domingo, 26 de abril de 2015

BH e seu patrimônio construído Art Decô

Residência na esquina da Av. Brasil
com Rua da Paraíba
A cidade de Belo Horizonte possui um patrimônio construído notável dentro da sensibilidade Art Decô, refundada sobre o antigo Curral D´El Rei, cidade de traçado colonial em 1897, ela se pretendia moderna, francófila e desvencilhada das influências da colonização portuguesa. Nos anos de 1940, nas comemorações da inauguração do bairro de subúrbio da Pampulha, seu então prefeito Juscelino Kubitscheck proclamava a pretensão da modernidade brasileira de dominar o natural;

"Centro geográfico de Minas, Belo Horizonte condensa a vida econômica, política e social do Estado. Entre menina e moça, caracteriza-se pela modernidade de suas linhas e relevos. Com efeito delineada há quarenta e cinco anos, à beira do sertão virgem, é tão nova que ainda se lhe percebe o cheiro da terra lavrada de pouco. Mas já exubera em realizações: grande cidade povoada de cerca de duzentos e cinquenta mil habitantes, agita-se, produz, estuda, diverte-se, amplia-se e prospera. 
Obra de audácia e tenacidade, Belo Horizonte assenta-se no domínio do homem sobre a natureza, que a emoldura de híspidas montanhas de ferro. Os elementos essenciais, de que já dispõe a fartar a cidade azul e verde, foram acumulados e disciplinados pela energia de suas administrações, e não representam uma dádiva fácil das circunstâncias naturais."

Residência Rua da Paraíba
O art decô era um dos estilos proto-modernos, que disputaram a sensibilidade do começo do século XX, e que tinham se disseminado pelas cidades brasileiras de forma generalizada, construindo um patrimônio memorável, mas pouco celebrado. O prefixo proto indicava sua antecedência temporal com relação ao modernismo e percebia-se nele a manutenção de princípios de composição clássica ou historicista, como a simetria e um decorativismo geometrizante. Apesar disso, investia fortemente na simplificação construtiva. que de certa forma procurava atingir uma nova objetividade, típica do modernismo. Há expoentes da arquitetura moderna, que permaneceram até o final da vida com traços art decô, como Frank Lloyd Wright ou Erich Mendelsohn, ou ainda Raymond Hood, autor do conjunto do Rockefeller Center em Nova York, dentre outros.

Residência esquina Av. Brasil com
Afonso Pena
O modernismo brasileiro foi desde sua primeira aparição muito influenciado por Le Corbusier, que foi após a fase historicista e eclética de Lúcio Costa celebrado como a encarnação da ética do construir moderno, principalmente pelos arquitetos da escola carioca. Lucio Costa foi o grande ideólogo da arquitetura brasileira até a construção de Brasília, no final dos anos 1950, com Juscelino na presidência do país, tornando o modernismo a expressão do poder. O bairro da Pampulha de Oscar Niemyer também possui clara influência corbusieana

Em Belo Horizonte  há um patrimônio construído Art Decô notável que se enquadra nessa sensibilidade, e que ainda não tem seu valor reconhecido. Há na cidade edificações nominadas como as de Rafaelo Berti, como o Minas Tênis Clube, ou a Santa Casa de Misericórdia, ou a Prefeitura de BH, ou o Palácio Episcopal dentre outras. Portanto, o Art Decô já foi também a expressão eleita pelo poder na cidade, no entanto hoje há uma clara predominância nas preocupações de conservação da cidade, que não comtemplam essa sensibilidade.

Num passeio despretensioso pelo bairro dos Funcionários, no entorno da Praça da Liberdade e da Praça Tiradentes identifiquei vários exemplares notáveis dessa sensibilidade, que me parecem não desfrutam das preocupações merecidas dos órgãos de preservação e conservação. Grande parte do contínuo construído dessa sensibilidade já foi destruído, sobrando apenas objetos isolados, que mesmo sem determinar uma continuidade merecem ser preservados. Esses objetos ainda preservam o mérito de garantir uma escala notável para as ruas e avenidas onde se localizam, além de se constituir num acervo construído não nominado, mas que apresenta grande qualidade. O que me parece importante destacar nessa arquitetura é sua compreensão do traçado de BH, sua capacidade de exploração do lote onde se assenta, mas também seu diálogo com a quadra e o logradouro na cidade. Há portanto, a presença daquilo que Aldo Rossi sintetizou como fato urbano definido, "um acontecimento e uma arquitetura que resumem a cidade", como tais possuem a capacidade de sintetizar tanto a história, quanto a idéia da cidade.

A preservação desse patrimônio é fundamental para a cidade de BH, pois nele está concentrado aquela idéia, da "menina moça que se caracteriza pela modernidade de suas linhas e relevos", expressada por Juscelino. Um tempo já moderno, onde os elementos primários do plano de Aarão Reis geraram fatos urbanos ou simplesmente arquitetura capazes de sintetizar a cidade como um todo, em sua essência. BH já nasceu moderna e como tal já possui um afã pelas realizações da prosperidade, mas essas precisam passar a ser melhor qualificadas, precisam passar a se preocupar com a materialidade concreta da sua própria construção.