domingo, 8 de novembro de 2015

A crise brasileira é consequência da adoção de um modelo de servidão financeira

Desenvolvimento e Inflação
A fraqueza do crescimento da economia brasileira nas últimas três décadas se deve a ausência de investimentos em infraestrutura, que por sua vez é condicionado pelas elevadas taxas de juros, e que fazem parte do receituário neo-liberal para controle da inflação, desde a década de setenta. Anteriormente, aqui nesse blog destacou-se para a adequação da análise do economista e sociólogo italiano Giovanni Arrighi, no livro O Longo Século XX, dinheiro, poder e as origens do nosso tempo, que aponta para a presença da hegemonia do capital financeiro em nossa contemporaneidade.

Sua interpretação se alinha com a da escola da regulação francesa, que vem defendendo que nossas crises recorrentes são fruto da desestabilização do sistema de controle do capital ou do regime de acumulação, que foi denominado no segundo pós-guerra por um binômio fordista-keynesiano. Esse regime era caracterizado como uma fase particular do desenvolvimento capitalista, onde existiam fortes investimentos em capital fixo que geravam imensos aumentos na produtividade e no consumo de massas. Havia também a concentração em imensas unidades produtivas, a presença de um estado de bem estar social nas economias mais desenvolvidas, e uma regulação clara por parte deste mesmo estado, tendo sido essas décadas a de maior desenvolvimento no mundo capitalista. A partir da década de 70 começa a emergir pressões para desregular de forma geral e se instala o declínio do estado provedor e planejador, a atividade econômica se pulveriza, havendo o ressurgimento da produção artesanal e de redes empresariais pessoais e familiares, mas sobretudo a presença financeira do capital desterritorializado.

"O keynesianismo é descrito como o modo de regulação, que permitiu que o regime fordista emergente realizasse todo o seu potencial." ARRIGHI 1996  pg02

Segundo as economistas Leda Maria Paulani e Christy Ganzert Pato, no artigo Investimento e servidão financeira: o Brasil do último quarto de século, o investimento em capital fixo, aquele que envolve; máquinas, equipamentos, estruturas, edificações, rebanhos, etc.., sem considerar sua depreciação e obsolescência vem caindo desde a década de setenta no país de forma determinante, conforme mostra a tabela abaixo;

Formação Bruta de Capital Fixo em relação ao PIB do Brasil
Década FBCF/PIB
1970 23,10%
1980 18,55%
1990 15,05%
2000 14,80%

Essa ausência de investimentos em capital fixo também gerou o fraco desempenho da economia brasileira nas décadas de noventa e na primeira do século XXI, determinada por uma preocupação excessiva com os títulos da dívida pública cotada nos mercados internacionais, a partir da crescente internacionalização do mercado financeiro. O fraco desempenho é demonstrado a partir da tabela abaixo, que mede o desempenho da economia brasileira em termos de crescimento do PIB e do PIB/percapita;

Crescimento Acumulado do PIB por décadas
Década PIB PIB/per capita
1970 131,26% 76,17%
1980 33,47% 10,13%
1990 19,04% 1,57%
2000 14,80% 7,33%

As autoras também mencionam a condição de dependência das nossas elites, que se mostram recorrentemente incapazes de pensar seu próprio desenvolvimento de forma desvinculada dos ditames internacionais. Citam Fernando Henrique Cardoso no seu trabalho com Enzo Falleto na década de setenta - A Teoria da Dependência - para demonstrar que quanto mais modernizado era o setor, mais forte eram seus vínculos com o exterior.

"Dessa forma, Fernando Henrique demonstrara que já não existia na década de 1970 uma burguesia nacional disposta a aliar-se com os chamados setores populares, e que os únicos setores alinhados a esse nacional-populismo seriam aqueles que não tinham se reorganizado ante as transformações em curso. Em outras palavras, por não terem vocação política hegemônica, as burguesias industriais dos países dependentes não seriam a mola impulsora do processo de emancipação nacional, tal como preconizado por muitos teóricos ansiosos pela chegada das revoluções burguesas à periferia do sistema." PAULANTI e PATO 2005 pg45

Paul Singer também construiu uma argumentação apontando um processo de adaptação das elites nacionais, a partir de uma periodização clara de nossa história, partindo de uma dependência consentida (1822-1914), para uma dependência tolerada (1914-1973), até chegar numa dependência desejada (1973-até hoje). Para esse autor a dependência consentida (1822-1914) envolvia uma visão por parte de nossas elites de que não havia alternativa ao desenvolvimento senão pela inserção subordinada no mercado mundial. A dependência tolerada (1914-1973) envolvia uma nova visão de que nossa subordinação era provisória, e que seria superada assim que emparelhássemos com os países mais adiantados, principalmente pela via da industrialização. Por fim, a dependência desejada (1973-até hoje) envolveria o abandono do desenvolvimentismo e da industrialização, passando todos os países a depender do crescente fluxo de capitais financeiros, que circulam na economia globalizada.

Cada vez mais em nosso mundo contemporâneo a lógica financeira se torna independente da produção, abrindo-se cada vez mais oportunidades para que dinheiro produza dinheiro, sem passar pela produção. O fraco desempenho da economia brasileira em termos de crescimento se instala a partir da década de oitenta e sucessivos governos, sejam do PSDB, como também do PT não conseguem reverter essa tendência, porque adotaram a mesma receita onde a servidão financeira fosse a tábua de salvação.

O fantástico desenvolvimento conseguido na década de setenta pelo Brasil interessava ao centro do poder internacional, e não foi uma formulação elaborada de nossas elites, que repetidamente desejam apenas reinventar a dependência. Já naquele momento, a industrialização da periferia do mundo apontava para o esgotamento do sistema de regulação fordista-keynesiano no centro do poder internacional.

No mundo contemporâneo, precisa-se de mais criatividade para a formulação de um desenvolvimento promotor de inclusão, os investimentos em infra-estruturas me parecem a única saída, para um país que está para ser construído...


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