terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

O filme A garota do trem trabalha com sensações da grande metrópole

A sensação da ampla mobilidade numa grande metrópole contemporânea é explorado pelo filme A garota do trem, tendo como cenário a imensa mancha urbana de Nova York e seus arredores, locais que estão a trinta, quarenta minutos, ou mais da Grand Central Station pelos potentes ramais de estradas de ferro da região. A incerteza, a precariedade e a volatilidade de nossas vidas na grande metrópole contemporânea, a transitoriedade de nossas escolhas e a dedução e a indução de nossas memórias particulares pelo outro é o contexto explorado pelo filme. Um triller de suspense, envolvendo um assassinato num típico subúrbio de casas americano, de baixa densidade, onde o habitar idílico próximo a natureza nos faz idealizar vidas e relações afetuosas. Como estamos diante de uma infinidade de estímulos e de apreensões, construimos narrativas idealizadas, tendo sempre como referência o turbilhão de nossas próprias emoções. Mesmo nossas memórias, quando abaladas pelo uso contínuo das bebidas alcoólicas, ou drogas - prática corriqueira nas grandes metrópoles - estão sujeitas a serem manipuladas por terceiros, que podem induzi-las para seus objetivos e interesses. O ato de se deslocar no espaço, numa grande velocidade nos coloca ao mesmo tempo como observador e personagem submetido a flashes ou instantâneos das vidas alheias, que são apropriadas de maneira fragmentada e parcial. A grande metrópole é na verdade uma grande abstração, tão grande e extensa, que nos foge o poder de síntese, estilhaçada numa infinidade de vivências, a cidade não é mais compreensível em sua imensa complexidade...

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Debate no IAB-RJ sobre a MP759 sobre a regularização fundiária

No dia 21 de fevereiro de 2017 realizou se no Instituto de Arquitetos do Brasil, departamento do Rio de Janeiro (IAB-RJ) um debate sobre a Medida Provisória 759/2016, que trata da regularização de terras no país, e que foi enviada ao Congresso Nacional no dia 22 de dezembro de 2016 pelo poder executivo. O assunto é de imensa complexidade por tratar de uma questão complexa na cultura cartorial do Brasil, que confronta práticas instaladas, a incertezas burocráticas, e a determinação de nossa Constituição Federal, de que a propriedade privada deve cumprir sua função social. A mesa de debatedores foi composta por; Maria Lucia Pontes, defensora pública integrante do Núcleo de Terras e habitação da Defensoria do Estado do RJ, Aricia Fernandes Correia, procuradora da Coordenadoria de Regularização Fundiária do município do RJ, Alex Magalhães professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ, e José Martins coordenador do Movimento Rocinha sem Fronteiras. A mediação da mesa foi feita por mim, Pedro da Luz Moreira presidente do IAB-RJ.

O que se depreende das falas, tanto dos palestrantes, quanto dos participantes é que a MP759/2016 altera 19 atos normativos federais editados entre 1946 e 2015, entre os quais, todas as disposições sobre regularização fundiária da Lei Federal 11.977 de 2009, que estabeleceu uma grande referência normativa para as ações nessa área. Em um assunto, que mobiliza amplas parcelas da população brasileira urbana e rural, envolvendo questões relativas a sustentação de familias e extratos precarizados da sociedade brasileira, porque tentar aprovar pelo instrumento de medida provisória? Algumas falas articularam a edição da MP759/2016 com outra a MP700/2016, que pretendia privatizar a regularização fundiária no Brasil, dando-lhe maior celeridade, tirando da responsabilidade dos gestores públicos a definição das desapropriações. O que era um absurdo! Portanto, a MP759/2016 gera uma grande insegurança nesse campo, deixando gestores, especialistas e a sociedade civil diante de uma perplexidade imensa, que só dificulta os processos em andamento, barrando o atendimento da função social da propriedade da terra.

É interessante registrar, que no século XIX alguns pensadores liberais, fortemente alinhados com o livre mercado, como o economista americano Henry George propunham a forte taxação da terra, pois encaravam como anti-natural o monopólio da sua propriedade. Henry George considerava a terra como um bem comum, pertencente a todos, e sua propriedade determinava um forte desequilíbrio nas condições de competição da livre iniciativa. O debate sobre a questão da terra no Brasil permanece contaminado por um forte tabú, dominado por alinhamentos ideológicos mecânicos, que negam uma reflexão ponderada sobre seus impactos na cidade brasileira. É necessário enfrentá-lo de forma mais equilibrada, pois nossas cidades apresentam uma face muito desigual exatamente por uma lógica perversa instituída pela propriedade fundiária.

Foi publicado no último dia 14 de março de 2017 entrevista comigo para a Agência Reuters sobre o assunto. O link se encontra abaixo

http://news.trust.org/item/20170314165541-9lryi/

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

A cidade de Maringá no interior do Paraná é um exemplo para as cidades médias brasileiras

Os membros do Conselho Superior do IAB, com a cúpula-
cone da catedral de Maringá ao fundo
Estive na cidade de Maringá do interior do estado do Paraná, para o encontro do Conselho Superior (COSU) do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), entre os dias 25 e 28 de janeiro de 2017, no qual participei de uma mesa redonda em torno do tema; Uma agenda para as cidades brasileiras. A cidade de Maringá é uma agradável surpresa no cenário geral das aglomerações urbanas brasileiras, principalmente por seu padrão de desenho urbano. Fruto de um desígnio de um engenheiro paulista Jorge de Macedo Vieira, que elaborou o plano urbanístico em 1942 a partir da demanda de um empreendimento privado inglês, através da Companhia de Terras do Norte do Paraná. A empresa inglesa comprou no nordeste do Paraná, uma extensão de 515mil alqueires, que envolvia as cidades e a produção agrícola de Londrina, Maringá, Cianorte e Umuarama se articulando a rede ferroviária de São Paulo. Os núcleos urbanos estão espaçados entre si de cerca de 100quilômetros, tendo o planejamento regional uma dimensão que envolvia o parcelamento das terras rurais, a abertura das cidades, a venda dos lotes urbanos, os transportes rodoviários e ferroviários.

Planta da cidade de Maringá
O primeiro núcleo urbano de Maringá envolvia apenas oito quadras, conforme assinalado na Planta da cidade de Maringá, que nos mostra o arruamento geral proposto pelo engenheiro Jorge de Macedo Vieira de 1942. Interessante notar a influência do urbanismo das Garden Cities inglesas, com seu lançamento de logradouros arqueados para se adequar a topografia do sítio. As duas grandes áreas verdes, o Parque do Ingá e o Parque do Bosque são exatamente fundos de vale, para proteção dos mananciais, garantindo ao aglomerado urbano a presença da natureza. As caixas das avenidas e ruas seguem o padrão de Barcelona (1848), que já havia sido aplicado em La Plata(1882) e Belo Horizonte (1897); 35metros para as primeiras e 20 metros para os logradouros menores. Tanto as avenidas, quanto as ruas apresentam forte arborização, apesar de também apresetarem a rede de distribuição elétrica aérea, o que volta e meia ainda sacrifica a sua poda. As avenidas invariavelmente se assentam nas cumeadas topográficas, estando desenhadas com um canteiro central generoso, duas pistas de rolamento, mais um estacionamento lateral, e calçadas adjacentes aos lotes de grandes dimensões. Na planta, o logradouro pontilhado assinala o leito da antiga rede ferroviária, que era o limite norte da aglomeração urbana, que será rebaixado nos seus 7.360metros de extensão no ano de 2012. Esse rebaixamento da rede de trilhos poderá vir a ser o embrião de um sistema da transporte de massas, que a cidade ainda não possui.

O skyline da cidade de Maringá
Apesar dessa qualidade em seu desenho urbano, a arquitetura construída da cidade não apresenta o mesmo padrão de desenvolvimento, mostrando-se em grande número a partir de uma lógica autônoma do lote isolado. Tal configuração acaba por enfatizar uma excessiva autonomia da obra construída com relação aos seus vizinhos imediatos, e ao conjunto da quadra, exibindo um perfil descontínuo de implantações e desenvolvimentos. O desenvolvimento em torres isoladas já ocorre na cidade nas áreas mais valorizadas do centro, determinando uma radicalização da autonomia de padrões, acabamentos e soluções arquitetônicas, que desvela toda a crise de conjunto da cidade contemporânea.

A cidade de Maringá, apesar de seus problemas apresenta ao final uma experiência urbana notável. na qual se manifesta a presença de uma ação continuada de plano e projeto, essas trazem para a população uma certa celebração desse lugar no contexto do Brail. Esse é o valor maior de Maringá para o conjunto das cidades brasileiras, essa capacidade de apontar que o investimento no espaço para as próximas gerações é fundamental se queremos gerar melhor qualidade de vida para o conjunto da população, e não apenas para uma minoria.


domingo, 5 de fevereiro de 2017

A derrubada de Dilma Roussef

A capacidade de esconder interesses políticos
Ainda teremos, que fazer um imenso esforço para compreender nosso presente mais recente, mas seja pela vertente do golpe, ou pela via da normalidade institucional é preciso reconhecer que não se destitui uma presidenta legitimamente eleita sem uma articulação poderosa de fatos e fatores. O livro do jornalista e cientista político Rodrigo de Almeida, À sombra do poder, bastidores da crise que derrubou Dilma Roussef é uma excelente leitura, para entender os recentes fatos ligados ao impeachment do segundo mandato da presidente. A crise econômica e política pela qual passamos, e como os fatos foram se precipitando, numa conjunção que envolvia Lava-Jato,sistema financeiro nacional, Michel Temer, prisão do senador Delcídio Amaral, Eduardo Cunha e um executivo cada vez mais acuado pelos acontecimentos. Assessor de imprensa do então ministro da fazenda Joaquim Levy até setembro de 2015, o autor Rodrigo de Almeida virou secretário de imprensa da Presidência, depois dessa data, chamado pelo ministro de Dilma Roussef, Edinho Silva. Junto com o livro a Radiografia do Golpe: entenda como e por que foi enganado do sociólogo Jessé de Souza constituem para mim as melhores interpretações desses nossos tempos conturbados e recentes. O primeiro livro, a partir de uma relatoria jornalística se remete a circunstâncias fatuais, retiradas das manchetes de nossa imprensa, enquanto o segundo remonta a problemas estruturais, que constituem inércias de comportamento ancestrais da cultura brasileira.

Do lado político, os dois autores ressaltam a conjunção de agentes interessados no impedimento, ocorrida a partir de; uma das eleições mais apertadas depois da redemocratização; um no início barganhador, transformado em algoz-mor encarnado no deputado federal Eduardo Cunha, que operou em claro conluio com o vice-presidente Michel Temer, e um inconsolado derrotado o senador Aécio Neves. Do ponto de vista da matemática dos votos, o arranjo que está registrado foi; Dilma Roussef  54,5 milhões de votos, ou 51,65% dos votos válidos, contra 51 milhões de Aécio Neves, ou 48,36% dos nomeados. Outros 30 milhões de votos haviam se ausentado das urnas, enquanto que outros 5,21 milhões haviam anulados seus votos, se recusando a apontar qualquer um dos dois candidatos.

Do lado econômico, os dois autores apontam a ausência de direcionamento claro das intenções governamentais, que variou entre o neo-desenvolvimentismo e os juros altos, fazendo a política hora beneficiar e na outra contrariar os financistas, minguando sua base de apoio. Os interesses e pressões do sistema financeiro nacional ficam claros e transparentes a partir dos relatos abaixo, deixando-nos numa posição privilegiada de esclarecimento. Começando por Rodrigo de Almeida;

"Enquanto os bancos ganharam fortunas durante o governo Lula, suas margens caíam  a patamares insustentáveis, conforme expressão de Roberto Luiz Troster, economista-chefe da Federação Brasileira dos Bancos, a Febraban. 'Crédito a 2% ao mês? Não vai dar certo', era o título de um artigo seu publicado no jornal Folha de São Paulo em abril de 2012...Foi com essa oposição real, forte e sistemática que Dilma acabou reeleita e iniciou  o segundo mandato. Joaquim Levy a ajudaria a aplacar a falta de apoio no empresariado." ALMEIDA 2016 página43

Enquanto no livro de Jessé de Souza, o tom é mais estrutural;

"Como vimos anteriormente, não deveria ser considerado corrupção impor uma taxa arbitrária - no caso, a maior do mundo - acoplada a todos os preços que pagamos no mercado que drena o produto do trabalho de todos para o bolso de uma meia dúzia de privilegiados? É isso que, basicamente a taxa de juros faz...O governo ficou acuado e aderiu, ás bandeiras do inimigo. No campo econômico, adotou um ajuste fiscal suicida que implica afastamento progressivo de sua base de apoio popular. Os interesses que haviam sido desafiados em 2012 agora mandavam e desmandavam no próprio Palácio do Planalto. Nada disso aplacava a sanha revanchista." SOUZA 2016 páginas113e124

Realmente, a difícil conjunção de forças enfrentada pelo segundo mandato da presidenta Dilma Roussef não envolve apenas adversários sedentos por retirar uma mandatária legitimamente eleita, mas também a ausência de um direcionamento claro dos objetivos a serem perseguidos. Desde os 1990s a crítica ao processo de globalização geral, no qual os financistas são os grandes beneficiários, parece estar encurralada e sem perspectivas. O governo Dilma ao final de seu primeiro mandato fez um tímido desvio em sua rota para tentar construir uma alternativa nacional ao processo de globalização, a partir de um espasmo neo-desenvolvimentista. E, aqui fica cada vez mais claro que desde FHC, Lula e mesmo Dilma o Brasil tem se adequado ao gigantismo da globalização, imerso num otimismo quanto à nova ordem capitalista.

Bibliografia:

ALMEIDA, Rodrigo de - À sombra do poder, bastidores da crise que derrubou Dilma Roussef - Editora Leya São Paulo 2016

SOUZA, Jessé de - Radiografia do Golpe: entenda como e por que foi enganado - Editora Leya Rio de Janeiro 2016