sábado, 21 de janeiro de 2017

O legado de Barack Obama, não rompeu com teses neo-liberais

Típica Main Street americana
Acabou ontem dia 20 de janeiro de 2017 o governo de oito anos do primeiro presidente negro norte americano, Barack Obama, um acontecimento que por sua carga simbólica carrega um valor intangível, que certamente irá demorar para que possamos entender. A questão que se coloca é; será mais fácil agora eleger uma mulher para esse cargo? Ou um latino? Ou ainda um muçulmano? Ou, quem sabe um assumido homosexual? A diversidade foi um valor celebrado pelos discurso e pela administração Obama, como uma característica louvável e celebrável da América, em que pese a pouca mudança obtida nessa matéria. Para tal basta lembrarmos da emergência do movimento; Black lives matter, Vidas negras importam. Um movimento que aparece no governo Obama, numa demonstração da rebelião de cidades contra a violência recorrente por parte dos aparelhos que possuem o monopólio da violência nos EUA, a polícia. Diante de Donald Trump, Obama ganha efetivamente contornos de grande estadista, e portanto sua avaliação ganha com essa comparação desproporcional um valor alto.

A rua Wall Street em Nova Yorque, sede da bolsa de valores
mais poderosa do mundo
No entanto, há um aspecto da campanha de Obama, que representava no início uma importante mudança na inércia operativa dos governos dos EUA, que não foi materializado, representando para mim a grande frustração do seu periodo. Trata-se da promessa de campanha, que definia, More Main Street, and Less Wall Street, Mais ruas comerciais e Menos Wall Street, que chegava a rivalizar com o bordão; Yes, we can, Sim nós podemos. Numa clara referência de uma nova direção da economia norte americana no sentido da diminuição do poder especulativo das finanças, em favor da ampliação da atividade produtiva. Era clara a menção espacial da proposta, que remetia às anônimas ruas comerciais das pequenas cidades e mesmo bairros periféricos das grandes cidades americanas, celebradas como representantes de um comércio produtivo e real, contrapostas a sede da bolsa de Nova York, localizada em Wall Street, que representava a hegemonia das finanças e de suas abstrações na lógica da maior economia do mundo. Tal promessa era a mais importante de ser realizada durante a administração Obama, tendo sua frustração impactado fortemente na corrida eleitoral seguinte. Tanto, que esteve presente de forma explícita na campanha do outsider Bernie Sanders, como também de forma tímida na de Hilary Clinton, como também de forma implícita na de Donald Trump. O mundo não suporta mais os movimentos especulativos e a lógica da criação de valor a partir de dinheiro, sem qualquer vinculação com a produção real, sem qualquer respaldo na produtividade de empresas reais.

É absolutamente imperioso que nossa economia passe a beneficiar o conjunto maior da população, ao invés de beneficiar os mais ricos, que invariavelmente produzem mais riqueza para si a partir de processos especulativos, que sequer impulsionam atividades efetivamente empregadoras de mão de obra, produtivas de mercadorias reais, e produtoras de benfeitorias para todos. Nesse sentido, o mesmo presidente Obama declarou em seu último discurso no Conselho de Segurança da ONU;

"um mundo no qual 1% da humanidade controla uma riqueza equivalente à dos demais 99% nunca será estável"

Há fortes indícios de que a concentração de renda está aumentando, segundo recente pesquisa do economista Thomas Pickety nos EUA revela que nos últimos 30 anos, a renda dos 50% mais pobres permaneceu inalterada, enquanto a do 1% mais rico aumentou 300%. O discurso neo-liberal da eficiência produtiva a partir de salários reprimidos e fragilizados ganhou o mundo, determinando um decréscimo da produção na participação da riqueza socialmente construída. Na década de 1980,
produtores de cacau ficavam com 18% do valor de uma barra de chocolate – atualmente,
ficam com apenas 6%. Tal situação mostra como a efetiva produção das mercadorias perde para a circulação, distribuição e comercialização, que assumem volta e meia características especulativas e financeiras. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que 21 milhões de pessoas são trabalhadores forçados que geram cerca de US$ 150 bilhões em lucros para empresas anualmente, sendo que a grande parte desse contingente é de mulheres e meninas. Tal situação, deprime a demanda, elitiza o mercado, e radicaliza a concentração de renda.

Por outro lado, há um recorrente discurso, que pleiteia a redução de impostos e a criação de oportunidades a partir da isenção tributária, que impulsionaria a atividade econômica de forma virtuosa para todos. A poderosa Federação das Industrias do Estado de São Paulo (FIESP) no Brasil acaba de fazer violenta campanha contra um imposto denominado Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras (CPMF) proposto pelo governo federal. E, essa prática não se restringe aos países da semi-periferia do capitalismo central, há relatos de que a Apple pagou apenas 0,005% de imposto sobre seus lucros na Europa em 2014. Na Inglaterra, com um investimento de 2 milhões de libras é possível desfrutar do direito de viver, trabalhar e comprar imóveis no Reino Unido, bem como beneficiar-se de generosas isenções fiscais. Nos EUA a maior alíquota do imposto de renda em 1980 era de 70%, hoje em dia não passa de 40%. O Quênia perde US$ 1,1 bilhão por ano em isenções fiscais para empresas: valor quase duas vezes mais alto que o do seu orçamento para a saúde – em um país no qual a probabilidade de mulheres morrerem no parto é de uma em 40. Uma série de paraísos ficais espalhados pelo mundo disputam o interesse de super-ricos, que não querem mais pagar impostos já reduzidos.

Por tudo isso percebe-se os motivos da vitória de Donald Trump, ou a ameaça que Bernie Sanders representou para as eleições, e a incapacidade de Obama de construir uma continuidade na Casa Branca, apesar dos aspectos simbólicos de suas duas vitórias eleitorais. Enfim, o mundo parece se revoltar de uma maneira não muito consciente, para as consequências criminosas da política do neo-liberalismo.

Bibliografia:

Relatório OXFAM Uma economia para os 99% disponível em https://www.oxfam.org.br/noticias/8-homens-tem-mesma-riqueza-que-metade-mais-pobre-do-mundo
PIKETY, Thomas - O capital no século XXI - Editora Intrínseca Rio de Janeiro 2014