quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Um debate com os economistas do CORECON-RJ sobre a ocupação do território

Pedro da Luz (Presidente do IAB-RJ), Henrique Silveira (Casa
Fluminense), Mireli Malaguti (UFRJ) e Alexandre Jerônimo
(UFRRJ)
Na quarta feira dia 11 de dezembro de 2019 estive no Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro (CORECON-RJ) para apresentar o Congresso da UIA2020Rio e a Capital da Arquitetura Mundial no Rio de Janeiro, e aproveitar para destacar as complexas correlações entre ocupação espacial e economia. A mesa foi composta pelo mediador Henrique Silveira (Casa Fluminenese), pelos economistas Mireli Malaguti (UFRJ), Alexandre Jerônimo (UFRRJ), e por Pedro da Luz Moreira (Presidente do IAB-RJ). A primeira fala foi minha, Pedro da Luz (IAB-RJ), uma vez que fiquei com a incumbência, dada por Henrique da Silveira (Casa Fluminense), de articular desenvolvimento econômico, com território e espaço, na cidade metropolitana do Rio de Janeiro. Um assunto central para as sociedade contemporâneas, e que no Brasil, pelo menos por parte dos políticos oficiais não vem sendo debatido de forma integrada. A macro-política, seja do governo Federal, do Estadual, ou mesmo do Municipal não pensa o espaço e o território, como potencializador de ações de saúde, de educação,  de cultura, de finanças, e de outras, que invariavelmente compõem os programas de partidos de diferenciadas tendências ideológicas nas eleições. E, mais não pensam uma política de estruturação espacial das cidades brasileiras, que promova uma melhor divisão de renda, ou um projeto de inclusão de parcelas significativas da nossa população.

No mercado brasileiro de produção imobiliária, a própria reprodução da cidade brasileira, há um déficit continuado de inacessibilidade à moradia urbana de qualidade, isto é, uma célula familiar, casa ou apartamento, com qualidade ambiental e construída em locais onde ocorram; calçamento, arborização adequada, segurança, iluminação pública, coleta de esgotos, de lixo, distribuição de água e de energia, transporte público, equipamentos de educação, cultura, lazer e saúde, etc... Ao final uma urbanidade de qualidade, aonde as infra estruturas estão universalizadas para todos, permitindo o amplo acesso ao;  calçamento, arborização adequada, segurança, iluminação pública, coleta de esgotos, de lixo, distribuição de água e de energia, transporte público, equipamentos de educação, cultura, lazer e saúde, etc... Na verdade, as cidades brasileiras são marcadas pela presença de territórios, aonde há carência de grande parte desses serviços, seja nas periferias distantes, ou nas favelas. A ideia de formulação de um plano e projeto de país, que universalize o acesso a todas essas infra estruturas é quase uma obsessão do IAB, nacionalmente e nos seus departamentos desde a década de sessenta, quando da discussão das Reformas de Base no Governo João Goulart. Num encontro em 1963, no Hotel Quitandinha em Petrópolis, a rede nacional do IAB já defendia a urbanização de favelas, como parte da política habitacional do país. Os tempos, logo após a inauguração de Brasília marcam no campo da arquitetura e do urbanismo, uma reflexão importante para promoção de um desenvolvimento mais inclusivo, principalmente a partir dos canteiros de obra (1). Esses mesmos canteiros de obras, que marcavam, e ainda marcam, uma profunda divisão técnica e social no país, aonde um precariado desassistido e desinformado produzia nossa arquitetura moderna quase sem equipamentos, mostrando como nossa modernidade se amparava no arcaico.

Nesse mesmo momento, deixávamos uma face agrário-exportadora de produtos básicos para se transformar numa economia urbano-industrial, promovendo uma incrível transformação espacial; de país rural, para urbano. Uma transformação, que na verdade sempre se conciliou com os aspectos arcaicos anteriores, evitando o confronto, mantendo sempre uma elite oligárquica no comando de forma autoritária e autocrática, bloqueando a participação, e portanto a inclusão. Nosso desenvolvimento será sempre exclusivo e restrito a parcelas minoritárias, que sempre defenderam a ideia de; "primeiro temos de fazer o bolo crescer para depois distribuí-lo"(2). A oitava ou décima economia mundial, o Brasil, manteve sempre um arcaísmo explosivo nas formas de reprodução do nosso precariado, condenado a sobreviver em favelas ou loteamentos irregulares, auto produzindo sua própria moradia. O comando de nossas elites manteve sempre um dualismo exploratório(3) entre arcaísmo e modernidade, que lhe beneficiava junto com uma classe média cooptada pela sub remuneração do precariado, que também lhe garantia serviços inusitados, como em nenhum outro lugar do mundo. A manutenção de entradas de serviços, quartos de empregada e outras peripécias programáticas em nossas modernas edificações multi familiares demonstram a estrutura hierarquizada e segmentada da nossa sociedade. Um testemunho material e físico, contido em nossas cidades, moradias, bairros e vizinhanças da super exploração do nosso desenvolvimento, que permanece fomentando mais concentração de renda.

Por outro lado, nos mesmos anos JK, idealizador de Brasilia o país abraça um rodoviarismo imposto pela moderna indústria fordista das montadoras nacionais e multinacionais de ônibus e automóveis, que passam desde a segunda metade dos anos cinquenta a desestruturar nossa incipiente malha ferroviária. A própria nova capital, Brasília, possui um desenho rodoviarista celebrador da incipiente indústria automobilística,, sem previsão de qualquer estrutura de transportes públicos, imaginando que o automóvel e os ônibus se generalizariam para todos em nossa sociedade. Essa mesma indústria automobilística será impositiva e indutora na adoção da dispersão urbana interminável, gerando periferias precarizadas, sem infra estrutura, aonde a terra urbana barata e o loteamento irregular são as opções para a maioria das nossas faixas de renda. As periferias de São Paulo, do Rio de Janeiro, ou as cidades satélites de Brasília atestam para nós essa experiência, que empurram para longe a pobreza, mantendo os centros como exclusivos, mesmo que já esvaziados.  Esse mesmo rodoviarismo cobrará dos governos investimentos vultosos em avenidas, ruas e estradas, conformando um sistema público de transportes baseado no ônibus para as parcelas menos aquinhoadas e no automóvel particular para os remediados, transformando a cidade brasileira num grande engarrafamento sem igual. O interesse das grandes montadoras, dos monopólios de transporte coletivos em ônibus definiram os investimentos públicos da cidade, aprisionando os investimentos governamentais a sua pauta, muitas vezes contrários as expectativas da maioria.

Portanto é na estrutura física de nossas cidades, moradias, bairros, vizinhanças que a sub remuneração se materializa, condenando parcelas expressivas da nossa população a conviver com dificuldades de saneamento, precariedade de segurança e de transportes. Nesse sentido, as favelas aparecem como um enfrentamento também físico e material às condições inerciais de reprodução da sociedade brasileira. Pois elas, invariavelmente se localizam em centralidades, aonde há empregos e biscates, que pelo menos garantem a sobrevivência de sua população, que resiste aí contra o destino das periferias intermináveis. Também diga-se de passagem, favelizadas, mas sem possibilidade de ocupação próxima, condenando o nosso precariado a um movimento pendular de muitas horas, num transporte público ineficiente e caro. Enfim, o plano ou projeto da cidade brasileira é uma máquina de exclusão de uma parcela expressiva da sua população, que luta por se manter em localidade centrais (favelas) densas, sem infra estrutura e insalubres, ou nas periferias intermináveis (loteamentos irregulares) dispersas e também sem infra estruturas e insalubres. Importante salientar, que crianças de 0 a 2 anos, submetidas a essas condições de insalubridade podem apresentar difterias e diarreias continuadas nesse periodo, comprometendo o desenvolvimento de seus cérebros. Nesse sentido, a política urbana brasileira é semelhante a um genocídio, que cada vez mais incrementa os índices de violência urbana, que atingem mais fortemente nossa classe média. Em termos gerais, as cidades brasileiras são dispersas, ocupando uma área muito maior do que a necessária, induzindo uma deseconomia perversa, aonde pobres pagam mais, e ricos se beneficiam de forma continuada de sua localização nas cidades, sendo menos taxados.

Diante disso tudo, procurei enfatizar que  é necessário a formulação de um outro plano-projeto para a cidade brasileira, buscando pela ordenação espacial e territorial promover divisão de renda, revertendo sua lógica concentradora. Na verdade, grande parte das lutas da redemocratização lutaram pela construção de um acordo jurídico, que permitisse o aprisionamento do lucro imobiliário pelos governos municipais, gerando fundos que permitissem a formulação de uma cidade com mais equidade. Os artigos 182 e 183 da Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Cidade de 2001 procuravam explicitar o lucro imobiliário, taxando um direito intocável no nosso capitalismo; o Direito de Propriedade da terra urbana. A função social da Propriedade Privada, que tanta luta gerou nos anos constituintes, e que teve sua tese regulamentada em lei no Estatuto da Cidade, apenas em 2001, treze anos após a sua vigência demonstram para nós a resistência da cultura patrimonialista a sua efetividade. Até hoje muito poucas cidades brasileiras conseguiram operar os modernos mecanismos do Estatuto da Cidade para aprisionar o lucro imobiliário, gerando uma cidade mais inclusiva. 

A partir dessas colocações lancei a ideia de que é necessário a formulação de um projeto contra-hegemônico, que mudasse a forma inercial de reprodução da cidade brasileira, combatendo quatro pontos, que induzem a exclusão de parcelas significativas da nossa população:

1. Cidade dispersa e esgarçada.
2. Cidade fragmentada entre diversos extratos sociais e usos compartimentados.
3. Cidade com mobilidade ineficiente, e baixo investimento nos modais de alta capacidade.
4. Cidade predadora do meio ambiente.

Para isso a cidade brasileira deveria reverter sua forma de reprodução continuada, devendo formular ações que buscassem um novo arranjo espacial, capaz de promover a inclusão e a coesão social a partir de um plano-projeto claro e debatido com todos:
 
1. Cidade compacta e densa, que inicie o combate a sua dispersão interminável, enfatizando o papel aglutinador dos antigos centros de nossas cidades, que devem passar a abrigar usos diferenciados.
2. Cidade baseada na convivência da diversidade de classes e usos, que combata a tendência de gerar guetos de pobreza e de riqueza da cidade brasileira.
3. Cidade de mobilidade ampliada, que combata a exclusão determinada a partir da ausência ou tarifação cara do transporte público, com investimento em modais de alta capacidade.
4. Cidade que amplie a visibilidade e a aproximação dos seus biomas particulares com seus cidadãos ampliando seu uso e apropriação.

Depois dessas colocações, os economistas Mireli Malaguti (UFRJ), Alexandre Jerônimo (UFRRJ) teceram considerações sobre as especificidades do desenvolvimento brasileiro, que permanece sem considerar a totalidade de sua população, pretendendo-se exclusivo.

NOTAS:

(1) Figuras como Rodrigo Lefèvre e Sérgio Ferro em São Paulo, ou Carlos Nelson dos Santos e Joca Serran no Rio de Janeiro, pautam sua atuação profissional por um afastamento do mecenato dos clientes e para entender a produção popular e disseminada das nossas cidades e abrigos.da Economia.
(2) Formulação explícita do Ministro Delfim Neto no governo do General Castelo Branco, o primeiro da Ditadura Civil-Militar.
(3) O sociólogo Chico Oliveira defendeu que a Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL) deixou-se aprisionar por uma lógica dualista, aonde a modernidade desenvolvimentista conseguiria a superação do arcaísmo, defendendo que as duas posições conviviam de forma simbiótica na América Latina e no Caribe.

BIBLIOGRAFIA:

KOURY, Ana Paula - Arquitetura Moderna Brasileira, Uma Crise em Desenvolvimento - Edusp São Paulo 2019

OLIVEIRA, Francisco - A economia brasileira, crítica a razão dualista / O ornitorrinco - Editora Boitempo São Paulo 2007