1NhTkVlRjQtpqnhl2X_h-TyOWuiRpY1Rnuv9jWQYSYYCTYMh8oIu47Eii1n37VguM9x7gFbA/s4000/Ruas%20do%20Brasil1.jpg" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="3000" data-original-width="4000" height="300" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgdZLjDsv8aa12sYocj8AwGBnGl6MRBXs7psUeBxUu9QM_-yT9k_OFI0b-BWYZlHKWH-X0tDf0VKUwAWgup0CNUj3qWxaA45y73pTIxom6w9kHl12sBvT1NhTkVlRjQtpqnhl2X_h-TyOWuiRpY1Rnuv9jWQYSYYCTYMh8oIu47Eii1n37VguM9x7gFbA/w400-h300/Ruas%20do%20Brasil1.jpg" width="400" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Vista de uma rua no Brasil, 10 metros de caixa de rolamento<br />de veículos, para apenas 2,5 metros de cada lado para os <br />pedestres</td></tr></tbody></table><br />E aqui, fica claro como as atividades de planejar e projetar inerentes ao campo da arquitetura e do urbanismo humanizam o fazer humano, dando-lhes consciência e vontade, racionalizando escolhas e desejos, explicitando a origem das vontades, possibilitando que elas sejam identificadas sobre o crivo do interesse público ou particular. As nossas cidades, nosso território, nossas superfícies humanizadas sobre o planeta precisam, cada vez mais em nosso tempo, serem avaliadas a partir deste crivo; interesse particular ou geral. Basta olharmos para uma rua típica da cidade brasileira, e constatarmos a quem os interesses das superfícies atendem ou acolhem. Nesta rua genérica, com 15 metros de seção de testada de lote a testada de lote, 10 metros são dedicados aos automóveis, e apenas 5 metros aos pedestres, a maioria da população. Portanto, 67% é dedicado principalmente aos veículos com pneus, que na sua maioria carrega pessoas com maior poder aquisitivo, e apenas 33% acolhe os pedestre, nos seus 2,5 metros de cada lado do logradouro. É a materialização da supremacia dos interesses dos mais privilegiados, os proprietários de veículos particulares, em detrimento da maioria da população que se restringe a 33% da superfície. Certamente, quando projetamos estas cifras em termos de custo do investimento público compreendemos de forma clara quem pauta e captura o orçamento de nossas cidades em seu próprio benefício. Marx diria que esta é a real captura objetiva dos investimentos públicos, materializada nas dimensões dedicadas a acolher cada um dos agentes da sociedade, entenderia a naturalização desta predominância, como a fetichização do automóvel particular. Isto é, a imposição deste padrão de secção da rua brasileira, e sua naturalização constitui a própria presença da força material da classe dominante, sua demonstração de força, condenando o conjunto da sociedade a suas imposições. Os meios de produção material, da configuração da secção da rua brasileira são naturalizados pelo conjunto da sociedade alienada, que aceita a coerção abrindo mão de problematizar a proporção dos investimentos realizados. O primado não deve ser a idealização, mas a práxis e operação efetiva do construir a cidade concreta, que demonstra de forma clara, a injusta e contraditória, destinação dos recursos para sua construção efetiva. Diferentemente do pensamento idealista, hegeliano, a concepção materialista da história de Marx acredita que <i>"todas as formas e produtos da consciência não podem ser dissolvidas pela crítica espiritual"</i> EAGLETON 1999, pág.17, mas apenas pela derrubada prática das relações sociais. Esta capacidade de expor o processo real de produção da rua no Brasil, e de a partir dele expor a conjuntura de interesses presente na sociedade desvenda para quem os recursos do Estado são mobilizados.<p></p><p style="text-align: right;"><i>"...mostra que a história não termina ao ser dissolvida em "auto-consciência" como o "espírito do espírito", mas que em cada estágio encontra-se um resultado material: uma soma de forças produtivas, uma relação historicamente criada de indivíduos com a natureza e entre si, a qual é transmitida para cada geração pela precedente; uma massa de forças produtivas, de capitais e condições que, por um lado, é na verdade modificada pela nova geração, mas também, por outro lado, prescreve a ela suas condições de vida e lhe dá desenvolvimento determinado, um caráter especial. Ela demonstra que as circunstâncias fazem os homens tanto quanto os homens fazem as circunstâncias."</i> EAGLETON 1999 pág.18, apud MARX e ENGELS Ideologia Alemã pág.56</p><p style="text-align: left;">E, aqui, cabe o registro de que Marx acredita na possibilidade de transformação das circunstâncias nas quais os homens estão engendrados, e que lhes condiciona a prática e a operação mecânica e repetida da vida, afinal; <i>"o que foi historicamente criado pode sempre ser historicamente mudado."</i> EAGLETON 1999 pág.21 Como ao final, pode ser assinalado há um fundamento objetivo para este pensamento que na verdade está imbricado em nossas existências, e que portanto paira ambiguamente entre a descrição e a prescrição, entre fato e valor, ou entre como somos e como devemos ser. De novo há um confronto unitário entre ser e dever ser, entre ser e devir, que efetivamente conformam nossa consciência, assim como na arquitetura e no urbanismo. O que também coloca a questão, de que Marx é um pensador teleológico, isto é alguém que imagina um ser genérico, feliz e pleno, como um objetivo a ser alcançado. De certa forma, a teleologia do pensamento de Marx é, e ao mesmo tempo, não é um fato. Pois, não deveria existir uma razão única para a existência humana, além do seu pleno desenvolvimento prazeroso na sociedade em que vive. Há um reconhecimento tácito da diversidade humana, que por si só se realiza plenamente no seio da sociedade, e que respeita a pluralidade de objetivos diferenciados de cada um. Assim, há um objetivo, uma teleologia, mas como a plena realização humana se insere na condição social do humano, a interação entre indivíduo e sociedade desemboca numa pluralidade de manifestações, que acabam contrariando a sua única direção.</p><p style="text-align: right;"><i>"A essência humana da natureza existe apenas para o homem social; pois, apenas neste caso, a natureza existe para ele como um vínculo com outros homens, como sua existência para os outros, e a existência dos outros para ele, como elemento vital da realidade humana; apenas assim esta essência existe como a base de sua própria existência humana. Só então sua existência natural torna-se sua existência humana, e a natureza torna-se para ele o homem. A sociedade é portanto a plena unidade essencial do homem com a natureza, a verdadeira ressurreição da natureza, o naturalismo realizado do homem e o humanismo realizado da natureza..."</i> EAGLETON 1999 pág.22, apud MARX Manuscritos Econômico Financeiros de 1844 pág.15</p><p style="text-align: left;">Disto surge, o questionamento pós moderno, ou contemporâneo, ou ainda dos ecologistas, de que este pensamento celebra a artificialização do homem e de seu convívio predatório com a natureza, típico da infância da Revolução Industrial no século XIX. Sem dúvida, Marx é um pensador de seu tempo, seduzido por uma crença de redenção dada pela imensa produtividade conquistada pelas indústrias no século XIX. Existem traços claros de um prometeísmo tecnológico, assim como de um produtivismo predador, que se refere a um ambiente impulsionado pelo otimismo típico do século XIX, que enxergava as transformações no campo e na cidade como oportunidades de redenção da espécie humana. Alguns autores, como Ted Benton, André Gorz, Michael Löwy, James O' Connor, Daniel Tanuro e Alain Lipietz consideram que Marx não considerou as questões ligadas ao meio ambiente sendo dominado por um produtivismo arrogante e anti ecológico. Em contraposição, autores como John Bellamy Foster, Paul Burkett e Kohei Saito releem as obras de Marx e Engels, apontando que sua crítica ao modo de produção capitalista permanece atual, identificando na cíclica evolução do sistema as origens das eco crises globais do nosso tempo. Na verdade, o cerne do discurso de Marx e Engels possui uma clara direção anti-opressão, de libertação das energias humanas dos subalternos, de compreensão das implicações do domínio dos meios de produção, que implicam na ideia de emancipação e liberdade. Uma visão, que explicita a forma limitada, alienada e parcial dos homens em sociedade, e desta também com a natureza e o metabolismo natural do qual pretensamente nos libertamos. SAITO 2021 justificando sua tese sobre as preocupações ecológicas de Marx aponta a presença nos cadernos dos esboços, para completar os livros 2 e 3 do Capital, lançados por Engels após a sua morte; da agronomia, como por exemplo, da Química Agrícola, de Justius von Liebig. Tal presença está vinculada a preocupação de entender a interação entre capitalismo e natureza, entre a expansão da fronteira agrícola e os controles e impactos destas atividades no meio natural.</p><p style="text-align: right;"><i>"Isso possibilita que Saito trace um estudo que liga os aspectos econômicos dos Cadernos sobre a alienação, terra, forma mercadoria e o rompimento do lado afetivo do trabalho com a própria teoria da ruptura metabólica que é explorada por John Bellany Foster em A ecologia de Marx, e que demonstra a relevância do Livro 3 do Capital e os estudos que influenciavam Marx em seu tempo, como sua atenção especial ao químico alemão Justius von Liebig. Com isso, Saito estabelece como a visão marxiana da alienação do trabalho não pode ser dissociada da transformação que também ocorre na relação entre humanos e natureza. Tal visão ampliada confere ênfase e sentido mais explícito à formulação de Marx de que "humanismo = naturalismo".</i> FERNANDES 2021 pág.12</p><p style="text-align: left;">Mais além desta problemática, SAITO 2021 vincula a teoria da absolutização do valor na sociedade capitalista a uma transformação do metabolismo de interação entre humanos e natureza, que determina uma forma alienada de produção. A busca é pela concretude dos condicionamentos impostos pelo modo de produção capitalista, que estrutura a operação da sociedade, sem que esta tenha consciência de seus movimentos em torno do conceito de valor, que passa a ser absolutizado. O desejo de acumular Dinheiro de forma desmedida, que pauta o comportamento humano na sociedade capitalista aliena nossa relação com os contínuos e biomas naturais, absolutizando a questão da propriedade frente ao direito à vida, ou à cidade. Os contínuos naturais e o patrimônio construído de nossas cidades são hoje vistos como estruturas comuns, que deveriam ser desfrutados por todos, pois eles não foram produzidos a partir da lógica da propriedade. No entanto, a indústria do turismo e do lazer pretendem e promovem o cercamento contínuo destes tesouros comuns no sentido de monetizar o seu acesso e desfrute atribuindo-lhe um valor. A mediação do valor nos condiciona uma produção alienada de mercadorias, que se movimenta entre valor de uso e valor de troca, acabando por decretar a predominância do último como objetivo principal. A anarquia produtivista faz emergir um "sujeito usurpador" que cerca os contínuos e conjuntos construídos indo além do valor, buscando na verdade sua valorização contínua a partir de um consumo predatório e devastador. A emergência de um valor desmesurado para um meio de otimização das trocas, como é o equivalente universal, o Dinheiro, transforma toda a produção, que o elege como objetivo final e maior. No Capital de Marx há uma equação, que representa o circuito interminável da produção que está representada pelas letras maiúsculas; D- Dinheiro e M- Mercadoria, na sequência; D-M-D'. Esta forma de circulação é contraposta a outra, que representava a centralidade da Mercadoria, numa outra forma de ordenação da produção, que era; M-D-M', no qual o processo era direcionado a um valor de uso. Na primeira forma, o valor como capital passa a ser um "sujeito automático", que entende sua valorização como a meta final da produção, e mesmo, o sentido único e último da vida.</p><p style="text-align: right;"><i>"Na circulação D-M-D, ao contrário, mercadoria e dinheiro funcionam apenas como modos diversos de existência do próprio valor: o dinheiro como seu modo de existência universal, a mercadoria como seu modo de existência particular, por assim dizer, disfarçado. O valor passa constantemente de uma forma a outra, sem se perder neste movimento, e, com isso, transforma-se no sujeito automático do processo. Ora, se tomarmos as formas particulares de manifestação que o valor que se autovaloriza assume sucessivamente no decorrer de sua vida, chegaremos a estas duas proposições: capital é dinheiro, capital é mercadoria. Na verdade, porém, o valor se torna, aqui o sujeito de um processo em que ele, por debaixo de sua constante variação de forma, aparecendo ora como dinheiro, ora como mercadoria, altera sua própria grandeza e, como mais valor, repele a si mesmo como valor originário, valoriza a si mesmo."</i> MARX, O Capital, citado em SAITO 2021 pág.156</p><p style="text-align: left;">A teoria da alienação de Marx vem da constatação de uma singularidade destrutiva, que é inerente a anarquia da competição capitalista, que visa gerar uma subjetivação isolada onde declina o associativismo e emerge a luta de todos contra todos. Um processo de destruição do mundo material, que parece encontrar uma redenção no desenvolvimento tecnológico e científico, que no entanto, ao permanecer governado pela lógica do valor permanece gerando mais alienação e destruição. Tome-se como exemplo, o desenvolvimento de determinados softwares contemporâneos, como os aplicativos de mobilidade tais como; Uber e outros. Aquilo, que parece atender uma necessidade fundamental humana de deslocamento no território de forma racional e rápida, acaba por ser sua prisão a lógica do valor, super explorando trabalhadores, que destinam 25% do seu tempo de trabalho para pagar o desenvolvedor da tecnologia. Tecnologia, que foi desenvolvida certamente pelo acúmulo de conquistas variadas no campo da informática por diversificados agentes, mas que foi reunida, patenteada, cercada e monetizada por uma agente isolado, que segue sendo o principal beneficiário de algo que teve uma gênese coletiva. O objetivo, ao seguir a imperiosa determinação de mais-valor acaba destruindo e super explorando o mundo material e humano de uma maneira predatória, causando mais alienação e sofrimento para a vida. Talvez o exemplo mais emblemático da dinâmica entre "valor de uso" e "valor de troca" em nossa sociedade esteja concentrado na moradia urbana, uma necessidade humana, um direito. Sua transformação em mercadoria vinculada a uma parte determinada da cidade, na lógica da cidade capitalista, que possui distribuição diversificada da presença de confortos e infra estruturas acaba determinando, que extratos específicos de renda mais aquinhoados monopolizem áreas da cidade, empurrando o precariado ou os despossuídos para áreas carentes destas benesses, nas periferias. A questão da renda fundiária, no sistema de Marx é de certa forma algo em processo ou estudo, uma vez que consta do livro 3, editado após sua morte por Engels. Marx identificava que a lógica do valor era complexa de ser implantada sobre duas esferas muito claras; a terra e o trabalho, exatamente as duas esferas da interação metabólica entre homens e natureza. Enfim, a riqueza do pensamento de Marx para as ciências sociais, e particularmente para a arquitetura e urbanismo é enorme e complexa, e continua operando, apesar de sua formulação no século XIX.</p><p style="text-align: left;"><b>BIBLIOGRAFIA:</b></p><p>BERMAN, Marshall - <b><u>Tudo o que é sólido desmancha no ar; a aventura da modernidade</u></b> - Companhia das Letras, São Paulo 1986</p><p>EAGLETON, Terry - <b><u>Marx e a liberdade</u></b> - Unesp São Paulo 1999</p><p>FERNANDES, Sabrina - <b><u>Prefácio a O ecossocialismo de Karl Marx: capitalismo, natureza e a crítica inacabada á economia política</u></b> - Boitempo São Paulo 2021</p><p>MARX, Karl - <b style="text-decoration-line: underline;">A diferença entre a filosofia da natureza de Demócrito (460-370 a.C.) e a de Epicuro (341-270 a. C.)</b> - Boitempo, São Paulo 2018 </p><p>NETTO, João Paulo - <b><u>Karl Marx: uma biografia</u></b> - Boitempo São Paulo 2020</p><p>____________- <b><u>Introdução ao estudo do método de Marx</u></b> - Expressão Popular São Paulo 2011</p><p>SAITO, Kohei - <b><u>O ecossocialismo de Karl Marx: capitalismo, natureza e a crítica inacabada á economia política</u></b> - Boitempo São Paulo 2021</p>Pedro da Luzhttp://www.blogger.com/profile/07320690622387710961noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7230136955993736286.post-21321080498050002972022-11-20T08:37:00.000-03:002022-11-20T08:37:32.775-03:00Arquitetos Soviéticos e o "Concurso de Camaradagem" em 1926<p></p><div style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEil-SUYtfeURoDHG4prbCgFooda6BUfCQmxv__c5fPr51SkuSwZpRLYBEMeo_Wyy5VGDuxJWpnRDzI3Hja7uIPByRhG73jyyRWhwK1hmah4IKSILlMTiHUTsNvUuF-YEsmxH_qfI0JDuhyrT6PNwWyXUreuBYI3i3R_LkT1wLdCwZG-OgedWEZVyIqKow"><span style="color: black;"><img alt="" data-original-height="736" data-original-width="543" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEil-SUYtfeURoDHG4prbCgFooda6BUfCQmxv__c5fPr51SkuSwZpRLYBEMeo_Wyy5VGDuxJWpnRDzI3Hja7uIPByRhG73jyyRWhwK1hmah4IKSILlMTiHUTsNvUuF-YEsmxH_qfI0JDuhyrT6PNwWyXUreuBYI3i3R_LkT1wLdCwZG-OgedWEZVyIqKow=w295-h400" width="295" /></span></a></div><p></p><b>Capa do álbum publicado pelo Stroykom em 1929, Tipos de Projetos e Normas para Construção de Habitação, Recomendado para o ano de 1930</b><p></p><div style="text-align: center;"><br /></div>Recentemente uma exposição montada no casarão da Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (EAU-UFF), na cidade de Niterói no bairro de São Domingos mostrou nos um concurso de arquitetura em torno do tema do Conjunto Habitacional, que reuniu oito trabalhos notáveis, na URSS no ano de 1926. Montada com o apoio das professoras Cristina Nacif e Adriana Caúla, a exposição é uma notável oportunidade para refletir sobre a forma com que o Brasil e a nossa contemporaneidade vêm produzindo Habitação de Interesse Social (HIS) de uma maneira meramente quantitativa, sem qualquer consideração pela qualidade e pela diversidade das demandas dos diversos perfis familiares existentes. Além disto, a política habitacional é potencialmente conformadora da política urbana, uma vez que a demanda por moradia chega a 80% dentre os diferentes usos que estão na cidade, construir moradia é conformar o território urbano. Em 1926, nove anos apenas depois da tomada do poder pelos bolcheviques (Outubro de 1917), o <i>"Concurso da Camaradagem"</i>, foi lançado pela Associação de Arquitetos Contemporâneos (OSA), onde constava a demanda aos concorrentes, tanto na escala íntima da família quanto na vida condominial, de que fosse incentivado novas relações de cooperação e incentiva-se a libertação das mulheres dos serviços de reprodução da vida, como alimentação e cuidados com a prole e os mais idosos. A compreensão do ambiente construído como um condensador social era compartilhada por grande parte da OSA, e havia sensibilizado grande parte do aparato estatal soviético. Além disto, a denominação do concurso é emblemática e deve ser destacada, apontando claramente para a instituição de novas práticas entre os arquitetos, que não deveriam se restringir a competição, mas incentivar e celebrar a cooperação e a camaradagem, uma vez que inerentemente, os concursos além do embate, envolvem também o intercâmbio e a divulgação de soluções variadas. No edital do Concurso de Camaradagem havia também claramente a demanda por um experimentalismo, de fomento a novas articulações da vida cotidiana, incentivando o associativismo cooperativo entre os moradores e usuários, como forma de transformação do cotidiano.<p></p><p style="text-align: right;"><i>“Em 1926, os principais teóricos da Associação de Arquitetos Contemporâneos (OSA) anunciaram um</i> <i>“Comradely Competition for Preliminary Design of Housing for Workers”. O resumo do concurso, publicado na terceira edição do jornal da associação Sovremennaya Arkhitektura (SA), pedia o desenvolvimento de novas tipologias residenciais. O objetivo declarado não era meramente resolver a escassez de moradias para trabalhadores na União Soviética, mas, mais importante, facilitar “novas relações que caiam sob a noção de comunidade” (Ginzburg et al. 1926a; tradução do autor). É claro que houve esforços anteriores para abordar a questão premente da habitação. Mas o Comradely Competition (a Competição da Camaradagem) foi o primeiro a desenvolver sistematicamente soluções inovadoras tanto na escala da unidade habitacional individual quanto na escala da construção residencial, em uma tentativa deliberada de ajudar na emancipação das mulheres. Sua intenção era redefinir não apenas a natureza da “família socialista”, mas também a relação entre individual e coletivo, de forma mais ampla. Apenas alguns dos projetos de vanguarda que procuravam abordar a migração de populações rurais para as cidades em rápida expansão durante os anos da Nova Política Econômica NEP (1921-28) foram realmente implementados. logo após a Primeira Guerra Mundial e a revolução de 1917, os trabalhadores e suas famílias foram inicialmente realojados em habitações existentes que, até então, eram casas burguesas unifamiliares. apartamentos - resultado da nacionalização da terra e da abolição da propriedade - poderiam, na melhor das hipóteses, fornecer uma solução temporária para as precárias condições de vida dos trabalhadores em cidades como Moscou ou São Petersburgo, onde as empresas industriais eram tipicamente concentradas.”</i> MOVIDA 2020, tradução minha do inglês </p><p style="text-align: left;">A utilização do parque imobiliário existente em Moscou e São Petersburgo, obtido pela nacionalização da propriedade privada acomodou parcela expressiva da população operária, mas demandava inevitavelmente pequenas reformas e transformações nas habitações unifamiliares que se transformavam em condomínios de apartamentos. As soluções do Concurso de Camaradagem trazem uma grande variedade de plantas e arranjos de unidades, apesar de ter como premissa básica a celebração da padronização típica do industrialismo, então uma ideologia hegemônica no mundo nos anos 1920s e na URSS de então. O conceito que considerava a arquitetura e o urbanismo como <i>"Condensadores Sociais"</i> envolvia a questão do fomento e direcionamento a formas de vida no cotidiano pautadas pela cooperação e colaboração, que seriam impulsionadas pela espacialidade está amplamente materializado nas propostas. A questão da espacialidade condicionando a vida cotidiana, ou sendo condicionada por ela é muito antiga no campo da arquitetura e urbanismo, e mobilizou as sensibilidades; suprematistas, construtivistas, formalistas, futuristas da URSS de então. Hoje esta atitude é considerada como decorrente de uma utopia autoritária, que o modernismo engendrou na busca e na formulação do homem novo. O debate transbordava para a gênese da linguagem, impulsionado pelas propostas da Nova Objetividade, que afastava os posicionamentos romântico-decadentes do personalismo isolado e exarcebado da arte burguesa e procurava alcançar ou dar protagonismo ao proletariado ou ao coletivo. Segundo TAFURI 1989 afirma com razão, a utopia regressiva do modernismo baseava-se na específica <i>"ideologia do plano"</i>, de um plano de suporte formal e simbólico à máquina produtivista, seja capitalista ou socialista dos anos 20. Num texto, ao mesmo tempo esclarecedor e pessimista, o crítico italiano - <i>El socialismo realizado y la crisis de las vanguardias</i> - localiza as estratégias mercantis para absorver as vicissitudes das vanguardas históricas, na conceituação da <i>"destruição criativa"</i> (1). Note-se, que o rigor da categorização tafuriana já está emblematicamente expressa no título, que caracteriza corretamente como <i>"socialismo realizado"</i> a experiência da URSS, que nem por isto deixa de ser ajuizada como um experimentalismo valoroso, ao propor o enfrentamento da <i>"questão da habitação"</i> (2). </p><p style="text-align: right;"><i>“Na URSS, tendo como pano de fundo a mudança política e a instabilidade social na década de 1920, a questão da habitação para as massas foi abordada pela Associação de Arquitetos Contemporâneos (OSA), sob a liderança de Moisey Ginzburg. A sua missão não era apenas dar uma solução à falta de alojamento nas grandes cidades do país, mas redefinir a habitação como um enquadramento adequado a uma sociedade em transição para uma vida plenamente socializada. A resposta foi desenvolvida em três etapas de pesquisa em design, durante um período de cinco anos. A fase conceitual inicial foi formalmente apresentada pelos membros da OSA no Concurso de Camaradagens de 1926, e se concentrou na questão habitacional, com projetos específicos para casas comunais. A segunda etapa girou em torno da pesquisa científica e metodológica do Stroykom, desenvolvida em paralelo com os projetos para as novas unidades de vida comunitária. A etapa final tomou forma material em oito edifícios específicos, conhecidos como casas experimentais do tipo transicional. Um deles, o Narkomfin, ganhou reconhecimento mundial como um protótipo moderno de habitação de vanguarda soviética e tem sido amplamente pesquisado como resultado. No entanto, até o momento nenhum estudo abordou todas as três fases com igual escrutínio e metodologia.”</i> MOVILLA 2020 tradução minha do inglês</p><p style="text-align: left;">O texto de MOVILLA 2022 destaca, além do nome já sublinhado aqui, Concurso de Camaradagem, o acompanhamento das experiências como <i>"casas experimentais do tipo transicional"</i>, o que denota que o certame monitoraria os resultados em seus fracassos e sucessos vigiando o processo pós ocupação. O conjunto do Narkomfin (1928-32), dos arquitetos Mosey Guinsburg (1896-1942) e Ignatti Millinis (1899-1974), mencionado pela mesma autora é um representante destacado do esforço da arquitetura modernista, dentro da questão da habitação. Todos tinham consciência, de que se testava uma vida plenamente socializada, e que, as experiências dependiam da gestão e da auto-organização das estruturas condominiais no longo prazo. A partir do Narkomfin, os conjuntos habitacionais testaram estruturas comuns em diferentes partes do mundo, tais como; Carl Liegen Stadt em Berlim (1928-30), arquiteto Bruno Taut (3), Conjunto do Pedregulho, Rio de Janeiro (1946) arquiteto Afonso Eduardo Reidy, Unidade de habitação de Marselha (1951), arquiteto Le Corbusier, dentre outros. O fato destes equipamentos não terem sido aceitos em muitas destas estruturas passou a ser interpretado, como a comprovação da vertente autoritária da ideologia moderna, notadamente pela geração dos anos 60s. Mas, o que deve ser pensado é que a política habitacional, de qualquer tempo, deve ser pensada como uma continuidade, onde deve-se monitorar a superação das fragilidades econômicas das famílias envolvidas, impulsionando sua auto sustentação. Neste sentido, as proposições do Concurso de Camaradagem da OSA de 1926 são um exemplo para os impasses e dificuldades do nosso tempo contemporâneo, na construção de uma política habitacional consistente e estruturada. Abaixo apresenta-se os oito projetos, que foram selecionados pelo concurso, e que fazem parte da exposição da Arquitetura Soviética na EAU-UFF, com os arquitetos responsáveis.</p><p style="text-align: left;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEi3m3RbySE0iKVrbiOXQJYgm7un6w1tlV2Yb-q6zpdzxIOUHX8s6A_RXQalPTbWJTjgBgRIAvPyd456vnv4FVIdadD-4LEbeg26g-xVbAU7Mcd_vk2h06gNCX8G9xfzBrHYORAeagMM-ZsflT9utiaCeNHFe_h-T0r0toyrGKFV96tDODcqc8YUPKlDow" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img alt="" data-original-height="505" data-original-width="1962" height="165" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEi3m3RbySE0iKVrbiOXQJYgm7un6w1tlV2Yb-q6zpdzxIOUHX8s6A_RXQalPTbWJTjgBgRIAvPyd456vnv4FVIdadD-4LEbeg26g-xVbAU7Mcd_vk2h06gNCX8G9xfzBrHYORAeagMM-ZsflT9utiaCeNHFe_h-T0r0toyrGKFV96tDODcqc8YUPKlDow=w640-h165" width="640" /></a></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEh5HJ73jT0gKY0BAeWbBUF_pM6w7A4f643RC7hZWkJPJ8L_PJr_Jzc0nwtzdfoMW7PFMlo0RAd88VKPjPYBtGvUJomZZ0Jp0o83Eey1_DbLiwkyMZWpA9-i2YS3NvzvihA4UeEpC-L-dhh1N-k3cBqjseOeOk9WPqac1NYd7K_22fnfn-VpbNs1JV6Ueg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img alt="" data-original-height="510" data-original-width="1962" height="166" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEh5HJ73jT0gKY0BAeWbBUF_pM6w7A4f643RC7hZWkJPJ8L_PJr_Jzc0nwtzdfoMW7PFMlo0RAd88VKPjPYBtGvUJomZZ0Jp0o83Eey1_DbLiwkyMZWpA9-i2YS3NvzvihA4UeEpC-L-dhh1N-k3cBqjseOeOk9WPqac1NYd7K_22fnfn-VpbNs1JV6Ueg=w640-h166" width="640" /></a></div><br />É notável nos oito projetos a construção da legibilidade da estrutura condominial na sua inserção na cidade, as articulações entre os núcleos de circulação vertical (escadas comuns) e a estrutura urbana é claramente pensada a partir da premissa de oferecer aos futuros usuários uma compreensão socialmente clara e legível, não só para os moradores, mas também para os eventuais visitantes. Há uma importante reflexão sobre a escala de vizinhança imediata das estruturas, figurando uma clara predominância pelo tipo de duas unidades por andar, o que determina uma boa ventilação cruzada para todas as unidades, além de uma dimensão desmassificada. Paradoxalmente, estas características não eliminam a premissa genérica que todos os projetos parecem seguir, uma filiação incondicional a uma capacidade de reprodutibilidade técnica das soluções. Vários autores destacam a sintonia entre estas experiências da jovem URSS e uma série de administrações social-democratas da Europa Central, do entre guerras que também buscavam soluções para os graves problemas do déficit habitacional, em cidades que explodiam de tamanho. Tanto FRAMPTON 1997, quanto TAFURI 1979 denominam o conjunto destes arquitetos, como as <i>"vanguardas centro-europeias"</i>, identificando aí o embrião do movimento moderno, e na aglutinação teórica da questão da habitação operária ou do exôdo rural o objetivo maior da sinergia dos seus pensamentos. Posicionamentos reformistas e revolucionários se digladiam em diferentes localidades, gerando um patrimônio construído notável na história da arquitetura, que pela primeira vez rompe as esferas das demandas burguesas, e de certa forma a particular condição pequeno burguesa dos arquitetos. <p></p><p style="text-align: left;">O emblemático conjunto de apartamentos do Narconfim dos arquitetos Guinsburg e Milinis se insere neste contexto experimental, que interpreta a arquitetura e a cidade como "condensadores sociais" em direção a uma vida cotidiana menos competitiva e mais colaborativa. O engendramento do programa do Narconfim nos mostra os investimentos nas formas de vida comunitárias associativas e colaborativas, que claramente pretendiam induzir uma vida plena, quebrando costumes arraigados. A cozinha comunitária, a creche, a biblioteca, a academia de ginástica articuladas a diferentes arranjos de unidades habitacionais pretendem pensar a vida em seu cotidiano reequilibrando o íntimo e o social. O pensamento conservador alega sempre, que estas experiências fracassaram que grande parte dos espaços comunitários foram subutilizados; seja no Narconfim (1928-32) de Guinzburg e Millinis, ou no Carl Liegen Stadt em Berlim (1928-30), do arquiteto Bruno Taut, ou no Conjunto do Pedregulho, Rio de Janeiro (1946) arquiteto Afonso Eduardo Reidy, ou ainda na Unidade de Habitação de Marselha (1951), arquiteto Le Corbusier. Este pensamento está sempre procurando celebrar a dimensão competitiva da ação humana, buscando naturalizar o modo de produção capitalista, no entanto, a crise sanitária e ambiental que vivemos na contemporaneidade nos leva a pensar e clamar por mudanças de comportamentos cotidianos, que sejam mais solidários, colaborativos e comuns.<br /><br /></p><div><b>NOTAS:</b></div><div><br /></div><div>(1) A categoria da <i>"destruição criativa"</i> não é de TAFURI 1981, mas me parece ser de SCHUMPETER 2017, para caracterizar uma ansiosa destruição superficial, mantendo-se os fundamentos do sistema intocados. </div><div>(2) A questão da habitação será abordada por ENGELS já em 1873, num texto <b><u>Sobre a questão da moradia</u></b> publicado originalmente no jornal <i>Der Volksstaat</i>, órgão do Partido Social Democrata Alemão, em resposta a um texto do médico alemão Arthur Mülberger, que era influenciado pelas ideias do socialismo pequeno-burguês de Pierre Joseph Prodhon. Segundo ENGELS 2015 página8, <i>"Seduzir os trabalhadores com a utopia burguesa de que todos eles merecem uma casinha e uma hortinha para chamar de suas é uma maneira ardilosa de prendê-los a terra, ao método antiquado da produção individual e do trabalho manual."</i></div><div>(3) O Conjunto Carl Liegen Stadt, do arquiteto Bruno Taut está localizado em Prenzlauer Berg na Berlim Oriental, e teve alguns de seus equipamentos comuns, como suas lavanderias transformados em pequenos locais de exposição sobre a Arquitetura Moderna, num didatismo que explicita a conceituação de <i>"condensador social"</i> dos arquitetos soviéticos. </div><p><b>BIBLIOGRAFIA:</b></p><p>ENGELS, Friedrich - <b><u>Sobre a questão da moradia</u></b> - Editôra Boitempo São Paulo 2015</p><p>FRAMPTON, Kenneth - <b><u>História crítica da arquitetura moderna</u></b> - Editôra Martins Fontes São Paulo 1997</p><p>MOVILLA, Vega - <i><b><u>Housing and Revolution: From the Dom-Kommuna to the Transitional Type of Experimental House (1926–30)</u></b></i> - Edition Architectural Histories, 8(1), p.2. DOI: http://doi.org/10.5334/ah.264 acesso em outubro de 2022</p><p>SCHUMPETER, Joseph A. - <b><u>Capitalismo, socialismo e democracia</u></b> - Editora da UNESP São Paulo 2017</p><p>TAFURI, Manfredo - <b><u>Teorias e História da Arquitetura</u></b> - Editorial Presença Lisboa 1979</p><p>TAFURI, Manfredo - <i><b><u>El socialismo realizado y la crisis de las vanguardias</u></b> - </i>Visor Libros Madrid 1973</p><div><br /></div>Pedro da Luzhttp://www.blogger.com/profile/07320690622387710961noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7230136955993736286.post-76544586031262468612022-08-21T10:26:00.000-03:002022-08-21T10:26:06.401-03:00O livro O interior da História, historiografia arquitetônica para uso de latino americanos de Marina Waisman<p style="text-align: justify;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgOFRuEzqJIA478Vo9tUSQTy1bp4m2tfSYj95d1PHJfctp53I1oCo5cy2lN-dCYEoJmWsBoK3Vsc_hSlgeZMS042smxzSzRhvYeIqCMeNp4OrXajZj6PEShuTW-0x19r3P3BXjgc3C_uyi37W5oxC3-o32N4A_OSveMsYj9bWAYMWQf_hQo6QvQKP0qyQ/s528/bb78a7e67188_marina_waisman.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="480" data-original-width="528" height="291" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgOFRuEzqJIA478Vo9tUSQTy1bp4m2tfSYj95d1PHJfctp53I1oCo5cy2lN-dCYEoJmWsBoK3Vsc_hSlgeZMS042smxzSzRhvYeIqCMeNp4OrXajZj6PEShuTW-0x19r3P3BXjgc3C_uyi37W5oxC3-o32N4A_OSveMsYj9bWAYMWQf_hQo6QvQKP0qyQ/s320/bb78a7e67188_marina_waisman.jpg" width="320" /></a></div><br />O livro <b><u>O interior da História</u></b> da crítica e historiadora argentina Marina Waisman (1920-1997) traduzido para o português em 2013, lançado na Argentina em 1990 é uma importante oportunidade para discutir a produção arquitetônica na América Latina, fora dos países centrais. Subdividido em duas partes muito claras; a primeira uma categorização geral da historiografia arquitetônica, e a segunda conceitua os instrumentos para avaliação da arquitetura de um ponto de vista latino americano. Como bem assinalou Gustavo Rocha Peixoto, num brilhante artigo para a Revista digital Vitruvius, Marina desmonta e remonta a arquitetura latino americana mostrando-nos seu funcionamento, seus impasses, suas fragilidades e potências. Como também bem coloca, Ruth Verde Zein na introdução para a edição brasileira é uma leitura fundamental, construtora de uma conceituação que dialoga com a práxis da disciplina abrindo possibilidades de desdobramentos importantes para a teoria e a projetação. Na minha leitura, há em Marina Waisman, no interior de seu estruturalismo, um certo excesso de localismo isolacionista cultural, que represa e desqualifica o profícuo diálogo entre culturas centrais e periféricas. Algo distante da antropofagia do nosso modernismo, que no campo mesmo da arquitetura moderna reinventou e ressignificou mensagens do racionalismo e do organicismo de forma criativa e inusitada. <p></p><p style="text-align: right;"><i>"Quando parecia que um tipo de solução começava a ser avalizada, quando parecia que começava a haver um aprofundamento em resposta a determinado problema, quando se perfila apenas uma linha de pensamento próprio, sobrevém a nova solução ou a nova resposta ou a nova teoria elaborada nos países centrais e , sem mais, desloca o incipiente desenvolvimento. Essa condição de descontinuidade histórica não só afeta o devir das ideias arquitetônicas, mas também, como será visto, caracteriza os mais diversosos aspectos da práxis até chegar a converter-se em um elemento básico para a elaboração de pautas valorativas."</i> WAISMAN 2013 página64</p><p style="text-align: justify;">Ao meu ver, a continuidade e a descontinuidade das culturas contemporâneas ou modernas não podem ser vistas a partir de um isolamento autônomo, mas a partir de um diálogo horizontal entre princípios e manifestações de formas de expressão, que precisam permanecer e se contaminar mutuamente. O isolamento, ou sua necessidade denota uma certa minoridade, um recorrente encaixe num particular folclorizado Se a valoração parte do pressuposto, de que o formulado nos países centrais possui maior qualidade significa que as culturas não estão horizontalmente avalizadas, o que é um fato. Mas a rebelião contra este estágio de dominação não pode ser o isolamento, tão propalado pelo localismo, típico dos anos 90. Muito menos por um cosmopolitismo colonizado, que automaticamente se subordina à centralidade de forma acrítica, o universalismo solidário apenas reconhece a situação efetiva de edxclusão continuada das periferias, mesmo nos países centrais. E, aqui nada melhor do que recorrer a Antônio Gramsci (1891-1937), um autor sensível as pautas dos subalternizados pelas culturas centrais, que identifica este mesmo desequilíbrio entre centro e periferia. O pensador da Sardenha agrária e atrasada, diante da cidade de Turim industrializada e desenvolvida elaborou um marxismo peculiar, no qual a ideia de um <i>inventário</i> particular como patrimônio de sujeitos coletivos deve ser trabalhada, não de forma romântica ou folclórica, mas objetivamente;</p><p style="text-align: right;"><i>"O ponto de partida da elaboração crítica é a consciência do que você é realmente, é o conhece-te a ti mesmo como um produto do processo histórico até aquele momento, o qual depositou em você uma infinidade de traços, sem deixar um inventário, portanto, é imperativo no início compilar esse inventário."</i> GRAMSCI Quadernos 2 página76</p><p style="text-align: justify;">O ponto de partida de discussão de um mundo multipolar é a expressão particular das diferenciadas aldeias, entendendo que a perda na capacidade valorativa, mesmo do centro, advém exatamente desta insuficiência ou cegueira em não tratar em sua plena maioridade, os grupos periféricos. GRAMSCI nos chamou a atenção sobre a História dos Grupos Subalternos apontando que a narrativa histórica só estaria completa quando permitisse a plena expressão dos grupos periféricos, sem romantismos e folclorização. Não apenas por parte dos países centrais, mas também pelos próprios grupos da periferia, que ainda não dimensionaram seu próprio inventário. A absolutização da pauta localista, dos anos 90, nos levou a lutas identitárias fragmentadas, que só antendem as estratégias do poder instituído, ou centro, que manipula esta dispersão ao seu interesse de dominação. A questão não é simples e dicotômica, mas talvez envolva mais a leitura de Machado de Assis ou Jorge Luis Borges, que sempre a partir de suas aldeias tocaram fundo no drama humano. O mérito do livro de Marina Waisman, <b><u>O interior da História</u></b>, é abrir este e outros debates complexos e importantes, que seguem na pauta da nossa contemporaneidade nos mostrando que arquiteturas como as de Rogélio Salmoná (Colômbia), Eladio Dieste (Uruguai), Severiano Mario Porto (Brasil), Miguel Angel Roca (Argentina) e outros estabelecem um diálogo nivelador com o centro.</p><p>BIBLIOGRAFIA:</p><p>GRAMSCI, Antônio - <b><u>Cadernos do Cárcere, Os intelecuais. O princípio educativo. Jornalismo. volume 2</u></b> - Editora Civilização Brasileira Rio de Janeiro 2001</p><p>WAISMAN, Marina - <u style="font-weight: bold;">O interior da História, historiografia arquitetônica para uso de latino americanos</u> - Editora Perspectiva, São Paulo 2013</p>Pedro da Luzhttp://www.blogger.com/profile/07320690622387710961noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7230136955993736286.post-60634957973505676952022-06-20T13:55:00.120-03:002022-06-20T21:08:18.471-03:00O Renascimento Italiano<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjH5lS6-lkhmMw7TsZ9WVtFfCvu9Z_Tc2ZA3N31fRCni1dLkq1zCogUFOwAenMwDKOLupCxJ1gxNiDjFgxiy0pEIcqu9zQykvstFjFTmhbcQmv1NioErre7W2vQvn7rbkx5TYiuKpvGcBdv1Q3MR_W8G2NhIcgSIkStqHswi9NkZRfGLgYX2PASxr4EXA/s291/catedral%20de%20floren%C3%A7a%20vista.jpg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="291" data-original-width="236" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjH5lS6-lkhmMw7TsZ9WVtFfCvu9Z_Tc2ZA3N31fRCni1dLkq1zCogUFOwAenMwDKOLupCxJ1gxNiDjFgxiy0pEIcqu9zQykvstFjFTmhbcQmv1NioErre7W2vQvn7rbkx5TYiuKpvGcBdv1Q3MR_W8G2NhIcgSIkStqHswi9NkZRfGLgYX2PASxr4EXA/s16000/catedral%20de%20floren%C3%A7a%20vista.jpg" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">A Catedral de Santa Maria del Fiori <br />em Florença, com o Batistério, <br />o Campanário de Giotto e a <br />Cúpula de Bruneleschi</td></tr></tbody></table><p>Dentro do conjunto de textos, publicados aqui neste blog que se articulam com a disciplina Teoria e História da Arquitetura 1, no âmbito da Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (EAU-UFF), o último tema é o Renascimento Italiano. Portanto, a disciplina percorre os seguintes módulos da história ocidental; a Pré História, a Antiguidade Pré Classica, a Antiguidade Clássica Greco-Romana, a Idade Média e o Renascimento. No sentido, de refletir sobre a História dos grupos subalternos, ou sobre Estudos Pós Coloniais, junto com o módulo da Antiguidade Pré-Clássica é abordado o Império Inca, como um fenômeno histórico pré-colombiano de suma importância para questionar o Euro-Centrismo hegemônico. No texto, <b><u>As Sociedades Pré Colombianas, o exemplo do Império Inca na América do Sul</u></b> busco mostrar como a história é um livro aberto possibilitador de novas narrativas, que questionem a supremacia Euro Cêntrica de nossa cultura hegemônica. Mas, o Renascimento, abordado no contexto da disciplina é o renascimento italiano, um fato histórico de suma importância para a cultura urbano arquitetônica da humanidade com exemplos construídos, reflexões teóricas e consequências notáveis para o nosso presente. Aquilo que ficou conhecido como Baixa Idade Média pela historiografia corrente - do século IX ao XV - nos mostra o renascimento das cidades e da cultura do mercado, a emergência dos comerciantes e banqueiros, a retomada de atividades econômicas adormecidas, o declínio do sistema medieval e a emergência do capitalismo. Aquilo, que muitos autores chamam da Longa Transição - ARRIGHI 1997, BRAUDEL 1998, POLANIY 2000 - na qual se percebe a emergência da ideologia da propriedade privada, seus cercamentos, a emergência de uma mentalidade contratual, e a expressão personalizada de determinadas obras e esforços. Talvez a cidade seja a demonstração mais palpável e concreta destes ocasos e emergências, e dentre elas; Florença, seja a mais emblemática e concreta dessas transformações, concentrando numa obra como a Cúpula de Santa Maria del Fiori, de Fillipo Bruneleschi (1377-1446), todo o espírito de um novo tempo. A Catedral, que já tinha agregado manifestações notáveis como o Batistério e o Campanário de Giotto, iniciara sua obra a partir da demolição da antiga igreja de Santa Reparata em 1294, e a partir do projeto de Arnolfo di Cambio (1245-1310) do final do século XIII. Até o concurso da Cúpula convocado pela Ópera del Duomo, em 19 de agosto de 1418 para cobrir o altar mor era a obra que mobilizava e sintetizava uma nova prática e sensibilidade, que emergia. A convocação divulgada por toda a cidade e na região da Toscana, declarava:</p><p style="text-align: right;"><i>"Quem desejar apresentar qualquer modelo ou projeto para a cúpula principal em construção pela Ópera del Duomo seja para armação, andaimes ou outras coisas, ou qualquer aparelho para elevação de cargas relativo à construção e à perfeição da mencionada cúpula ou abóboda, deve fazê-lo antes do final do mês de setembro. Se o projeto for utilizado, a pessoa terá direito a um pagamento de 200 florins."</i> KING 2013 página 13</p><p style="text-align: left;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEikBIL8JMRfplkEvlpJwMiMloc9qchVbxHES5Gyez5nVcGwJZ_d6eJDK3ddUL3ktMtA-2fHZwHUeGeXcPz5rqpFgjPjIjHiidt78Vry4QjWinH6g9tpwAyXMWK338gD0NSXmdH2mjTOwtY0pRc4Jjt6LSIPkDG8myxFG-3HcZxhCHZeVAWOhbw9SFqETQ/s681/catedral%20de%20floren%C3%A7a.jpg" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="681" data-original-width="564" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEikBIL8JMRfplkEvlpJwMiMloc9qchVbxHES5Gyez5nVcGwJZ_d6eJDK3ddUL3ktMtA-2fHZwHUeGeXcPz5rqpFgjPjIjHiidt78Vry4QjWinH6g9tpwAyXMWK338gD0NSXmdH2mjTOwtY0pRc4Jjt6LSIPkDG8myxFG-3HcZxhCHZeVAWOhbw9SFqETQ/s320/catedral%20de%20floren%C3%A7a.jpg" width="265" /></a></div><br />Era uma quantia razoável para um desafio enorme, pois o vão do octógono a ser coberto tinha um diâmetro de 43,12 metros, sendo maior que a dimensão do Panteão em Roma, e estava a uma altura de 58,19 metros do piso da cidade, muito mais alta do que qualquer das abóbodas das catedrais góticas da França. O feito já foi comentado aqui nos textos do blog, com os títulos de; <b><u>A cúpula de Santa Maria del Fiori</u></b> de setembro de 2014 e <u style="font-weight: bold;">Brunelleschi e a Cúpula, fragmentação e coesão no processo de projeto; da concepção inicial ao executivo</u> de janeiro de 2021, pois é considerado um marco na história humana da cultura do construir. Nas narrativas da história, tal feito marca a constituição da moderna profissão de arquiteto, um profissional que a partir da análise do contexto formularia uma solução mais adequada, conciliando; técnica do construir, materialidade, custos e estética. Brunelleschi, na verdade pertencia a guilda da Seda (Arte della Seta), e dentro dela prestara juramento como mestre ourives, e pertencia a uma geração que empreendeu a reconstrução de Florença, após esta ser devastada pela Peste Negra, que a atingiu nos anos de 1399-1400, quando ele tinha 22 anos, um ano após sua aceitação nesta corporação de ofício. Mas, segundo VASSARI 2011 (Giorgio Vassari 1511-1574), o primeiro historiador da arte, Filippo Brunelleschi tinha um interesse e talento nato pelo desenho e pela pintura, convencendo a seu pai que tinha planejado outro ofício mais nobre para o filho. O fato é que o pai de Brunelleschi também já havia demonstrado interesse no campo da construção, tendo participado de um comitê de assessoramento da Ópera del Duomo em 1367, que certamente mobilizava os mais nobres cidadãos de Florença. Essa concentração na personalidade de um homem das responsabilidades de uma obra, vinha se manifestando na Itália desde tempos pretéritos, basta vermos a cronologia; São Francisco (1181-1226); Arnolfo di Cambio (1245-1310); Dante Alighieri (1265-1321); Giotto di Bondoni (1267-1337); Petrarca (1304-1374); Bocaccio (1313-1375); Fillipo Bruneleschi (1377-1446); Lorenzo Ghiberti (1381-1455); Leon Batista Alberti (1404-1472); Nicolau Maquiavel (1469-1527). No campo da construção declina as determinações e o anonimato das Guildas, e passa a se destacar a autobiografia, as interações com seu tempo, a manipulação e o acesso ao conhecimento humano disponível.<p></p><p style="text-align: right;"><i>"...Filippo disse: "Senhores, considerai que não é possível construir essa abóboda de outra maneira; podeis rir de mim, mas sabereis (se não fordes obstinados) que não se deve nem se pode obrar de outro modo. E a quem quiser fazê-la da maneira como proponho, digo ser necessário que seja usado o arco agudo de quatro pontos, e que haja duas abóbodas, uma por dentro e outra por fora, de tal modo que seja possível caminhar entre as duas. E, nas arestas dos ângulos das oito faces, com dentilhões de pedra, será possível amarrar a edificação em toda a sua espessura, circundando suas faces com tirantes de madeira de carvalho. E é preciso pensar na iluminação, nas escadas e nos condutos, por onde a água da chuva possa sair. E nenhum de vós pensou que é preciso cuidar para que por dentro haja andaimes que possibilitem fazer os mosaicos e uma infinidade de coisas difíceis, mas eu que já vejo a abóboda construída, sei que não há outro modo nem outro caminho para construí-la, senão este que expus." E, exaltado com a exposição, quanto mais procurava facilitar a compreensão de seus conceitos, para que lhes dessem ouvidos, mais dúvidas suscitava, fazendo-os acreditar menos e considerá-lo besta e charlatão. Por isso, não querendo sair depois de ser dispensado várias vezes, foi carregado para fora do recinto pelos serviçais e passou a ser visto como doido varrido."</i> VASSARI 2011, página 235</p><p style="text-align: left;"></p><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjmqNcpdEl_WUgP0tpW5tPefuMJAmeCLK0a97nr_NE-RjWX9z7gEA4L7sMERbhY6Y843mztUZbBg5qFAbGWqOtoVBF7R2Z1Bhi_mdYX6Z7hj7OMSFKD_ELF88e-WiQ68KvdSpcYekNyiA2OlU1fsoKS6-boeEWtuANIbMkUHBnnn6WOtCuvQeF-nlLMoA/s559/Se%C3%A7%C3%A3o%20das%20c%C3%BApulas.jpg" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="412" data-original-width="559" height="236" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjmqNcpdEl_WUgP0tpW5tPefuMJAmeCLK0a97nr_NE-RjWX9z7gEA4L7sMERbhY6Y843mztUZbBg5qFAbGWqOtoVBF7R2Z1Bhi_mdYX6Z7hj7OMSFKD_ELF88e-WiQ68KvdSpcYekNyiA2OlU1fsoKS6-boeEWtuANIbMkUHBnnn6WOtCuvQeF-nlLMoA/s320/Se%C3%A7%C3%A3o%20das%20c%C3%BApulas.jpg" width="320" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Seção das duas cúpulas de Brunelleschi e seu<br />complexo processo de cosntrução sem escoras<br />e cimbramentos de madeira</td></tr></tbody></table><br />Como se percebe na citação de VASSARI 2011, a auto expressão da genialidade não foi feita sem resistência, chegando mesmo a considerá-la como fora do juízo, mas ela envolve a conquista de um direito humano moderno, na qual o indivíduo ganha o dever de criticar a si mesmo e a sua comunidade no seu pensar e agir, como participante de um projeto geral da humanidade. A humanização do homem será o dogma do humanismo, presente na Renascença italiana, de forma concreta na execução da Cúpula de Santa Maria del Fiori; uma fusão entre artes e técnicas usuais e distantes nos mundos da vida florentinos. Afinal, se utilizava de duas abóbadas, uma interna baseada na distante técnica persa de execução de cúpulas a partir do entrelaçamento de tijolos com 2,20 metros de espessura, e outra externa, com 1,30 metros baseada na técnica gótica das cúpulas de aresta. Ambas juntas realizam o feito de vencer o vão de 43,12 metros, mas também de se auto suportarem sem escoras e cimbramentos naquelas alturas, com um espaço entre elas de 1,20 metros, que até hoje nos permite o acesso ao lanternim no seu topo. A conquista não foi simples e livre de derrotas e frustações, afinal em 1401, o mesmo Brunelleschi participou de um outro concurso, as duas portas de bronze do Batistério - as portas norte da emblemática edificação(1) - sem ser o vencedor, que caberia a Lorenzo Ghiberti (1381-1455), mais jovem que ele, 4 anos. O concurso bem mais simples do que o do Duomo da Catedral, tinha como tema a decoração das duas portas do lado norte, com o enredo do Sacrifício de Isaac, o filho de Abraão, que está no Velho Testamento da Bíblia, e que deveria ser representado em dez painéis com medidas pré fixadas nas duas faces das portas. Na verdade, dois conselheiros da Calimala, Palla Strozzi e Matteo Villani, a poderosa corporação dos mercadores e responsável pela edificação do Batistério, dedicado a São João Batista eram estudiosos humanistas afeitos aos escritos de Plínio, o Velho; <i>"que descrevia essas antigas competições em termos radiantes e sugeria que o próprio ato de provar a si mesmo através da competição dava ao artista seu posto na sociedade."</i> (WALKER 2005, página 40) O estranho e inusitado na competição era a idade de todos os participantes convocados que eram bastante novos, com exceção apenas de Niccoló d' Arezo, que já tinha cinquenta anos de idade todos os outros tinham de trinta para menos; Ghiberti tinha 20 anos e Brunelleschi, um pouco mais velho, estava com 24 anos. O juri com 34 representantes se fixou no trabalho desses dois jovens, decidindo por uma solução de compromisso, que mostra a dificuldade encontrada na seleção do melhor trabalho entre os dois jovens artistas (2).<p></p><p style="text-align: right;"><i>"Assim, posto que aquele seria um grande empreendimento, que implicaria muito tempo e muitos recursos, deveria ser entregue a ambos os artistas, que trabalhariam em parceria. Quando Fillipo e Lorenzo foram convocados e informados da decisão, Lorenzo permaneceu em silêncio enquanto Fillipo recusou-se a aceitar a encomenda se a obra não fosse exclusivamente sua. Nesse ponto ele foi inflexível... Os responsáveis ameaçaram entregar a obra a Lorenzo se ele não voltasse atrás; ele respondeu que não queria parte do trabalho se não tivesse total controle, e que se eles quisessem entregar tudo a Lorenzo, que entregassem... A opinião pública da cidade ficou completamente dividida."</i> WALKER 2005 página 47</p><p style="text-align: left;"></p><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjhpr3zLHC_RqQToCfrKCYbK9ut0zhQHj9yd2vGdjjB3rtwzj9ogdQjGaa-iE5w-SrX7-6zuDga6A_BNYTmEaBDm3zl3cG6Z4wp-Bf98efVAbgq5ZtdipkMsPRr-z7O_svX_N-E9V_EMTALhVdN69sRRjIzgYAXzfF4gD0xMvNqfLIowycORHgzqF3Jww/s756/cupula.jpg" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="756" data-original-width="564" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjhpr3zLHC_RqQToCfrKCYbK9ut0zhQHj9yd2vGdjjB3rtwzj9ogdQjGaa-iE5w-SrX7-6zuDga6A_BNYTmEaBDm3zl3cG6Z4wp-Bf98efVAbgq5ZtdipkMsPRr-z7O_svX_N-E9V_EMTALhVdN69sRRjIzgYAXzfF4gD0xMvNqfLIowycORHgzqF3Jww/w299-h400/cupula.jpg" width="299" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">A Cúpula de Santa Maria del Fiori, construção <br />e adequação ajustadas pelo contexto<br /><br /></td></tr></tbody></table><br />Hoje as duas propostas podem ser vistas no Museu Bargello em Florença, lado a lado, mostrando-nos que a decisão da Guilda da Calimata era realmente difícil, testemunhamos a expressão de dois artistas complexos, narrando o sacrifício de Isaac, o filho de Abraão ofertado a Deus para acalmá-lo. É uma pena, que as outras cinco propostas não tenham se mantido para que pudéssemos ter um panorama mais abalizado desse momento do ocaso do gótico e a emergência da antiga tradição clássica greco romana temperada pelo humanismo renascentista (3). Mas o fato importante a destacar, é que, Brunelleschi, segundo Giogio Vassari no livro <b><u>A vida dos artistas</u></b>, a partir desse acontecimento se imporá um auto exílio da sua cidade Florença, indo para Roma fustigada por invasores, com seu discípulo Donatelo, para estudar as antigas ruínas. As circunstâncias históricas levaram Brunelleschi a uma maior reflexão sobre o ofício da construção, sobre as tecnologias utilizadas na antiguidade clássica e na sua contemporaneidade, como um patrimônio humano a ser rearticulado na sua experiência projetual em seu tempo presente? Não sabemos, mas certamente, o concurso das portas norte do Batistério moldaram as personalidades de Brunelleschi e Ghiberti, forjando no primeiro a necessidade da pesquisa sistemática, a ampliação do esforço de persuasão pelo projeto, a argumentação embasada e estruturada, que se manifestarão 27 anos depois no concurso da Cúpula de Santa Maria del Fiori. Competição, na qual os dois artistas estarão novamente frente a frente concorrendo, mas que nessa ocasião terá como vencedor Filippo Brunelleschi, que no entanto pelas desconfianças despertadas por suas certezas ou convicções será ironicamente fiscalizado por Lorenzo Ghiberti, pelo menos nos primeiros anos da empreitada da Cúpula. Mais uma vez aflora a expressividade particular da personalidade de Brunelleschi, mas também o domínio público sobre sua atuação e responsabilidades como um controle social, ou das elites da Ópera da catedral de Florença. Além da cúpula de Santa Maria del Fiori, Fillipo Brunellecshi realizou uma série de projetos notáveis, mostrando em todos seus trabalhos um senso de adequação ao contexto geral sempre apurado e sensível. <p></p><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhaKjQd6VGCI7A8ACQVZDbx_hiImu8se7buxAht3QnYFIHwHhaR_LsfC4FNuaNTAIMauOiPqKjwC-KBVBxU6vTpX0p5p6DcxpX6BQ8oORdV4lVIO4zpDXXQEYkmy6pLwx7pNT0rdyyQ3-Hoqi_UiO308QcnodE5vdRRAdAiN_f68nV1l_0XcUQC8IZVLw/s1000/Piazza%20Sant%C3%ADssima%20Anunziatta%20Floren%C3%A7a.jpg" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="343" data-original-width="1000" height="220" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhaKjQd6VGCI7A8ACQVZDbx_hiImu8se7buxAht3QnYFIHwHhaR_LsfC4FNuaNTAIMauOiPqKjwC-KBVBxU6vTpX0p5p6DcxpX6BQ8oORdV4lVIO4zpDXXQEYkmy6pLwx7pNT0rdyyQ3-Hoqi_UiO308QcnodE5vdRRAdAiN_f68nV1l_0XcUQC8IZVLw/w640-h220/Piazza%20Sant%C3%ADssima%20Anunziatta%20Floren%C3%A7a.jpg" width="640" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">O edifício do Hospital dos Inocenntis, (a direita) colonizou a Piazza da Santíssima Anunziata, com<br />suas generosas arcadas, que se reproduziram nas edificações que a sucederam; a Igreja da Santíssima<br />Anunziata (em frente) e o Museu da Galeria de Belas Artes (a esquerda)</td></tr></tbody></table><div style="text-align: center;"><br /></div><div><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgtmcK99pVUPNb2Qi2T_2MT0hwU7Txr3diIjd-e0SDMC5D5V85FNVIl9f9-YM4Bg9-p1MyQII9Iu-6N9d1NLVE9_YL4-fCbUYCCXvNl2mjfnL_m8KwUbf9Xlv58DSjXZfBwMLr083wG18pHXCs-MvbsCTgwrS6dzdFMZ_SRPL_eKmQ1oIDFmJ0vN_Jt2A" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img alt="" data-original-height="775" data-original-width="789" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgtmcK99pVUPNb2Qi2T_2MT0hwU7Txr3diIjd-e0SDMC5D5V85FNVIl9f9-YM4Bg9-p1MyQII9Iu-6N9d1NLVE9_YL4-fCbUYCCXvNl2mjfnL_m8KwUbf9Xlv58DSjXZfBwMLr083wG18pHXCs-MvbsCTgwrS6dzdFMZ_SRPL_eKmQ1oIDFmJ0vN_Jt2A" width="244" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">A Capela Pazzi em Florença</td></tr></tbody></table><br />Em 1419, o Hospital dos Inocentes na Praça della Anunziata em Florença, gerando uma generosa Loggia (arcada) para a Praça, que didaticamente conquistará o espaço colonizando-o, com a fachada da Igreja Santíssima Anunziata (1440), e com o Museu da Galeria de Belas Artes, com a generosidade da arcada. Entre 1420 e 1429 realiza a Igreja de San Lorenzo em Florença, uma antecipação notável de sua manipulação de um módulo como ordenador do nosso caminhar e do nosso olhar. Em 1429, a Capela Pazzi, uma igreja de planta central, uma sucessão hierarquizada de cúpulas, que nos mostra a sua incrível capacidade de composição de arranjos espaciais complexos Em 1436, a Basílica de Santo Spírito, na Praça de mesmo nome em Florença revela para nós toda a concisão modular de uma nova linguagem sóbria e direta, concentrada no módulo e desprovida de qualquer decorativismo. Por outro lado, é importante mencionar que a obra de Brunelleschi se consolidará na historiografia da arquitetura pela grande quantidade de reflexões e textos que gerou após a sua realização, um exemplo único onde uma obra construída suscita um caudal de reflexões teóricas. É visível, por exemplo no livro de Giorgio Vassari, das biografias dos artistas, o primeiro livro de História da Arte no ocidente, o espaço de maior número de páginas dedicado a Fillipo Brunelleschi, em comparação com outros artistas. Vassari, segundo ARGAN 1992, página 95, será o primeiro a relacionar a cúpula de Santa Maria del Fiori não só a construção do templo em si, mas a todo o espaço da cidade e da região da Toscana, demonstrando-nos a sua força de coesão e identidade. Outro importante teórico que lhe dedica grande consideração é Leon Batista Alberti (1404-1472), um humanista e intelectual de grande consistência, o empreendedor de um dos mais importantes tratados da história da arquitetura; o de Re Aedificatória, que também coloca Brunelleschi como uma figura ímpar. Também segundo ARGAN 1992 PÁGINA 95, Alberti lhe dedica o Tratado De Pintura (1435-36), escrevendo, quando <i>"a cúpula havia sido fechada e ainda faltava a lanterna... a grande calota que havia aparecido (quase que por milagre, mas por um milagre da inteligência humana) no céu de Florença... "</i> Chegando a dizer que a cúpula se erguia acima dos céus, refletindo a fundo seu papel na representação de uma centralidade para os povos toscanos, mas também a uma competição entre o céu físico e o metafísico criado pelo homem. Natureza e cultura se confrontam numa complementariedade expressiva, sem necessidade de mútua destruição, mas de contínua auto construção. Enfim, estamos diante de um paradoxo, afinal Brunelleschi não teorizou sobre sua própria obra, mas aglutinou um imenso conjunto de reflexões, que permanecem nos dias de hoje, não apenas sobre a sua cúpula mas sobre sua obra como um todo.</div><div><br /></div><div style="text-align: right;"><i>"A cúpula é uma representação porque visualiza o espaço que por certo é real ainda que não seja visível; mas ela é justamente a representação do espaço em sua totalidade e não de algo que acontece numa porção de espaço... Em suma, a extraordinária invenção de Brunelleschi, não é, no modo de ver de Alberti, um objeto arquitetônico, mas um imenso objeto espacial, vale dizer, um espaço objetivado, isto é, representado, pois cada representação é uma objetivação e cada objetivação é perspéctica porque dá uma imagem unitária e não fragmentária, o que implica uma distância ou uma distinção, bem como uma simetria entre objeto e sujeito, de forma que a representação não é a cópia do objeto, mas a configuração da coisa real enquanto pensada por um sujeito."</i> ARGAN 1992, página 96</div><div><p></p><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEj5_JqOjibvObi5CXzVJvNXTVkXXqHY3pta3bW4-LxpzwRxdiHIjj-xseiKY1Fcf06or8tC6DTpbDg0BKsM4vwExYXBxZ_W_vHnzvK2e1vNI68FJkzuD4xJknUMk2b05Hqmi1jtxwr0aJZ98DZ9apTqNeJ4lRG2WwKsZnZ9-YsVH4MM3hnG-kpkyGUM2Q" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img alt="" data-original-height="633" data-original-width="704" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEj5_JqOjibvObi5CXzVJvNXTVkXXqHY3pta3bW4-LxpzwRxdiHIjj-xseiKY1Fcf06or8tC6DTpbDg0BKsM4vwExYXBxZ_W_vHnzvK2e1vNI68FJkzuD4xJknUMk2b05Hqmi1jtxwr0aJZ98DZ9apTqNeJ4lRG2WwKsZnZ9-YsVH4MM3hnG-kpkyGUM2Q" width="267" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Igreja de São Sebastião em Mântua 1460,<br />plantas, corte e fachada inaugura o tema <br />do Piano Nóbile, o plano além do greide <br />da cidade</td></tr></tbody></table><br />Mas além de Brunelleschi, o renascimento italiano será pródigo em figuras notáveis, o já mencionado Leon Battista Alberti (1404-1472) era filho natural de Lorenzo Alberti, exilado da cidade de Florença, nasceu em Gênova. Frequentou a escola de Pádua do humanista Barziza, e se diplomou em direito canônico em Bolonha e depois em filosofia, era um intelectual humanista de grande cultura. Possui uma vasta obra que transita entre projetos, construções notáveis e reflexões teóricas de uma profundidade absoluta, que chegam até nossos dias com claros ordenamentos éticos e morais, ainda válidos e operantes em nossa contemporaneidade. A simples compilação de sua obra teórica impressiona pela vastidão, diversidade e profundidade; ao seu primeiro texto, Philodoxius, uma imitação de sátira clássica de data incerta se sucedem; Tratado <i>De Familia</i> em 1432, <i>Descriptio Urbis Romae</i> 1432-34, Tratado <i>De Estátua</i> 1434-35, Tratado <i>De Pintura</i> em 1435-36, Tratado <i>Della Prospettiva</i> (perdido), Tratado <i>De Re aedificatoria</i> 1444-52, e outros. Além dessa obra teórica se somam os projetos e obras; Igreja de San Francesco em Rimini 1450, Palazzo Rucelai Florença 1453, Fachada de Santa Maria Novella Florença 1458, Igreja de San Sebastiano em Mântua 1460, Igreja de Sant’ Andrea em Mântua 1470. Alberti é a representação maior do homem humanista do Renascimento, que transita por diversos assuntos com imensa competência, numa performance que não poderá mais ser alcançada por nossa contemporaneidade fragmentada e cindida. Ele será responsável pela transformação do ato de construir em uma operação intelectual e pensada, operando uma importante mudança no campo da arquitetura e do urbanismo; de Arte Mecânica em Arte Liberal. Um dos seus conceitos mais interessantes, e que, continua operando em nossa contempraneidade é o de "<i>concinnitas"</i>, uma ideia de ajuste ou sintonia entre personalidade e lugar. O termo "<i>concinnitas"</i> é central na conceituação de Alberti, comportando o termo grego “cosmos” entendido como um todo harmonicamente constituído, onde cada elemento ocupa uma posição determinanda e exclusiva. O termo também envolve no latim a reunião do prefixo "<i>con"</i> com o substantivo, "<i>cinnus"</i>, que nomeava uma bebida de sabor agradável e inédito. Refere-se a ideia de se estabelecer uma concordância e colaboração de diferentes componentes. O termo foi utilizado no <i>Philodoxus</i> e no <i>Defunctus</i>, obras em que aparece o antônimo; "<i>inconcinnitas"</i>, denominando incongruência, má disposição dos textos. No "<i>Della Famiglia"</i>, aplica o termo para compreender a correspondência e a harmonia que se pode encontrar nos cantos, na musicalidade e nos versos. No "<i>De pictura"</i>, a "<i>concinnitas"</i> é usada para nomear as boas escolhas que o pintor faz ao observar a natureza e a história; a exatidão e o equilíbrio se somam a variedade de temas, inclusive na sua elegibilidade. Segundo BRANDÃO 2016, Alberti parte de Cícero e de Nicolau de Cusa, que usam o termo "<i>concinnitas"</i> para denominar a acomodação da variedade num todo dentro de uma criação artística, construtiva ou retórica. A beleza era a combinação espiritual da "<i>convenientia"</i> e da "<i>mediocritas"</i> num princípio construtivo, envolvendo uma pauta médico, científica, pedagógica, política, ética e moral.</div><div><br /></div><div><div style="text-align: right;"><i>“De acordo com a doutrina de Alberti, “concinnitas” constitui o supremo desafio por meio do qual se manifesta a beleza de uma edificação. Ele se baseia na aplicação prática das leis fundamentais da arquitetura contidas em “numerus”, “finitio” e “collocatio”... A “concinnitas” não impõe limites à imaginação do arquiteto, porém a submete a uma suprema lei da ordem que põe em pé de igualdade os requisitos técnicos, artísticos e utilitários da obras.”</i> HEYNDENREICH 1988 pág.44</div><p></p><p></p><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgpfi8DkOS2KLIEm0MiR76F1DmnnzXug2xN06gFoQRcnoEPhAQqdDQt3AEULiPTFQpiprKmXQSJyk8vdB8FXaH5F16HWtay3V9-quMfBMZQkwkp7HR3iFbrcBaguuHqrlvZ5SUC-f6j1rJPRyRZS_2AVoA0Hweq7yqVmTRoPvGyHXi9ADyPm3AKNmV_Cw" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img alt="" data-original-height="931" data-original-width="700" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgpfi8DkOS2KLIEm0MiR76F1DmnnzXug2xN06gFoQRcnoEPhAQqdDQt3AEULiPTFQpiprKmXQSJyk8vdB8FXaH5F16HWtay3V9-quMfBMZQkwkp7HR3iFbrcBaguuHqrlvZ5SUC-f6j1rJPRyRZS_2AVoA0Hweq7yqVmTRoPvGyHXi9ADyPm3AKNmV_Cw=w300-h400" width="300" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Palazzo Rucelai Florença 1453, <br />inserção urbana e fachada</td></tr></tbody></table><br />Sua proposição de, <i>"Bene beateque vivendum"</i>; pretende generalizar o Bem Viver pleno para todos, argumentando que a humanização do homem se faz pela superação da luta pela sobrevivência, ou "<i>beate uiuere"</i>, a vida feliz e justa que precisa ser universalizada para todos. Outra conceituação importante, é a <i>"Virtú"</i>; ou virtude, equilíbrio entre as partes e todo, o controle dos gastos públicos, a ética na mobilização dos recursos públicos para atender os interesses de todos. O "<i>Decorum"</i>; é o embelezamento articulado com a tectônica, com a contenção e a sobriedade, que todo arquiteto deve buscar por conta de uma ética do construir. O "<i>Lineamento"</i>; são os limites do desenho, da intervenção, os limites morais e éticos do construir, o confronto com as pré-existências, que no caso de Alberti era o contínuo construído gótico e medieval, das cidades, em seu reflorescimento comercial. Daí o seu tratado do "<i>Re aedificatória"</i> , no qual pensa como a sensibilidade de restauração do classicismo greco-romano se confronta com a identidade da cidade medieval. Neste tratado, também emerge a ideia da "<i>Res publica"</i>; a ética e moral de construir em sintonia com o interesse público, numa constante vigilância da "<i>Libidine aedificanti"</i>; o hedonismo inerente a atividade da construção, que restringe o interesse público e amplia a expressão personalista e isolada do arquiteto, a cupidez pessoal. Em Alberti estará sempre presente a ideia de um controle público sobre a personalidade humana, o conceito de "<i>Hýbris"</i>; natureza ou tendências inerentes ao humano, que precisam ser vigiadas. A "<i>hýbris"</i> humana, que deve ser contida e vigiada socialmente faz da vida na cidade a possibilidade de regulação e aprimoramento da personalidade humana, sempre sujeita a excessos de personalismos.<p></p><div style="text-align: right;"><i>“Construir não é um ato solitário nem o produto de um ‘gênio’, como vimos no capítulo anterior, mas uma interpelação e ragionare contínuos e compartilhados, desde a proposição de se edificar algo até a avaliação posterior da obra.”</i> BRANDÃO 2016 página 91</div><div><br /></div><div><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEj3WnMXROpZeWeSZGv71LPqjS_y894HJ_x8qnHA-MtbV-a2jKHUtHl5euNA2w8ixc55ToD5yC6YvyR6eE5ITfo3m_UCgdcG4gkmEKv8DEzw1vEkKKUct3HKHiCa24AUXecqlwb4oq9FJ7vX2_t814VVozX5hlnfled4UdCFSWR9_ePNsLAUOb_b9kRY0Q" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img alt="" data-original-height="927" data-original-width="600" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEj3WnMXROpZeWeSZGv71LPqjS_y894HJ_x8qnHA-MtbV-a2jKHUtHl5euNA2w8ixc55ToD5yC6YvyR6eE5ITfo3m_UCgdcG4gkmEKv8DEzw1vEkKKUct3HKHiCa24AUXecqlwb4oq9FJ7vX2_t814VVozX5hlnfled4UdCFSWR9_ePNsLAUOb_b9kRY0Q=w259-h400" width="259" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Palazzo Rucelai Florença 1453, planta<br />baixa, inserção urbana e foto do Pátio</td></tr></tbody></table><br />Alberti será o porta voz de uma revolução moderna, que identifica uma capacidade nas comunidades citadinas de determinar seu futuro, imaginando sempre um viver mais adequado para as futuras gerações que se aprimora com o tempo. Mas ele ao mesmo tempo, não é crente numa natureza humana perfeita e premiada por uma racionalidade individual e isolada, mas profundamente dependente de aprimoramento público e coletivo por uma racionalidade interativa e auto regulada. Afinal, como ele próprio afirmava de forma peremptória; <i>“ O homem nasce para ser útil a outros homens."</i> e nesta busca deve pensar se o projeto a partir de uma relação transtemporal entre os vivos, mas também com os que nos precederam e com os que nos sucederão. Presente, passado e futuro reunidos pela e na arquitetura e na cidade, pelo urbanismo e pelo território controlado pela "<i>urbis"</i>, que condiciona e é condicionada pela "<i>civitas"</i>. Compreensão da civilidade como interconectada com a sofisticação do seu ambiente constrído, uma compreensão da arte no seu sentido latino de "<i>ars"</i> enquanto técnica, fato que envolve a técnica e a matéria, mas também o interesse público. Interessante destacar as seis categorias que formam ao mesmo tempo; a reflexão, a aproximação e a classificação do ato projetual de Alberti no tratado <i>De Re Aedificatoria</i>; <i>regio, area, partitio, paries, apertio </i>e<i> </i><i>tectum</i><i>.</i> Onde a "<i>regio"</i> seria o em torno de controle da cidade, que assinala e comprova seu poder de atração e coordenação regional, sua capitalidade. A "<i>area"</i> seria uma porção da "<i>regio"</i> delimitada, edificada e construída, portanto a superfície propriamente urbana e densa, o lugar habitado pela sociabilidade da cidade, que no tempo de Alberti era intramuros. "<i>Partitio"</i> eram as subdivisões de personalidades ou tempos da cidade, que lhe davam uma certa continuidade funcional ou formal. "<i>Paries"</i> ou "<i>Parietes"</i> eram as paredes ou muros, que adviam da necessidade de fechamento e de isolamento. A "<i>apertio"</i> eram os vãos, as janelas, passagens ou aberturas, que adviam da necessidade oposta aos muros, de relacionamento e conexão entre fechamentos e isolamentos. E por último, "<i>tectum"</i> eram as coberturas e sua diversidade de formas e tipologias. Enfim, uma metodologia de abordagem do ato de construir, indo das categorias mais gerais e globalizantes, como <i>regio, area</i> e <i>partitio</i>, até as que pensam o processo construtivo em si, como, <i>paries, apertio</i> e <i>tectum.</i> Esta reavaliação da obra de Alberti é fruto de uma revisão historiográfica de longa duração, segundo ARGAN 1992, iniciada por Adolfo Venturi, Mario Salmi e Cesare Brandi em 1956 no ambiente italiano, depois por Bruno Zevi em 1958 numa esfera mais ampla, pelo próprio Argan 1972, e por Carlos Antonio Leite Brandão no Brasil (4) a partir dos anos 1990s. Anteriormente, a obra de Alberti, desde as Vidas de Vassari, era vista, desacreditada e mesmo desdenhada, como excessivamente teórica ou como fruto de uma pretensão ambiciosa de um literato amador.</div><div><br /></div><div style="text-align: right;"><i>“Mas, quando porventura teoria e prática se juntam, não há nada que possa ser mais conveniente à nossa vida; seja porque a arte por meio da ciência se torna muito mais perfeita e rica, seja porque os textos e os conselhos dos artistas doutos têm em si muito maior eficácia e gramjeiam maior crédito que as palavras ou as obras daqueles que só conhecem a simples prática, que eles executam bem ou mal.”</i> VASSARI 2011; pág.288</div><p></p><p></p><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEhzkhMl9O27SlQaNb0bwOgNTRbIcA9CkIw8jbNWWfoWK5VVk1DCHf_EY-Pqz4udOy6bk2kt9Ca8uqL3qtI5rFMAeYJA1FakZeyBK9xKOF9sEYnqjNd_hkk_O4Oyf7_aGoC7ukfJCzDi8_GbdrhBAxbP2OX3EOWn_nK4gk2wrBg5me0X38YZxWfGMTr1JA" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img alt="" data-original-height="613" data-original-width="536" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEhzkhMl9O27SlQaNb0bwOgNTRbIcA9CkIw8jbNWWfoWK5VVk1DCHf_EY-Pqz4udOy6bk2kt9Ca8uqL3qtI5rFMAeYJA1FakZeyBK9xKOF9sEYnqjNd_hkk_O4Oyf7_aGoC7ukfJCzDi8_GbdrhBAxbP2OX3EOWn_nK4gk2wrBg5me0X38YZxWfGMTr1JA" width="210" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Praça Pio II na pequena cidade<br />Pienza na Itália, obra de<br />Bernardo Rosselino</td></tr></tbody></table><br />Mas além de Brunelleschi e Alberti, o renascimento será pródigo em figuras, projetos, obras e reflexões que até hoje nos encantam e seduzem, produzirá um vasto material de tratados de arquitetura impulsionados pela redescoberta do tratado de Vitrúvio. Estes tratados já foram tema de um texto aqui no blog com o título de <b><u>Os tratados de Arquitetura e Urbanismo do Renascimento e do Maneirismo, ou a Arquitetura e Urbanismo; arte e ciência</u></b> de março de 2022, podendo ser acedssado através do link; http://arquiteturacidadeprojeto.blogspot.com/. Mas além dessa tradição teórica, o renascimento italiano apresenta uma série de obras construídas notáveis com um alto grau de sofisticação e apuro. A praça da pequena cidade de Pienza, local de nascença do Papa Pio II, a partir de um projeto de Bernardo Rosselino (1409-1463), um discípulo de Alberti, realizada entre 1459-62 é uma demonstração ímpar da convivência entre a cidade medieval e as premissas clássicas da nova sensibilidade, inclusive com truques de perspectiva. A reconstrução de Roma, que se inicia no Renascimento, permanece no Maneirismo, e apenas estará estruturada no Barroco reúne uma diversidade de papas, arquitetos e pensadores, desde Alberti, Bramante, Miguelângelo, Leonardo da Vinci, Bernini, Borromini. Um projeto único transtemporal, que pretende conferir legibilidade a uma cidade frequentemente visitada por peregrinos estrangeiros de toda parte da Europa e do Oriente que demandam uma compreensão sintética da cidade. Nesse esforço, um caso emblemático é a reconstrução da antiga Basílica de São Pedro, que registram intervenções de Alberti, Bernardo Rosselino, Donato Bramante, Rafael Sanzio, Antonio Sangallo, Miguelângelo Buonarotti, que se sucedem, chegando até Bernini que configura a Praça São Pedro circundada pela emblemática colunata. Outro exemplo notável, na cidade de Roma é a Praça do Campidóglio, projeto de Miguelângelo de 1539, uma demonstração de que a projetação enfrenta muitas vezes um território de pré-existências que deve ser avaliado e adequado a nova sensibilidade. A Praça do Campidóglio em Roma de Miguelângelo é o exemplo mais contundente de que o projeto não se restringe ao enfrentamento da tábula rasa e plana, mas ao enfrentamento de um território pleno de história, onde os elementos a serem conservados e os a serem descartados sofre o crivo rigoroso na sua constante busca pela auto-justificação.<p></p><p><br /></p><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEg5-ksdwz8OGEZop_fvV--K0vMsCUNX5ezNzUf6rst4TVW947HmVns8dMI3WzAa2mOZjg0TI0kEjT9P1aqzPfAIuziuV_PTpPzOpR1AYgEzXx2pGFWs6_FkdniTskjzltKXHP0-UseAbXRjZlCFolbFZBK5ZS65U449HIVLIFcgEMbszcfe0Qgs8CBMGw" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img alt="" data-original-height="1117" data-original-width="693" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEg5-ksdwz8OGEZop_fvV--K0vMsCUNX5ezNzUf6rst4TVW947HmVns8dMI3WzAa2mOZjg0TI0kEjT9P1aqzPfAIuziuV_PTpPzOpR1AYgEzXx2pGFWs6_FkdniTskjzltKXHP0-UseAbXRjZlCFolbFZBK5ZS65U449HIVLIFcgEMbszcfe0Qgs8CBMGw=w249-h400" width="249" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">A Igreja Il Redentore em <br />Veneza, Andrea Palladio</td></tr></tbody></table><br />Por último, este texto não pode deixar de mencionar um arquiteto representante do limite temporal entre a tradição clássica greco-romana e o maneirismo, que depois desembocará no barroco, o veneziano Andrea Palladio (1508-1560). Natural de Pádua, uma das cidades satélites da república Sereníssima de Veneza, a obra construída de Palladio talvez seja a manifestação mais cabal das premissas da harmonia serena e do equilíbrio absoluto, onde parte e todo se articulam de forma única. A villa Rotonda (1566), no entorno da cidade de Vicenza, a urbanidade mais Palladiana da Itália é uma demonstração cabal de seus preceitos de equilíbrio e harmonia. A casa ligada ao entorno rural de Vicenza, é o tema da burguesia rica na "<i>regio"</i> de Veneza, que busca no idílio rural próximo a natureza o relaxamento da vida agitada das aglomerações urbanas. Nesse tema das villas rurais, destaco aqui; a Villa Barbaro 1550 em Treviso, a Villa Cornaro também em Treviso em 1552, são trabalhos que entrarão para a história da arquitetura como Villas Palladianas. Um outro exemplar notável de sua prancheta será a Basílica de Vicenza de 1549, um projeto que se aproxima de maneira notável e sensível das pré existências medievais, se configurando como uma arcada de revestimento e uma abóboda de madeira modernas, que se destacam e contrastam com o passado. A articulação entre espaço externo e interno, pela arcada clássica, cria uma graduação notável, aonde se celebra a vida urbana, que se articula no governo da cidade a partir da interação entre os seus cidadãos. A coordenação entre os dois níveis da cidade feita pela Basílica de Vicenza é também um ponto notável do projeto, que nos mostra toda a habilidade de Palladio na definição da implantação de sua nova arcada. A aparição da abóboda sobre a rígida modulaçao da arcada coroa e dá legibilidade a hierarquia do programa nos mostrando de forma didática a celebração do tema do Conselho da cidade. Para finalizar, não há como não mencionar duas igrejas notáveis dentro do contínuo construído da cidade de Veneza; San Giogio Maggiore (1566) e Il Redentore (1577), nas quais os campanários são recuados com relação a fachada principal, num esforço que parece mostrar didaticamente a ordenação espacial em três naves. São igrejas que pontuam a paisagem da cidade de Veneza de forma marcante, possuindo claramente essa consciência do seu lugar nessa construção.</div><div><br /></div><div>Com este texto se encerra a série de textos, que abordam o conteúdo da disciplina Teoria e História da Arquitetura 1, no âmbito da EAU-UFF, que se iniciou com a pré história, seguiu com os Impérios da Antiguidade Pré-Clássica (Mesopotâmia e Egito), enveredou pelo Império Inca, abordou a Antiguidade Clássica (Grécia e Roma), a Idade Média, e por fim o Renascimento Italiano. Os textos são: </div><div><br /></div><div>1. <b><u>O filme A Guerra do Fogo e a disciplina de História e Teoria da Arquitetura 1</u></b>, de outubro de 2021; </div><div>2. <b><u>A Divisão Social do Trabalho na antiguidade Pré Clássica</u></b>, de dezembro de 2021; </div><div>3. <b><u>A disciplina História e Teoria da Arquitetura 1 e a Antiguidade Pré Clássica euro cêntrica</u></b>, janeiro de 2022; </div><div>4. <b><u>As sociedades Pré Colombianas, o exemplo do Império Inca na América do Sul</u></b>, de janeiro 2022;</div><div>5. <b><u>A arquitetura Grega</u></b> de fevereiro de 2022;</div><div>6. <b><u>A arquitetura do Império Romano</u></b> março de 2022</div><div>7. <b><u>A Idade Média</u></b>, de março de 2022</div><div>8. <b><u>O Renascimento Italiano</u></b> de junho de 2022</div><div><br /></div><div>Os textos são na verdade apontamentos de aula, e são reflexões em andamento, fruto dos estudos desse amplo período da História da Humanidade, desde a Pré História até o Renascimento, certamente serão editados e re editados. E, claramente espelham aquilo que o filósofo grego Epicuro caracterizava como o "estudo", que na verdade servia de forma emblemática para mapear nossa própria ignorância, modelando nossa pretensão. Enfim, a pesquisa continua... <br /><p></p><p><b>NOTAS:</b></p><p>(1) A Edificação do Batistério retrocede a tempos imemoráveis, consta que era um antigo Templo Romano dedicado a Marte, deus da guerra, sobre este foi erigido uma pequena igreja cristã no século V ou VI, de forma octogonal.</p><p>(2) A ideia de entregar o trabalho aos concorrentes ( no caso dois artistas), também esteve presente no Concurso para a cidade de Brasília (1956), no parecer em separado do representante do IAB, Paulo Antunes Ribeiro, que defendeu a ideia de que as equipes dos diferenciados projetos deveriam se somar para produzir uma única proposta para a nova cidade.</p><p>(3) Os competidores eram: Lorenzo Ghiberti, Fillipo Brunelleschi, Simone da Cole, Nicollò d' Arezzo, Jacopo della Quercia de Siena, Francesco di Valdambrino e Nicolò Lamberti. Dois eram florentinos; Ghiberti e Brunelleschi, dois eram de Siena; Jacopo della Quercia e Francesco di Valambrino, e os outros três eram do território de Florença, a Toscana.</p><p>(4) Remeto aqui aos textos de ARGAN 1992, <b><u>O Tratado "De Re Aedificaoria"</u></b>, mas também a toda a série de reflexões de BRANDÃO iniciada com: <b><u>A formação do Homem Moderno vista através da arquitetura</u></b> 1991; <b><u>Quid Tum? O combate da arte em Leon Battista Alberti</u></b> 2000; <b><u>Na Gênese das racionalidades modernas, em torno de Leon Battista Alberti</u></b> 2013; e <b><u>Arquitetura, Humanismo e República, a atualidade do De Re Aedificatoria</u></b> 2016</p><p><b>BIBLIOGRAFIA:</b></p><p>ARGAN, Giulio Carlo - <b><u>O Significado da Cúpula e </u></b><b><u>O Tratado "De Re Aedificaoria"</u></b><b><u> em História da Arte como História da Cidade</u></b> - Editora Martins Fontes São Paulo 1992</p><p>BRANDÃO, Carlos Antônio Leite - <b><u>A formação do Homem Moderno vista através da arquitetura</u></b> - Editora da UFMG Belo Horizonte, 1991</p><p>BRANDÃO, Carlos Antônio Leite - <b><u>Quid Tum? O combate da arte em Leon Battista Alberti</u></b> - Editora da UFMG Belo Horizonte, 2000</p><p>BRANDÃO, Carlos Antônio Leite - <b><u>Na Gênese das racionalidades modernas, em torno de Leon Battista Alberti</u></b> - Editora da UFMG Belo Horizonte, 2013</p><p>BRANDÃO, Carlos Antônio Leite - <b><u>Arquitetura, Humanismo e República, a atualidade do De Re Aedificatoria</u></b> - Editora da UFMG Belo Horizonte, 2016</p><p>CONTI, Flávio - <b><u>Como reconhecer a arte Renascentista</u></b> - Ed. Martins Fontes: São Paulo, 1984. </p><p>GLANCEY, Jonathan - <b><u>A História da Arquitetura</u></b>. - Edições Loyola: São Paulo, 2001.</p><p>HEYDENREICH, Ludwig H - <b><u>Arquitetura na Itália 1400-1500</u></b>. - Cosac & Naify Edições: São Paulo, 1998.</p><p>KING, Ross - <b><u>O duomo de Brunelleschi</u></b> - Editôra Record Rio de Janeiro 2013</p><p> LOTZ, Wolfgang - <b><u>Arquitetura na Itália 1500-1600</u></b> - Cosac & Naify Edições: São Paulo, 1998.</p><p>PRINA, Francesca; DEMARTINI, Elena - <b><u>Grande Atlante dell’Architettura dal Mile al Duemila</u></b> - Electa: Milão, 2005.</p><p>VASSARI, Giorgio - <b><u>Vidas dos Artistas <i>(Le Vite de' piu eccellenti architetti, pittori, et scultori italiani da Cimabue, insino a' tempi nostri)</i></u></b> - Editôra Martins Fontes São Paulo 2011</p><p>WALKER, Paul Robert - <b><u>A disputa que mudou a Renascença, como Brunelleschi e Ghiberti marcaram a história da arte</u></b> - Editôra Record Rio de Janeiro 2005</p><p>WUNDRAM, Manfred; PAPE, Thomas - <b><u>ObraArquitetônica Completa: Palladio</u></b> - Ed. Taschen, 2004</p><p><br /></p><p><br /></p><br /><p><br /></p></div>Pedro da Luzhttp://www.blogger.com/profile/07320690622387710961noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7230136955993736286.post-26697326866253770202022-04-09T10:50:00.002-03:002022-04-09T10:50:47.767-03:00A Idade Média<p></p><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEj97fswZG_8poIOuTYGclp_IQWYwNKJf7e2-NLUuvXmk0wQufKPCvJ2yZUPQX0bJqoNLkJYx1oONA5Tl-LExUh8wRj2A1qUTnua05XcpPJmG5cXMBHi43N-7Ju2WLynPOyNWP2cWYEqA_9HFvc5u_NtnLiYXYGpP3aUkA0TZCQu4OYohB7HMrFQfkFOxA" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img alt="" data-original-height="492" data-original-width="637" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEj97fswZG_8poIOuTYGclp_IQWYwNKJf7e2-NLUuvXmk0wQufKPCvJ2yZUPQX0bJqoNLkJYx1oONA5Tl-LExUh8wRj2A1qUTnua05XcpPJmG5cXMBHi43N-7Ju2WLynPOyNWP2cWYEqA_9HFvc5u_NtnLiYXYGpP3aUkA0TZCQu4OYohB7HMrFQfkFOxA" width="311" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Mapa da Península Ibérica no século VIII,<br />mostrando o domínio Islâmico nos atuais<br />territórios de Portugal e Espanha</td></tr></tbody></table><br />Mais uma vez, no âmbito da disciplina de Teoria e História da Arquitetura 1, que faz parte do currículo da Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (EAU-UFF) trago aqui um texto referente as aulas que abordaram o período da Idade Média. Um período que se estende de 476 d.C. com a queda do Império Romano do Ocidente, até 1453 com a queda de Constantinopla e a consequente queda do Império Romano do Oriente. A denominação Idade Média, é produzida pelo Renascimento, que com um olhar excessivamente europeu encara esse período de dez séculos, como algo indefinido e sem expressividade artística, denotando um claro euro centrismo. Esse imenso período só passa a ter uma expressividade artística digna de nota, a partir do século X, quando as cruzadas, o reaparecimento de uma cultura urbana exemplar e o declínio do feudalismo emergem. No entanto, acontecimentos e expressividades artísticas notáveis como; o Império de Bizâncio, a Expansão Islâmica no norte da África e na Península Ibérica, bem como o Império Carolíngeo, que precedem o ano 1000 passaram a margem dos registros históricos e hegemônicos do ocidente, até o período do século XVIII e XIX. Quando então, o Romantismo e nossa contemporaneidade vão se debruçar sobre a Idade Média, criando inclusive a figura do historiador medievalista, que nos remete a figuras que abordaram o período com grande brilhantismo, tais como; Jacques Le Goff (1924-2014), George Duby (1919-1996), Marc Bloch (1886-1994), Eugène Violet-le-Duc (1814-1879), dentre outros. Em nossa contemporaneidade, a reflexão sobre a Idade Média permanece aberta envolvendo muitas vezes o deslocamento do eixo da compreensão sobre esse período, que na verdade nos permite melhor compreender o nosso tempo, num processo de diferenciação e identificação que nos permite entender de onde viemos. Nesse aspecto, a compreensão do sistema feudal é fundamental, onde se nota a grande importância da posse da terra, articulada com o declínio das trocas monetárias, pela ausência ou declínio das moedas constituídas.<p></p><p style="text-align: right;"><i>“Cada propriedade feudal tinha um senhor. Dizia.se comumente do período feudal que não havia “senhor sem terra, nem terra sem um senhor”, O leitor já viu, com certeza, fotografias dos solares medievais. É sempre fácil reconhecê-los porque, fosse um castelo ou apenas uma casa grande de fazenda, eram sempre fortificados. Nessa moradia fortificada, o senhor feudal vivia (ou o visitava, já que freqüentes vezes possuía vários feudos; alguns senhores chegavam mesmo a possuir centenas) com sua família, empregadas e funcionários que administravam sua propriedade.”</i> HUBERMAN</p><p></p><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgZWAB2rhyNsE5iD0-pPzIIoPxWqeK_1ip64NyEeoigx1lKMBPvu7GWZ7eMCHdhu8LvtW3KIq8Uv2IyXKiO7o5_aHlo8aDQldQLqhqfKNUZs-GflGPAUvI64Bz5mcJktU-yMUIFEq-m_WmwtW5anJdb_uwIdcdx9HHPqhzzo2iC_PNyw7vCd-giSUi9jA" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img alt="" data-original-height="880" data-original-width="918" height="384" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgZWAB2rhyNsE5iD0-pPzIIoPxWqeK_1ip64NyEeoigx1lKMBPvu7GWZ7eMCHdhu8LvtW3KIq8Uv2IyXKiO7o5_aHlo8aDQldQLqhqfKNUZs-GflGPAUvI64Bz5mcJktU-yMUIFEq-m_WmwtW5anJdb_uwIdcdx9HHPqhzzo2iC_PNyw7vCd-giSUi9jA=w400-h384" width="400" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">As contínuas expansões dos califados árabes entre os séculos <br />VII e VIII na Idade Média </td></tr></tbody></table><br />Na verdade, a expansão Islâmica no norte da África se inicia com a morte do profeta Maomé, provavelmente entre os anos de 622 e 632 da nossa era, ocupando a Península Arábica, depois se processa a expansão do Califado Ortodoxo entre os anos de 632 e 661, envolvendo os atuais Estados do Egito, Líbia, Irã, Iraque, até chegar no Califado Omíada, que vai de 661 a 750, quando atinge e domina grande parte da Península Ibérica, marcando fortemente as culturas de nossos colonizadores, Portugal e Espanha. O Emirado de Córdoba, irá gerar um dos objetos mais emblemáticos da História da Arquitetura a Mesquita da cidade de Córdoba (1) (785-987), por seu hibridismo de espacialidades muçulmana e cristã, assinalando uma das marcas de nossa vertente Ibérica. O Emirado de Córdoba será também um exemplo da convivência entre as três grandes religiões do ocidente, o judaísmo, o cristianismo e o islamismo, conforme atestam a citada mesquita, a Sinagoga de Toledo (século XII), e a Alhambra ou Medina de Granada (1248-1354). Além desses fatos urbanos concretos, percebe-se na arquitetura de Portugal, de Espanha e em suas colônias uma série de elementos e detalhes que constituem a personalidade do nosso construir, como as casas em torno de pátios, os alpendres, as gelosias e muxarabis de nossas esquadrias. O olhar sobre essas vertentes e forças culturais da história da cultura do construir ainda estão a demandar pesquisas e abordagens criativas sobre um patrimônio único e particular.<p></p><p style="text-align: right;"><i>"Tome-se o Alhambra de Granada. Ele já não hospeda nem os reis mouros, nem os reis castelhanos, no entanto, se aceitássemos as classificações funcionalistas, deveríamos declarar que ele constitui a principal função urbana de Granada. É evidente que em Granada, experimentamos a forma do passado de um modo totalmente diferente do que podemos fazer em Pádua. (Ou, se não totalmente, pelo menos em grande parte). No primeiro caso, a forma do passado adquiriu uma função diferente, mas está intimamente ligada à cidade, modificou-se e nos faz pensar que ainda poderia se modificar; no segundo, ela está, por assim dizer isolada na cidade. nada lhe pode ser acrescentado, ela constitui uma experiência tão essencial que não se pode modificar (veja-se neste sentido a substancial falência do palácio de Carlos V, que poderia ser tranquilamente destruído); mas, em ambos os casos, esses fatos urbanos são uma parte insuprimível da cidade, porque constituem a cidade."</i> ROSSI 1995 página53</p><p></p><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEjkjLo-Uk5G4rlyZVEMsJLGWQW8MDcM25jL1cMyrF0hi2NbKuz0vIS5jyqHr6trv3OVJuC1q3ea6rCJAdKuptiNjUJfuARUA9aW7ofS6JydVPGELtTOiCANar51Id1XWdJ-a0PoEzFg4DnrUVjzX1p1jBfuzTWd05ibIVkGnnUpM0QniUvQi9EsdhQQOQ" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img alt="" data-original-height="883" data-original-width="1415" height="200" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEjkjLo-Uk5G4rlyZVEMsJLGWQW8MDcM25jL1cMyrF0hi2NbKuz0vIS5jyqHr6trv3OVJuC1q3ea6rCJAdKuptiNjUJfuARUA9aW7ofS6JydVPGELtTOiCANar51Id1XWdJ-a0PoEzFg4DnrUVjzX1p1jBfuzTWd05ibIVkGnnUpM0QniUvQi9EsdhQQOQ" width="320" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">La Alhambra de Granda na Espanha</td></tr></tbody></table><br />Aqui, precisa-se destacar que além da polêmica entre funcionalismo e formalismo, típica dos anos sessenta de Aldo Rossi, emerge a presença particular de uma cultura deixada a margem pelo euro centrismo, que envolve no período da Idade Média, tanto a Expansão Islâmica, como o Império Bizantino, que florescem e geram fatos arquitetônicos dignos de nota, antes do século IX. Essa cultura extra europeia com a presença de sofisticados aparatos construtivos e citadinos nos mostram como o compartilhamento de conhecimentos funcionais, formais e também tectônicos permaneceu operando no desenvolvimento humano. Por outro lado, a denominação Bizantina, segundo o historiador Ciryl Mango é incorreta, uma vez que nunca existiu um Estado com esse nome, na verdade os cidadãos dessa parte do mundo se viam como Romanos. A fundação da cidade de Constantinopla ocorreu em 324 d.C., que era mencionada como a nova Roma, e que segue sendo a capital do Império Romano do Oriente até 1453, quando ocorre a conquista pelos turcos otomanos. Na verdade, a cidade de Bizâncio será o cruzamento de várias vertentes culturais desse tempo da Idade Média; o Romano, o Românico, o Gótico e o Islâmico. Portanto, chama-se arquitetura bizantina aquela desenvolvida pelo Império Romano do Oriente, que passou a ser denominado modernamente de Bizantino em referência a Bizâncio, o antigo nome da capital imperial bizantina Constantinopla, atualmente Istambul, que convive com a Idade Média Europeia era muitas vezes, a Nova Roma. Sobre essa perspectiva, mesmo atualmente será mais correto denominar este período Antiguidade Tardia - a dita decadência romana, no qual se nota um desenvolvimento mais contínuo da arquitetura romana, sobre a influência do Românico, do Gótico e do Islã. O estilo caracteriza-se pelos mosaicos vitrificados e pelos ícones, pinturas sacras normalmente feitas sobre madeira, com disposição tríptica. A arquitetura é marcada pelo processamento das várias influências estéticas recebidas pelo Império Bizantino. Também destacou-se no desenvolvimento da tectônica e de processos construtivos arrojados, tendo sido responsável pela difusão de novas formas e tipologias de cúpulas. Sua obra mais emblemática é a Haia Sofia ou Santa Sofia, que foi construída pelo imperador Constantino em 360, mas com a ideia encomendada por Justiniano, que contratou dois matemáticos para realizarem o projeto, Antemio de Trales e Isidoro de Mileto.<p></p><p style="text-align: right;"><i>"A única resposta que pode dar-se é que os historiadores, em sua necessidade de subdividir o passado em períodos razoavelmente coerentes e analisáveis, decidiram que o Império Bizantino começo com a fundação de Constantinopla em 324, e terminou com sua conquista pelos turcos otomanos em 1453 [...] Segundo essa definição, a arquitetura bizantina foi a arquitetura do Império Bizantino, e teve uma duração de onze séculos, descontando sua prolongação em países de fé ortodoxa até muito depois de 1453. Mas isto nos coloca uma nova questão; supondondo-se que essa divisão cronológica seja aceitável para os historiadores; ela também tem sentido, quando se fala de arqujtetura? Ou para dizê-lo de outro modo, os monumentos erigidos no Império Bizantino entre 324 e 1453; têm características comuns que permitem identificá-los como bizantinos e distinguí-los de outras culturas e estilos, tais como o romano, o românico, o gótico e o islâmico? "</i> MANGO 1975 página 9</p><div><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgL6GqAB4kM4ScqFK9gQuIBB0_l7I8__dPS-fqa5rOnyR4dw65SvbXcjqobuSIb9_BDjoYr6ay7eJNGVdVIR4kXHLk9dCr0YVhFNKqi6fjm3kWQuI8cu50nZFtK2RsVs-1gKbytVVB-B8gQRja8pmaM0Mc_Do-nQBOhcgq9WWmqQTY94HkXuaDK1fyWAQ" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img alt="" data-original-height="613" data-original-width="925" height="212" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgL6GqAB4kM4ScqFK9gQuIBB0_l7I8__dPS-fqa5rOnyR4dw65SvbXcjqobuSIb9_BDjoYr6ay7eJNGVdVIR4kXHLk9dCr0YVhFNKqi6fjm3kWQuI8cu50nZFtK2RsVs-1gKbytVVB-B8gQRja8pmaM0Mc_Do-nQBOhcgq9WWmqQTY94HkXuaDK1fyWAQ" width="320" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Interior da Mesquita de Córdobra, sincretismo<br />de culturas</td></tr></tbody></table><br />Afinal, para nos restringirmos à construções específicas, materializadas nas proximidades dessa sensibilidade denominada Bizâncio; quais as distinções e semelhanças entre Santa Sofia em Constantinopla e São Marcos em Veneza? Ou, quais as continuidades e rupturas existentes na corrente da cultura do construir da Igreja Ortodoxa, que aproxima e distancia Istambul de Moscou? O desenvolvimento dos conhecimentos construtivos, das morfologias espaciais e das comodidades apresentadas por diversificadas construções e cidades se influenciam mutuamente, não obedecendo a rigidez dos ciclos históricos e dos limites geográficos. Aqui, o que é importante ressaltar é que a cultura além dos limites do ocidente permaneceu com manifestações dignas de referência, durante o período de adormecimento ou desaceleração - do século V ao IX - daquilo que consideramos; Ocidental. Mas é exatamente essa desaceleração ou adormecimento da sanha construtiva, que nos permite imaginar e pensar como se deram as estratificações dos conhecimentos construtivos, funcionais e estéticos no campo das cidades e da arquitetura. Apenas, para citar um dos mais emblemáticos exemplos da História da Arquitetura, a Catedral de Santa Maria del Fiori em Florença inicia sua construção em 1296, com o projeto de Arnolfo de Cambio, e terá o concurso para realização do seu Duomo em 1418, levando portanto mais de um século para se materializar na cidade medieval, palco maior do Renascimento. A desaceleração do tempo na Idade Média, de certa forma permitiu a estratificação de camadas formais, estruturais, funcionais e espaciais, no longo prazo. A riqueza das pequenas cidades da Itália, nos dias de hoje desde o sul até o norte, não estaria exatamente no desenvolvimento de tecnologias construtivas, arranjos funcionais e composição espacial e volumétrica estratificadas no longo prazo, ainda por cima alicerçada pelo renascer da cultura urbana, envolvendo; a observação, a fruição e a contemplação de soluções já construídas. Enfim, a longa tragetória da cultura do construir no Ocidente pode ser emblemáticamente contada pela evolução morfológica, funcional e tectônica da basílica paleo cristã.</div><div><br /></div><div><div style="text-align: right;"><i>“A basílica romana é simétrica relativamente aos dois eixos: colunatas em frente de colunatas, abside em frente de abside. Cria, pois, um espaço que tem um centro preciso e único, função do edifício, e não do caminho humano. O que é que faz o arquiteto cristão? Praticamente duas coisas: 1) suprime uma abside; 2) desloca a entrada para o lado menor. Desta forma, rompe a dupla simetria do retângulo, deixa o único eixo longitudinal e faz dele a diretriz do caminho do homem. Toda a concepção planimétrica e espacial e, por isso, toda a decoração, tem uma única medida de caráter dinâmico: a trajetória do observador.”</i> ZEVI, 1977</div></div><div><br /></div><div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEij7BDVMCJ7k3ZsV4w0hfcWHRhfIn3241XS1lC0cZNA1dcu9hvBoyUzndQNNIoIk9mCtqRLhmiBYzzRl5brn949LnMsqQy1xsdVWMlgxCiI28SumW7I6CY6568dVVZv6YUFkz_33mKiBE0yDPFOmuOnaVKevk9VMMpO6GD5pmqIHC4mloNsep3E0qEtEw" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img alt="" data-original-height="631" data-original-width="851" height="237" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEij7BDVMCJ7k3ZsV4w0hfcWHRhfIn3241XS1lC0cZNA1dcu9hvBoyUzndQNNIoIk9mCtqRLhmiBYzzRl5brn949LnMsqQy1xsdVWMlgxCiI28SumW7I6CY6568dVVZv6YUFkz_33mKiBE0yDPFOmuOnaVKevk9VMMpO6GD5pmqIHC4mloNsep3E0qEtEw" width="320" /></a></div><br />A arquitetura paleo cristã em sua singeleza manifesta essa estratificação das decisões funcionais, técnicas e espaciais a partir da manipulação do vocabulário, da antiga linguagem da arquitetura do Império Romano, num longo processo. A transformação da basílica pagã em templo de reunião de fiéis da nova religião católica é um interessante debate, o descarte do antigo templo pagão e a eleição da basílica romana segue a lógica da sua sucessão de colunatas e naves, contrastantes com o espaço central da nave, que perde sua centralidade para se metamorfosear num caminho entre a entrada e o altar. <table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgiat2pTX9Xk0lmPGl-pHR3Nha8NYO1ugh4ONBaYnRy5OC_Gc1etWlatWWvggRGHA7gKlmPB1gORO9Qf-wdOA_zGVPivd_-XFtKPtlx5NU9N4EWf1O618TX6Dv8prLb2JGjMwZSblIi4p6aiqloAFobZg6URro20AHv08a5FSgOGfIrY_ek5ddxNOu4Tg" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img alt="" data-original-height="631" data-original-width="917" height="220" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgiat2pTX9Xk0lmPGl-pHR3Nha8NYO1ugh4ONBaYnRy5OC_Gc1etWlatWWvggRGHA7gKlmPB1gORO9Qf-wdOA_zGVPivd_-XFtKPtlx5NU9N4EWf1O618TX6Dv8prLb2JGjMwZSblIi4p6aiqloAFobZg6URro20AHv08a5FSgOGfIrY_ek5ddxNOu4Tg" width="320" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Em cima; planta baixa da Igreja Paleo Cristã de <br />Sta Sabina 422-432 Abaixo; Basílica de Ulpia <br />Roma século II</td></tr></tbody></table><br />Programaticamente, o templo paleo cristão estabelece um claro direcionamento longitudinal, margeado por duas naves mais baixas, numa clara manipulação da entrada de luz pelo alto, numa ordenação que parece espelhar um culto em expansão, comprometido com a cidade e a comunidade. Esse vínculo entre espacialidade interna, - eixo longitudinal entre a porta urbana e o altar, - e o espaço da cidade se desenvolverá numa infinidade de arranjos e proposições, sempre orientados por um evangelismo expansionista. A singelez dos primeiros templos paleo cristãos nos mostram a casa de um Deus acessível, uma espacialidade que parece querer reforçar mais a reunião e comunhão dos fiéis, do que o distanciamento institucional do poder da igreja nascente. O caminhar em direção a uma revelação, contido na espacialidade do templo católico espelha de forma emblemática a transformação de um culto subversivo no Império Romano em culto oficial do mesmo império. O exemplar assinalado como notável é a igreja de Santa Sabina em Roma realizada entre 422 e 432, num local de martírio de uma cidadã romana convertida ao novo culto, que foi martirizada pelos pagãos. Em contraste, a grande catedral gótica seguirá essa ordenação de elementos, se posicionando nas pequenas cidades medievais com um destaque escalar impressionante, que nos mostra a permanência e transformação desse evangelhismo. </div><div><br /></div><div style="text-align: right;"><i>(O termo Gótico) "... Foi aplicado a arquitetura e a arte medieval do ocidente por alguns escritores do século XV (Filarete e Manetti) e do XVI, especialmente por Vasari, para qualificar a barbárie da arte anterior aos séculos do Renascimento. A "maneira tedesca", ou "maneira Goti" é o contrário da boa tradição antiga, a que retornam os séculos XV e XVI. Esta noção se propôs, pois, e se aceitou unanimemente no século XVII, com um sentido pejorativo, para expressar censura, e para explicar la por circunstâncias históricas (as invasões da alta Idade Média) e étnicas; conhecido poema de Moliére, La Gloire du Val de Gráce (1669), que alude ao "...insípido gosto dos ornamentos góticos. Estes monstros odiosos dos séculos ignorantes. Que tem produzido torrentes de barbárie..." No século XVIII, quando se esboça um primeiro movimento crítico que tende a valorizar a arte medieval, o termo gótico foi adotado de novo pelo Padre Laugier, por William Gilpin, ou por August Wilhelm Schlegel, com um conteúdo Positivo ou laudatório. E foi adotado pelo eruditos do século XIX e XX, não sem certa resistência, por certo; um grande número de escritores alemães viam nele, seguindo a Goethe, a expressão do gênio germânico (deutsche Architectur); e certo número, mais reduzido, de escritores franceses (como Camile Enlart) que propõe o termo arquitetura francesa; se apoiavam estes na paisagem da crônica de Burchard von Halle (1280), segundo o qual a construção da igreja de Wimpfen-im-Thal (1269-1274) se fez como "opere francigeno", " a maneira francesa". Ao final de tais querelas nacionalistas, que parecem ter terminado em nossos dias, o termo gótico tem sido adotado universalmente. Sua definição aparece hoje desembaraçada de toda referência as civilizações nômades, invasoras do Ocidente, durante a alta Idade Média, "godos", germanos ou francos, ainda quando determinados autores, Hans Seldmayr, entre os mais recentes, continuam descobrindo nele alguma raiz "antimediterrânea", oposta a civilização greco-romana. A princípios deste século atrás do Romanticismo, esta ideia se propagou em formas mais abruptas e ingênuas, por exemplo, por Wilhelm Worringer"</i> GRODECKI 1977 página9</div><div style="text-align: right;"><br /></div><div style="text-align: left;"><div><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEi_izYO3HwdpCwsC5jr2NAWLj_kFDpq-2-1_MbYYYvVldojY9tR0lxltw5vqxOjoQxFDNkwcMa8P8kKNotyibJJyaMbsHtW5nAHnvub2jXJthwb6_vW7ejS4Tmcgt8ZQMM390geH-TjoS1-1KLB21AKLeymiGQhds9DkEcUBSxcHi8JdT6mZGX5e_qG4A" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img alt="" data-original-height="712" data-original-width="1446" height="158" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEi_izYO3HwdpCwsC5jr2NAWLj_kFDpq-2-1_MbYYYvVldojY9tR0lxltw5vqxOjoQxFDNkwcMa8P8kKNotyibJJyaMbsHtW5nAHnvub2jXJthwb6_vW7ejS4Tmcgt8ZQMM390geH-TjoS1-1KLB21AKLeymiGQhds9DkEcUBSxcHi8JdT6mZGX5e_qG4A" width="320" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">A sucessão de plantas de Saint Denis na França,<br />a longa estratificação da cultura do construir<br />na Idade Média</td></tr></tbody></table><br />A arte gótica se desenvolveu fortemente na última fase da Idade Média, na França, a partir do século X, durante a dinastia dos Capetos na região de Saint Denis, ao norte de Paris. A reconstrução do coro da Abadia de Saint Denis entre 1140 e 1144, aonde se encontra um tipo de rocha calcáreo muito fácil de ser trabalhada é considerada o advento do gótico. Como já assinalado, o termo gótico provavelmente expressa um preconceito renascentista, que a classificou como a arquitetura dos godos, em contraposição a arquitetura românica, proveniente de Roma. Do ponto de vista da gênese da forma, da manipulação das técnicas construtivas e da sua funcionalidade há um claro esforço no gótico para supressão dos panos cegos do muro e ampliação das áreas de vitrais e entrada de luz. Uma ênfase na verticalização das composições nas naves centrais e laterais das Basílicas, numa concepção espacial que enfatiza o místico e o espiritual. O grande arquiteto do Brasil, Oscar Niemyer enfatizava em suas palestras de forma recorrente, exatamente essa dimensão mística na sua fruição da catedral de Notre Dame de Paris, dizendo; <i>"Eu um materialista histórico, quando adentrava seu espaço, sentia que minha alma, independente de minha vontade, ajoelhava."</i> Era a prova cabal da eficiência programática daquela espacialidade, aonde a captura da luz pelos vitrais, os encaixes dos arranjos de cantaria e a altura inusitada das naves nos remetem ao sagrado.</div><div><br /></div><div style="text-align: right;"><i>“A arte gótica desenvolveu-se na Europa na última fase da Idade Média (séculos XII e XIV), num período de profundas transformações em que se assistiu à superação da sociedade feudal e à formação de novos centros de poder: as primeiras monarquias, as grandes cidades, o clero, as classes ‘novas’ dos comerciantes e banqueiros.”</i></div><div style="text-align: right;"><i>“A enfática verticalidade de tais edificações revela plenamente as transformações do gosto, do pensamento filosófico, dos ideais estéticos, traduzidas, no plano arquitetônico, por uma renovação das técnicas mediante a introdução de uma série de elementos originais típicos do estilo gótico: a abóbada sustentada por uma cruzaria ogival, a utilização do arco quebrado em vez do arco de volta perfeita (ou de volta inteira, arco românico), o emprego do arcobotante e dos contrafortes.”</i> GOZZOLI (1994: 9)</div><div style="text-align: right;"> </div></div><p>Esse renascer da cultura urbana na Europa, no período que se convencionou de ser chamado de Baixa Idade Média, entre os séculos IX e XIII, quando se percebe o retorno do comércio, o retorno da cultura urbana, com a auto consciência da produção de seu futuro, e a construção da cidadania articulada ao combate a servidão e a escravidão mostra a retomada do foco da historiografia eurocêntrica no fatos construídos. Nesse sentido, é emblemático se debruçar sobre os processos de longo prazo de construção das catedrais européias, invariavelmente elas nascem como pequenos templos paleo cristãos e vão se desenvolvendo continuamente com expansões e transformações. O caso de Notre Dame de Paris é representativo. O local da catedral contava já, antes da construção do edifício, com uma sólida memória relativo ao culto religioso de diferenciadas crenças. Os celtas teriam aqui celebrado as suas cerimônias onde, mais tarde, os romanos erigiriam um templo de devoção ao deus Júpiter. Também neste local existiria uma das primeiras igrejas do cristianismo de Paris, a Basílica de Saint-Etienne, projetada por Quildeberto I por volta de 528 d.C.. Em substituição desta obra surge uma igreja românica que permanecerá até 1163, quando se dá o impulso na construção da catedral gótica, que hoje está lá. Já em 1160, e em resultado da ascensão centralizadora do Império Sacro Franco Germânico, o bispo Maurice de Sully considera a presente igreja pouco digna dos novos valores e manda-a demolir. O gótico inicial, com as suas inovações técnicas que permitem formas até então impossíveis, é a resposta à demanda de um novo conceito de prestígio no domínio citadino.</p><p style="text-align: right;"><i>“Uma vez que o sistema de construção gótico permite fazer com que o peso vertical da abóbada incida sobre os pilares e a pressão lateral sobre os arcobotantes e seus contrafortes (implantados diretamente no terreno do lado de fora do edifício), as paredes não têm funções estáticas e podem ser substituídas sem qualquer problema por uma série de arcadas e de grandes janelas: graças ao princípio das paredes francamente rasgadas, invenção exclusiva da arquitetura gótica, estas perdem toda a materialidade, transformando-se num como que leve diafragma de vidro multicolorido.”</i> GOZZOLI (1994: 21)</p><div><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhSj8Btbd4r6RYq7R8f4DVN27N1LT_8vEBIp3IDeN6deDtQhZHHfV5BoltQQCy9YzB7nU7uJgf8yqp0wG7UmgATPsZeyTITgfasP_RD9XVuaUscfD-ob3bBVFFl9oBsRRiuwpJKKwLcy31cNubhD_pRhu_Q3XRxC1fsHPnsMi89X7BvnU6EU0QKOSmVuw/s800/Monast%C3%A9rio%20de%20Batalha.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="500" data-original-width="800" height="250" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhSj8Btbd4r6RYq7R8f4DVN27N1LT_8vEBIp3IDeN6deDtQhZHHfV5BoltQQCy9YzB7nU7uJgf8yqp0wG7UmgATPsZeyTITgfasP_RD9XVuaUscfD-ob3bBVFFl9oBsRRiuwpJKKwLcy31cNubhD_pRhu_Q3XRxC1fsHPnsMi89X7BvnU6EU0QKOSmVuw/w400-h250/Monast%C3%A9rio%20de%20Batalha.jpg" width="400" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><b>Monastério de Batalha, Portugal 1385; a unificação<br />precoce do Estado Português e sua arquitetura gótica</b><br /><br /></td></tr></tbody></table><br />Esse desenvolvimento da linguagem gótica vai assumir diferenciados sotaques e composições a medida que se afasta desse primeiro núcleo franco-germânico desenvolvendo e se articulando com variadas demandas e aspirações regionais. Em Portugal, o chamado gótico tardio ou mediterrâneo se desenvolve com especificidades inerentes ao pioneirismo da organização do Estado Nacional nessas paragens. Por exemplo, o Convento de Batalha, na cidade de mesmo nome em Portugal teve sua construção iniciada em 14 de agosto de 1385, perto da aldeia de Aljubarrota, onde Dom João I com o seu fiél condestável Dom Nuno Alvares Pereira derrotaram os Castelhanos, o que forjou a construção da nação portuguesa. Para agradecer a Deus por esta vitória, o fundador da nova e lendária dinastia de Avis manda construir um dos mais belos mosteiros da península ibérica: o Mosteiro de Santa Maria da Vitória, em Batalha. Sem dúvida nenhuma, uma construção única, que terá profundos rebatimentos no desenvolvimento da cultura lusa até o nosso presente, com claros rebatimentos no Estilo Manuelino, nas Construções Ultramarinas das Colônias de Portugal, até chegar ao ecletismo e modernismo português, que assim como em outras partes retomará o tema do <i>Arts and Crafts</i> (2). Na cidade do Rio de Janeiro, o Gabinete Real de Leitura Português é um exemplar dessa longa extirpe, inaugurado em 1887 faz parte dos estilos historicistas ecléticos, e é denominado Neo Manuelino. A arquitetura e o urbanismo mesmo em seus momentos de importações de sensibilidades de outras paragens permanece sendo a expressão de um lugar, tanto pela materialidade, como também por sua comodidade e adequação climática e expressão.</div><div><br /></div><div><div style="text-align: right;"><i>“Na Espanha e na Itália, o gótico é menos puro, surge, por assim dizer, latinizado, perdendo as suas características mais puras. As manifestações mais extremas datam dos finais do século XV, com o chamado gótico flamejante, que, no entanto, não tem a vitalidade criativa anterior.”</i> GOZZOLI (1994: 4)</div></div><div>Assim como o Monastério de Batalha teremos como representantes de um gótico mediterrâneo, ou flamejante; a Catedral de Milão na Itália (século XIV), a Catedral de Salamanca na Espanha (século XII ao XIV), e a catedral de Sevilha na Espanha (século XV). Exemplares, que latinizam o gótico dando-lhe uma acentuação clássica, que provocaram os debates já apresentados aqui sobre as especificidades do mundo europeu, na Idade Média, partida entre seu norte culturalmente mais bárbaro, e seu sul Mediterrâneo, mais clássico. Essa linha divisória não estará subdivida de forma rígida, mas apresenta gradientes e nuances diversificadas, que condicionarão o desenvolvimento futuro de países e regiões de forma tão característica.</div><div><br /></div><p><b>Notas:</b></p><p>(1) Há um interessante debate em ROSSI 1995 páginas 49-58, sobre a natureza das permanências no contexto das cidades, que são caraterizadas em duas categorias como; monumentos isolados e aberrantes, ou monumentos persistentes, envolvendo exatamente a Alhambra de Granada e a Mesquita de Córdoba. O endereço da reflexão de ROSSI 1995 é o questionamento do funcionalismo, contrapondo a este a persistência da forma da arquitetura, sobre diferenciadas perspectivas; isolada e aberrante (Alhambra de Granada) ou persistente (Mesquita de Córdoba ou a Cidade de Pádua).</p><p>(2) O Tema do <i>Arts and Crafts</i>, literalmente; arte e artezanato envolvia o debate entre a arte mecânica e o arte liberal tão caro ao Renascimento Italiano, ao Romantismo Alemão e ao Modernismo Anglo Saxão, Catalão e Português.</p><p><b>Bibliografia:</b></p><div style="text-align: left;">GOZZAI, Maria Cristina – <b><u>Come reconhecere l’arte gótica</u></b></div><div style="text-align: left;"><br /></div><div>GRODECKI, Louis - <b><u>Arquitetura Gótica</u></b> - edição Aguilar Madrid 1977</div><p>HUBERMAN, Leo – <b><u>História da Riqueza do Homem, capítulo 7 Sacerdotes, Guerreiros, Trabalhadores</u></b> </p><p>MANGO, Cyril - <b><u>Arquitetura Bizantina</u></b> - Edição Aguilar Madrid 1975</p><p>ROSSI, Aldo - <b><u>A arquitetura da Cidade</u></b> - Editora Martins Fontes São Paulo 1995</p><p>ZEVI, Bruno – <b><u>Saber ver a arquitetura</u></b> – Arcadia Lisboa 1977</p><div><br /></div>Pedro da Luzhttp://www.blogger.com/profile/07320690622387710961noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7230136955993736286.post-71629756797840209922022-03-11T11:22:00.000-03:002022-03-11T11:22:28.465-03:00Os Tratados de Arquitetura e Urbanismo do Renascimento e do Maneirismo, ou a Arquitetura e o Urbanismo: arte ou ciência<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;"><span style="text-align: left;"><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiyb8w5uhupI9OYJhTa7QRIrid5KdUzY8VG6gh82ArBPtaZB9tsY4yU3jxgW7phf4PNNMZu1u886h-LXTjaCERYyqGeFyBkoERtXTvxsGpldZa0ohVFhwiPlwnqPkDElwk60bOv2T3-tm9z/s800/Tratado+de+Vitruvio1.jpg" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="800" data-original-width="800" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiyb8w5uhupI9OYJhTa7QRIrid5KdUzY8VG6gh82ArBPtaZB9tsY4yU3jxgW7phf4PNNMZu1u886h-LXTjaCERYyqGeFyBkoERtXTvxsGpldZa0ohVFhwiPlwnqPkDElwk60bOv2T3-tm9z/w400-h400/Tratado+de+Vitruvio1.jpg" width="400" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Capa da Tradução portuguesa do Tratado <i>Decem Libri</i><br />de Arquitetura de Vitrúvio, tradução do latim de M. <br />Justino Maciel</td></tr></tbody></table><br />A autora Petra Lamers-Schütze em seu livro </span><b style="text-align: left;"><u>Teoria da Arquitetura, do Renascimento até os nossos dias</u></b><span style="text-align: left;"> lista 13 Tratados sobre a arte de construir apenas na Itália, num período que parte do fundador Tratado do </span><b style="text-align: left;"><u>De re aedificatória</u></b><span style="text-align: left;"> de Leon Battista Alberti de 1452, até o Tratado de Guarino Guarini </span><b style="text-align: left;"><u>Architeture Civile</u></b><span style="text-align: left;"> de 1737. Se, levamos em conta apenas o período de vida dos escritores, e não a data da edição das diversas publicações o período reduz significativamente, pois parte de Alberti (1404-72) e chega a Guarino Guarini (1624-83). Mas, todos fazem alguma referência ao Tratado da antiguidade clássica escrito por Marco Vitrúvio Polião, </span><b style="text-align: left;"><u>Os dez livros da Arquitetura</u></b><span style="text-align: left;"> ou na acepção consagrada pelo Renascimento, </span><b style="text-align: left; text-decoration-line: underline;">De Architectura, </b><span style="text-align: left;">do século II a.C. A grande contribuição do engenheiro militar Vitrúvio, que dedica seu tratado ao Imperador Augusto é a caracterização da arquitetura pautada entre três vertentes; </span><i style="text-align: left;">firmitas</i><span style="text-align: left;"> (firmeza), </span><i style="text-align: left;">comoditas</i><span style="text-align: left;"> (1) ou </span><i style="text-align: left;">utilitas</i><span style="text-align: left;"> (comodidade e utilidade) e </span><i style="text-align: left;">venustas</i><span style="text-align: left;"> (beleza). Interessante também assinalar que Vitruvio coloca entre seus axiomas a ideia de que; "Arquitetura é ciência", </span><i style="text-align: left;">"architectura est sciencia"</i><span style="text-align: left;">. Danielle Bardaro (1514-70), um dos tratadistas renascentistas ou maneiristas desenvolve esse argumento no seu, </span><i style="text-align: left;">I dieci libri dell´architectura di M. Vitruvio</i><span style="text-align: left;"> numa edição de Veneza de 1570, classificando a arquitetura nas ciências matemáticas, fazendo dela uma expressão da verdade. Mas, muito além desse debate o esforço de Vitrúvio me parece por caracterizar a arquitetura como uma linguagem construtiva, estruturada por um elemento fundamental na sua existência, a coluna. Os treze tratados de arquitetura do renascimento ao maneirismo mencionados por Petra Lamers-Schültze são:</span></div><p></p><p>1. Leon Battista Alberti (1404-1472) - <b><i><u>De re aedificatória libri decem</u></i></b> - Editado no Vaticano 1442-52</p><p>2. Antonio Averlino (Filareto) (1400-1465) - <b><i><u>Codex Machliabechianus II, I, 140</u></i></b> - editado em Florença 1461-64</p><p>3. Francesco do Giorgio Martini (1439-1501) - <b><i><u>Codex Ashburnham 361</u></i></b> - editado em Florença 1470-90 - <b><i><u>Codex Saluzzianus 148</u></i></b> - editado em Turim 1482-86, e - <b><i><u>Codex Machliabechianus II, I, 141</u></i></b> - editado em Florença 1489-92</p><p>4. Anônimo - <b><u><i>Hypnerotomachia Poliphili</i>, O sonho de Polifilio</u></b> - editado em Veneza 1499</p><p>5. Fra Giovanni Giocondo da Verona (1433-1515) - <b><i><u>M. Vitruvius per locundumsolito castigator factus, cum figuris et tabula ut iam legi et intellegi possit</u></i></b> - editado em Veneza 1511</p><p>6. Cesare Cesariano (1476/78- 1543) - <b><i><u>Di Lucio Vitruvio Pollione de Architetura</u></i></b> - editado em Como 1521</p><p>7. Sebastiano Serlio (1475- 1553/55) - <b><i><u>Tutte l´opere d´architettura et prospectiva</u></i></b> - editado em Veneza 1619</p><p>8. Jacono Barozi da Vignola (1507-1573) - <b><i><u>Regola delli cinque ordini d´architettura</u></i></b> - editado em Roma 1562</p><p>9. Pietro Cataneo (1510 - 1571) - <b><i><u>I quattro libri di Architettura</u></i></b> - editado em Veneza 1554</p><p>10. Daniele Barbaro (1514-1570) - <b><i><u>I dieci libri dell´architettura universale</u></i></b> - editado em Veneza 1615</p><p>11. Andrea Palladio (1508 - 1580) - <b><i><u>I quatro libri dell´architettura</u></i></b> - editado em Veneza 1570</p><p>12. Vicenzo Scamozzi (1548-1616) - <b><i><u>L´idea della architettura universale</u></i></b> - editado em Veneza 1615</p><p>13. Guarino Guarini (1624 - 1683) - <b><i><u>Disegni di architetura civile ed ecclesiastica</u></i></b> - editado em Turim 1686 - <b><u><i>Architetture civile</i> 2 volumes</u></b> - editado em Turim 1737</p><p>As chaves classificatórias do Tratado de Vitrúvio são muitas, mas todas pretendem reduzir o ato construtivo a uma língua manipulada pelos seres humanos na ordenação e constituição dos seus espaços construído. Vitruvio inaugura, ou melhor explicita a profunda dependência do ofício da arquitetura e do urbanismo ao poder; imperadores, reis, papas, patronato, etc precisam ser convencidos da justeza do construir. E, muitas vezes serem seduzidos, que essa adequação precisa ser cultivada pelo poder, fazendo uma demonstração de suas intenções cultas, justas e sofisticadas sem ostentação. Apesar dessa doutrinação com claros pressupostos civilizatórios, a arquitetura e o urbanismo demonstram em sua fundação, nesses posicionamentos, um claro vínculo com o poder instituído. Giulio Carlo Argan, o crítico de arte e arquitetura, que foi também prefeito de Roma destacava nos seus comentários do tratado dos <i>Decem Libri</i>;</p><p style="text-align: right;"><i>“... distingue os tipos dos edifícios com relação as suas funções práticas e representativas; descreve até mesmo a figura moral e profissional do arquiteto, cuja a função é considerada essencial à estrutura do Estado. Demasiado romano para desaprovar a tradição pátria, reduz a “ordem” também a arquitetura etrusca, toscana, confirmando, assim, sua intenção de inserir a experiência estética grega na praxe construtiva etrusca e romana. Como gramático e filólogo, Vitrúvio deduz da viva linguagem da arquitetura grega uma morfologia e uma sintaxe, mas, exatamente porque as formas gregas se tornam uma espécie de léxico, podem adaptar-se a uma arquitetura que deseja ser sobretudo discurso, desenvolvimento articulado de elementos representativos e funcionais no contexto de uma cidade.” </i>ARGAN 2003</p><div>Mas, o que cabe aqui também destacar é que, a revisitação promovida pelos humanistas do texto fundador de Vitrúvio aproxima e institucionaliza a teoria da Arquitetura da teoria da Arte, transformando-a de arte mecânica em arte liberal, destacando-a dos procedimentos das corporações de ofício medievais. Nesse sentido, a emblemática obra da Cúpula de Santa Maria del Fiori, na cidade de Florença, projetada e executada por Filippo Brunelleschi, e sobre a qual nunca escreveu uma linha de texto, mas que foi tema de uma pleiade de pensadores e críticos que o sucederam, demonstra-nos o potencial legitimador da reflexão textual no campo do espaço construído. A independência da proposição de Brunelleschi, com relação as determinações das corporações de ofício da construção é sublinhada pela articulação das duas cúpulas; uma interna, com dois metros de espessura, baseada nas formas de amarrar os tijolos das abóbadas persas, e outra externa, com oitenta centímetros de espessura, com clara inspiração nas abóbadas nervuradas da arquitetura gótica. Ambas articuladas, promoveram a realização da obra sem que fossem necessárias escoras e cimbramentos, que pré apoiariam a materialidade, antes de sua consolidação como corpo íntegro. Essa atitude nos mostram a emergência de um profissional que elege o desenho, proporções, materialidade e processos construtivos a partir da sua avaliação e juízo, e dita isso para o canteiro de obras, como um cientista isolado. Volta-se para o tema já mencionado de Bardaro, que vincula arquitetura à ciência e à verdade no exercício do plano ou do projeto, como ações intermediada pelas tecnologias, pelas artes, mas também pelas antropologias e sociologias do comportamento humano. O vínculo entre plano, projeto e procedimentos científicos não advém do isolamento e personificação da solução, como no caso de Brunelleschi, afinal é perfeitamente possível realizar, arte e ciência de forma coletiva. Mas, o vínculo com uma forma de proceder que pretende se antecipar e portanto prever e controlar os desenvolvimentos futuros das obras e da cidade, dirigindo-as no sentido do <i>"Bem Viver"</i>. O que já foi destacado, na atitude de Brunelleschi é a sua subversão dos procedimentos instituídos para a construção de cúpulas, se arriscando numa nova forma de fazer, que avalia o contexto, os recursos disponíveis e o resultado a ser alcançado, num procedimento próximo ao científico.</div><div><br /></div><div style="text-align: right;"><i>" Se aceitarmos a tese de que o objeto arquitetônico é o mediador das relações sociais, além de ser uma totalidade de fruição, uso e construção, muitas perguntas teremos de fazer sobre o tempo e o mundo em que vivemos, para criarmos os seus objetos de mediação.[...] A sociedade da informação é algo que começamos a viver e que precisamos entender. Não sabemos como ela se espacializa, se é que ela se espacializa. A arquitetura não sabe mais o que ela vai mediar, pois ainda não criamos as formas que podem mediar as relações virtuais, se é que elas podem ser criadas. Não sabemos, ainda, quais são as espacializações da sociedade da informação, quais são os novos programas, se é que eles são realmente novos. O problema não está sequer formulado; portanto não pode ser resolvido."</i> MALARD 2013 página260</div><div style="text-align: left;"><br /></div><div style="text-align: left;">O que nos coloca diante do vínculo da imagem arquitetônica aos procedimentos, processos e costumes de fruição, uso e construção da nossa sociedade contemporânea, baseada nas tecnologias de informação e comunicação (TICs). Mas, também nos revela num paradoxo, uma permanência dos desafios da arquitetura e da cidade com relação a um tempo de cinco séculos atrás, quando a totalidade de fruição, uso e construção delimitam nosso ofício, e deveriam sintetizar espacialmente nosso modo de ser. Os tratados renascentistas são uma antecipação do desenvolvimento teórico que a arquitetura e urbanismo demandam, não só dos profissionais, mas da sociedade como um todo. Num ofício marcado pela construção do espaço humano, que envolve a interação intra humana, mas também com a natureza e o planeta. Nessas artes ou ciências se desenvolve uma interessante interação entre o construir do mundo humano, e a própria humanização do mesmo ser, como um ente dependente de sua coletividade, que nessa dependência engendra a superação das suas determinações naturais, pelo menos de forma parcial. A ideia de vínculo entre o "Bem Viver" individual e coletivo estão condicionados e se impulsionam mutuamente, gerando uma sinergia que precisa cuidar tanto do interesse público, quanto da comodidade individual, que quando se desenvolvem de forma conjunta nos demonstram a felicidade.</div><div><b><br /></b></div><div><b>NOTAS:</b></div><p>(1) Alguns autores como BRANDÃO 2016, apontam a inserção do termo <i>comoditas</i> na tríade vitruviana ao tratado de Alberti, apontando que Vitruvio apontava apenas o termo <i>utilitas</i></p><p><b>BIBLIOGRAFIA:</b></p><p>ARGAN, Giulio Carlo – <b><u>História da Arte Italiana; da antiguidade a Duccio vol.1</u></b> - Editora Cosac & Naif São Paulo 2003</p><p>BRANDÃO, Carlos Antônio Leite - <b><u>Arquitetura, Humanismo e República; a atualidade do <i>De re aedificatoria</i></u></b> - Editora UFMG Belo Horizonte 2016</p><p>BRANDÃO, Carlos Antônio Leite (org.) - <b><u>Na gênese das racionalidades modernas; em torno de Leon Battista Alberti</u></b> - , MALARD, Maria Lucia - <b><u>Projeto Arquitetônico e Pensamento Científico</u></b> - Editora UFMG Belo Horizonte 2013</p><p>LAMERS-SCHÜTZE, Petra - <b><u>Teoria da Arquitetura, do Renascimento até os nossos dias</u></b> - Editora Taschen Tóquio 2003</p><p>MACIEL, M. Justino - <b><u>Tratado de Arquitetura de Vitrúvio</u></b> - Editôra 1st Press Lisboa 2006</p>Pedro da Luzhttp://www.blogger.com/profile/07320690622387710961noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7230136955993736286.post-25593275109785914862022-03-05T09:04:00.000-03:002022-03-05T09:04:04.557-03:00A arquitetura do Império Romano<strike><strike></strike></strike><p></p><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEjE5EmrjDKOlEuPXyoYWFTKixFQWoNRlxN3NXPxVunRCRlbPxMtVwnESw6zp4ZML-hYC5RiBrMHTXLQJ67KG2ZquE-oR6g5RHxkSB7rrhDR5C5Y5P0b8zrZglKQqVPhnNMhUAe7WMPyBiGxGfuK3P5VoNND4YB-FWpl2Bbr9ujDObRybiAb6ok_6Dr8Vg=s500" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="356" data-original-width="500" height="285" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEjE5EmrjDKOlEuPXyoYWFTKixFQWoNRlxN3NXPxVunRCRlbPxMtVwnESw6zp4ZML-hYC5RiBrMHTXLQJ67KG2ZquE-oR6g5RHxkSB7rrhDR5C5Y5P0b8zrZglKQqVPhnNMhUAe7WMPyBiGxGfuK3P5VoNND4YB-FWpl2Bbr9ujDObRybiAb6ok_6Dr8Vg=w400-h285" width="400" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Mapa da Pax Romana</td></tr></tbody></table><br />Seguindo a sequência histórica da disciplina de Teoria e História da Arquitetura 1 (THArq1) da Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (EAU-UFF), da qual sou professor, chegamos ao Império Romano e sua arquitetura, urbanismo e sua gestão do território. Uma das civilizações que demonstrou um enorme apuro no esforço construtivo, e articulou um território imenso, o Império Romano, que ia da península Ibérica até a borda da Índia, a partir de obras como estradas, aquedutos, pontes e fortificações. As origens da cultura de Roma são muito antigas, sua fundação remonta a 756 a.C., e os registros da cidade antecedem ao Império Grego no mar Mediterrâneo e nos apresentam uma certa disponibilidade inicial de interação franca com as mais diversas culturas. Os etruscos, que dominaram a região da antiga Roma a partir de 616 a.C. sentiam profunda afinidade pelas manifestações da Grécia Antiga, que dominava o sul da península itálica, com vários entrepostos coloniais. Ao norte estavam os povos bárbaros, gauleses e normandos, que dominavam a região, a partir do vale do Rio Pó, a partir dessa diversidade de culturas, que se constituirá o imenso império, que se estabiliza na República Romana, a partir de 416 a.C.. Amplo período, que na verdade foram identificados por alguns historiadores como a Pax Romana, desde 27 a.C. a 180 d.C., que constroe a coesão de um território imenso, que no limite ocidental envolve os atuais países da Inglaterra, Espanha e Portugal, passando pelo norte da África, Egito, Oriente Próximo, e chegando aos atuais Irã e Iraque. Na verdade, o Mar Mediterrâneo, aquilo que os romanos chamavam de "<i>Mare Nostrum"</i> era a grande coesão dessa imensa região, que articulada por estradas, pontes e cidades, constituíram uma rede coesa de impostos e taxações, que fizeram a fortuna da cidade de Roma. Como em todo império, existia a força coercitiva das legiões romanas, às opressões e revoltas dos diferenciados povos escravizados, mas também houve a disseminação de uma cultura e de uma arte singular e pragmática. <p></p><p style="text-align: right;"><i>“A Itália antiga não tinha unidade étnica nem cultural: era um mosaico de povos diversos pela origem, pelas tradições, pelos costumes e pela língua. Ao norte do Pó, já era a terra dos bárbaros, gauleses e germanos; o sul era um pedaço da Grécia. A única cultura autóctone, ainda que fortemente influenciada pela arte grega, era a etrusca, nas regiões centrais. Mesmo, a cultura romana, que acabara por dominar toda a península, tem suas raízes na grega, mas a combina, em seu desenvolvimento histórico, com a tradição etrusca e a renova, acolhendo grandemente as infiltrações bárbaras.”</i> ARGAN, 2003</p><p style="text-align: left;">Nesse contexto, de forte referência a cultura grega, toda a arte de Roma reproduz as ordens presentes em suas colunas, em seus capitéis, a sistematização dessas ordens é realizada por um tratado, Os dez livros da Arquitetura, ou simplesmente De Arquitetura, de um arquiteto-engenheiro militar Marcos Vitrúvio Polião, que viveu no século I a.C. O tratado é dedicado ao imperador Augusto, e inaugura a tradição da arquitetura de vinculação com o poder, com o patronato, o papado, devido ao imenso dispêndio de recursos que a arte de construir envolve. Vitrúvio, no único tratado que nos chegou graças a Idade Média, será o formulador da classificação da linguagem clássica da arquitetura grega, com a presença de apenas uma coluna originária da península itálica, a Toscana. Na verdade uma derivação da mais sóbria das colunas gregas, a Dórica, que parece nos mostrar o espírito prático da civilização de Roma, que objetiva e sintetiza seu decoro, se desfazendo até das caneluras.</p><p style="text-align: right;"><i> “Construído sobre um alto pedestal, com colunas maciças e baixas, o templo etrusco evocava longinquamente as formas de um templo dórico; mas era mais largo do que longo e dividido em duas partes, das quais a anterior era aberta e de pórticos, enquanto a outra continha uma cela tríplice. As colunas ‘toscanas’ não tinham caneluras e o capitel era constituído por um anel equino fortemente comprimido.”</i> ARGAN 2003 página 163</p><p style="text-align: left;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEhqApNs7fBm6tV-WBivJ6NJVzrYzR2fma1qqTdSKpawatggtXzXtV9bERHTHQlOkkf7V61oJHR_TKHOH4PAtDVV-zI4ETXxOjfVt-muyK-XxWIBTgxoaHAsIygmQwoyVkm2ImEBWXCunmyCP2m_T_z2fdwPrxSyKPu0_y_UjRYvKSzAtZGnXrINXkV4wQ=s323" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="300" data-original-width="323" height="297" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEhqApNs7fBm6tV-WBivJ6NJVzrYzR2fma1qqTdSKpawatggtXzXtV9bERHTHQlOkkf7V61oJHR_TKHOH4PAtDVV-zI4ETXxOjfVt-muyK-XxWIBTgxoaHAsIygmQwoyVkm2ImEBWXCunmyCP2m_T_z2fdwPrxSyKPu0_y_UjRYvKSzAtZGnXrINXkV4wQ=s320" width="320" /></a></div><br />Mas o elemento síntese da arquitetura romana, não é mais a coluna, mas o Arco, uma arquitrave em arco pleno no qual o centro do raio corresponde ao meio do inter-colúnio ou do vão a ser vencido, a chave ou fechamento, é a pedra ou o tijolo colocada no vértice que confere toda a estabilidade a estrutura. Uma composição estrutural, que trabalha a partir dos conceitos de encaixe de posição e reciprocidade mútua, que desembocará como uma linguagem em outros elementos mais complexos, tais como; abóbodas, abóbadas de berço, abóbodas cruzadas. Manipulados primeiro pelos etruscos e depois pelos romanos, farão a fortuna da sua arquitetura, configurando espacialidades como naves centrais, laterais, absides, etc..., que disponibilizam a solução da curva, libertando-nos da mera reta. As imensas possibilidades oferecidas por esse elemento, o Arco, e suas infinitas combinações oferecerá a arquitetura, as infra estruturas, as estradas uma rede construtiva de criatividade.<p></p><p style="text-align: right;"><i>“Nos muros e nas portas urbanas revela-se o gênio construtivo dos etruscos, mestres no entalhar e no compor encaixes a macia pedra local; sobre o princípio do encaixe e da recíproca sustentação dos blocos funda-se o sistema da cobertura em arco e abóboda que constitui, na ordem da técnica construtiva, o caráter notável da arquitetura etrusca e tornar-se-á, também na ordem estética, o tema base da arquitetura romana.”</i> ARGAN 2003 página163</p><div><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEhtTLBdLiNNs5_VL73K7STkOYKPTO_TaP3tG39qh5jp7ZD51b-6Y24znjyJ7i0IOEubOfPHYTPdWzDb5xlU2UCmed704jlADANjuzWkUtWQQOyRhmuTBC6DDidK_uScGr625ug_LbykylveQZZ4UF33LbKurQqY7oGehyRiuxIcrUNrOzjYgrZsjpUssw=s1024" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="1024" data-original-width="795" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEhtTLBdLiNNs5_VL73K7STkOYKPTO_TaP3tG39qh5jp7ZD51b-6Y24znjyJ7i0IOEubOfPHYTPdWzDb5xlU2UCmed704jlADANjuzWkUtWQQOyRhmuTBC6DDidK_uScGr625ug_LbykylveQZZ4UF33LbKurQqY7oGehyRiuxIcrUNrOzjYgrZsjpUssw=w310-h400" width="310" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">O Coliseu de Roma</td></tr></tbody></table><br />A intencionalidade, a proporção entre elementos e uma representação da organização das instituições humanas se desenvolvem, sem deixar de ter uma certa monumentalidade dominadora, que assinala a centralidade de Roma, a cidade eterna. Ritos, mitos e racionalidade se fundem na expressão de uma civilidade com hábitos particulares, que constituem-se em edificações concretas como; o Arco Triunfal, o Fórum, a Basílica, as Termas, o Anfiteatro, os Aquedutos, as Estradas, as Pontes. O edificar, a base física e material da sociedade; a cidade, seus confortos, suas infra estruturas passam também a espelhar a civilidade ou a cidadania do homem, como construções mútuas e retro alimentadas. As construções públicas expressam e concentram uma série de práticas e hábitos, que espelham um Bem Viver,a cidade romana garante o acesso a confortos, comodidades e asseamentos higiênicos jamais pensados. A <i>urbs</i> e a <i>civitá</i>, construções e comportamentos humanos parecem estar interligados numa didática mútua, num desenvolvimento compartilhado e interdependente. A construção da personalidade do cidadão é impulsionada, dependente e mutuamente interligada com a estrutura física do espaço construído pelo mesmo cidadão, como numa rua de mão dupla, não só na cidade mas no território que vivencia. A grande cidade, a fuga para os idílios das Villas do interior, as obras de infra estrutura, tais como; aquedutos, pontes e estradas, a compreensão do território vivenciado conformam uma consciência particular e única na história da humanidade.</div><div><br /></div><div><div style="text-align: right;"><i>"O texto do arquiteto e engenheiro Marco Vitrúvio Polião, ou só Vitrúvio foi escrito no século I a.C., e foi redescoberto pelo Renascimento no século XVI. Um texto seminal da Antiguidade Clássica, pode ser considerado como o texto fundador de um entendimento moderno da arquitetura, da construção e da cidade. “Em meados do século XVI o rei Dom João III, consciente da importância do tratado de Vitruvio para a renovação da cultura portuguesa da construção, encomendou a sua tradução ao célebre matemático Pedro Nunes... Segundo Vitrúvio, a arquitetura nasce da fabrica e da ratiocinatio. A primeira consiste na experiência que o arquiteto vai adquirindo com o acto de construir. A segunda é a teoria que se vai constituindo como resultado da prática.”</i> MACIEL 2006 páginas 7</div></div><div><br /></div><div><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEh0SPaN5FMvX0VCK0b9Hcg268DSwpio7eCTACM5rt2A0NkO4xT-yKTY4SE6PDY9fyzUfu-zx10uK2wZlkXkbd9gzHLnis-ax-BKC_qn-a_0zwl1x6qGmD9cBTyKDojm4hg9fLR23hKwm3IjQANyM3BTxeumR1QCFrNp9UARUI4IbZh_vyuK-fLQcmyrnw=s271" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="271" data-original-width="220" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEh0SPaN5FMvX0VCK0b9Hcg268DSwpio7eCTACM5rt2A0NkO4xT-yKTY4SE6PDY9fyzUfu-zx10uK2wZlkXkbd9gzHLnis-ax-BKC_qn-a_0zwl1x6qGmD9cBTyKDojm4hg9fLR23hKwm3IjQANyM3BTxeumR1QCFrNp9UARUI4IbZh_vyuK-fLQcmyrnw=w325-h400" width="325" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">As Termas de Caracala, a <i>"commoditas"</i> romana</td></tr></tbody></table><br />A arquitetura nasce portanto da manipulação mecânica de uma materialidade concreta e específica que se articula numa espacialidade, que demanda uma intencionalidade antecipadora alcançada pela racionalidade humana. Uma síntese complexa entre artes mecânicas e artes liberais, ainda não conscientemente explicitada pela antiguidade clássica, mas já implicitamente presente, e, que será alcançada apenas no Renascimento italiano. O Tratado de Vitrúvio é representativo desse espírito, aonde a boa cidade, o bem viver, a vida com o diálogo, se somam no sentido de humanizar o homem torná-lo civilizado e disponível para a vida pública, que mira o interesse de todos. A Grécia no espaço da Ágora mostra-nos como o diálogo, o discurso convincente e argumentativo persuade a comunidade, Roma terá o Fórum, a Basílica como espaço da construção também do diálogo e da justiça, que passa a ser proclamada por uma lógica da impessoalidade. Apesar do militarismo romano, que perpassa a história de todo o Império, as legiões, que voltando de campanhas vitoriosas, volta e meia usurpam o poder civil, Roma terá na justiça a representação de um código escrito consolidado que regula a atuação das pessoas. São um exemplo dessa mentalidade, os escritos do Cônsul Marco Túlio Cícero (106a.C. - 43a.C.), redescobertos por Francisco Petrarca (1304-1374) no pré renascimento italiano nos mostram a constituição do interesse comum, a <i>res publica</i>. Também o tratado de Vitrúvio nos mostra, o que significa edificar uma linguagem clássica, profundamente vinculado aos gregos, mas também a <i>commoditas</i> (utilidade e comodidade) romana, que procura desvendar a eleição da materialidade, dos procedimentos construtivos, da escolha do lugar, da adequação da edificação ao seu contexto, etc.</div><div><br /></div><div><div style="text-align: right;"><i>“Dependente, pelo menos em parte, de fontes gregas, demonstra, como se quisesse traduzir, a grande lição clássica em uma série de regras quase gramaticais, aplicáveis a todo tipo de discurso construtivo e a todas as exigências ditadas pelo sentido prático, pela commoditas romana. Vitrúvio enquadra a arquitetura em toda a problemática técnica e urbanística, que vai da escolha e da elaboração dos materiais aos procedimentos construtivos, à escolha do lugar, à adaptação do edifício ao terreno, à paisagem e à decoração</i><i>... distingue os tipos dos edifícios com relação as suas funções práticas e representativas; descreve até mesmo a figura moral e profissional do arquiteto, cuja a função é considerada essencial à estrutura do Estado. Demasiado romano para desaprovar a tradição pátria, reduz a “ordem” também a arquitetura etrusca, toscana, confirmando, assim, sua intenção de inserir a experiência estética grega na praxe construtiva etrusca e romana. Como gramático e filólogo, Vitrúvio deduz da viva linguagem da arquitetura grega uma morfologia e uma sintaxe, mas, exatamente porque as formas gregas se tornam uma espécie de léxico, podem adaptar-se a uma arquitetura que deseja ser sobretudo discurso, desenvolvimento articulado de elementos representativos e funcionais no contexto de uma cidade.”</i> ARGAN 2003 página</div></div><div><br /></div><div><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEhlz7RISGdIybJ50F5_ImA4tXAYsfV2jmJv3wpfs8jL3coYi6qm29LkVndfBapx0DmC8bC7t0z-ewCg4cy1R-bQXZG8_dJHS6OXv7dlfaSQsWgBcZVEDw41HmoRteGrg63O0K02tozGe--l-EvJxyEdOGRT_wTyLbQ1npVv_Gd8JLmRM95lqwbMrQoeEg=s640" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="436" data-original-width="640" height="272" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEhlz7RISGdIybJ50F5_ImA4tXAYsfV2jmJv3wpfs8jL3coYi6qm29LkVndfBapx0DmC8bC7t0z-ewCg4cy1R-bQXZG8_dJHS6OXv7dlfaSQsWgBcZVEDw41HmoRteGrg63O0K02tozGe--l-EvJxyEdOGRT_wTyLbQ1npVv_Gd8JLmRM95lqwbMrQoeEg=w400-h272" width="400" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">A Basílica de Constantino</td></tr></tbody></table><br />A ânsia pragmática de Roma se expressa na sanha classificatória de Vitrúvio, que se manifesta também na ordenação das funções edilícias, e na sua disposição no território, ou inserção urbana, que lançam um conceito fundamental para a estruturação projetual, a ideia de "Tipo". O planejamento e a projetação entenderá o conceito de "Tipo", como algo diferenciado do "Modelo", que portanto seria uma ordenação esquemática que sintetizaria a distribuição arquitetônica no contexto, no terreno, no lugar mostrando-nos constâncias históricas do construir humano. Como, uma gênese da forma, um processo de esquematização das proporções entre espaço edificado e não edificado; a casa em torno de um pátio, a torre, a evolução do Templo Paleo-cristão a partir da Basílica Romana, e outros. A lógica do Tipo envolve também diversas escalas e interrelações numa relação de proporção esquemática que envolve a função prática e contemplativa da edificação, o construído e o não construído, como formas em interação dialética, que se constituem mutuamente. A metodologia do "Tipo" só será plenamente sistematizada pelos arquitetos do Iluminismo, mas ela já se apresenta de forma implícita no Tratado de Arquitetura, os Dez Livros de Vitrúvio.</div><div><br /></div><div><div style="text-align: right;"><i>“Diversamente do cânon grego, que consiste em um sistema de relações ou proporções ideais, o tipo é um esquema de distribuição de espaços e partes em relação à função prática ou representativa do edifício. O tipo, mesmo conservando o esquema, permite as mais amplas possibilidades de variantes na determinação formal e na decoração.”</i> ARGAN 2003, página</div></div><div style="text-align: left;"><br /></div><div style="text-align: left;"><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEikyi8UFBTtt1NeW3RJKcBRkyPU7kg8KmkUP5tOWAL52VonC_TbBIXNyu_Il4HUHlsw7QlB_Exmr2W1okGDlmzXTLoj4ScVBMOBSCOQxySqNemntUoheWXO1myXoAqzNp0pI6CSVhVyhxR7ib7R947DPQDJjukeNlzDEd7h9CAKpU-JDcUgWqZmzVGesg=s2153" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="2153" data-original-width="1585" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEikyi8UFBTtt1NeW3RJKcBRkyPU7kg8KmkUP5tOWAL52VonC_TbBIXNyu_Il4HUHlsw7QlB_Exmr2W1okGDlmzXTLoj4ScVBMOBSCOQxySqNemntUoheWXO1myXoAqzNp0pI6CSVhVyhxR7ib7R947DPQDJjukeNlzDEd7h9CAKpU-JDcUgWqZmzVGesg=w295-h400" width="295" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">O cotidiano de uma cidade nova<br />do Império Romano</td></tr></tbody></table><br />Enfim, uma forma de pensar que transita entre as várias escalas do pensamento construtivo, desde a concepção geral e abrangente da disposição edificatória até o detalhe do decoro, pensando-os como uma unidade inseparável e coesa. A partir dessas reflexões fornecidas pelo Tratado de Vitrúvio e as leituras de Giulio Carlo Argan sobre esse texto fundador, a aula procurou apresentar numa ordem classificatória os esforços da Arquitetura Romana. Entendendo cada um desses temas como inseridos num determinado contexto pré-existente, que desvendava e explicava a obra: os Arcos Triunfais, os Templos, os Anfiteatros, a Basílica, o Circo Máximo, as Residências e a Insulae de Roma, as Grandes Construções como Aquedutos e Pontes. Até chegar a uma fictícia Cidade Romana de colonização do território, que na Europa se apresenta em grande número e em grande variedade de ocorrências, tais como; Paris (Lutécia), Londres (Londum), Barcelona (Barce), e outras. Na verdade, esta referência a uma cidade nova de colonização romana foi retirada do livro de David Macaulay, que tem como título; Construção de uma Cidade Romana. Ele nos mostra que a configuração da cidade é um elemento central no processo de colonização, dominação, controle e doutrinação da cultura de Roma frente aos diferentes contextos nos quais se insere. A cidade é um elemento fundamental na articulação do imenso território do Império de Roma, marcando o lugar e mostrando nas suas especificidades o <i>módus vivendi</i> dessa cultura</div><div><br /></div><div><b>BIBLIOGRAFIA:</b></div><div><br /></div><div><span style="text-align: right;">ARGAN, Giulio Carlo – <b><u>História da Arte Italiana – da antiguidade a Duccio vol.1</u></b> - Cosac & Naif São Paulo 2003</span></div><div><span style="text-align: right;">MACAULAY, David - <b><u>Construção de uma Cidade Romana</u></b> - Editora Martins Fontes São Paulo 1989</span></div><div><span style="text-align: right;"><span style="text-align: left;">MACIEL, Justino – <b><u>Tratado de Arquitetura, Decem Libri</u></b> – Editora Universitária, Lisboa 2006</span></span></div>Pedro da Luzhttp://www.blogger.com/profile/07320690622387710961noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7230136955993736286.post-38803837234952342592022-02-05T23:31:00.000-03:002022-02-05T23:31:08.605-03:00A Arquitetura grega<p><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEiWg6LzOk1mrexWh9lgysEGIrvO16UWBSP1WXFH7u_97ZylV4dntJZhkWNlTb21UIWV2-InGIcxPsWnN9oKR1qisYZLx-1DHTnQEEXyUwmmvlalSlbe9OQKH7wRzFPXlrPx1_8Y1GlIfjx8LRTceglHVRqQLjbYlVRotX8-dF1YuimCf1tFnXKleqNiXA" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img alt="" data-original-height="962" data-original-width="938" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEiWg6LzOk1mrexWh9lgysEGIrvO16UWBSP1WXFH7u_97ZylV4dntJZhkWNlTb21UIWV2-InGIcxPsWnN9oKR1qisYZLx-1DHTnQEEXyUwmmvlalSlbe9OQKH7wRzFPXlrPx1_8Y1GlIfjx8LRTceglHVRqQLjbYlVRotX8-dF1YuimCf1tFnXKleqNiXA=w390-h400" width="390" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">A costa entrecortada da Grécia, cheia de baías, <br />impulsionadora do comércio e da interação entre povos</td></tr></tbody></table><br />No contexto da disciplina Teoria e História da Arquitetura 1 (THArq.1), após abordarmos os períodos; a Pré História, a Antiguidade do Oriente Próximo (Mesopotâmia e Antigo Egito), uma Civilização Pré Colombiana (o Império Inca), nos debruçamos sobre a Grécia. Civilização e cultura, que na verdade lançarão as bases daquilo que entendemos como a cultura ocidental euro-cêntrica, que por diferenciados caminhos desembocará no Renascimento, que a revisita como exemplo e paradigma comportamental. Se comparada com a Antiguidade do Oriente Próximo e a Civilização Pré Colombiana não se identifica no território da Grécia, nenhuma dádiva natural, como foram caracterizados os rios Tigre, Eufrates, Nilo e Urubamba, que garantiam excedentes de produção agrícola e de pastoreio, que fizeram a fortuna destas civilizações da antiguidade. Mas, o que há nesse espaço-território, uma península entre os Mares Egeu e Jônio, no Mediterrâneo, que induz essa mudança ou possibilita a emergência de uma sociedade sofisticada, cosmopolita e inventora da democracia. Não há mais a generosidade-dádiva de um grande rio, mas há uma costa entrecortada de baías e portos que se lançam ao mediterrâneo, uma configuração que fomentará a navegação e o comércio. Há também uma cultura das oliveiras e uvas, que gera o azeite, o vinho e o pastoreio de rebanhos de caprinos e bovinos, que fundam uma nova maneira de interação com o outro, o estrangeiro, não mais baseada na sua supressão, mas na sua colonização comercial. A cidade assume um protagonismo central, pois é nela que é representada a democracia determinando personalidades de cidadãos diferenciados, entre por exemplo, a militarizada Esparta e a a cultura civil de Atenas.</p><p style="text-align: right;"> <i>“O que vemos surgir na Grécia, nesse contexto? Algo de totalmente novo: a ideia de que só existe sociedade humana digna desse nome se essa soberania de valor quase religioso se achar despersonalizada e, para falar como os gregos, situada no centro, ou seja, se ela se tornar uma coisa comum. Só pode haver vida social se todos os membros de uma comunidade tiverem direitos iguais para gerir os interesses comuns do que é também um modo de instaurar uma diferença entre o público e o privado.”</i> VERNANT, Jean Pierre – Os gregos inventaram tudo</p><p style="text-align: left;">Me parece que segue sendo um mistério, como se processou essa transição entre as autocracias orientais e a cultura helenística democrática e cosmopolita, que desenvolve maior aceitação da diferenciação e da alteridade entre semelhantes. Os chamados dóricos descendem de linhagens indo-europeias, que se instalaram na Península da Ática por volta de 2.000 a.C., vindos do Cáucaso, interagindo com assírios, egípcios, fenícios e cretenses, naquela parte do Mediterrâneo. Certamente, a cultura cretense, anterior ao esplendor grego do século V a.C. influenciou fortemente essa maneira de agir e comportar do povo grego. Mas, há um período obscuro entre a Grécia dos monarcas entre 1450 e 1200 a.C. e o século 9 a.C., quando a atividade econômica e a cultura retornam com força e com uma nova forma de encarar o poder.</p><p style="text-align: right;"><i>“Em todas as grandes civilizações que precederam a civilização grega, e de que ela foi tributária (assírio-babilônica, egípcia, fenícia, cretense), não se tinha visto nada comparável. Os chamados dóricos, isto é, indo-europeus que, na aurora do 2o milênio a.C., instalaram se na Grécia continental vindos talvez do Cáucaso, impregnaram-se da cultura de civilizações mais avançadas, em particular a dos cretenses [...] arquivos palacianos que nos permitem abarcar o que era a Grécia entre 1450 e 1200 a.C., uma Grécia de monarquias que, em certos aspectos, lembrava os reinos orientais, o rei, "anax", controla o conjunto da vida social, econômica e mesmo religiosa, ao que parece. Esse período micênico deu lugar ao que chamamos os séculos obscuros: os reinos desaparecem, a escrita também, os contatos com o Oriente, a densidade demográfica e a superfície cultivada diminuem. E depois o comércio retorna, lá pelo século 9o a.C. O que aparece então, e dessa vez o sabemos, afora os documentos arqueológicos, graças à época homérica, à "Ilíada" e å "Odisseia" (difícil datar, pois se trata de uma tradição oral que remonta talvez a 1250 a.C., mas cujo texto só foi fixado no século 6o a.C.), é um mundo marcado por uma nova maneira de considerar o poder. “</i>VERNANT, Jean Pierre – Os gregos inventaram tudo</p><div><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEh8EPyLBhVNtZyz03f8n5vMCGndyX31hipmvorYeddV37fuPnRwG33ix6wlzfBoEryqIHHrPFFVJGAcJyGhxEWTAoAoIrnGkbTZn2560Rq0eeJzMQye7m8UOlWntWEd4hnuCZfSEjr6h9dDGi5tzJ0Ebl-dKzkHXy50rUkC5ePJJqQLzoMARl7dJTk_ig" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img alt="" data-original-height="1106" data-original-width="935" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEh8EPyLBhVNtZyz03f8n5vMCGndyX31hipmvorYeddV37fuPnRwG33ix6wlzfBoEryqIHHrPFFVJGAcJyGhxEWTAoAoIrnGkbTZn2560Rq0eeJzMQye7m8UOlWntWEd4hnuCZfSEjr6h9dDGi5tzJ0Ebl-dKzkHXy50rUkC5ePJJqQLzoMARl7dJTk_ig=w338-h400" width="338" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Ágora de Assos</td></tr></tbody></table><br />Há uma espacialidade, que representa essa forma de pensar e de agir dos gregos, a Ágora, na verdade um espaço vazio descoberto limitado por uma continuidade de <i>"stoas"</i>, arcadas sombreadas em dois pavimentos, que o contornam, e que abrigam o caminhar e o diálogo, muitas vezes controverso entre seus cidadãos. Esse espaço, não construído, sem teto, a praça ou mercado, nada mais é de que o público, algo que pertence a todos enquanto dádiva auto-construída, que representa o conflito, a persuasão, o convencimento e a possibilidade de acordo, na manutenção da diversidade. Um espaço, que em Atenas está logo abaixo da Acrópole, um outro lugar do culto da divindade da cidade, uma religião e um culto que conforma a identidade do cidadão ateniense, que entende o compartilhamento do sagrado com um valor estratégico de coesão. Mas essa cultura tão peculiar e específica volta e meia se envolveu com uma certa prepotência, advinda dessa mesma forma de ser, e na verdade, dependeu de outras culturas para garantir sua permanência, e seu renascimento. Esse contínuo reaparecer muitas vezes veio da veneração dessa forma de agir e pensar, que outras culturas identificaram nela; romanos, árabes, cristãos, humanistas, germânicos, anglo saxões. Sem dúvida, este registro histórico foi constantemente revisitado e venerado, como um acontecimento na história da humanidade, capaz de ser revivido pelos mais diferentes lugares e pensares.</div><div><br /></div><div><div style="text-align: right;"><i>"Claro, tudo mudou desde então, o espaço, o tempo, a autoconsciência, a memória, as formas de raciocínio... Mas é o homem grego que está na origem dessa espetacular evolução [...] o mundo de onde viemos [...] Foi, aliás, por intermédio da cultura árabe que a Grécia sobreviveu a si mesma na Idade Média, antes de ser redescoberta pela Europa. Como se vê, o caudal do helenismo seguiu todo tipo de meandros, mas ressurgiu, periodicamente.“</i> VERNANT, Jean Pierre – Os gregos inventaram tudo</div></div><div style="text-align: left;"><div><div><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgRYS5pP3LnSpqoejpY6RcZ2t8K7kkYWaVGEOniF9mQ_VzQMWkAB5lcwSryjK3FmoLrMUaSk5fThed18xWeHEi4drVzMXfLnwUi9tfKH6OBjiVb81uE-s3CSuSJjfZdV81IpGWBOjZmznsqx9AIc1cdDg7mHtFnba69R04m9KRlpRrKksNvgpSXZ5I05w" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img alt="" data-original-height="1128" data-original-width="1177" height="384" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgRYS5pP3LnSpqoejpY6RcZ2t8K7kkYWaVGEOniF9mQ_VzQMWkAB5lcwSryjK3FmoLrMUaSk5fThed18xWeHEi4drVzMXfLnwUi9tfKH6OBjiVb81uE-s3CSuSJjfZdV81IpGWBOjZmznsqx9AIc1cdDg7mHtFnba69R04m9KRlpRrKksNvgpSXZ5I05w=w400-h384" width="400" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">A Acrópole de Atenas, lugar em que a disposição dos <br />edifícios é estruturada por complexos traçados, numa clara <br />intenção de reunião entre natureza e cultura</td></tr></tbody></table><br />A composição arquitetônica, tanto da cidade sagrada a Acrópole, quanto o espaço das assembleias, a Ágora, se utiliza e se reduz a poucos elementos, que passam a ser estudados como entidades quase independentes, a Coluna, a Arquitrave, e o Frontão. O sistema de junção entre eles é o trilítico, o esforço talvez mais simplificado de vencer um vão, que determina a presença do ritmo, da proporção, dos claros e escuros, das sombras e da luz. Elementos que sinalizam uma clara e objetiva linguagem, a todos acessível, entre construção e usuários, que pode ser resumida a um dualismo entre; monumentalidade (sagrado) e cotidianeidade (civilidade). Essa objetividade e simplificação da linguagem construtiva alcança uma universalidade de comunicação, um cosmopolitismo, onde qualquer estrangeiro compreende as suas mensagens de forma imediata. Na verdade, a integração entre o hábito geral da sociedade e suas construções trabalha nessa simplificação com a sofisticação e o aprimoramento de relações abstratas e complexas, tais como; ordem, simetria, proporção, harmonia, ritmo, claro e escuro. A ordenação dessas relações abstratas nascem da contemplação do natural, em nítida disputa com a vida humana, que constantemente afirma e desafirma sua artificialidade, se aproximando e se distanciando do antropoformismo. </div></div><div><br /></div><div style="text-align: right;"><i>“Sim, mesmo nas constituições arcaicas do século 7o a.C. há uma "boulé", uma assembléia do povo, que delibera sobre o "cratos", o poder, para fazer isso ou aquilo. Mas não se trata de uma democracia, senão de uma aristocracia guerreira. O que ocorre em seguida? A partir do século 6o a.C. em Atenas, esse grupo restrito de eleitos que tem o direito à palavra na assembleia amplia-se com as reformas de Sólon e sobretudo as de Clístenes: vemos surgir então a ideia de que todos os que nasceram atenienses, os cidadãos, têm direitos iguais de participar na coisa política.”</i> VERNANT, Jean Pierre – Os gregos inventaram tudo</div><div style="text-align: right;"><br /></div><div><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEiRlYCzo1yByIgZG1Qmbqjx0aS1s1CHYM91U_WFBtUqF_taT4Uv79EtAIszao-vorxb6zIbrTyRSHMRUeoRqlEp96V0aPU3nS4M6ZishmGbT3q8qRzpfSW6viAUGIMBoxo1b3ml3l9Myz0iZT3z9KKHZ2RZ4LB44AxeNnxY7IKsWW40UOUuBU2oegRhhw=s278" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="173" data-original-width="278" height="249" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEiRlYCzo1yByIgZG1Qmbqjx0aS1s1CHYM91U_WFBtUqF_taT4Uv79EtAIszao-vorxb6zIbrTyRSHMRUeoRqlEp96V0aPU3nS4M6ZishmGbT3q8qRzpfSW6viAUGIMBoxo1b3ml3l9Myz0iZT3z9KKHZ2RZ4LB44AxeNnxY7IKsWW40UOUuBU2oegRhhw=w400-h249" width="400" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Traçados reguladores, que definem a posição das edificações<br />e suas visadas, apenas a partir da porta do Propileu<br /><br /></td></tr></tbody></table><br />A disposição das edificações na Acrópole de Atenas segue uma complexa lógica, que articula o caminhar humano numa subida de colina, com a descoberta e o desvelamento progressivo da hierarquia entre cada um deles, numa sequência visual, que só é inteiramente compreendida na integridade do processo. O caminhar e o edificado trabalham num complexo sistema de enquadramentos, sucessivos e múltiplos, no qual o usuário e a vivência concreta da espacialidade parecem construir experiências sempre inusitadas. A subida para a Acrópole de Atenas, e também sua descida parecem demonstrar, que a sequência vivida será sempre uma nova descoberta, num sentido e no outro, que na verdade, não se restringe apenas as suas edificações, mas aos espaços vazios entre edifícios, e também às vistas que proporciona da cidade indiferenciada. Estamos diante de um fato construído, penso que pela primeira vez na história humana, que reúne, colina, edificações, vazios entre edificações, vistas da cidade da acrópole e para a acrópole que constroem uma estabilidade dinâmica só encontrada naqueles lugares mágicos. Uma forma de articular o humano, ao cosmos natural, que vai muito além do visual, pensando na vivência da efetiva espacialidade, - visual, táctil, epitelial e corporal - a partir de um observador-usuário caminhante, que experimenta uma sucessão de enquadramentos tão ricos e sempre inusitados, que nos obrigam a pensar sobre a intencionalidade do fazer humano. Livre e precisa, mas em diálogo com qualquer <i>"contingência acidental"</i>.</div></div><p style="text-align: right;"><i>“As próprias leis do Estado tem seu fundamento nas leis naturais; e ‘natural’ é o fundamento da lógica e da ciência, da moral e da religião. Mas nem por isso a vida é equilíbrio imóvel, estagnação; é antes aspiração contínua a uma condição ideal, de perfeita liberdade natural. Por esse ideal de liberdade a Grécia combaterá longamente o império Persa, última forma do obscuro despotismo asiático; e essa longa luta histórica nada mais será do que o resultado da mítica luta de liberação da consciência dos opressivos terrores do mundo pré-histórico e proto-histórico com suas ameaçadoras potência sobrenaturais. Dessa contínua luta, mítica e histórica, pela libertação da consciência e pelo límpido conhecimento do real, a arte figurativa é, mais ainda do que um testemunho, um fator essencial. Concebida como o mais puro e perfeito dos fenômenos naturais, revela na clareza de suas formas a forma ideal da natureza na sua essência universal, que está além de qualquer contingência acidental ”</i> ARGAN 2003 página.</p><p style="text-align: left;"><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEjRTLitOs2U4jF_D8gjIG63962G38RyqGePnHFTpHHKHIlAGnnwWUBUeoJAEkNpqfP8N8x0Au7XCVP302RBu3SkPtN5noO_8SYUREdEZh9HCryGD1o9L2BkXMrv3oyQhAQlLR0fw9FRJs1RU55JQDnex7t5EtxDP7C3jCwIb3fGGVKbkjDzbthjwfJV0Q" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img alt="" data-original-height="865" data-original-width="1361" height="254" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEjRTLitOs2U4jF_D8gjIG63962G38RyqGePnHFTpHHKHIlAGnnwWUBUeoJAEkNpqfP8N8x0Au7XCVP302RBu3SkPtN5noO_8SYUREdEZh9HCryGD1o9L2BkXMrv3oyQhAQlLR0fw9FRJs1RU55JQDnex7t5EtxDP7C3jCwIb3fGGVKbkjDzbthjwfJV0Q=w400-h254" width="400" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">O Parthenon na Acrópole, hierarquia, monumentalidade e <br />sobriedade, apesar de seu estado ruína</td></tr></tbody></table><br />Nesse contexto, o Parthenom se insere como edificação hierarquicamente mais importante, dominando e se debruçando sobre a colina da Acrópole, uma construção que define seus limites a partir de uma colunata contínua, que combina; correções óticas, harmonia, simetria, ritmo, dois frontões, luz e sombras. Essa delimitação entre exterior e interior, marcada por breves degraus e sem a presença de paredes contínuas, com a presença da colunata de tamanho monumental determina uma continuidade anunciadora e preparatória. Sua construção iniciou-se em 448 a.C., logo depois da paz com a Pérsia, com projetos de Calícrates e Ictino, que manipularam proporções grandiosas e esforços construtivos inusitados até então. O grande templo, de mármore, enquadrado na ordem dórica, por Vitruvio vários séculos depois surge sobre uma pequena base alta, chamada de Estilobata na cota mais alta da Acrópole, visível de qualquer parte da cidade, e mesmo da região. As frentes, com oito colunas, medem mais de trinta metros; os lados, com dezessete colunas, medem cerca de setenta; as colunas que ultrapassam dez metros de altura, têm na base quase dois metros de diâmetro. Apesar desse dimensionamento monumental, sua expressão é de absoluta sobriedade e justeza em todas as suas articulações. Enfim, sobriedade e concisão na sua diferenciação hierárquica no contexto geral da Acrópole, uma construção onde recursos e efeitos se combinam numa integridade entre parte e todo, percebida mesmo em seu estágio de ruína. Importante assinalar a espoliação colonialista, praticada pelo Império Britânico, que até hoje mantém no <i>British Museum</i> os frisos e as esculturas de seu frontão, saqueados de seu contexto no século XIX, e que, hoje a Grécia reinvindica seu retorno.</p><p style="text-align: right;"><i>A arte “... alia-se ao pensamento dos filósofos e ao gênio inspirado dos poetas na busca de uma verdade que não está além, mas dentro das coisas e que não se alcança ultrapassando a experiência, mas aprofundando-a e esclarecendo-a. Explica-se também assim o que, aos nossos olhos, poderia parecer um limite da arte clássica: o fato de eleger quase como único objeto a figura humana... o desenvolvimento histórico da arte grega em três períodos: arcaico, do século VII ao VI a. C.; clássico, até a metade do IV a.C.; helenístico, até a metade do século I a.C.”</i> ARGAN 2003 página</p><div><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgKfwKOqFE3cPpx4o8HsCikgH_2flQG-kOqXAUXq8Tqv9Y8GXoxjnOlIjHkgCn8FSyOVFq3dGavUWMKhiU9gdId6C6nUuX0yd8LkAmBUxQrbvaGY9XX5EHvTD7x1C_9jLpsotVM4h-EwezjhdCx7bqOK81o9SM4j18XlRYRxWaZUmANg_MBmT1eY3KVbg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img alt="" data-original-height="795" data-original-width="1193" height="266" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgKfwKOqFE3cPpx4o8HsCikgH_2flQG-kOqXAUXq8Tqv9Y8GXoxjnOlIjHkgCn8FSyOVFq3dGavUWMKhiU9gdId6C6nUuX0yd8LkAmBUxQrbvaGY9XX5EHvTD7x1C_9jLpsotVM4h-EwezjhdCx7bqOK81o9SM4j18XlRYRxWaZUmANg_MBmT1eY3KVbg=w400-h266" width="400" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Teatro de Dionísio na borda da Acrópole de Atenas, uma <br />obra de uma objetividade sintética e única<br /><br /></td></tr></tbody></table><br />Por último, um tema da vida grega que não pode estar ausente de qualquer reflexão sobre seus esforços construtivos e civilizatórios é o Teatro Grego, uma manifestação que permanece conosco numa demonstração de transtemporalidade única. O teatro grego teve início em Atenas, na Grécia, por volta de 550 a.C. e surgiu a partir das celebrações realizadas principalmente para o Deus Dionísio. Essa era uma divindade da mitologia grega relacionada às festas, fertilidade e vinho. Nas celebrações Dionisíacas, que duravam cerca de uma semana, as pessoas bebiam, cantavam e dançavam. Com o passar do tempo, as festividades foram evoluindo em organização e elaboração, chegando ao que hoje conhecemos como o teatro com enredo, atores, plateia, encenações, etc... Os dramas, tragédias e comédias gregas possuem uma incrível interligação entre contexto, conteúdo, vestuário, expressões que nos remetem a natureza humana frágil, diante das contingências naturais e humanas da vida. A vaidade, a sedução, a manipulação, a indução, o poder e a dominação intra humana nos demonstram nossa fragilidade enquanto seres naturais, sociais e políticos. Todo conteúdo se dirige de forma singela. direta sóbrea e imediata a demonstrar nossas limitações diante dos fenômenos, dos contextos, das circunstâncias estereotipadas e reais. A representação de nossos personagens, heróis e fantasmas passeia diante de nossos olhos, reunindo o dionisíaco e apolíneo e nos mostrando a fraqueza da luta incessante de poder e de fama. A singeleza e sobriedade da arquitetura dos teatros gregos espelha tudo isso, muitas vezes uma simples encosta encaixa a plateia, numa geometria pura e absoluta, que manipula visibilidade e acústica com uma sabedoria nunca vista. A articulação dessa arte com a cidade, a rua, a quadra e a casa - o urbanismo e a arquitetura - é total, não apenas na tarefa cenográfica, mas nas suas analogias corporais e espaciais, que invariavelmente transformam essas tipologias em estado da alma.</div><div><br /></div><div style="text-align: right;"> <i>“ A forma aberta do teatro está ao mesmo tempo em relação com o espaço natural, lugar ideal do mito, e com a vida da sociedade ou da polis: não somente geometriza ou reduz à ordem racional(...), mas cria também o espaço ideal para a manifesta repetição do mito diante da comunidade reunida”</i> ARGAN (2003, página74)</div><div><br /></div><div>Enfim, a cultura grega testemunha a vinculação entre a democracia, a filosofia, o sagrado e a representação do drama humano com sua construção e materialização da sua territorialidade, espacialidade, urbanidade e habitação em formulações que demonstram como a manipulação de três elementos simples; a coluna, a arquitrave e o frontão se combinam a partir da harmonia, equilíbrio dinâmico, simetria, proporção, sombra e luz constituidores de um lugar. Além dos temas aqui mencionados a aula sobre a Grécia Antiga, ainda fez menção a habitação, e a arte de construir cidades, dois pontos que testemunham a sofisticação dessa sociedade notável.</div><div><br /></div><div style="text-align: left;"><b>BIBLIOGRAFIA:</b></div><div style="text-align: left;"><br /></div><div style="text-align: left;">ARGAN, Giulio Carlo - <b><u>A Arte Grega em História da Arte Italiana: da Antiguidade a Duccio volume 1</u></b> – Editora Cosac Naif São Paulo 2003</div><div style="text-align: left;"><br /></div><div style="text-align: left;"><span style="text-align: right;">VERNANT, Jean Pierre – <u style="font-weight: bold;">Os gregos inventaram tudo</u> - </span></div><div><br /></div>Pedro da Luzhttp://www.blogger.com/profile/07320690622387710961noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7230136955993736286.post-57737869907473637452022-01-30T00:11:00.000-03:002022-01-30T00:11:43.657-03:00As sociedades Pré colombianas, o exemplo do Império Inca na América do Sul<strike><strike><strike></strike></strike></strike><p><br /></p><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEj8Li0cWG-u1Fnqb38Dj2YKq56H1tLY8dZH_raRwrhE1qpLYcJD9zTa8HBB7pnN7xoXJ_APSVtLgG45hQrTUDKZa1FpjC5YDPEJXX-ZN1otAQ6knqbXRiJ24Cyb31J2ofSrag_iXfFA_zZoMnMtIECPIX211SInaIKr-gbdslwEJLSy77HD9Qw9DpZ89Q=s260" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="195" data-original-width="260" height="300" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEj8Li0cWG-u1Fnqb38Dj2YKq56H1tLY8dZH_raRwrhE1qpLYcJD9zTa8HBB7pnN7xoXJ_APSVtLgG45hQrTUDKZa1FpjC5YDPEJXX-ZN1otAQ6knqbXRiJ24Cyb31J2ofSrag_iXfFA_zZoMnMtIECPIX211SInaIKr-gbdslwEJLSy77HD9Qw9DpZ89Q=w400-h300" width="400" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">A capital do Império Inca, Cuzco e sua sobreposição de<br />Patrimônios; pré colombianos e espanhóis</td></tr></tbody></table><br />No âmbito da disciplina de História e Teoria da Arquitetura 1, na contextualização das civilizações da antiguidade pré clássica, uma outra sociedade também foi apresentada aos alunos fora do eixo euro-cêntrico, o Império Inca. Uma organização social com alto desenvolvimento tecnológico, que também se articula com um acontecimento que é uma dádiva do planeta, o Vale Sagrado do Urubamba no altiplano dos Andes, assim como as sociedades que se desenvolveram em torno dos rios Tibre, Eufrates e Nilo, no Oriente Próximo. Uma síntese referente a um tempo posterior ao período estudado pela disciplina, mais vinculado ao período da Reforma e da Contra Reforma do Maneirismo europeu, a inserção de uma cultura pré colombiana cumpre o papel de abrandamento da vertente euro cêntrica de nossa matriz arquitetônica e urbanística, buscando a multilateralidade do desenvolvimento cultural. O Império Inca, nos coloca diante de um relato histórico que problematiza a visão centrada numa unidirecionalidade evolutiva e hegemônica da cultura ocidental europeia, questionando e oferecendo a visão de uma diversidade de desenvolvimentos que reforça a ideia de reavaliação da linearidade evolutiva das sociedades humanas. A multipolaridade do desenvolvimento das civilizações humanas, que na verdade não podem ser avaliadas como mais capacitadas ou menos, simplesmente pela manipulação de tecnologias destrutivas, ou de guerra.<div><br /></div><div><div style="text-align: right;"><i>"Como sugeriu Hobsbawn, uma das peculiaridades das quais nasce o marxismo de Gramsci está exatamente no fato de ele haver vivido tanto a experiência de uma região extremamente atrasada, marginal e periférica, como a Sardenha, quanto a de uma grande cidade industrial capitalista como Turim." </i>DEL ROIO 2017 página 38</div><div style="text-align: right;"><span style="text-align: left;"><br /></span></div><div>Na verdade, a história e a teoria inferida a partir dela, não é um relato apenas sobre o passado, mas é uma reflexão sobre o nosso presente e o nosso futuro, enquanto identidade, tecnologias e compartilhamentos. Essa trans temporalidade tão presente nas ações de plano e projeto, a partir da lógica de gestão do território, seja na constituição do abrigo, da cidade, ou da região, precisa se debruçar sobre a história a partir dos novos olhares do presente e do futuro. Nosso presente impôs de forma determinante um novo paradigma da adequação entre atividade e produção humanas e os impactos sobre os humores do planeta Terra. Nesse sentido, relatos, narrativas, vestígios e conhecimentos esquecidos pela história estão abertos a apropriações variadas e ricas, capazes de mudar trajetórias e comportamentos. Uma questão central, em nossa contemporaneidade é que o silenciamento dos grupos subalternos ou derrotados pela colonização europeia invisibiliza identidades, tecnologias, conhecimentos, comportamentos e culturas, que devem ser reavaliados e problematizados frente ao novo paradigma. Longe da mistificação romântica ou dos alinhamentos automáticos, o que se pretende para a teoria do plano e do projeto é entender como a manipulação de recursos e dádivas naturais podem trazer o bem viver para o humano, buscando sempre a consciência, sem qualquer traço arrogante, que a sucessão de fatos nos ensina. É sempre bom lembrar, que o que se busca é uma nova forma de interação entre homem e natureza, uma sintonia fina entre ocupação e manipulação do território mais sensível e delicada do que aquela que hoje exercemos.</div><div><br /><div style="text-align: right;"><i>"Não fiquemos demasiado lisonjeados com nossas vitórias sobre a natureza. Esta se vinga de nós por toda vitória desse tipo. Cada vitória até leva, num primeiro momento, às consequências com que contávamos, mas, num segundo e num terceiros momentos, tem efeitos bem diferentes, imprevistos, que com demasiada frequência anulam as primeiras consequências. As pessoas que acabaram com as florestas na Mesopotâmia, na Grécia, na Ásia Menor e em outros lugares para obter terreno cultivável nem sonhavam que estavam lançando a base para a atual desertificação dessas terras, retirando delas, junto com as florestas, os locais de acúmulo e reserva de umidade [...] Os introdutores da batata inglesa na Europa não sabiam que, com o tubérculo farináceo estavam disseminando a escrofulose. E, assim, a cada passo somos lembrados de que não dominamos de modo nenhum a natureza como um conquistador domina um povo estrangeiro, ou seja, de alguém que se encontra fora da natureza - mas fazemos parte e estamos dentro dela com carne sangue e cérebro e todo o nosso domínio sobre ela consiste em que, distinguindo-nos de todas as outras criaturas, somos capazes de reconhecer suas leis e aplicá-las corretamente."</i> (ENGELS, A Dialética da Natureza contracapa Boitempo</div></div><p style="text-align: left;">Enfim, a sucessão factual da série histórica não nos autoriza a novas arrogâncias e certezas desmedidas, mas demanda um outro pensar, agir e atuar, que não condene ou celebre de forma mecânica e automática os impasses e opções por que passamos, mas nos cobra a conformação de formas de monitoramento e medição constantes que pautem de forma continuada nossa ocupação. O fato, é que a sociedade Inca com um domínio mais apurado de técnicas agrícolas e colheitas muito mais generosas será derrotada pelo Império Espanhol, no massacre da Batalha de Cajamarca, em 16 de novembro de 1532 mostrando-nos que, na verdade, o domínio de artefatos de destruição e guerra (o mosquete e o canhão) determinaram a sua derrota. Apesar da inferioridade numérica da Espanha, pois segundo relatos eram 168 espanhóis, 62 cavalos, vários mosquetes e um canhão, contra 30 mil soldados incas acampados em Pultumarca, nas proximidades da cidade inca de Cajamarca, na região da cordilheira andina (2.720 metros de altitude), no norte do atual Perú, próximo a fronteira do atual Equador. Francisco Pizarro era o espanhol que recebeu a nomeação do rei de Espanha como governador e capitão geral para promover a conquista do Vice Reinado do Perú era então o comandante das tropas espanholas. As armaduras, capacetes e espadas metálicas, os cavalos, os mosquetes e o canhão, artefatos e técnicas de longo desenvolvimento foram confrontados com boleadeiras, arcos e flechas, armaduras de lã de alpaca e ornamentos de ouro e prata. Na verdade, além das fragilidades de suas tecnologias bélicas, havia uma guerra civil em curso no Império Inca entre dois pretendentes ao trono; Atahualpa e Huáscar, filhos do imperador, que reinvindicavam a coroa para si, e que, fragilizaram a resistência a conquista espanhola. Esse silenciamento, ou a supressão das culturas, comportamentos e hábitos dos incas impacta nossa compreensão daquilo que consideramos o patrimônio a ser preservado e referenciado, determinando a unidirecionalidade emburrecedora da colonização. A proteção, preservação e a reavaliação da forma como gerimos a ocupação do território conforma a memória que temos de nós mesmos, sendo importante para nossa identidade.</p><p style="text-align: right;"><i>"O que protegemos ontem é o que temos hoje. O que protegemos hoje é o que teremos amanhã."</i> reflexão apresentada na aula da arqueóloga e professora Mariana Peltry Cabral sobre a elegibilidade do nosso patrimônio a ser preservado, contrapondo as imagens da Igreja setecentista na Serra da Piedade no município de Caeté MG e o sítio arqueológico de Calçoene, de população pré colombina no Brasil, no estado do Amapá. PELTRY 2021</p><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEhtNmJsFUgprjk9ylLA2KcIV_ir0gRRkX1uUo6prltPSXa2G8NQN4gKbShY5U5rzOfO-4w3PJuej9AJDkmf-CDXZsFwKELtHdBrMoqEw1eoQcdlxXK3YCpD2IzzNA3zJF69wIeD0vTDoQ13Bvh9KBFFXW0KbVYbc8W6hw7ZlE66pXQ9ivUV46u0oUghsA=s261" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="261" data-original-width="220" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEhtNmJsFUgprjk9ylLA2KcIV_ir0gRRkX1uUo6prltPSXa2G8NQN4gKbShY5U5rzOfO-4w3PJuej9AJDkmf-CDXZsFwKELtHdBrMoqEw1eoQcdlxXK3YCpD2IzzNA3zJF69wIeD0vTDoQ13Bvh9KBFFXW0KbVYbc8W6hw7ZlE66pXQ9ivUV46u0oUghsA=w337-h400" width="337" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">A redenção de Cam (1897) do pintor Modesto<br />Brocco representa o desejo do Embranquecimento<br />da população do Brasil</td></tr></tbody></table><p style="text-align: left;">O que a professora Mariana Peltry Cabral nos mostra é que a valoração daquilo que elegemos para ser preservado é de suma importância para a promoção da diversidade dos nossos modus vivendi, dos relatos e narrativas que nos conformam. Em nossa história há uma sucessão interminável de fatos e acontecimentos que foram arbitrariamente apagados, e, que contam formas diferenciadas de apropriação do território. O Quilombo de Palmares, na serra da Barriga, no estado de Alagoas, que representa uma outra forma de gerir um território, e que, é suprimido em 20 de novembro de 1695 com a morte de Zumbi, o que isso representa como Patrimônio para a História do Brasil. O sítio de Bom Jesus de Canudos, no sertão da Bahia, que abrigou a revolta de Antônio Conselheiro, que envolvia 5 mil domicílios e 20 mil pessoas, e que, também foi suprimido pela forças do Estado brasileiro em 1897, na nossa primeira república. Ou, a própria história da escravidão negra no Brasil, que é até hoje apagada e suprimida por nossos representantes conservadores, que desejam embranquecer nossa cultura, nossos hábitos e nossos procedimentos. Todos nos mostram, que a história verdadeira integral, como destacou Antonio Gramsci no Caderno 25 do Cárcere, aquele dedicado ao estudo dos grupos subalternos, no qual está escrito; “...todo traço de iniciativa autônoma por parte dos grupos subalternos deve ser de valor inestimável para o historiador integral.” GRAMSCI 1934 Q25. E, mais a tentativa de caracterizar o outro, o desconhecido, o dominado como bárbaro, que foi tentado de forma recorrente pela historiografia oficial deve ser questionado:</p><p style="text-align: right;"><i>“...Este era o costume cultural do tempo: em vez de estudar as origens de um acontecimento coletivo, e as razões de sua difusão, de seu ser coletivo, isolavam o protagonista e se limitavam a fazer sua biografia patológica, muito frequentemente partindo de motivos não comprovados ou passíveis de interpretação diferente: para uma elite social, os elementos dos grupos subalternos têm sempre algo bárbaro ou patológico”</i> GRAMSCI 1934 Q25</p><div><div><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEjAdM4uECTSjqGf-gGAo5DCKymLatkI0cZNYjGCh50-4gK7HLt1eCcf12WcVWb5KXUNR2X33pPZNb9u0hVJZSnc45Y8vdo6a0edONJAmVOte259CUCSekpusDIQRReKpzsnquGZRRLAS4-rcgYuHwH5sJUMt0GvzpOMvljlPKsMJSOjGYDFy9-_KPLERA=s220" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="149" data-original-width="220" height="271" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEjAdM4uECTSjqGf-gGAo5DCKymLatkI0cZNYjGCh50-4gK7HLt1eCcf12WcVWb5KXUNR2X33pPZNb9u0hVJZSnc45Y8vdo6a0edONJAmVOte259CUCSekpusDIQRReKpzsnquGZRRLAS4-rcgYuHwH5sJUMt0GvzpOMvljlPKsMJSOjGYDFy9-_KPLERA=w400-h271" width="400" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">A cantaria Inca de pedra é até hoje um mistério de precisão <br />e apuro construtivo</td></tr></tbody></table><br />Mas muito longe de qualquer idealização, a estrutura hierárquica da civilização inca não era exemplo no que concerne a dominação de outros povos; o termo Inca significa "governante" ou "senhor", que em quechua era usado para se referir à classe dominante ou à família governante. Os incas em si compunham uma porcentagem muito pequena da população total do império, provavelmente numerando apenas 15 mil a 40 mil indivíduos, mas governando uma população de cerca de 10 milhões de pessoas. A federação desses povos diferenciados e plurais desenvolveram tecnologias de medir o tempo notáveis, muito mais precisas do que as europeias, o que lhes garantia uma manipulação muito mais precisa dos procedimentos de seleção de sementes, plantio, desenvolvimento e colheita, garantindo os excedentes alimentares. Os calendários incas estavam ligados à astronomia e a observação dos astros como constelações, o sol e a lua. Os astrônomos incas entendiam os equinócios, os solstícios e as passagens do zênite, assim como o ciclo de Vênus, a estrela mais brilhante em nossos céus. Eles não previam eclipses, e certamente es espantavam e se maravilhavam com esses acontecimentos. O calendário inca era essencialmente lunissolar, pois dois calendários eram mantidos em paralelo, um solar e outro lunar. Com 12 meses lunares ficam 11 dias aquém de um ano solar completo de 365 dias, sendo que os responsáveis pelo calendário tinham que ajustá-lo a cada solstício de inverno. Cada mês lunar era marcado com festivais e rituais, tais procedimentos ainda representam mistérios para a nossa sociedade contemporânea, havendo hipóteses de que tais calendários - lunares e solares combinados - acabavam por representar maior sintonia com os ciclos do milho, da batata, da quínua, ou das suas criações, Lhamas e Alpacas. Aparentemente, os dias da semana não eram nomeados e os dias não eram agrupados em semanas. Da mesma forma, os meses não eram agrupados em estações. O tempo durante o dia não era medido em horas ou minutos, mas em termos de distância percorrida pelo Sol ou de quanto tempo levava para uma tarefa de plantio e de pastoreio.</div></div><div><br /></div><div><div style="text-align: right;"><i>"Eis por que a categoria de "subalterno" foi retomada e relançada, e encontrou sucesso crescente a partir dos países da "periferia" capitalista, nos quais a contradição capital/trabalho se enriquece e se complica por meio de muitas determinações, mesmo distantes daquela da subordinação salarial."</i> DEL ROIO 2017 página 39</div><p></p></div><div><br /></div><div><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEjkfVbBRX6lws9-op14QcONlnuFwreyFYtvg0dSbBX4k23y1naYACF0ObPhSUky3u9hlG-IQ37rtKCL3TAIoXKuy33bIsPOPSyEyTJbap7RJeEB_r95icjx8bIxEWcjGUB-p2XcTBF5H0a5cjFwAoCMSIVi48HjXi3EKlFoky74xYO0SYQMcbBBaEpYLA=s392" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="392" data-original-width="260" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEjkfVbBRX6lws9-op14QcONlnuFwreyFYtvg0dSbBX4k23y1naYACF0ObPhSUky3u9hlG-IQ37rtKCL3TAIoXKuy33bIsPOPSyEyTJbap7RJeEB_r95icjx8bIxEWcjGUB-p2XcTBF5H0a5cjFwAoCMSIVi48HjXi3EKlFoky74xYO0SYQMcbBBaEpYLA=w265-h400" width="265" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Aspecto Geral de uma rua de Cuzco, <br />a arquitetura colonial ibérica sobre a <br />base da cantaria Inca</td></tr></tbody></table><br />Os incas fizeram muitas descobertas na medicina, eles realizavam trepanações bem-sucedidas, cortando orifícios no crânio para aliviar o acúmulo de fluido e a inflamação causada por ferimentos na cabeça. As taxas de sobrevivência eram de 80-90%, em comparação com cerca de 30% antes dos tempos incas. Os incas reverenciavam a planta da coca como sagrada e mágica, pois o mascar de suas folhas eram usadas em quantidades moderadas para diminuir a fome e a dor durante o trabalho, sendo também muito usadas principalmente para fins religiosos, nos festivais do solstício e em ritos de saúde. Possuíam também um complexo sistema de contabilidade ligado ao controle da produção de bens Agrários e Pastoris, que era o Quipu Inca, uma espécie de ábaco, feito a partir de uma sucessão de noz em fios de tecido. A tecelagem e a confecção de roupas a partir da lã de Alpaca e Lhama eram muito desenvolvidas, e até hoje ainda movimentam teares e apetrechos compartilhados pelas populações quechua e aymara no Equador, Perú e Bolívia. A alvenaria de pedra das cidades incas encontradas pelos espanhóis e ainda hoje presentes em cidades como Cuzco, Olantaitambo ou Machu Pichu representam um mistério com relação a forma do corte e seu acabamento final. Muitas pedras apresentam várias arestas, assentadas sem argamassa onde não é possível se quer se inserir uma lâmina fina de faca moderna. Há teorias que apontam para a maior adequação desses procedimentos construtivos às instabilidades geológicas dos Andes, inclusive o terremoto de 1986, na cidade de Cuzco revelou que o Convento dos Franciscanos estava sobre o Antigo Templo de Coricancha em homenagem ao Sol, e que, abriu um amplo campo de explorações arqueológicas na antiga capital Inca. Uma das imagens mais marcante das cidades do Vale Sagrado, na região de Cuzco, que receberam edificações ibéricas é justamente esta sobreposição de processos construtivos. Uma expressão particular e única do maneirismo ibérico, que combina uma interação, dominação e sobreposição mostrando-nos que no campo da cultura a fusão visual dos elementos é recorrente. Ao final, uma síntese única e particular, que numa analogia por exemplo, com uma escola de pintura, a Cuzquenha, que ocorre ao mesmo tempo e lugar, mostrando-nos que o hibridismo prevaleceu. A combinação de um lirismo com uma religiosidade exagerada e excludente acaba nos demonstrando um traço único de uma América Latina dramática, que aparece eternamente envolta num sonho utópico, que nos traga de novo a ingenuidade dos povos primitivos.</div><div><br /></div><div>Os alunos são apresentados a obras e esforços construtivos notáveis, como; a síntese da Cidade de Cusco, o umbigo do mundo, a fortaleza de Sacsuahaman, as ruínas de Pessac, a cidade de Olantaytambo e seus mistérios cósmicos e a interação entre sítio arqueológico e vida contemporânea, culminando em Machu Pichu, um lugar que nos arrebata, mostrando-nos uma síntese geográfica inusitada de onde parece emergir uma conexão cósmica entre humanidade e planeta. O Vale Sagrado, região do hinterland da capital Inca de Cuzco, parece nos mostrar uma estruturação única e sensível de um lugar humano. As lições da cultura inca e de outros traços abandonados pela exclusidade medrosa do catolicismo espanhol e português, parecem ainda nos mostrar que a interação entre técnicas e comportamentos ainda está para se realizar. Tudo isso, nos mostra de forma contraditória, as imensas potências presentes na estruturação do <i>"Genius Locci"</i>, categoria da fenomenologia do arquiteto Christian Norberg Schulz, presente em cada local de forma isolada e também no seu conjunto. No século XX, um arquiteto dos EUA, de família imigrante de origem na Rússia, Loui I. Khan, nos perguntou que; "precisamos parar para ouvir, aquilo que o lugar quer ser". Essa condição aparece de forma indelével, naqueles que visitam esses lugares - Cuzco, Sacsuhuaman, Pessac. Ollantaytambo e Machu Pichu - nos mostram ainda de forma velada e subliminar como essa condição pode ser alcançada pela cultura humana.</div><div><br /></div><div><b>BIBLIOGRAFIA:</b></div><div><br /></div><div>CABRAL, Mariana Peltry - <b><u>Aula Como valorizamos nosso patrimônio?</u></b> - História e Teoria da Arquitetura 1 2021-1 EAU-UFF</div><div>DEL ROIO, Marcos (org.) - <b><u>Periferia e Subalternidade</u></b> - USP São Paulo 2017</div><div>ENGELS, Friedrich - <b><u>A Dialética da Natureza</u></b> - Boitempo São Paulo 2018</div><div>GRAMSCI, Antônio, tradução - <b><u>Cadernos do Cárcere, volume 25</u></b> - </div><div><br /></div><div><br /></div></div>Pedro da Luzhttp://www.blogger.com/profile/07320690622387710961noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7230136955993736286.post-72203495524167106522022-01-28T10:20:00.000-03:002022-01-28T10:20:05.817-03:00A disciplina História e Teoria da Arquitetura 1 e a Antiguidade Pré Clássica Euro cêntrica<strike></strike><p><br /></p><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEiHy04Qvc_nf8H-RqodUHgDYLgOLSNmQ_FRXrCWlKyASbRPxZXIvDfEkl5cwYFXZt3ZDII1VpfXsht3ktZ84aLrxomAH10qp3JfHb9Em3uWRW3X7H_RZXX4d_jSHdrHTJWcZwKGzqF60xi0YUhjwORjyfaHEcvypM6lj3bLsPwa_siRiWkQ40oI6dwBFQ" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img alt="" data-original-height="753" data-original-width="1225" height="246" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEiHy04Qvc_nf8H-RqodUHgDYLgOLSNmQ_FRXrCWlKyASbRPxZXIvDfEkl5cwYFXZt3ZDII1VpfXsht3ktZ84aLrxomAH10qp3JfHb9Em3uWRW3X7H_RZXX4d_jSHdrHTJWcZwKGzqF60xi0YUhjwORjyfaHEcvypM6lj3bLsPwa_siRiWkQ40oI6dwBFQ=w400-h246" width="400" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">A região do crescente fértil, o entorno das dádivas pluviais<br />do Tigre, Eufrates e Nilo</td></tr></tbody></table><br />Dentro do programa da disciplina História e Teoria da Arquitetura 1, o período da antiguidade pré clássica, antes da Grécia e de Roma, que envolve as civilizações do chamado crescente fértil. a Mesopotâmia e o Antigo Egito, são fundamentais para estabelecer os diversos padrões de ocupação do território do planeta pelo homem. A presença da generosidade do acontecimento dos cursos fluviais, como; o Tigre, o Eufrates e o Nilo são determinantes para o desenvolvimento de tecnologias de semeadura, desenvolvimento e colheita de alimentos, que permitiram a essas sociedades acumularem excedentes jamais observados de alimentos. A interação entre homem e natureza se manifesta a partir da observação dos ritmos dos corpos hídricos, dos níveis de insolação e da manipulação de sementes ou de espécies animais domesticadas agregadas como novos conhecimentos humanos, que impulsionam a obtenção de farta alimentação. A presença de abundância de água, altos índices de insolação e a manipulação humana diversificada de tecnologias de medição do tempo garantem uma produtividade inusitada, mostrando e fixando os tempos mais adequados de semear, desenvolver e colher, na agricultura, ou de pastorear, reproduzir e ordenhar na domesticação animal. Tecnologias de armazenamento, comércio e intercâmbio se estabelecem, determinando graus elevados de acessibilidade a confortos e comodidades, que acabam transmitindo a falsa impressão de distanciamento do homem para com o natural. O acúmulo de excedentes alimentares permite a essas sociedades o desenvolvimento de uma complexa divisão social do trabalho, impulsionando a sofisticação da vida e fazendo surgir; sacerdotes, escribas, arquitetos, poetas, músicos, etc. O registro escrito permite a contabilidade precisa das safras de grãos, das quantidades de proteína animal obtidas, da documentação do cotidiano imediato, essas sociedades desenvolvem uma iconografia particular que as identifica, impulsionando a sensação de pertencimento aos seus membros. Acaba por emergir uma forte identidade visual, que caracteriza essas sociedades com manifestações únicas de sensibilidade, que se expressam na forma das colunas de sustentação, das esculturas, da música, dos grafismo pictóricos.<p></p><p style="text-align: right;"><i>“O trabalho é, antes de tudo, um processo entre o homem e a natureza, processo este em que o homem, por sua própria ação, medeia, regula e controla seu metabolismo com a natureza. Ele se confronta com a matéria natural como com uma potência natural [Naturmacht]. A fim de se apropriar da matéria natural de uma forma útil para sua própria vida, ele põe em movimento as forças naturais pertencentes a sua corporeidade: seus braços e pernas, cabeça e mãos... Agindo sobre a natureza externa e modificando-a por meio desse movimento, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza. Ele desenvolve as potências que nela jazem latentes e submete o jogo de suas forças a seu próprio domínio.”</i>. (MARX, 201 página 326-327)</p><p style="text-align: left;">Uma outra questão também foi apresentada para os alunos, de forma a ampliar a compreensão do papel das cidades na ordenação das sociedades humanas, a Revolução Urbana, que ocorreu na história humana como um grande alavancador do intercâmbio social. As cidades superam a escala das Fátrias, lançando os humanos num intercâmbio muito além de seus clãs, determinando uma interação pessoal de culturas, costumes e crenças muito diferenciadas. Cada clã, família ou fátria muitas vezes dominava processos tecnológicos específicos, que a partir da sua intensa interação social propiciada pela cidade trará um grande impulso ao desenvolvimento humano. As cidades ampliam as transformações humanas sobre o território, criando além dos abrigos uma diversidade de tipologias construtivas, tais como; templos, locais de reunião, armazéns, muralhas, ruas, praças, poços e fontes. Há uma ampliação da artificialização da vida, pela arquitetura e o urbanismo, que passam a subverter os ciclos naturais do nosso planeta, construindo uma existência que tende a superar os condicionantes naturais; diferenciação entre dia e noite, amenização dos calores e frios intensos, proteção da chuva e das intempéries.</p><p style="text-align: right;"><i>“Cada sociedade, a partir de um certo nível evolutivo, tem que possuir sua própria arquitetura. Uma sociedade sem pintura ou sem tragédia é perfeitamente imaginável, e até existiu diversas vezes; mas não uma sem edifícios.”</i> LUKÁCS, Gregory</p><p style="text-align: left;">Essas condições não são alcançadas sem conflitos, dominações e controles, a mera coleta ou extrativismo só foi superada na medida em que se estabelece um centro que gerencia a produção em armazéns e construções que se apropriam do acúmulo de excedentes. Se estabelece um controle que é político, que forjou conquistadores hábeis, habitantes da cidade, que protegiam e se apropriavam dos excedentes determinando que o núcleo urbano se apoderasse de domínios cultivados. Nasce a representação do poder, a cidade, um local produtor de mercadorias não naturais, transformadas pelo artezanato humano, que domina um entorno fornecendo-lhe proteção e identidade. Nasce a regulação, proteção e gestão do território por um ente edificado denso, no qual florescem o controle, a taxação de impostos, o armazenamento da produção, surge embrionário a estrutura controladora e burocrática do Estado. A Cidade-Estado, a representação do poder expresso numa iconografia funcional e simbólica, onde estão a muralha, o palácio, o templo, os armazéns, que também produz a construção de uma identidade da população que passa a ser seu cidadão. A divisão social do trabalho entre moradores urbanos e produtores agrícolas permanecerá na história humana durante longo período, com clara predominância da população rural, até a Revolução Industrial. Apenas nesse ponto mais recente de nossa história, meados do século XIX, que a população urbana encontra as primeiras condições de superar a população rural, iniciando uma grande transformação que só se materializará no final do século XX, quando, pela primeira vez a população urbana superou a rural.</p><p style="text-align: right;"><i>“A agricultura somente superou a coleta e se constituiu como tal sob impulso (autoritário) de centros urbanos, geralmente ocupados por conquistadores hábeis, que se tornaram protetores, exploradores e opressores, isto é, administradores, fundadores de um Estado. A cidade política acompanha, ou segue de perto, o estabelecimento de uma vida social organizada, da agricultura, e da aldeia. “</i> LEFEBVRE, 2004 página 21</p><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEiI5XrHlo5vREmXfoN-LkVBEz0InCnAVaoiJx_bc6LBI9_T2nip3vrdoMBfBrgWp965HJvTBH-3Ep8My2tqtOMz_2JpK-7QCHUB7ZITLJq-DAmZX-NyrlXtw-jzJebrm8NYIHNJL33NoU7KCF-3IWWhPUGFQvt0nSkp_ZsK92q9xRqb48E8qRYenRc1cg" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img alt="" data-original-height="228" data-original-width="930" height="98" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEiI5XrHlo5vREmXfoN-LkVBEz0InCnAVaoiJx_bc6LBI9_T2nip3vrdoMBfBrgWp965HJvTBH-3Ep8My2tqtOMz_2JpK-7QCHUB7ZITLJq-DAmZX-NyrlXtw-jzJebrm8NYIHNJL33NoU7KCF-3IWWhPUGFQvt0nSkp_ZsK92q9xRqb48E8qRYenRc1cg=w400-h98" width="400" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Gráfico presente em LEFEBVRE, referente a passagem<br />do agrário ao urbano</td></tr></tbody></table><p style="text-align: left;">O gráfico presente no livro <b><u>A revolução urbana</u></b> de Henri Lefebvre nos mostra a tendência das sociedades ocidentais em direção a completa subordinação do agrário ao urbano, que representa uma Implosão-Explosão, onde o rural se urbaniza, e a cidade se dispersa pelo mundo. Condição típica da nossa contemporaneidade, quando segundo Lefebvre opera uma grande confusão, <i>"na qual passado e o possível, o melhor e o pior se mistiram."</i> LEFEBVRE 2004 página27 A realidade urbana opera no sentido de revolucionar de forma contínua as formas de produção, sem, no entanto ser suficiente para transformá-las completamente. O que é importante, no contexto da disciplina de História e Teoria da Arquitetura 1, para os alunos é que o urbano mesmo em seu estágio embrionário insere a festa da interação entre diferenças, marcando para o início da história a promessa da sua transformação. A arquitetura e urbanismo comprovam o intercâmbio de tecnologias construtivas que se constituem como um Bem Comum, algo que não pode ser cercado e privatizado, apesar de uma minoria privilegiada que quer manter estes saberes como sua propriedade. Além das tecnologias, há a questão da apropriação das imagens, que essas construções monumentais geram na população; uma identidade locacional que acaba por promover a identificação de um lugar único no cosmo geral e indiferenciado do planeta, uma humanização da paisagem, que gera identidade entre população e lugar.</p><p style="text-align: right;"><i>“O que nos interessa em nosso contexto é que as emoções desencadeadas agora já não se enlaçam só com o fato geral e objetivo da segurança, mas que são produto imediato do modo aparencial visual da muralha (altura, massa, etc.).”</i> (LUKÁCS, 1982, v. 4, p. 95) </p><div><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEhWUaE62iOdyeMBsSQQp_6kClVmk_1VPuLyFE3b30GLQWf5eZ1UMaU7aKEUWJiqIfQNaulQUTmgxoaMX4uynWUEgDHyDknNShkc8INOM8MxzIKYiCJNBNmzCFfzgz2G27I-BBENSzCbz71AvtRs51JV08dsk-PanxtgFsByHkOOmC_YUlKXKJA2QVK4pw=s861" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="646" data-original-width="861" height="300" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEhWUaE62iOdyeMBsSQQp_6kClVmk_1VPuLyFE3b30GLQWf5eZ1UMaU7aKEUWJiqIfQNaulQUTmgxoaMX4uynWUEgDHyDknNShkc8INOM8MxzIKYiCJNBNmzCFfzgz2G27I-BBENSzCbz71AvtRs51JV08dsk-PanxtgFsByHkOOmC_YUlKXKJA2QVK4pw=w400-h300" width="400" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"></td><td class="tr-caption"><b>TEMPLO DE LUXOR:</b> A) Avenida das Esfinges; <br />B) Pilone de Ramsés II; C) Obeliscos de Ramsés II; D) Colossos; <br />E) Pátio de Ramsés II; F) Colunata de Amenófis III; <br />G) Pátio de Amenófis III; H) Sala do Nascimento; <br />I) Santuário de Alexandre Magno; J) Sala Hipóstila; <br />K) Vestíbulo; L) Câmara (sancta sanctorum)<br />Médio Imperio - Tebas<br /><br /></td></tr></tbody></table><br />A partir dessas reflexões de base se apresentam as construções que chegaram ao nosso conhecimento destas civilizações; o Templo Alto de Uruk, o Zigurate de Ur, O Zigurate e a Muralha de Nama, a cidade de Khorsabad. Todas sítios arqueológicos atuais da Mesopotâmia (atual Iraque e Irã) mostrando-nos a permanência parcial da monumentalidade e a completa incapacidade de resistir ao tempo das habitações comuns. Na sequência se mostram as grandes obras do Antigo Egito dentro de uma cronologia geral; o período Arcaico, o Antigo Império (3.200 a 2.200 a.C.), Médio Império (2.200 a 1580 a. C.) e Novo Império (1.580 a 1.085 a. C.). Nessa subdivisão histórica geral se destaca a predominância no Antigo Império da cidade de Mênfis na fox do Nilo com o Mar Mediterrâneo, e a partir do Médio Império a predominância da cidade Tebas no médio Nilo. Foram também mostradas as principais realizações construtiva do Império Egípcio, as antigas mastabas, a pirâmide escalonada de Djoser, as pirâmides de Queóps, Quéfren e Miquerino no Antigo Império, nas proximidades de Mênfis. E, os templos de Luxor e Carnac nas proximidades da cidade de Tebas, e o Templo de Abu Simel no médio Império. Este último próximo a atual barragem de Assuan, na atual da fronteira do Egito com o Sudão, obra de infraestrutura do Estado Egípcio contemporâneo, que foi traslado para uma cota mais alta, para se evitar seu alagamento pelo Lago Nasser. Importante salientar, que estes exemplos estabelecem um padrão específico da arquitetura e da cidade, frente a outras artes, uma certa presença da abstração e distanciamento da imitação ou mímesis da natureza, das artes pictóricas. O ambiente humano, para sua convivência desenvolve-se numa imagética presa a sua necessidade de ficar em pé, ou de se auto sustentar, mostrando-nos que os esforços construtivos se subordinam a tectônica.</div><div><br /></div><div><div style="text-align: right;"><i>“Não é da imitação que dependem a beleza e a graça da arquitetura, porque se assim fosse ela deveria ter mais beleza quanto mais exatas fossem estas imitações. As colunas não recebem a aprovação do gosto quanto mais se parecem ao tronco de uma árvore que servia de coluna às primeiras cabanas”</i> <span style="text-align: left;">PERRAULT, Claude - Ordonnance des Cinq Espèces des Collones</span></div></div><div><br /></div><div><br />Por último, foi destacado para os alunos o papel da mulher na sociedade egípcia, que segundo os historiadores foi exercido de forma afirmativa e tinha praticamente os mesmos direitos dos homens, o que não ocorria em outras civilizações da antiguidade. Segundo estes historiadores, elas chegaram a postos, posições e papéis, que só foram alcançados pelas mulheres novamente na nossa sociedade contemporânea. Apenas como exemplo, o casamento no antigo Egito era considerado importante para as mulheres. As garotas egípcias costumavam se casar na faixa dos 12 anos, enquanto os garotos tinham entre 15 e 19. Elas também podiam se divorciar, caso sofressem algum tipo de maltrato, por exemplo. Nesse caso recorriam aos seus familiares e pediam ajuda para intervir no casamento. O divórcio era algo simples e não necessitava de muito tempo para a sua obtenção. Entre os principais motivos de divórcios estavam os maus-tratos, o adultério e a infertilidade. Esta condição coloca para a nossa contemporaneidade uma interessante questão, que desnaturaliza a diferença entre os sexos e a coloca na condição de uma ordenação societária imposta pela produção humana de subalternidades. O determinismo biológico é problematizado de forma crítica, mostrando-nos de que a produção da relação hierárquica entre os gêneros é uma determinação da ordenação social. A questão foi abordada pelo conjunto de textos disponibilizados para os alunos, dentre os quais destaco o de Maria Mies, <u style="font-weight: bold;">Origens sociais da divisão sexual do trabalho; a busca pelas origens sob uma perspectiva feminista</u>. Texto que questiona fortemente as determinações "naturais", biológicas ou anatômicas na gestação e origem das sociedades patriarcais.</div><div><br /></div><div><div style="text-align: right;"><i>"Quando as mulheres começaram a se questionar sobre as origens da relação hierárquica entre os gêneros, elas constataram rapidamente que nenhuma das antigas explicações apresentadas pela ciência era suficiente. Pois todas as explicações veem a assimetria social e a hierarquia entre os gêneros como algo, em última análise, biologicamente determinado – e isso significa estar fora do</i></div><i><div style="text-align: right;"><i>alcance de processos de transformação social. Esse determinismo biológico velado ou explícito – resumido na declaração de Freud de que anatomia é destino – é provavelmente o maior obstáculo no caminho do conhecimento das causas para a divisão desigual do trabalho entre homens e mulheres."</i> MIES 2002 página840</div></i></div><div><br /></div><div>Enfim, se debruçar sobre os resultados arquitetônicos e urbanos destas sociedades antigas traz-nos a uma reflexão importante sobre o nosso presente, nos fazendo pensar sobre os engendramentos que condicionam o nosso futuro. Uma transtemporalidade típica do planejar e projetar, tão presente nas ações de arquitetos e urbanistas, que olha para a tradição, tira dela lições, problematiza nossa atual existência, e projeta novos arranjos espaciais capazes de abrigar uma outra sociedade. Ao final, porque não podemos imaginar um outro futuro? Porque não podemos pensar na ordenação espacial de uma sociedade, onde os gêneros colaboram em solidariedade, e não mais em disputa?</div><div><br /></div><div><b>BIBLIOGRAFIA:</b></div><div><br /></div><div>LEFEBVRE, Henri - <b><u>A Revolução Urbana</u></b> - UFMG Belo Horizonte 2004</div><div>LUKÁCS, Gregöry - <b><u>Marx e Engels como historiadores da literatura</u></b> - Editôra Boitempo São Paulo 2016</div><div>MARX, Karl - <b><u>O Capital, crítica da economia política</u></b> - Boitempo São Paulo 2013</div><div>MIES, Maria - <u style="font-weight: bold;">Origens sociais da divisão sexual do trabalho; a busca pelas origens sob uma perspectiva feminista</u> - Revista Direito e Práxis UERJ Rio de Janeiro 2002</div><div>PERRAULT, Claude - <b><u>Ordonnance des Cinq Espèces des Collones</u></b></div><div><div><br /></div></div><div style="text-align: right;"><br /></div>Pedro da Luzhttp://www.blogger.com/profile/07320690622387710961noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7230136955993736286.post-37509584841818002372021-12-30T12:41:00.000-03:002021-12-30T12:41:34.823-03:00A divisão social do trabalho na antiguidade pré-clássica<strike><blockquote></blockquote></strike><p></p><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgui21vmApeqDpyBzwD5njch2wWKCyqNtOvhygQ5zcQheEiz_A0YrVXy_KNAop8lturdGpOlWMTnqluSxe2ixDR8EVcjmkLmVov0SRrMQR9hDmtBT6UfPZcMaA4kZTZ1opZZjaGRPmNELjYQ-as0X3l2fhHcydToJR8prfBu5vs3xblwomlQJNTecTqqA=s549" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="549" data-original-width="445" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgui21vmApeqDpyBzwD5njch2wWKCyqNtOvhygQ5zcQheEiz_A0YrVXy_KNAop8lturdGpOlWMTnqluSxe2ixDR8EVcjmkLmVov0SRrMQR9hDmtBT6UfPZcMaA4kZTZ1opZZjaGRPmNELjYQ-as0X3l2fhHcydToJR8prfBu5vs3xblwomlQJNTecTqqA=s320" width="259" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">O crescente fértil, dádiva dos cursos dos <br />rios Tigre, Eufrates e Nilo</td></tr></tbody></table><br />Dentro do contexto da disciplina da Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (EAU-UFF) de História e Teoria da Arquitetura 1 houve um profícuo debate a respeito da instituição da divisão social do trabalho nas sociedades da antiguidade pré clássica. A região que assistirá a emergência das primeiras sociedades humanas complexas e diversificadas está localizada numa região denominada o "Crescente Fértil", limitada pelos fluxos de três importantes rios; o Tigre, o Eufrates e o Nilo, importantes planícies fluviais com grande incidência solar. O Tigre e o Eufrates naquilo que hoje é o Irã, e que, na antiguidade se constituiu enquanto as civilizações Suméria e Mesopotâmia. Enquanto, o Nilo, naquilo que hoje é o Egito contemporâneo, e na época se constitui como o Antigo Império do Egito, uma das civilizações mais sofisticadas da antiguidade pré clássica. A observação do tempo, a repetição de um certo padrão cíclíco num ano, articulado com as vazões desses rios determinaram tecnologias de seleção de sementes, tempo do plantio, tempo da colheita, desenvolvimento das criações, num ambiente generosamente fornecido pelo nosso planeta. O "Crescente Fértil" permitiu às sociedades humanas agrícolas acumularem imensos contingentes de super produção de alimentos, desembocando em sociedades sofisticadas, aonde a divisão social do trabalho gera o aparecimento de profissionais tais como: escribas, sacerdotes, arquitetos, agricultores, pastores, imperadores, faraós, etc... O aparecimento da nova classe de artesãos: resolvidas as questões mais elementares do cotidiano (produção de alimentos), uma parcela da população se torna apta a se dedicar ao artesanato e a atividades contemplativas e críticas. A invenção da escrita é fundamental no controle das safras e na documentação das tecnologias, na sua difusão, seu registro para as futuras gerações se tornam mais sistemáticos e o seu questionamento se aprimora continuamente. A cidade, uma concentração de indivíduos de diferentes procedências, crenças, tecnologias, localizações e costumes determina a intensificação do intercâmbio humano, garantindo à espécie avanços significativos. A cidade é um acontecimento que arranca a espécie humana de suas tradições familiares e do clã possibilitando a observação de diferentes tradições e culturas que se aproximam e intercambiam.<p></p><p style="text-align: right;"><i>“...é muito provável que os homens viveram, no início, isolados e ao ver que, mais tarde, tinha vantagens ao contar com a ajuda de outros homens para obter aquelas coisas que poderiam fazê-lo feliz (se é que se pode falar de alguma felicidade aqui em baixo), ele (o homem) chegou de modo natural a desejar e amar a companhia de outros homens. E assim, os grupos de casas se converteram em aldeias e os grupos de aldeias em cidades”</i> PALADIO, 1965</p><div>O processo de ampliação e radicalização da divisão social do trabalho se intensifica, a partir da perspectiva da garantia da preservação da espécie e otimização da existência dos grupo humanos, que ampliam suas próprias condições de existência. Ela se iniciou pela diferenciação entre idosos e jovens, homens e mulheres, famílias, frátrias (cúrias) e cidades ainda nos tempos da pré história, e ganhou em complexidade. Nos tempos antigos, quando os grupos humanos permaneciam ainda nômades, havia o costume do enterro dos entes queridos em locais específicos para que pudessem ser revisitados e lembrados. A humanidade chocava-se com a violação desses locais por animais e feras, como lobos e chacais, imagina-se que para combater esses procedimentos os grupos humanos, primeiro cercaram, e depois protegeram esses lugares, acabando por determinar com que os anciãos, os membros mais velhos, ficassem guardando os túmulos. Exatamente, os membros que representavam o maior fardo nas jornadas itinerantes da humanidade, àqueles que guardavam as memórias e feitos mais notáveis do clã, seus ritos e mitos compartilhados. A vigília dos túmulos e restos mortais dos entes queridos, certamente deve ter impulsionado a geração de relatos, ritos e mitos, que caracterizavam e identificavam aquele grupo, enquanto identidade singular. Nesse sentido, é que vários antropólogos mencionam que a cidade dos mortos precede a dos vivos, e determina a divisão etária do trabalho, que acaba por sua vez, por fazer emergir a figura do sacerdote, ou guardião das tradições daquele grupo ou clã. O mistério da morte deveria fascinar nossos antepassados, fazendo-os imaginar entes, entidades e fenômenos mágicos e sobrenaturais, que eram consolidados nos relatos desses guardiães de túmulos.</div><p style="text-align: right;"><i>“As mais antigas gerações, muito antes ainda de existirem filósofos, acreditavam já em um segunda existência passada para além desta nossa vida terrena. Encaravam a morte, não como decomposição do ser, mas como simples mudança de vida.”</i> COULANGES, 1987 página 15. </p><p>Outra divisão social do trabalho envolveu as mulheres e os homens, aquilo que pode ser caracterizado como a divisão sexual do trabalho nas sociedades humanas, afinal, toda vida animal possui como fim a sua própria preservação. Mas a espécie humana, em suas características básicas envolve e abarca um processo de humanização, que é sempre um processo de longa duração, no qual, a própria repetição mecânica dos ciclos da vida é sempre problematizada e pensada. A observação da germinação da vida, primeiro em seu corpo e depois na terra articula o controle das sementes ao feminino, enquanto a caça, e a domesticação de animais ao masculino; um confecciona utensílios para a germinação da vida, o outro, para a destruição da vida, as armas. A reflexão sobre os gestos, atos e operações da reprodução da vida devem ter mobilizado as energias humanas muito cedo, levando mulheres e homens a encarar um acontecimento biológico como algo a ser problematizado e pensado. A analogia entre esses processos e a geminação de sementes na terra deve ter mobilizado a curiosidade explorativa de nossos ancestrais, que a partir da interação iniciam processos de controle, manipulação e seleção, que desembocarão na agricultura e no pastoreio de espécies domesticadas. Na verdade, esse primeiro conhecimento corporal e intuitivo é problematizado pelo acúmulo histórico, na troca de relatos e experiências, particularmente na doutrinação das novas gerações. Pode se imaginar, que mulheres começaram a identificar comportamentos e práticas contraceptivos, capazes de impulsionar ou retroceder os seus próprios ciclos básicos. Desenvolveram e compartilharam conhecimentos sobre seus próprios corpos, seus fluxos e ciclos, intuíram e se anteciparam a ocorrência cíclica dos fenômenos preparatórios da reprodução, entendendo e registrando suas etapas.</p><p style="text-align: right;"><i>“Buscar uma concepção materialista de mulheres, homens e sua história significa buscar sua natureza humana. A natureza humana, no entanto, não é um dado meramente biológico, mas o resultado da história da interação das pessoas com a natureza e entre si. Porque as pessoas não vivem simplesmente (diferente dos animais), as pessoas produzem suas vidas. “</i> MIES, 1988. </p><p>Outro polo de produção de divisão social do trabalho foram; a Família, a Fratria (ou Cúria), e a Grande Cidade da antiguidade, estruturas que impulsionaram a separação de funções e atividades intra humanas. Neste sentido, o papel do fogo, e das tecnologias para sua geração foram fundamentais, pois nas sociedades antigas era comum que as famílias ou clãs mantivessem em suas casas altares com fogo permanente acesso em celebração de divindades específicas. Cada família ou agrupamento de famílias, Frátria, e até mesmo a grande cidade possuíam suas divindades específicas, que eram celebradas a partir da manutenção continuada de um altar de fogo, que assinalava e acolhia o ente mágico. A produção de utensílios que possibilitavam essa promoção da veneração de divindades, tais como; artefatos mantenedores de chama como velas e lamparinas deviam ser produzidos e vendidos nos mercados e feiras das cidades da antiguidade. A independência com relação a produção de alimentos e artigos derivados da agricultura e pecuária permitiu aos humanos a interação e aprofundamento em tarefas específicas, que também geravam conforto e bem estar para todos. A ideia de uma produção solidária e colaborativa, a partir da divisão social do trabalho, fizeram a fortuna das sociedades dos sumérios, da mesopotâmia e do antigo Egito transmitindo aos estrangeiros a impressão da boa vida. É claro, também que determinadas categorias sociais passam a desfrutar de sobre privilégios, explorando os efetivos produtores do trabalho.</p><p style="text-align: right;"><i>“Muitas famílias formaram a fratria, muitas fratrias a tribo, e muitas tribos a cidade. Família, Fratria, Tribo, Cidade são, portanto, sociedades perfeitamente análogas e nascidas uma das outras por uma série de federações.”</i> COULANGES, 1987 página 132.</p><p style="text-align: left;">A arquitetura e a grande cidade mostram a emergência dessa divisão social do trabalho; as muralhas, os grandes templos, as habitações mais abastadas e mais simples, os canais de saneamento e de fertilização mostram nos o compartilhamento de tecnologias construtivas, que conformam personalidades e expressões específicas </p><p><b>BIBLIOGRAFIA:</b></p><p><span style="text-align: right;">COULANGES, Fustel – <b><u>A cidade antiga</u></b> - Martins Fontes, Lisboa 1987</span></p><p><span style="text-align: right;">MIES, Maria - <u style="font-weight: bold;">Origens sociais da divisão sexual do trabalho. A busca pelas origens sob uma perspectiva feminista</u> - 1988.</span></p><p><span style="text-align: right;">PALADIO, Andrea – <b><u>The four books of Architecture</u></b> - Dover Publicatons Nova York 1965</span></p>Pedro da Luzhttp://www.blogger.com/profile/07320690622387710961noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7230136955993736286.post-2380385915411818242021-12-12T16:09:00.000-03:002021-12-12T16:09:54.226-03:00Projetação, alienação, objetividade e subjetividade no ato de pensar o vir-a-ser utópico<p style="text-align: right;"><i>"Odeio os indiferentes [...] acredito que viver significa tomar partido. Não podem existir os apenas homens estranhos à cidade. Quem verdadeiramente vive não pode deixar de ser cidadão, e partidário. Indiferença é abulia, parasitismo, covardia, não é vida. Por isso odeio os indiferentes."</i> GRAMSCI</p><p><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgMnsBWL-VcEDSn1u7Qy1M4klcvrB3iZnBoimLIYldlZ0H9-cmdOUso8OczlzgIja0VfTEGyGVxKYwHTrirGbnJTPBT9O4063tCO8uiwBJY2b_GbyF5foPCrq0xSWny2tVtCfoWaxxa8rxD6iL8GdVY8kLkEQ2LBxjrztkEr9Q-ai1xPbDHhTPlsfaXOg=s344" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="344" data-original-width="228" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgMnsBWL-VcEDSn1u7Qy1M4klcvrB3iZnBoimLIYldlZ0H9-cmdOUso8OczlzgIja0VfTEGyGVxKYwHTrirGbnJTPBT9O4063tCO8uiwBJY2b_GbyF5foPCrq0xSWny2tVtCfoWaxxa8rxD6iL8GdVY8kLkEQ2LBxjrztkEr9Q-ai1xPbDHhTPlsfaXOg=w265-h400" width="265" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Capa do livro Projeto e Utopia de <br />manfredo Tafuri</td></tr></tbody></table><br />Há muito que a objetividade produtivista luta pela captura da projetação e do planejamento, o gerenciamento e as metodologias de desenvolvimento de planos e projetos ficam presas ao desenvolvimento comportado e mediocrizante, soterrando as aspirações, desejos e promessas dos agentes envolvidos em nome do cumprimento de uma meta, que ao final perde substância, e frustra expectativas. E, na verdade é esta substância forjada pelo próprio processo - desejos, vontades de novas práticas e aspirações de novos mundos -, que nos interessa; o engendramento de uma outra existência que passa a ser compartilhado, na medida em que o plano e o projeto avançam. Mas isso significa considerar as ações de Plano e Projeto como autônomas, ou intelectualmente críticas e livres das determinações impostas pelo sistema produtivo geral. A alienação do trabalho e pelo trabalho envolve os mais diversos profissionais, que seguem numa reprodução repetida e pouco criativa de práticas, mesmo em atividades que cobram dos agentes inovação e novos procedimentos como no campo da arquitetura e do urbanismo. Aqui há necessidade de reflexão sobre o momento doutrinário e o momento manual ou operacional de se pensar o vir-a-ser, a distinção dos dois momentos não significa a perda de correlação, mas sua representação integral aonde decisão e ato correspondem a uma interpretação histórica plena e consciente. Desde o século XV, no renascimento italiano e mesmo na Idade Média tardia era esse o debate entre as artes liberais e mecânicas, onde a consciência do agir se articulava com a leitura histórica do processo humano geral. Tais questões povoam o Tratado de <i>Re Aedificatoria</i> de Leon Battisti Alberti (1404-1472), que fustiga a questão da auto determinação coletiva dos povos, a partir do plano e do projeto.</p><p style="text-align: right;"><i>"Dera-se conta de que aqueles fatos rompiam a tradicional relação existente entre o momento doutrinal e o momento operacional e manual da arte; não havia mais continuidade, e sim distinção e correlação de dois níveis, o da idealização, ou da teoria, e o da prática. Entre os dois momentos, existe a mesma relação que, no agir "histórico", há entre a decisão e o ato, uma relação pela qual o ato não tem valor a não ser que dependa de uma decisão da mente, assim como, a decisão não tem valor a não ser que se cumpra no ato. Explica-se, assim o propósito albertiano de trazer a arte de volta a mímese clássica; se a imitação deve ser um processo intelectivo, e não apenas mecânico, é preciso que não seja cópia, mas representação, e obedeça às leis, ao princípio teórico da representação como modo de conhecimento." </i>ARGAN 1992 página109</p><p>Seria isso possível, ou uma utopia delirante? Para tal, o planejamento e a projetação precisam abandonar a indiferença e se comprometer com a política, pensada a partir do pressuposto de que ninguém deve ser deixado a margem. Antonio Gramsci, considerava a previsibilidade como um direito humano, uma condição que na verdade nos humanizava a medida que se tornava acessível a todos, na verdade, ele considerava, àqueles que não a desfrutavam viviam sobre condições inumanas. Realmente, a incapacidade de pensar sobre uma nova residência, um outro bairro, ou até uma outra cidade, ou mesmo uma viagem, um filho, um casamento, ou uma aposentadoria bloqueia nossa humanização, nos mantendo sem o devido desfrute do desenvolvimento humano. Recentemente, o poeta Mia Couto escreveu um belo texto sobre o medo, em clara contraposição a esperança, dizendo nos da fomentação pelo poder instituído da disseminação dos riscos de se pensar outros mundos. A onda conservadora, que se estabeleceu no mundo recentemente trabalha exatamente com o medo de outras possibilidades de existência humana; o socialismo, o comunismo, uma sociedade mais solidária e democrática devem ser desacreditadas pelo medo ao inusitado. O medo não é um bom companheiro, quando pensamos o nosso futuro, principalmente porque o poder instituído está sempre a promover o medo em relação aos novos poderes, sejam eles; a des hierarquização da sociedade, a democracia radical, ou a busca por maior equidade. <i>"Para fabricar armas é necessário antes produzir inimigos"</i>, e não há melhor inimigo, que o desconhecido, o outro que não conhecemos, sejam <i>"eles"</i>; os chineses que comem crianças, Karl Marx e suas ideias, ou Paulo Freire e a pedagogia do oprimido. Há no mundo contemporâneo, uma presença imensa de dados sem sentido manipulados pelas <i>Big Techs</i>, que nos apresentam a eles a partir de interesses comerciais pouco transparentes, que só ampliam essa sensação do medo.</p><p style="text-align: right;"><i>"A invenção da propaganda dirigida por parte do Google foi pioneira em termos de sucesso financeiro, mas também assentou o alicerce de uma consequência muito maior: a descoberta e elaboração do capitalismo de vigilância. Seus negócios se caracterizam como um modelo de publicidade, e muito foi escrito acerca dos métodos de leilão automatizados do Google e outros aspectos de suas invenções no campo da publicidade on-line. Com tanta verborragia, esses desenvolvimentos são ao mesmo tempo superdescritos e subteorizados."</i> ZUBOFF 2020 página 83</p><p>O medo, a partir do Atentado das Torres Gêmeas em Nova York, generalizou e oficializou o acesso às nossas privacidades, colocando nosso cotidiano mais íntimo disponível para as <i>Big Techs</i>, que os comercializam a nossa revelia de forma intensa. Nos novos negócios engendrados pelas novas tecnologias há também a presença da alienação, agora não só do trabalho, mas também de nossas buscas e interesses, que passam a ser vendidos a nossa revelia. Nos manuscritos econômico-filosóficos que foram escritos por Karl Marx (1818-1883) entre março e agosto de 1844 em Paris, portanto quando tinha apenas 26 anos, e quando o autor acabara de ser exilado da Confederação Alemã, por seus artigos no jornal <i>Rheinische Zeitung</i>, a Gazeta Renana (1). Há nos Manuscritos uma importante abordagem sobre questões que partem da economia política a partir de categorias dos mundos da vida, tais como; salário, ganho de capital (lucro) e renda fundiária e chegam a uma visão mais genérica e absoluta de ordem filosófica. A visão de Marx persegue a desnaturalização de práticas gerais cotidianas dos industriais, dos trabalhadores e dos proprietários de terra, que enxergam os processos de lucro, exploração do emprego e valorização de forma mecânica e natural. Mas, que na verdade, precisavam de um arcabouço artificial de leis e normas estabelecendo as novas formas capitalistas da subjetividade, indo contra as noções de Comum e de Solidariedade, que estavam e ainda estão arraigadas em nosso senso compartilhado de justiça. A categoria da alienação é confrontada com os pensamentos de Hegel e Feuerbach, e passa a ser historicizada na sua processualidade sócio material, como trabalho onde não há mais reconhecimento do trabalhador.</p><p style="text-align: right;"><i>"A alienação do sujeito recebe um novo trato: deixa de ser a objetivação universal e necessária (como em Hegel, que identifica objetivação com alienação) e não se reduz a um produto da consciência (como em Feuerbach). Se em Hegel a supressão da alienação equivale a supressão da objetivação, nos Manuscritos a objetivação só é alienação em condições históricas determinadas - nas condições próprias à existência histórica da propriedade privada (com suas conexões com a divisão do trabalho, a produção mercantil e o trabalho assalariado). Se em Feuerbach ela se mostra privilegiadamente na consciência religiosa, nos Manuscritos esta é, antes, uma dentre várias condições sócio históricas muito determinadas."</i> NETTO 2020 página 104</p>E aqui, é preciso firmar que essas condições sócio materiais não impactam apenas o trabalho braçal e mecânico, as artes mecânicas, mas também o trabalho intelectual, ou as artes liberais, que de certa forma, escapavam dos manchesterianos Marx e Engels. De acordo, com Manfredo Tafuri (1935-1994), o que era necessário era (re)historicizar os processos, formas e possibilidades do trabalho intelectual, que sempre esteve ligado às condições impostas pela evolução do desenvolvimento capitalista. Por isso, TAFURI (1985), assim como FORTINI, viu na atividade de investigação histórica (que as vanguardas modernas desde o Renascimento sempre rejeitaram como uma pré-condição de seus projetos) a ferramenta mais poderosa para interrogar os efeitos do desenvolvimento capitalista sobre a agência e a atuação intelectual. Para (re)historicizar as mentalidades intelectuais significava que o local político da luta era o pensador trabalhar a si mesmo em termos de suas qualificações, seus modos de ser especializado, sua capacidade de conectar informações e gerar formas sintéticas, em cada ciclo de produção, pois o sistema sempre definiu um novo mandato para o papel social de intelectuais. Para TAFURI (1985), tal análise deveria fornecer uma forma inevitavelmente ideológica, pois essa presença no sistema seria insuperável, fazendo da compreensão uma possibilidade sempre parcial para a ação (intelectual). Nesse sentido, é interessante observar como, hoje, as reflexões de TAFURI (1985) vêm inesperadamente (e paradoxalmente) estar muito próximas, por um lado, de slogans neoliberais, como "trabalho criativo" e a pretensa autonomia do plano e do projeto. E, por outro lado, e de forma não mais paradoxal, para as discussões do movimento pós-Operaístas da Itália dos anos oitenta sobre as possibilidades de cognições do trabalho como centro dos modos de produção pós-fordistas. Mas enquanto essas posições absorveram completamente o produtivo status de conhecimento, o crítico italiano concentrou a atenção na pressão dos pontos dentro do desenvolvimento capitalista na cultura intelectual, problematizando o desenvolvimento. É impressionante as conexões levadas a cabo pelo crítico italiano, num mundo anterior a emergência da hegemonia neo-liberal, que hoje vivemos e do qual, parece que não nos desvencilhamos.<div><br /></div><div><div style="text-align: right;"><i>"A utopia, portanto, não é mais do que "visão estrutural da totalidade que existe e há de existir" (MANHEIM, Karl - O pensamento conservador), transcendência do "dado" puro, "sistema de orientação tendente a romper os laços da ordem existente" para reganhá-los a um nível diferente e mais elevado (a utopia, uma vez afirmada, se transforma de novo em ideologia...). Para Weber e para Mannheim, a crítica da ideologia é um dos fatores dinâmicos do desenvolvimento. Para ambos - tal como para Keynes - a única realidade individualizável é a dinâmica do desenvolvimento. A utopia de Mannheim, para além das afirmações do seu autor, é prefiguração de modelos finais e globais, no sentido da realidade dada. A "crítica ao pensamento conservador" torna-se portanto uma necessidade, um instrumento destinado a libertar o funcionamento dinâmico do sistema. A ruptura constante do equilíbrio só poderá converter-se numa "política científica", anti-ideológica, numa solução racional dos conflitos gerados pelo próprio desenvolvimento, depois de ter reconhecido a inerência daqueles conflitos ao processo dialético do real."</i> TAFURI 1985 página 43</div><div><br /></div><div>Em 1970, Tafuri publicou o texto <i>"Lavoro Intellettuale e Sviluppo Capitalistico"</i>, Trabalho Intelectual e Desenvolvimento Capitalístico, na revista Contrapiano, esse trabalho se converterá no capítulo 3 do livro Projeto e Utopia, que recebeu o título de Ideologia e Utopia, do qual foi tirado a citação acima. Os anos sesseta, setenta e oitenta na Itália, nos aparecem hoje como idílios utópicos frente aos avanços destruidores do neoliberalismo contemporâneo, iniciados naqueles mesmos anos, com os governos de Thatcher (1979) e Reagan (1981). O Reformismo Capitalista, na Itália daqueles anos acreditava ser possível direcionar o desenvolvimento para uma maior sustentabilidade social do sistema, associando racionalidade do plano com uma abordagem mais científica das forças produtivas. Era a domesticação do conflito de classes e a reforma dos processos produtivos do capitalismo, por exemplo no seio da Olivetti(2), como a fábrica que se transformava num campus de elevada produção, reunindo artistas, designers, intelectuais e operários, numa possibilidade de novo humanismo social. Havia um eufórico eixo domesticador do impulso do capitalismo, que envolvia agentes e atores diferenciados como; Umberto Eco, Raniero Panzieri, Franco Fortini, Ítalo Calvino, Alberto Asor Rosa, Massimo Cacciari e o próprio Manfredo Tafuri. Todos empenhados na radicalização da democracia e perpassados por diferentes gradientes de otimismo e pessimismo, mas acreditando num novo ciclo de articulação entre o Estado de Bem Estar Social e o Capitalismo. Essa problematização foi tão radical que podemos concluir que o verdadeiro objetivo da crítica de Tafuri não era tanto o de estender ao poder, na forma tradicional da política partidária (que, no final das contas, continuou sendo o objetivo dos editores da Revista Contropiano), mas mais um meio de compreender, uma vontade de profundamente desemaranhar os processos históricos através dos quais o intelecto, a subjetividade real foi feita e artificialmente construída. Mas, Tafuri também usou a vontade de entender como o antídoto para o arquiteto e o crítico narcisismo de boas intenções, não só no âmbito arquitetônico "boudoir", mas também no ativismo social dos chamados pró arquitetos agressivos - muitos, presentes hoje - que na luta por demandas acabaram se espetacularizando. Daí seu recorrente refúgio no tempo do Renascimento na Itália, um lugar onde os homens parecem desfrutar de uma ampla visão das condições críticas de operação do trabalho intelectual, jamais reconquistado, na história humana.</div><div><br /></div><div><div style="text-align: right;"><i>"Por meio de sua intensa atividade de historicização do desenvolvimento do projeto de modernidade arquitetônica desde a Renascença até
neo-avantgardê dos anos 1970, Manfredo Tafuri foi o primeiro
intelectual no campo da história e crítica da arquitetura
entender que não era mais possível para os intelectuais
para abordar a questão das mudanças sociais e culturais provocadas por
desenvolvimento capitalista de uma perspectiva externa. Na verdade, para
Tafuri não havia posição externa no capitalismo, uma vez que sua
a totalidade era constituída pela realidade do "trabalho assalariado", que
também incorporou o papel do intelectual. Consequentemente,
ele entendeu que uma crítica ao capitalismo só poderia ser
produzido de dentro, a partir das categorias e formas através das quais eram - conscientes ou inconscientes - mediando culturalmente os efeitos da continuação do programa capitalista produção ou participando de sua reificação. Para Tafuri, e para
aqueles que influenciaram sua crítica, esta nova condição significava
que qualquer discurso crítico e político precisava, antes de mais nada, ser
dirigido a intelectuais como trabalhadores em vez de "outros"
(trabalhadores), contradizendo a ideia de que o social e político
mandato dado ao intelectual pode ser dado como certo."</i> AURELLI 2010 </div><br />Essas são questões complexas, que na verdade envolvem; alienação, objetividade, subjetividade, construção utópica compartilhada, que povoam as ações do plano e do projeto desde tempos imemoráveis. O que me parece claro é o enorme retrocesso que sofremos nesse campo desde a emergência do neoliberalismo, as décadas de sessenta, setenta e oitenta do século XX apontavam novas possibilidades produtivas, mediadas por um profundo reformismo, que hoje aparece solapado pela ética do capitalismo único. Tais condições tem determinado imensos índices de concentração de renda, e uma sensação de proximidade de um desastre de escala planetária, onde o futuro das próximas gerações é colocado em risco por um desenvolvimento predatório. O campo do plano e do projeto precisa problematizar essas questões urgentemente, do contrário estaremos caminhando para a supressão do mosso gênero.<br /><p>NOTAS:</p><p>(1) O <i>Rheinische Zeitung</i> foi um jornal de um cunho reformista e liberal, que se opunha ao autoritarismo prussiano, na cidade de Colônia. O jovem Marx escreveu textos contra a censura da imprensa, o conflito entre o arcebispado de Colônia e o governo, a legislação sobre o divórcio, a miséria dos vinhateiros do Mosela e a questão do furto de madeira naturalmente caída nas florestas recém cercadas, que haviam sido criminalizados pelas leis burguesas, que já foi comentado aqui no blog. Em outubro de 1842, Marx se transforma no editor chefe da Gazeta Renana, nesse momento o número de assinantes do jornal que era de 800, em novembro sobe para 1.800, e em dezembro para 3.400 assinaturas.</p><p>(2) AURELLI 2010, num texto com o título de, <i>Recontextualizing Tafuri's Critique Of Ideology</i>, aponta as iniciativas da Olivetti, na busca de outro arranjo produtivo; <i>"O protótipo cultural desta onda do reformismo socialista foi a afirmação de Adriano Olivetti na revista da empresa "Comunità", de uma tentativa de transformar uma fábrica
em um campus cultural que elevou a produção como possível habilidade de uma sociedade socialmente sustentável e culturalmente articulada na comunidade. Olivetti envolveu não apenas gerentes, mas também
artistas, designers e escritores no trabalho em sua fábrica. A intenção da Olivetti era demonstrar, por um lado, a
natureza intrinsecamente racional da produção e por outro
a possibilidade de um novo humanismo social baseado no desenvolvimento da indústria."</i> (tradução minha do texto original a seguir); <i>"The cultural prototype of this wave
of socialist reformism was the affirmation of Adriano
Olivetti's "Comunità," an attempt to transform a factory
into a cultural campus that elevated production as the possibility of a socially sustainable and culturally articulated
community. Olivetti involved not only managers but also
artists, designers, and writers in the work at his plant. The
intent of Olivetti was to demonstrate on the one hand the
intrinsically rational nature of production and on the other
the possibility of a new social humanism based on industrial
development."</i></p><p><b>BIBLIOGRAFIA:</b></p><p>ARGAN, Giulio Carlo - <b><u>História da Arte como História da Cidade</u></b> - Editora Martins Fontes São Paulo 1992</p><p>AURELLI, Pier Vittorio - <b style="font-style: italic; text-decoration-line: underline;">Recontextualizing Tafuri's Critique Of Ideology</b> - Anyone Corporation, https://www.jstor.org/stable/41765325</p><p>NETTO, José Paulo - <b><u>Karl Marx, uma biografia</u></b> - Boitempo São Paulo 2020</p><p>TAFURI, Manfredo - <b><u>Projeto e Utopia, arquitetura e desenvolvimento do capitalismo</u></b> - Editora Presença Lisboa 1985</p><p>ZUBOFF, Shoshana - <b><u>A era do capitalismo de vigilância, a luta por um futuro humano na nova fronteira do poder</u></b> - Editora Intrinseca Rio de Janeiro 2020</p></div></div>Pedro da Luzhttp://www.blogger.com/profile/07320690622387710961noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7230136955993736286.post-40339844974874687312021-12-11T11:17:00.007-03:002021-12-11T11:17:48.544-03:00Hans Georg Gadamer, a interpretação do mundo e a hermeneutica<p><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEiFAA5P2VJU873eQRlGgjt2SUHk2dW8hv2q-YEmdP6S46AYqnJvfcQruXOttY6LGUdkpGAzvHifdVo6qLV6ibeLmM96bImhZypMGlaj8xmk5YBeuEEwlL6O99BB95Y8_cNUbTJxUq96g_2kCPKDgYQr1e3medChiUWmypEe_Y7yzsC1o0t-bMtT0zDgBg=s250" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="126" data-original-width="250" height="201" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEiFAA5P2VJU873eQRlGgjt2SUHk2dW8hv2q-YEmdP6S46AYqnJvfcQruXOttY6LGUdkpGAzvHifdVo6qLV6ibeLmM96bImhZypMGlaj8xmk5YBeuEEwlL6O99BB95Y8_cNUbTJxUq96g_2kCPKDgYQr1e3medChiUWmypEe_Y7yzsC1o0t-bMtT0zDgBg=w400-h201" width="400" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Wassili Lepanto entrevista Hans George <br />Gadamer em 2000</td></tr></tbody></table>O filósofo Hans-Georg Gadamer (1900-2002) é uma forte referência quando falamos da interpretação de textos ou da nossa capacidade de apreensão do mundo que nos rodeia, a partir de uma constatação simples e precisa; a interpretação se localiza num horizonte mútuo entre intérprete e coisa a ser interpretada. Isso significa assumir que a verdade ou a realidade, particularmente nas ciências humanas, não é reduzível a um método, mas aquilo que acontece no diálogo, expresso pela linguagem entre sujeito e objeto pesquisado. Tenho me aproximado de Gadamer, a partir do momento que passo a ministrar no Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGAU) da UFF a disciplina Seminário de Dissertação. Minha primeira aproximação, com esse filósofo se dá pela abordagem do problema da consciência histórica, e que foi diferenciado do estruturalismo, num texto, <b><u>Os modos do Discurso da teoria da arquitetura</u></b> de Carlos Antônio Leite Brandão, professor da UFMG. Neste texto, há a caracterização do modo hermenêutico como uma categoria de abordagem do fenômeno arquitetônico e urbanístico, seja em seu desenvolvimento histórico, na sua produção contemporânea, ou ainda como realidade a ser abarcada ou interpretada. É verdade, que desde minha tese de doutorado, <b><u>Projeto, Ideologia e Hegemonia, em busca de um conceito operativo para a cidade brasileira</u></b>, trabalho com a idéia de que o projeto e o plano são uma interpretação do real, que se arrisca no vir-a-ser a partir da análise do contexto, dos recursos, dos desejos e das expectativas de construção de um outro mundo. O que, sempre me posicionou diante do plano e do projeto, como ações que pretendem sintetizar o mundo existente, a partir de uma atitude prescritiva. A intenção e adequação do proposto - plano e projeto - nasce do diálogo das condições objetivas analisadas e interpretadas com as demandas do que o lugar quer vir-a-ser. Na verdade, nessa esfera há um forte investimento no prescritivo ou no prognóstico, que impulsionado pelo descritivo ou pelo diagnóstico se aventura a oferecer a figuração de um outro mundo.</p><p style="text-align: right;"><i>"Para Gadamer, a verdade não é um método, mas simplesmente aquilo que acontece no diálogo. Atos de interpretação são dialógicos, uma conversação constante dentro da tradição. O intérprete projeta o significado provisional, mas estes são desarranjados e re-definidos quando os próprios preconceitos do intérprete são questionados pelo horizonte do texto ou pelo parceiro no diálogo. Basicamente, Gadamer alega que os significados nunca podem ser completos. Uma outra consequência da 'fusão dos horizontes' (1) de Gadamer é um relacionamento re-definido com o passado. Se todo entendimento é diálogo, então é tanto uma conversa com o passado quanto com o futuro." </i>LAWN 2007, página13</p><p>Aqui inicialmente, é preciso destacar que a hermenêutica era historicamente desde a Idade Média a ciência da interpretação dos textos sagrados, particularmente os da Bíblia, ou dos textos do Direito Romano. Gadamer anda em direção a tradição da leitura, e por isso mesmo reafirma que estamos inexoravelmente imbricados na linguagem e na cultura, no entanto desdenha da ideia de que podemos desviar de nossos próprios pontos de referência para alcançar a verdade, que está muito presente no pensamento moderno particularmente a partir de René Decartes (1596-1650), no livro <b><u>O Discurso sobre o Método, para bem dirigir a própria razão e procurar a verdade nas ciências</u></b>. O Iluminismo considerava que a razão, separada da perspectiva histórica e cultural representava uma condição plenamente alcançável, a partir do rigor metodológico, Gadamer usa da ideia da interação entre objeto e intérprete como uma hermenêutica filosófica, e caracteriza o ganho dessa interpretação como um círculo hermenêutico. Destrona-se a razão, como posicionamento arrogante e absoluto, para recolocá-la numa posição de impulsionadora de uma revelação ou desvelamento em processo contínuo, onde intérprete e coisa interpretada entram no compartilhamento de horizontes mutuamente. Nessa questão, o discurso de Aristóteles sobre a sabedoria prática - <i>phronésis</i> - é uma clara referência para Gadamer, o filósofo grego afirmava que a medida, que nos tornamos moralmente orientados passamos a estar habituados a regularidades. Essas regularidades eram uma zona de conforto bloqueadora do verdadeiro conhecimento, que precisa se aventurar na busca de apreensão do real, com disposição de reconhecer sua parcialidade e eterna incompletude. É nesta tensão entre novidade e hábito que Gadamer situa o círculo hermenêutico, localizando o entendimento do mundo não na privacidade da consciência, mas sim através da nossa condição de estar ou ser no mundo. Gadamer foi aluno de Martin Heidegger (1889-1976) e, essa questão está presente em <b><u>O Ser e o Tempo</u></b>, havendo aqui a típica busca da essencialidade do fenômeno, que envolvia um certo mergulho na processualidade do pensamento, ou nossa interpretação, situada dentro de um horizonte mútuo entre intérprete e coisa a ser interpretada, que se relacionam e se modificam mutuamente. </p><p style="text-align: right;"><i>"Não podemos encontrar um ponto arquimediano fora da cultura e linguagem em nossa busca pela verdade, pois assim como nossos preconceitos, as condições de entendimento fazem parte daquilo que procuramos tornar compreensível. O questionamento de Gadamer do método racional rejeita a opinião de que a razão existe por trás da linguagem."</i> LAWN 2007 página14 </p><p>Assim, tudo é interpretação e diálogo, podendo ser uma conversa com o passado, com o presente, assim como também, com o futuro, que só deixa transparecer seus vestígios na medida em que a experiência comum se desenvolve. Portanto, o que me parece, que Gadamer questiona no método é a existência de um ponto neutro euclidiano capaz de fazer que a razão se autonomize da linguagem, ou dos pré conceitos que carregamos. Ou mesmo, de sua capacidade de formular o futuro de forma convincente e persuasiva, sem os vestígios ou evidências que a história, a tradição e o passado nos indicam pela sua perspectiva. Enfim, acho que Gadamer é um filósofo da linguagem assim como Ludwig Wittgenstein (1889-1951), que consideram a língua como estrutura básica do nosso pensar, e portanto perpassada pelas limitações de cada uma das nossas construções linguísticas. Por isso, mesmo que há uma sútil distinção com o estruturalismo, que o texto de Carlos Brandão pontua, dizendo que o estruturalista se detém no signo, enquanto a hermenêutica se concentra no sentido. Há aqui um reconhecimento, de que o pensamento que toma sentido é justamente aquele que foi captado pela linguagem, expresso por palavras construtoras de sentido. A verdade, que para os gregos era denominada pelo termo <i>"alétheia"</i>, onde <i>"letheia"</i> é o véu, e <i>"a"</i> sua retirada ou o seu <i>"des"</i>, e, indicavam a processualidade da sua busca, como algo que se revela, se reportando à dinâmica de transformação do ser. Há uma relação complexa com a tradição e com nossas pré concepções, que são consideradas como presenças as quais não nos desvencilhamos de forma fácil. Na verdade, o livro mais importante de Gadamer, que tem como título; <b><u>Verdade e Método</u></b> de 1989, poderia ter sido Verdade ou Método, pois percebe-se uma clara tensão entre esses dois conceitos.</p><p style="text-align: right;"><i>"A estrutura de Verdade e Método, como três grandes secções, é baseada, na realidade, em três experiências básicas da verdade: arte, entendimento histórico e linguagem. A parte 1 é intitulada: 'A questão da verdade quando emerge na experiência da arte'; a parte 2: 'A extensão da questão do entendimento nas ciências humanas' e parte 3: 'A mudança ontológica das hermenêuticas orientadas pela linguagem.'"</i> LAWN 2007 página 84</p><p>Na verdade, me parece há uma sobrevalorização da ideia de experiência, ou do fenômeno, que se materializam no nosso confronto com a arte, com a história e com a linguagem, que poderia ser reduzido ao sentimento, à consciência do nosso tempo e à vontade de captar o real pela sua expressão. A verdade deve portanto ser algo experienciado, não podendo ser algo que observamos a uma certa distância, ou de maneira científica, classificada como objetiva, e colocada além da subjetividade, mas isso não significa ser enquadrado na filosofia empírica. Pois como reforça Gadamer na "experiência hermenêutica" somos constantemente surpreendidos pelo encontro entre o familiar, a tradição e o desconhecido. Daí a relevância e a sua atenção com o movimento constante e de certa forma insolúvel entre a parte e o todo diante de qualquer obra ou acontecimento, como a exploração das verdadeiras novas possibilidades abertas pela leitura de um poema. A cada vez que lemos o poema abrem-se novas linhas de questionamento e possibilidades, que ainda não apareciam expressas, como algo aberto e revelado, como na noção platônica de <i>alétheia</i>. Enfim, num campo como o da Arquitetura e do Urbanismo, dito das ciências sociais aplicadas, Gadamer nos oferece uma forma de enfrentamento da pesquisa não dogmática e bastante criativa, na qual a arte me parece cumpre um papel central.</p><p>(1) A ideia de "fusão de horizontes" está presente na proposição de interpretação de Gadamer, a partir da hermenêutica, onde há o horizonte do intérprete e o horizonte do texto, objeto, ou coisa a ser interpretada. A fusão seria um processo complexo envolvendo estranhamento e identificação entre sujeito e objeto, intérprete e texto, que culminaria na interiorização do sentido ou do significado no nível do hábito.</p><div><br /></div><div><b>BIBLIOGRAFIA:</b><br /><br />BRANDÃO, Carlos Antônio Leite - <b style="text-decoration-line: underline;">Os modos do Discurso da teoria da arquitetura</b> - http://www.arq.ufmg.br/ia/teoria.html </div><div>DECARTES, René - <b><u>O discurso sobre o Método, para bem dirigir a própria razão e procurar a verdade nas ciências</u></b> - Editôra Hemus São Paulo 1998</div><div>LAWN, Chris - <b><u>Compreender Gadamer</u></b> - Editora Vozes Petrópolis 2007 </div><div>LEÃO, Emanuel Carneiro - <b><u>Martin Heidegger</u></b> - Tempo Brasileiro Rio de Janeiro 1977</div>Pedro da Luzhttp://www.blogger.com/profile/07320690622387710961noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7230136955993736286.post-86400023981305263012021-10-14T10:30:00.002-03:002021-10-14T10:30:37.266-03:00A economia compartilhada ou capitalismo de plataforma e um Karl Marx prescritivo, ou a dimensão propositiva da filosofia da práxis<p style="text-align: right;"><i><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiAmIXjPwgyYlMuRfKSk0vQf_64AZ2EUHmOHKlDeU4F7VXPo9AK1d3zHwtXnKpJ-D97g-yO-G3BAM4XRgM15oT_rmNgEU84Dbi9plicaJv-aRo9NLmCv_V-VgfxQeph3l-gs6P3D7FqUVMd/s275/precariza%25C3%25A7%25C3%25A3o+do+trabalho1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="183" data-original-width="275" height="266" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiAmIXjPwgyYlMuRfKSk0vQf_64AZ2EUHmOHKlDeU4F7VXPo9AK1d3zHwtXnKpJ-D97g-yO-G3BAM4XRgM15oT_rmNgEU84Dbi9plicaJv-aRo9NLmCv_V-VgfxQeph3l-gs6P3D7FqUVMd/w400-h266/precariza%25C3%25A7%25C3%25A3o+do+trabalho1.jpg" width="400" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Capitalismo de Plataforma; ineditismo ou permanência <br />da lógica de acumulação capitalista?<br /><br /></td></tr></tbody></table></i></p><div style="text-align: left;"><i><br /></i></div><i>"Quem quer que conheça qualquer coisa da história sabe que as grandes mudanças sociais são impossíveis sem o fermento feminino."</i> MARX 1969, citado em NETTO 2020, página240<p></p><p>Dissemina-se no mundo contemporâneo a ideia de que o advento das plataformas de software, que se instalaram mediando nosso acesso a serviços ou a mercadorias possui um caráter disruptivo. Compartilha-se de uma visão idílica da chamada <i>economia compartilhada</i>, como se esta estabelecesse relações diretas entre as pessoas. O próprio nome, <i>economia compartilhada</i> parece desfrutar de um status que o afasta das inexoráveis tendências monopolistas e concentradoras que o sistema do capital promove, desde sua primeira aparição. Parte-se do pressuposto de que a <i>economia compartilhada</i> ou <i>capitalismo de plataforma</i> oferece possibilidades disruptivas, quando na verdade, ela mantém e celebra o status quo da competição e do individualismo exacerbado, típicos do neo liberalismo dominante. Expressões como; <i>"as plataformas vieram para ficar"</i> ou <i>"não parecem ceder ao seu próprio desenvolvimento"</i> nos indicam a condição de inevitabilidade do desenvolvimento tecnológico como algo autônomo e inexorável, que está acima das escolhas humanas. Sua casualidade é múltipla, mas seu desenvolvimento se atrela a uma evolução científica autônoma, neutra e pulverizada, impossível de ser domesticada, ou isenta de interesses, muito além da vontade dos homens comuns. Mesmo autores críticos, como ZUBOFF 2020, que identificou uma condição <i>"superdescritiva e subteorizada" </i>(1) da nossa sociedade contemporânea, ou STANDING 2013 que apontou um novo agente, <i>"o precariado"</i> (2), nesse nosso tempo apontam ambos, uma situação sem precedentes, um fenômeno inédito. Será que são mesmo sem precedentes? No entanto, a economia compartilhada pode ser responsabilizada pela mais nova crise do sistema capitalista internacional, lançando meios de distribuição e indústria numa encruzilhada na qual o que está em jogo é um novo arrocho na remuneração do trabalho, ou uma clara clivagem entre proprietários e despossuídos. Assim como em outros tempos, os ganhos se concentram em grandes corporações monopolistas, tais como; Google, Facebook, Amazon, AirBnb, Uber, etc, que não toleram a competição. Estruturas que muitas vezes podem até terem sido concebidas à margem do capital, mas que ao serem monetizadas passam a servir e a alavancar mais concentração e mais desigualdade. Interessante assinalar, que Karl Marx (1818-1883) já referia-se ao caráter social, a que o capital poderia ser alçado, através de seus meios, principalmente pelo seu sistema de valoração das moedas, ou sistema de crédito, ou o sistema financeiro;</p><p style="text-align: right;"><i>"...só se consuma e se realiza integralmente mediante o desenvolvimento pleno dos sistemas de crédito e bancário. Por outro lado, esse sistema segue seu próprio desenvolvimento. Oferece aos capitalistas industriais e comerciais todo o capital disponível da sociedade, inclusive o capital potencial, ainda não ativamente comprometido, de modo que nem o prestamista nem quem emprega esse capital é seu proprietário ou seu produtor. Com isso, ele suprime o caráter privado do capital e, assim, contém em si, somente em si, a supressão do próprio capital. Por meio do sistema bancário, a distribuição do capital é retirada das mãos dos capitalistas particulares e dos usuários como um negócio especial, como função social. Ao mesmo tempo, porém, o banco e o crédito se convertem no meio mais poderoso de impulsionar a produção capitalista para além dos seus próprios limites e um dos mais eficazes promotores das crises e da fraude.</i><i>[...]</i></p><p style="text-align: right;"><i>Finalmente, <u>não resta a menor dúvida de que o sistema de crédito servirá como uma poderosa alavanca durante a transição do modo de produção capitalista para o modo de produção do trabalho associado</u>; mas somente em conexão com outras revoluções orgânicas do próprio modo de produção... Assim que os meios de produção deixarem de se transformar em capital [...], o crédito como tal perderá todo sentido [...]. Em contrapartida, enquanto o modo de produção capitalista continuar a existir, perdurará também, como uma de suas formas, o capital portador de juros."</i> NETTO 2020 páginas 383 e 384, citando Karl Marx</p><p>Interessante destacar, no pensamento marxista a identificação de crises cíclicas destrutivas, que promovem um rearranjo das forças produtivas que calibravam tendências sempre presentes de declínio das taxas de lucros, superconsumo ou de superprodução. Como a economia capitalista não é planejada por demandas distributivas ou sociais, mas a partir da lógica da competição e da concentração de recursos nas mãos de poucos agentes. Sempre, há em toda crise do sistema econômico em geral um deliberado interesse claramente vinculado aos proprietários do dinheiro ou dos meios de produção para buscar o saneamento das amarras do lucro. Penso, que foi BRAUDEL, que percebeu a partir de seus estudos da longa transição entre o feudalismo e o capitalismo, que o último estágio das crises cíclicas era uma crise especulativa, aonde a forma monetária ou financeira se autonomizava com relação a produção. Essa autonomia retirava do sistema de Bolsa de Valores e do sistema de crédito qualquer racionalidade produtiva, capturando-o num processo especulativo, que não se vincula mais a produção em si, mas a mera possibilidade de auto reprodução das moedas. O dinheiro, perde sua função de facilitador da troca para se metamorfosear numa mercadoria regulada por sua capacidade de ser procurada (valorizada), ou descartada (subvalorizada). Mas, não há como negar, que já em MARX, quando ainda jovem em meados do século XIX já identificava-se essa tendência no sistema capitalista de retorno a constante crise de forma quase otimista;</p><p style="text-align: right;"><i>"A universalidade para a qual o capital tende irresistivelmente encontra barreiras em sua própria natureza, barreiras que, em um determinado nível de seu desenvolvimento, permitirão reconhecer o próprio capital como a maior barreira a essa tendência e, por isso, tenderão a sua superação por ele mesmo."</i> NETTO 2020 página 378, citando Marx nos Grundisse </p><p>Havia no raciocínio do manchesteriano de Karl Marx, aquilo que Marshal Bermann muito bem captou no livro <b><u>Tudo que é sólido desmancha no ar</u></b>, que era uma crença na capacidade intrínseca do capital para o desenvolvimento das forças produtivas do trabalho de maneira inusitada. Dentro de um otimismo típico do século XIX, notava-se o germe da teleologia de Hegel, despida agora de seu idealismo e centrada na experiência material e concreta dos despossuídos, mas ainda assim, crente num aprimoramento positivo da humanidade. Sempre, a partir da experiência acumulativa da história em direção a um futuro grandioso e redimido, centrado no fenômeno da produção do trabalho e na conscientização dos desapropriados, que acabariam impondo a cooperação e a solidariedade no seio da humanidade. Mas apesar desse otimismo, Marx nunca afirmou a inevitabilidade da revolução, que em seu pensamento dependia fortemente da intervenção política organizada dos prejudicados/despossuídos da humanidade. O tema do confronto definitivo entre as classes sociais mostrou-se ao longo da história do século XX, particularmente a partir de 1917, com a Revolução Russa, perpassado por nuances e gradientes, que na verdade significaram um período de grande desenvolvimento e de ascensão das massas a padrões melhores de consumo. Aparecia para a geração de meados do século XX (1950), a geração pós segunda guerra, que o incremento produtivo e o desenvolvimento das forças produtivas eram fator de um progresso e desenvolvimento contínuos e inabaláveis. No entanto, na década de setenta nos confrontamos com a primeira crise do petróleo, o sistema que parecia haver se regenerado a partir da regulação fordista e keynesiana (3), e da ameaça da revolução socialista enfrenta uma crise sem precedentes, que desemboca nas eleições de Thatcher 1979 e Reagan 1981. Os discursos por trás dessas eleições seduziam pelo apelo a uma desregulamentação generalizada, que condenava a estabilidade do fordismo e a regulamentação financeira do Estado, como bloqueadores do legítimo desenvolvimento, num esforço de esquecimento do que havia sido a grave crise de 1929 da Bolsa de Valores de Nova York. Essa crise havia interrompido a confiança no liberalismo, desenfreado do século XIX e começo do século XX, e sinalizado para necessidade de regulação estatal da economia, face as suas tendências monopolistas e concentradoras, que determinaram movimentos sociais explosivos, como os de Paris em 1871 e o de Moscou de 1917, dentre outros.</p><p style="text-align: right;"><i>"'Globalização' é uma forma de nomear as forças que exauriram a velha ordem - é uma palavra que pode significar tudo, mas relaciona-se de várias maneiras com a transformação social das instituições. No início da década de 1980, uma enorme demanda reprimida por produtos e serviços tornou-se aparente em todo o mundo. Havia uma grande quantidade de capital em busca de alvos de oportunidade depois da quebra, em 1973, dos controles de Bretton Woods sobre a movimentação monetária... As inovações tecnológicas, através do computador, possibilitaram o 'tempo real global', a sincronia das comunicações e das transações financeiras em todo o mundo... Por fim, e talvez mais importante, houve uma mudança no poder: os acionistas começaram a reafirmar as exigências por retornos de curto prazo sobre o investimento, desafiando burocratas gerenciais que se contentavam com que as coisas simplesmente se arrastassem como antes.(4)"</i> SENNETT 2004 páginas 208 e 209</p><p>Enfim, o que me parece importante destacar aqui nesse texto é que mais uma vez o sistema se trasveste de novidade para continuar repetindo o mesmo, a acumulação do capital retrocede as suas condições primitivas, maravilhando a sociedade que se lança no precipício. Particularmente, as cidades e suas arquiteturas passam a ser pressionadas para a realização de lucros rápidos e quase imediatos, que confrontam a construção do patrimônio comum construído pela humanidade. Essa mesma, humanidade se confronta com a questão ambiental, que demanda dela atitudes de efetiva mudança do poder político, no qual é preciso declarar não mais a exclusão de parcelas significativas de nossa população, mas sua inclusão massiva e extensiva. Sob pena, de nos orientarmos para nossa auto extinção. A citação no início desse artigo, mostra-nos a fala de um homem do século XIX, Karl Marx, sobre a atuação das mulheres no impulso da transformação humana, talvez um pouco paternalista, ou até mesmo culinária, mas ela nos lembra apenas, que a novidade não deve ser absolutizada, mas confrontada com o contexto geral contemporâneo, que permanece o mesmo.</p><p><b>Notas:</b></p><p>(1) ZUBOFF 2020 página83, menciona; <i>"Com tanta verborragia, esses desenvolvimentos são ao mesmo tempo superdescritivos e subteorizados... Qualquer confrontação com a situação sem precedentes requer um léxico novo, e introduzo novos termos quando a linguagem existente falha em capturar um fenômeno inédito."</i></p><p>(2) STANDING 2013, emerge na página164, CAVALCANTE e FILGUEIRAS in ANTUNES (org.) 2020; "As características desse 'novo mundo do trabalho', ainda que tomadas de maneira crítica, também informam a análise de Guy Standing. Segundo o autor, o mundo está passando por uma 'transformação global', análoga à 'grande transformação' identificada por Karl Polanyi.'</p><p>(3) O argumento está em ARRIGHI 1996 e também em SENNETT 2003 de declínio do Welfare State e do mundo regulado pelo fordismo e keynesianismo.</p><p>(4) Nesse ponto do texto SENNETT 2004 página 209 puxa uma chamada para o livro da Cidade Global de Saskia Sachen, mostrando-nos como a ansiosa pressão dos acionistas pela materialização de lucros rápidos impactam o desenvolvimento das cidades contemporâneas.</p><p><b>Bibliografia:</b></p><p>ANTUNES, Ricardo (org.), CAVALCANTE, Sávio e FILGUEIRAS, Vitor - <b><u>Um novo adeus a classe operária?</u></b> - Editôra Boitempo São Paulo 2020</p>ARRIGHI, Giovanni - <b><u>O longo século XX, dinheiro, poder e as origens do nosso tempo</u></b> - editora Unesp São Paulo 1996<p>BERMAN, Marshal - <b><u>Tudo que é sólido desmancha no ar, a aventura da modernidade</u></b> - Editora Companhia das Letras São Paulo 1994</p><p><span style="font-family: inherit;"><span style="background-color: white; color: #222222;">NETTO, José Paulo - </span><b style="background-color: white; color: #222222;"><u>Karl Marx: uma biografia</u></b><span style="background-color: white; color: #222222;"> - Editora Boitempo São Paulo 2020</span></span></p><p><span style="font-family: inherit;"><span style="background-color: white; color: #222222;">SENNETT, Richard - <b><u>Respeito a formação do caráter em mundo desigual</u></b> - Editora Record Rio de Janeiro 2004</span></span></p><p><span style="background-color: white; color: #222222;"><span style="font-family: inherit;">ZUBOFF, Shoshana - <b><u>A era do capitalismo de vigilância; a luta por um futuro humano na nova fronteira do poder</u></b> - Editôra Intrínseca Rio de Janeiro 2020</span></span></p>Pedro da Luzhttp://www.blogger.com/profile/07320690622387710961noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7230136955993736286.post-4186506328755234282021-10-13T09:24:00.002-03:002024-02-19T12:16:57.987-03:00O filme a Guerra do Fogo e a disciplina de Teoria e História da Arquitetura 1 (THA 1)<p></p><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi3Ek8MsAUWmw3aYc830MAKxm5om2JYHyy6B755gRepWrGS9yP8bhBPR_Z1VMvajMskNTJ8Iu8TRyYUpe05lz25FzRKaVGoHdNyudPUSO-ppYHxoRw7yUYVGPNo8Ym8mlAQucrF85xFEiTn/s779/manuten%25C3%25A7%25C3%25A3o+da+brasa.jpg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="369" data-original-width="779" height="152" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi3Ek8MsAUWmw3aYc830MAKxm5om2JYHyy6B755gRepWrGS9yP8bhBPR_Z1VMvajMskNTJ8Iu8TRyYUpe05lz25FzRKaVGoHdNyudPUSO-ppYHxoRw7yUYVGPNo8Ym8mlAQucrF85xFEiTn/s320/manuten%25C3%25A7%25C3%25A3o+da+brasa.jpg" width="320" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><b>A manutenção da brasa acesa como única forma <br />de domínio do fogo</b></td></tr></tbody></table>Nesse segundo período do ano de 2021 estarei ministrando para os alunos da Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (EAU-UFF) a disciplina de História e Teoria da Arquitetura 1 (HTArq-1), em função da aposentadoria do professor Juarez Duayer. Tal tarefa, tem demandado um esforço de estudo e de sistematização da minha parte, que vem sendo auxiliado pelo professor Juarez, que disponibilizou suas anotações, programas e sistematizações de forma generosa. O período histórico da disciplina HTArq-1 abarca desde a pré história até o Renascimento no século XVI, um marco temporal ao qual ainda não tinha me dedicado de forma sistemática. A ênfase da disciplina recai sobre a antiguidade clássica, Grécia e Roma, seguida da Idade Média, chegando ao Renascimento dos século XV e XVI. Mas a pré história e as sociedades da antiguidade oriental devem ser abordadas para que se reduza o caráter eminentemente Euro cêntrico da nossa construção histórica, que aliás também é reduzida pela menção nas aulas do Professor Juarez da arquitetura pré colombiana e dos povos originários da América. Na minha trajetória, na EAU-UFF, como professor de projeto com concentração em história e teoria da arquitetura e do urbanismo já havia me dedicado a disciplina de HTArq-3, que aborda o modernismo e a contemporaneidade. Portanto, esse texto se insere nesse esforço de estudo de se apropriar de um período histórico distante, de forma que ele faça sentido para os estudantes do século XXI da EAU-UFF, no ano de 2021. Aqui, cabe um alerta em nome da sinceridade, no campo da história e da teoria considero impossível a divisão entre abrigo e cidade, ou arquitetura e urbanismo que os cursos de arquitetura no Brasil adotam. O fenômeno da ocupação do espaço pelo homem não distingue interior de exterior, moradia de cidade, intenção e projeto, arquitetura de urbanismo, àqueles que discordam apresento a definição de cidade de Leon Battista Alberti no <i>De re adificatória de 1485</i>. Livros I a IV <p></p><p style="text-align: right;"><i>"A cidade segundo sentença dos filósofos é como uma casa grande, e vice versa, a casa é uma pequena cidade... As coisas públicas pertencem a todos os cidadãos; é sabido que a importância e a razão de fazer cidades deve ser esta: que os habitantes vivam em paz, e dentro do possível livre de incômodos, livres de toda moléstia. E sem dúvida se deverá considerar e novamente examinar desde o princípio em que lugar, em que situação e com que muralhas se deve fazer."</i> PATETA 1997 página77 </p><p></p><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjn4vlg2aL9PmjJRfY_fNm-DSrbMA3l7nZ3hO4VU0i8fb03BR3NlzlUbuJKFvlZyE2o2qkn534j_ZRM8MbXsO5GHlwUVAIroxlKxPVfuNnlvsEsYFaStgkU44ZZBm-_dE3kG8COnI8n_Qz_/s787/produ%25C3%25A7%25C3%25A3o+de+utens%25C3%25ADlios.jpg" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="393" data-original-width="787" height="160" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjn4vlg2aL9PmjJRfY_fNm-DSrbMA3l7nZ3hO4VU0i8fb03BR3NlzlUbuJKFvlZyE2o2qkn534j_ZRM8MbXsO5GHlwUVAIroxlKxPVfuNnlvsEsYFaStgkU44ZZBm-_dE3kG8COnI8n_Qz_/s320/produ%25C3%25A7%25C3%25A3o+de+utens%25C3%25ADlios.jpg" width="320" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><b>A tomada de consciência da formulação de <br />utensílios humanos a partir do barro</b></td></tr></tbody></table>Assim, devo a escolha do filme a Guerra do Fogo, lançado em 1981, do diretor Jean Jacques Annaud, numa produção franco-canadense também ao professor Juarez, como abordagem inicial da problemática da relação do gênero humano com a natureza e com nosso planeta. E, nesse texto pretendo destacar os aspectos levantados no filme a respeito do habitat do homem e das diversas formas de ocupação do território do nosso planeta pelo ser humano. Um ser, que intrinsecamente não reconhece como dado no planeta terra, a sua casa, mas que modifica a natureza para adequá-la a suas necessidades, essa premissa, que não é exclusiva da humanidade, pois; castores, joãos de barro, abelhas e outros também a promovem, modificações notáveis para otimizar a reprodução de suas espécies. Nos manuais de história a pré-história é qualificada como o período de 200.000 antes de Cristo, datação da provável aparição do homo sapiens, até 4.000 antes de Cristo, quando ocorre a descoberta da escrita nas sociedades do Oriente Próximo. Tal situação, determina que esse imenso período seja lido e descrito a partir de pinturas, registros gráficos, arqueologia, e outros, o que determina uma ampliação das suas possibilidades, e da capacidade de interpretação da nossa contemporaneidade. A história será sempre uma apropriação do tempo passado por uma contemporaneidade, que avalia os fatos ocorridos a partir de sua perspectiva, e diante dos dilemas vividos no seu tempo presente. Mas, a pré história por seu caráter ainda não auto documentado (ausência da escrita) enfatiza essa condição de interpretação e de apropriação do período pelas angústias do nosso tempo. Ao final, o patrimônio construído pela humanidade é dela própria, e deve ser entendido como "O Comum", que não é propriedade de ninguém especificamente, mas de todo gênero humano, aberto a novas narrativas e interpretações. É claro, no entanto, que essa história da eleição de um filme franco canadense, aqui apresentada possui uma matriz Euro Cêntrica, e portanto limitada aos pressupostos impostos por essa narrativa, mas que pretende trazer de forma despretenciosa o instrumental para sua descolonização por parte dos alunos. Afinal, o lugar onde está sendo formulada e construída, essa HTArq-1 é a cidade de Niterói, dentro da cidade metropolitana do Rio de Janeiro, no Brasil, um país latino americano, periférico ao sistema de domínio mundial denominado, Euro Atlântico e Estadounidense de nossa contemporaneidade.<p></p><p style="text-align: right;"><i>"E finalmente ao eleger o sítio para construção da Vila deve se fazer todas aquelas considerações que se fizeram para eleger o sítio para a cidade: posto que a Cidade não é outra coisa que uma casa grande e, ao contrário, a casa é uma cidade pequena."</i> Andrea Palladio Os quatro livros da Arquitetura 1570, página46 do livro II in PATETA 1997, página 77</p><p></p><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhM3jGCZGeXAF1aO88AQtKpokkyFgEeMEoILfqv_2WFJZzXDofYyF20NXpz9z21ImYXzY9eu_L_oPCT2GcANPCjmuAZ7bh3aU7QPgyqnDIRnplDkmr036HR_MQInkf-UOw3dk7Tqq7vZ1WL/s783/aglomera%25C3%25A7%25C3%25A3o+de+cabanas.jpg" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="345" data-original-width="783" height="141" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhM3jGCZGeXAF1aO88AQtKpokkyFgEeMEoILfqv_2WFJZzXDofYyF20NXpz9z21ImYXzY9eu_L_oPCT2GcANPCjmuAZ7bh3aU7QPgyqnDIRnplDkmr036HR_MQInkf-UOw3dk7Tqq7vZ1WL/s320/aglomera%25C3%25A7%25C3%25A3o+de+cabanas.jpg" width="320" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><b>A aglomeração de cabanas de uma tribo primitiva<br /> protegidas e resguardadas de inimigos<br />pelo pântano</b></td></tr></tbody></table>O tema central do filme é o domínio da tecnologia de controle do fogo pela espécie humana, localizado num tempo arbitrário de aproximadamente 80.000 anos antes de Cristo, quando a humanidade encara o fogo como um objeto cercado de mistérios, que poucos grupos governavam na sua geração. Essa informação temporal é comunicada logo no início do filme através de um texto escrito que rola na tela, sendo a única informação textual e objetiva da experiência cinematográfica. Aliás, uma das virtudes da película é a ausência durante suas 1 hora e trinta e cinco minutos de duração, de qualquer diálogo inteligível pelo espectador. A linguagem oral, que já está presente entre os grupos humanos do filme é incompreensível para sua audiência, o que demanda dos atores um esforço maior para transmissão clara dos desejos e vontades dos personagens através do corporal. Tal decisão, enfatiza a comunicação da imagem e do cinema e da representação, e nos transporta a um mundo de absoluta supremacia da imagética, que coloca a audiência livre de uma descrição oral e literal precisa, acentuando nossa atenção a expressividade dos rostos e ao corporal dos atores. Além disso, o recurso abre a audiência uma ampla gama de interpretações, como numa obra aberta, onde as narrativas podem ser construídas a partir da livre associação de ideias e gestos, que ao final se constituem no texto objetivo do filme. Essa característica nos remete aos filmes mudos do começo da história do cinema, ou a cineastas como Alfred Hitchcok, que sempre lançaram mão em seus filmes de longos trechos sem diálogos ou legendas, enfatizando a ideia da comunicação direta apenas pela imagem, reforçando a ambiência da livre interpretação e da associação de ideias pelos expectadores. E, aqui é importante assinalar que o estudo dos objetos primitivos, enfim da arte primitiva não deve ser considerado um mero documento etnográfico mas como fato artístico vivo e atuante. Pois como disse Marc Bloch, não se faz história daquilo que não mais nos atinge, mas sim dos fenômenos que continuam atuando, como uma linha mestra da civilização, como enfatiza Giulio Carlo Argan sobre a atemporalidade dos objetos artísticos;<p></p><p style="text-align: right;"><i>"De fato, cada obra não apenas resulta de um conjunto de relações, mas determina por sua vez todo um campo de relações que se estendem até o nosso tempo e o superam, uma vez que, assim como certos fatos salientes da arte exerceram uma influência determinante mesmo à distância de séculos, também não se pode excluir que sejam considerados como pontos de referência num futuro próximo e distante. Basta lembrar a arte pré-histórica e primitiva..."</i> ARGAN 1992 página 15</p><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjEaCr8ExUqe765DCzpBgU5lkWsIOiJQUJrYYpPvjHtpqtebmW5RYZcGJFJ1flDUhulV9hL8wHYwDwF2TccnWjb2nKVLNwm2o5bLpM1m31Ym1imoMJJMR7tKU-64fQo-gGRaLY_LsXJG7t7/s789/Cabana.jpg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="343" data-original-width="789" height="139" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjEaCr8ExUqe765DCzpBgU5lkWsIOiJQUJrYYpPvjHtpqtebmW5RYZcGJFJ1flDUhulV9hL8wHYwDwF2TccnWjb2nKVLNwm2o5bLpM1m31Ym1imoMJJMR7tKU-64fQo-gGRaLY_LsXJG7t7/w320-h139/Cabana.jpg" width="320" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><b>Imagem da cabana da tribo sedentária do filme<br />A Guerra do Fogo, mostrando técnicas de <br />vedação a partir do couro e do barro</b></td></tr></tbody></table><p>Ao longo do filme também percebe-se diferentes tipos de clãs e grupos humanos, que além de guerrearem entre si também se relacionavam, inclusive sexualmente, com diferentes conotações, que denotam que o intercâmbio humano entre diferentes bio-tipos é a verdadeira fortuna da humanidade. De certa forma, essa característica que será enfatizada com o sedentarismo e a revolução agrícola, ocorrida segundo a periodização dominante entre 18.000 e 4.000 anos antes de Cristo. Essa tendência é anunciada pelo filme como uma presença já existente entre os grupos humanos, e que será claramente impulsionada pela posterior revolução urbana, 4.000 anos antes de Cristo. Particularmente, no episódio que levanta a hipótese de cobrança e obrigatoriedade pelo grupo sedentário ao membro do grupo da caverna para que fertilize as suas mulheres mais gordas e avantajadas. Ao mesmo tempo, tal tendência está longe de ser romantizada pelo filme, como uma ética humana determinada naturalmente, pois há menção inclusive a práticas antropofágicas, que ocorreriam não entre os iguais, mas entre os diversos. Há, também uma certa diferenciação pré-conceituosa, no universo intra-comunidade, envolvendo portanto semelhantes no episódio, que claramente mostra o tratamento diferenciado às mulheres mais magras do clã, que são preteridas na pretensa seleção reprodutiva da tribo sedentária. O fato é que o filme claramente apresenta a hipótese de busca por uma seleção reprodutiva controlada, por parte da comunidade sedentária, que visa o aprimoramento da constituição física e estrutural das futuras gerações. Será, que tal episódio pode ser comprovado pelos vestígios e rastros deixados por nossos antepassados, nos sítios arqueológicos existentes? Ou, como uma ética das relações humanas deve incluir sempre como premissa o livre arbítrio e a escolha do indivíduo, frente até as determinações do grupo? Importante, destacar que o argumento ou narrativa é plausível, mesmo que pendente de comprovação factual pelo sítio arqueológico ou vestígio, mostrando-nos que a história, seja pré escrita ou pós escrita está aberta as nossas leituras e narrativas.</p><p style="text-align: right;"><i>"Direi agora brevemente, o que é que creio que seja a arquitetura. Arquitetura em sentido positivo, para mim, é uma criação inseparável da vida e da sociedade na qual se manifesta; em grande parte é um feito coletivo. Ao construir suas habitações, os primeiros homens realizaram um ambiente mais favorável para suas vidas ao construir-se um clima artificial, e construíram de acordo a uma intencionalidade estética. Iniciaram a arquitetura, junto com os primeiros indícios da cidade; de essa maneira, a arquitetura é co-natural com a formação da civilização, e é um feito permanente, universal e necessário. Seus caracteres estáveis são a criação de um ambiente mais propício a vida e a intencionalidade estética."</i> ROSSI, in PATETA 1997 página75</p><p>Mas, além da comprovação o fato é que somos uma espécie, que claramente apresenta fragilidades com relação a sua reprodução e manutenção, frente ao mundo natural, que foram compensadas exatamente pelo compartilhamento de saberes e tecnologias. Efetivamente, o ser humano nasce extremamente dependente das gerações mais velhas, forjando sua independência natural a partir dos cinco anos de idade ou mais, afinal sua conformação cerebral, por exemplo, estará plenamente constituída apenas a partir dos dois anos de vida, e, na dependência da recepção adequada de alimentos e proteínas. Mas, o filme explora claramente a marcação das diferenças entre os grupos humanos, que é feita por diferentes sinais corporais e faciais, tais como; mais ou menos pêlos, a presença de um certo prognatismo de sobrancelha e queixo ou sua ausência, a utilização de vestiário ou não, dentre outros. Esses grupos, dominam e possuem diferentes acessos a tecnologias de apropriação do fogo, mas também de construção de moradias e do seu agrupamento, bem como de sua defesa e do cultivo de plantas, frutos e sementes. É representativo da questão do domínio do território e da escolha do melhor local para a aglomeração de moradias - uma vila, ou mini cidade - no episódio da aproximação de um membro do grupo que vive em cavernas, do grupo, que já produz sua habitação, com uma estrutura de galhos flexíveis e vedação com peles, couros de animais e barro<strike><strike></strike></strike>. O episódio nos mostra um representante de um grupo de estatura e compleição física mais avantajada (o grupo da caverna), que é capturado pelo pântano, e é submetido a uma sub imersão progressiva pelo alagado. Tal fato, denota o domínio da tecnologia da escolha do sítio para a aglomeração das barracas a partir de uma estratégia de defesa, a partir da utilização do alagado natural, que fragiliza os indesejados visitantes, desconhecedores das sutilezas do caminho seguro à vila. Como uma muralha da cidade medieval, ou como a Laguna da cidade de Veneza percebe-se a estratégia da escolha do lugar da aglomeração como um conhecimento, ou o domínio empírico experiencial da defesa da aldeia frente aos estranhos.</p><p style="text-align: right;"><i>"A arquitetura consiste de algum modo em ordenar o ambiente que nos rodeia, oferecer melhores possibilidades ao assentamento humano, portanto, as relações que tem a missão de estabelecer são múltiplas, inter atuantes entre si; se referem ao controle do ambiente físico, a disposição de certas possibilidades de circulação, a organização das funções, de seu agrupamento ou segregação de suas relações; responde a certos critérios econômicos, se move em, e move, certas dimensões tecnológicas, provoca modificações na paisagem, etc... Mas organizar estas relações é algo completamente diferente de sua simples soma, é o significado que deriva do modo de lhe dar forma, é colocar-se dentro da tradição da arquitetura como disciplina, com um novo gesto de comunicação, com uma nova vontade de transformação da história."</i> GREGOTTI in PATETA 1997 página 75</p><p>Enfim, o Filme a Guerra do Fogo coloca nos a questão de um debate fundamental inserido em nossa contemporaneidade; a quem pertence o desenvolvimento das técnicas, que criam um ambiente mais favorável a vida humana, com intencionalidade estética? A quem pertence o tijolo, a taipa de pilão, o solo cimento, a telha moderna de barro, a esquadria de madeira ou PVC, tecnologias, que assim como a geração do fogo foram gestadas pela humanidade num longo processo de compartilhamento. A arquitetura é um fato <i>"permanente, universal e necessário"</i>, garantir que seu acesso seja universalizado a todos os membros da espécie humana, talvez seja o maior desafio colocado para o nosso ofício em nossos tempos contemporâneos. Tal objetivo é muito mais fácil de ser atingido, a partir da premissa da colaboração, solidariedade e do compartilhamento comunitário, do que pela competição desenfreada, ou pelo conflito de todos contra todos.</p><p><br /></p><p><b>BIBLIOGRAFIA:</b></p><p>ARGAN, Giulio Carlo - <b><u>História da Arte como História da Cidade</u></b> - Editora Martins Fontes, São Paulo 1992</p><p>PATETA, Luciano - <b><i><u>Historia de la Arquitectura, Antologia Critica</u></i></b> - Editora Herman Blume, Madrid 1997</p>Pedro da Luzhttp://www.blogger.com/profile/07320690622387710961noreply@blogger.com0