segunda-feira, 8 de maio de 2017

O bem estar comum

O livro dos autores e filósofos contemporâneos Michael Hardt e Antonio Negri, Bem Estar Comum, se insere numa sequência de publicações que se iniciam com Império, e continua com Multidão, Guerra e Democracia na Era do Império. Os dois pensadores constroem sua argumentação em torno da idéia de esgotamento do capitalismo, como sistema econômico, a partir do declínio de sua capacidade empreendedora, e a emergência da sua captura por procedimentos burocráticos. Essa construção se afasta de forma consciente de conceitos desenvolvidos por Antonio Gramsci, como ideologia e hegemonia, retomando princípios de Espinoza, como o de multidão. No livro, Bem Estar Comum, o conceito de multidão está vinculado a questão da perda de força das vanguardas no mundo contemporâneo, e a emergência de um mundo pós hegemônico, onde diferentes ideologias convivem sem o domínio pleno do metabolismo social. A definição e limitação do conceito de multidão segue uma ideia força importante, definindo esse conjunto como os despossuídos de propriedades e patrimônio, àqueles que no mundo capitalista sobrevivem apenas de seu trabalho. Há semelhanças com o marxismo, no entanto a identificação de uma vanguarda o proletariado industrial, na construção de Michael Hardt e Antonio Negri  não está mais distinguido mas unificado ao precariado, ou lupem proletariat, como definido pelo filósofo alemão do século XIX. Na prática, os diferentes sistemas democráticos do mundo contemporâneo tem funcionado como a presença da voz de uma minoria barulhenta, que expressa seu posicionamento, e que muitas vezes a maioria silenciosa é que elege seus governantes. Me parece, que é a essa parcela da população contemporânea, que os livros de Michael Hardt e Antonio Negri se referem. Segundo os autores;

"A propriedade é a chave que define não só a república como também o povo, ambos postulados como conceitos universais, mas na verdade excluindo a multidão dos pobres...o povo é unidade (e portanto capaz de soberania), ao passo que a multidão é plural (e portanto incoerente, incapaz de se governar)...A falta de propriedade, que exclui os pobres do povo,..." HARDT e NEGRI 2016 página68

Os autores têm um posicionamento pouco ortodoxo dentro de uma linha que pode ser considerada como marxista, assumindo posturas e conceitos inovadores, que pretendem rearticular o pensamento de Karl Marx com os tempos atuais. Há um termo recorrente em seus escritos que se refere a bio política, um conceito complexo, que envolve a questão da sustentabilidade do indivíduo, ou de grupos de indivíduos na sociedade contemporânea, bem como a autoprodução de subjetividade. A sustentabilidade desse precariado, que luta no mundo contemporâneo pela sua sobrevivência e da sua prole é o que conforma a narrativa da bio política. Os autores se referem a uma ideia presente em Foulcault, no livro Vigiar e Punir, que envolve um poder dissimulado na sociedade, em redes de controle e submissão capilarizadas, que é coercitivo e gera resistência. Um contra poder;

"Em nossa opinião, o outro em relação ao poder que perpassa esses livros (de Foulcault) pode ser melhor definido como uma produção alternativa de subjetividade, que não só resiste ao poder como busca autonomia em relação a ele...biopoder poderia ser definido (de maneira bastante grosseira) como o poder sobre a vida, e biopolítica, como o poder da vida de resistir e determinar uma produção alternativa de subjetividade." HARDT e NEGRI 2016 página73e74

Antonio Negri, nasceu em 1933, é filósofo e professor da Universidade de Pádua na Itália e foi professor de Michael Hardt, tendo tido uma atuação política constante desde o ano de 1955, quando se gradua apresentando uma tese "Lo storicismo tedesco da Dilthey a Weber" ("O historicismo alemão de Dilthey a Weber"). Michael Hardt nasceu em 1960, e é crítico literário, se formou em engenharia em 1983, tendo militado na área da energia alternativa, seu primeiro contacto com Negri ocorreu em Paris, e se deve  a sua tradução do seu trabalho sobre Espinoza. Os dois autores juntos oferecem uma bibliografia rica, com conceitos e ideias que podem ser caracterizados como um marxismo heterodoxo.

Há também a ideia de que a polarização entre neo-liberalismo e regulação keynesiana, entre o privado e o público, entre capitalismo e socialismo real se esgotou, pois a passagem da economia industrial para a biopolítica fizeram com que a gestão e a regulação perdessem eficácia. E, por outro lado essa mesma passagem levou a produção do conhecimento a ser o elemento chave, que se recusa a ser controlado pelo mercado, produzindo na verdade para o comum.

"Essas duas ideologias, o neo-liberalismo e o socialismo, parecem  os únicos pólos do imaginário econômico contemporâneo. E no entanto nenhuma das duas é capaz de controlar e estimular a produção na economia biopolítica...É importante entender que o socialismo e o capitalismo nunca foram opostos, e sim, como sustentavam muitos analistas críticos da União Soviética, que o socialismo é um regime para a gestão estatal da produção capitalista." HARDT e NEGRI 2016 página296

Mas há ainda um conceito no livro O bem estar comum, que merece especial atenção, que é a ideia de comum, uma produção humana permanente que envolve coisas que são livremente compartilhadas, longe da monetarização como; a língua, o espaço público das cidades, o conhecimento, a tecnologia, a natureza, o patrimônio construído, etc...Nessa conceituação, a arquitetura e o urbanismo é um comum, produzido para todos e feita para o deleite coletivo, apesar das constantes ameaças de privatização. Daqui se depreende a importância da atividade política para a arquitetura e o urbanismo, que deveria ter seus fóruns de debate mais generalizados na sociedade, para que sua escolha fosse socialmente compartilhada.

Bibliografia:

HARDT, Michael e NEGRI, Antônio - Bem Estar Comum - editora Record Rio de Janeiro 2016