domingo, 21 de fevereiro de 2016

Palestra do arquiteto Comas sobre a curadoria da exposição Latin American in Construction Architecture 1955-1980

Cartaz do evento
No dia 16 de fevereiro de 2016, o arquiteto Carlos Eduardo Comas fez uma palestra no IAB-RJ, sobre a sua curadoria da Exposição Latin American in Construction Architecture 1955-1980, narrando sua experiência no Modern Museum of Arts (MOMA) em Nova York, para a montagem da exposição. A palestra foi bastante ilustrativa, elucidando a complexa montagem de uma exposição, que tinha um recorte temporal bastante concreto, 1955 a 1980, um período extremamente rico para o continente da América Latina. A exposição tinha também como curador principal de arquitetura do MOMA Barry Bergdoll, curador assistente Patricio del Real e os curadores convidados; Carlos Eduardo Comas (Brasil) e Jorge Francisco Liernur (Argentina).

Com uma área de 1200M2, e tendo como referência uma antiga exposição do MOMA de 1955 montada por Henry-Russel Hithcock, que tinha como mote o triunfo oficial da arquitetura moderna no mundo todo no segundo pós guerra, que com Brasília e os Campus Universitários de Caracas e México assumia então a face de representação do Estado na América Latina. Em 1943, ainda no clima da segunda Guerra Mundial também foi realizado no MOMA a Exposição Brazil Builds, que maravilhou uma série de observadores com a produção pré-Brasília da arquitetura nacional, que mostrava um grupo de obras construídas no Brasil. Essa última exposição teve uma curadoria menos histórica e mais projetual, mostrando um grupo de arquitetos que manipulavam princípios corbusieanos, com uma potente interpretação particular.

Na apresentação de Comas houve a construção de uma interpretação sobre a percepção internacional da arquitetura brasileira, e dentro dessa do papel desempenhado por ela no cenário latino americano. A visão de Comas é que a crítica internacional a partir de Bruno Zevi* passou a celebrar a vertente orgânica de Frank Lloyd Wright, esvaziando a importância do discurso corbusieano, mais racionalista, que estava na gênese do modelo brasileiro.

De certa forma, Comas repete a avaliação do final dos anos setenta de Edgar Graeff, que considerava a crítica de Zevi não respondida pela arquitetura brasileira, um problema que estava referenciado ao meio onde a expressão se manifestava e também a uma atitude ideológica. Graeff, contrapôs o racionalismo ao organicismo na arquitetura, caracterizando o primeiro como um alinhamento ideológico mais próximo do socialismo, enquanto o segundo adotava posturas mais liberais e individualistas.

"Cabe destacar, para o melhor esclarecimento do nosso tema, que a convicção dos racionalistas - queiram eles ou não queiram - reflete a ação de ideologias que de algum modo tendem para o socialismo; e que a convicção dos organicistas, também a margem de sua vontade, reflete a ação de ideologias que se voltam para ideais burgueses de livre iniciativa e afirmações individualistas." GRAEFF 1979 página43

Aqui cabe apenas registrar, que frente ao esvaziamento da corrente racionalista por parte de Zevi e outros membros atuantes da arquitetura mundial como Gropius e outros, a arquitetura brasileira seguiu produzindo sem responder às reflexões, que passaram a condená-la como destituída de espacialidade interna. Apenas em 1979, com o refluxo das demandas de projeto é que Graeff irá produzir a resposta, que além da argumentação ideológica, também apresentava a justificativa do meio ambiente; da arquitetura dos trópicos, contraposta a arquitetura da neve.

Enfim, o que me parece importante destacar em todo esse debate; é que a construção de nossa capital - Brasília - no final dos anos cinquenta representa uma inflexão importante em nossa cultura arquitetônica. Há nesse momento um envolvimento com uma certa monumentalidade, que era absolutamente essencial no programa da nova capital, mas que não se justifica em outras demandas.

Abaixo matéria do jornal O Globo que repercutiu a palestra do arquiteto Carlos Eduardo Comas no IAB-RJ

http://oglobo.globo.com/sociedade/conte-algo-que-nao-sei/carlos-eduardo-comas-arquiteto-toda-sociedade-tem-arquitetura-que-merece-18703880

* Bruno Zevi (1918-2000), crítico de arquitetura italiano, que celebrava a arquitetura orgânica de Frank Lloyd Wright, como o ápice da formulação moderna

BIBLIOGRAFIA:

GRAEFF, Edgar - Cidade Utopia - Editora Vega Belo Horizonte 1979


domingo, 7 de fevereiro de 2016

A mentira da carga tributária brasileira

A mentira sobre o imposto de renda no Brasil vem sendo repetida de forma recorrente por associações empresariais como a FIESP e a FIRJAN, que acabaram convencendo a população, de que a tributação no país é abusiva. No entanto, quando comparamos a relação da taxa tributária brasileira com nosso PIB, constatamos que o Brasil recolhe 34,4% apenas de imposto, o que é muito menos do que a Bélgica 46,8%, França 44,6%, Alemanha 40,6%, Reino Unido 39%, Argentina 37,2%. Se demandamos por melhores serviços públicos, como transporte, escolas, saúde, previdência, segurança, etc..., precisamos arrecadar de forma mais inteligente e justa.

O problema da injusta carga tributária brasileira é que ela penaliza fortemente o salário do empregado e o consumo, deixando com pouca tributação os lucros das empresas e o fruto da venda de imóveis. Na verdade, os proprietários brasileiros acabam pagando muito pouco imposto, segundo dados do FMI e da Heritage Foundation, instituições que não podem ser acusadas de estatizantes ou com discurso de esquerda. A especialista em orçamento público e assessora do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), Graziela Custódio David apresenta o problema de forma correta;

“Se a gente compara um assalariado que paga na alíquota máxima de 27% com alguém que recebe mais do que o limite do imposto de renda, há uma situação terrível. Porque a maioria deles [os mais ricos] recebe por lucros e dividendos e, quando a gente avalia quanto eles pagam em imposto de renda, normalmente chega em 6%. Olha a situação: um grupo, que é a classe média, paga 27,5% de IR. E quem ganha muito mais que este grupo paga muitas vezes só 6%, porque existe a isenção de cobrança do Imposto de Renda sobre lucros e dividendos”

Essa injustiça tributária fica claro quando comparamos as diversas origens da carga tributária brasileira, juntando as três esferas de arrecadação, na qual; 51,28% provém de consumo de bens e serviços, 24,98% da folha de salários, 18,10% da renda e apenas 3,93% da propriedade. As alíquotas máximas cobradas sobre dividendos nos diferentes países também aponta para a mesma direção; Dinamarca 42%, França 38,50%, Canadá 31,70%,  Estados Unidos 21,20%, Turquia 17,50%, enquanto no Brasil esses rendimentos são isentos. Segundo dados da Receita Federal em 2014 71 mil brasileiros que ganharam cerca de R$ 200 bilhões não pagaram qualquer imposto, pois aferiram esses valores em sua maioria como lucros e dividendos.

É claro que o governo que aí está não demonstra muita capacidade de comunicação e vontade política para explicitar essa situação para o conjunto da sociedade brasileira, mantendo-se com uma atitude pouco criativa e inerte. Foi forjado em nossa sociedade uma percepção equivocada de que a carga tributária no Brasil é alta, ela na verdade é desequilibrada, penalizando os extratos de renda assalariados, deixando os super-ricos isentos.

Abaixo o link da matéria, "Os super ricos no Brasil são sustentados pela classe média e pelos pobres." Acima a imagem mostra tabela sobre a arrecadação prevista pela CPMF.

http://cartacampinas.com.br/2016/02/super-ricos-no-brasil-sao-sustentados-pela-classe-media-e-pelos-pobres/

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Mudança Estrutural da Esfera Pública e o campo do projeto

O livro Mudança Estrutural da Esfera Pública, do filósofo alemão da Escola de Frankfurt Jürgen Habermas é leitura fundamental, para compreender nosso tempo contemporâneo, principalmente no que concerne a ampliação ou redução da efetiva experiência democrática. Habermas caracteriza o nosso tempo moderno, a partir das Revoluções Americana e Francesas, como um grande esforço por criar arenas públicas com a função de discutir nossas ações prioritárias e futuros possíveis. A pretensão é reforçar a ideia kantiana do uso público da razão, como forma de convencer nossos pares da justeza de nossos argumentos, para tal, é necessário a existência de debatedores livres e iguais. O que significa disponibilidade para debater, ouvir, argumentar e formular, tendo como premissa a vontade de colocar suas próprias convicções em dúvida, como possíveis de serem modificadas pelo outro. Tal disponibilidade de debater também deve permear o ato de planejar e de projetar em nossa contemporaneidade, podendo ser visto como um esforço que vem se ampliando.

A Escola de Frankfurt, que depois do diagnóstico pessimista contido no livro a Dialética do Esclarecimento de Adorno e Horkheimer, envereda com Habermas para uma construção mais otimista, apesar da manutenção de forte crítica aos mundos da vida, tal qual eles se configuram em nosso cotidiano. Mudança Estrutural parte da possibilidade da ampliação e construção de um fórum de debates entre iguais, com o confronto de argumentos racionalmente defendidos. Há nessa primeira grande sistematização do pensamento de Habermas um foco sobre o desenvolvimento dos processos da vida pública e política nos séculos XVIII, XIX e XX, nos países da Inglaterra, França e Alemanha. A construção claramente pretende sanar o déficit democrático dos pensadores marxistas, de forma geral, como também os da Escola de Frankfurt, que se envolveram mais especificamente com a crítica da cultura de massas.

O texto foi publicado em 1962, inicialmente seria submetido, justamente a Adorno e Horckheimer, como tese de pós-doutorado exigida para se obter o cargo de professor na Alemanha. No entanto, os dois professores da Escola de Frankfurt consideraram o texto, pouco crítico às democracias de massas do capitalismo administrado de então, e ao mesmo tempo, muito radical, na sua proposta de aprofundamento da disponibilidade do debate. Habermas acabou submetendo-o na Universidade de Marburg ao jurista e cientista político Wolfgang Abendroth, que participou ativamente dos debates de constituição da democracia alemã no segundo pós-guerra. De certa forma, Mudança Estrutural da Esfera Pública retoma a crença inicial do racionalismo alemão no Esclarecimento ou Iluminismmo (Aufklärung), como um processo emancipatório da espécie humana, se confrontando de maneira frontal com a assinalada desconfiança explicitada por Horkheimer e Adorno.

Dentro da questão da ampliação da emancipação possibilitada pelo Esclarecimento emerge o problema da qualidade da comunicação, ou da constituição de uma rede densa e aprofundada de opiniões, que pressupõe um público informado e argumentativo. As nossas sociedades contemporâneas de massa acabaram por construir um sistema de informação oligopolizado e altamente manipulador, que contrasta fortemente com o impulso inicial do Iluminismo.

"Na Alemanha, até o fim do século XVIII, havia surgido 'uma esfera pública pequena, mas que discutia de forma crítica'... transcendendo a república dos eruditos, um público leitor universal que não se limita a ler e reler...uma rede relativamente densa de comunicação pública. O súbito e crescente número de leitores é complementado por uma expansão considerável da produção de livros, revistas e jornais, por um aumento no número de escritores, editoras e livrarias, pela fundação de bibliotecas públicas e salas de leitura..., que funcionam como entroncamentos sociais de uma nova cultura literária." HABERMAS 2014 página39

O mundo alemão era ainda dominado pelo poder autocrático de príncipes, mas nessas sociedades e salões, nesses entroncamentos sociais já começavam a ser ensaiadas as normas da igualdade política da sociedade vindoura. A comunicação emancipadora é constituída pela presença de uma imprensa opinativa, que luta contra a censura, e que adota formas igualitárias de tratamento, liberdade de discussão e argumentação. E, que não se restringe ao campo da política e da representação estatal, mas envereda pelos costumes, pela arte, pela literatura e pela arquitetura, conformando uma esfera pública que discute os temas mediante razões. Habermas também mencionará a emergência de uma esfera pública plebéia, que ao lado da burguesa constituirá um projeto contra-hegemônico, e que já coloca a questão de que não há um público singular e homogêneo, mas altamente diferenciado.

"É evidente que essa cultura popular não era de maneira alguma apenas um pano de fundo, isto é, uma moldura passiva da cultura dominante; era também a revolta violenta ou moderada, retomada periodicamente, de um contraprojeto para o mundo hierárquico da dominação, com suas festividades oficiais e suas disciplinas cotidianas." HABERMAS 2014 página44

Além das culturas populares, Habermas também aponta o caráter patriarcal dos canais de comunicação no século XVIII, afinal a esfera pública burguesa e o contraprojeto plebeu excluiram as mulheres e a lógica feminina. Habermas irá apontar a literatura do século XIX, como o esforço de vanguarda nesse campo para mudar mentalidades enraizadas, permitindo a nossa percepção para o caráter patriarcal da esfera pública burguesa. O sufrágio feminino apenas será alcançado na Inglaterra e no Brasil na década de trinta do século XX, comprovando que apesar do desenvolvimento e da ampliação lenta da inclusão das mulheres, na prática a participação efetiva só se materializa com muita luta.

No mundo contemporâneo, a comunicação manipuladora parece vitoriosa, grandes conglomerados de forma monopolista dominaram a mídia, fazendo-a prisioneira de interesses particulares que manipulam a esfera pública. A pulverização de vários editores, jornais, revistas do início do Iluminismo é substituída por grandes conglomerados de mídias, repetindo-se uma tendência geral do sistema capitalista de suprimir a concorrência pela monopolização. Nesse sentido, Habermas é muitas vezes visto como um utópico, um formalista descontextualizado da barbárie, que se instalou a partir da monopolização dos veículos de comunicação. Na verdade, me parece que o projeto habermasiano opera no sentido de nos lembrar, que o impulso inicial da esfera pública burguesa pode ser recuperado, mesmo que no âmbito da afirmação utópica.

No campo do projeto de arquitetura e de urbanismo, nos mesmos anos sessenta, três autores empreenderam um grande esforço no sentido de ampliar o acesso ao processo de debate do nosso vir-a-ser construído; Aldo Rossi, Christopher Alexander e Kevin Linch. Três arquitetos que constroem sua obra na perspectiva de ampliação do espaço democrático da cidade, do debate entre ações essenciais e prioritárias, contrapostas a operações manipuladoras e espetaculares do seu futuro. Os livros; A Imagem da Cidade de Kevin Lynch, de 1960, Ensaio sobre a Síntese da Forma, de Christopher Alexander, de 1964 e A Arquitetura da Cidade de Aldo Rossi de 1966 operam no sentido de ampliar a compreensão da produção do espaço construído pelo homem. Todos os três estão fortemente vinculados a um viés estruturalista, bastante presente naqueles anos. Rossi se autoproclama de forma clara, um neo-racionalista, uma exceção, naqueles tempos de forte crítica à razão.

O campo do plano e do projeto vem ampliando de forma contínua sua disponibilidade para ampliar a participação em torno de suas decisões...

BIBLIOGRAFIA:

ADORNO, Theodor W. e HORKHEIMER, Max - A Dialética do Esclarecimento: fragmentos filosóficos -Editora Jorge Zahar Rio de Janeiro 1985

ALEXANDER, Christopher - Ensayo sobre la Síntese de la Forma - Ediciones Infinito México 1975

HABERMAS, Jürgen - Mudança Estrutural da Esfera Pública - Editora Unesp, São Paulo 2014

LYNCH, Kevin - A Imagem da Cidade - Editora Martins Fontes São Paulo 1999

ROSSI, Aldo - A arquitetura da cidade - Editora Martins Fontes São Paulo 1995

O artigo do Presidente Nacional do IAB no O Globo

O texto publicado no último sábado dia 30 de janeiro de 2016, do presidente do IAB Sérgio Magalhães, no jornal O Globo aborda a questão das formas de contratação de projeto por parte do governo brasileiro, e como essas possibilitam que se instale uma promiscuidade indesejada entre alguns agentes públicos e privados. Também as cidades brasileiras e suas carências crônicas de determinados serviços, tais como saneamento, transporte público, segurança são consequência direta da falta de protagonismo das fases de planejamento e de projeto, nas contratações de obras públicas.

As fases de planejamento e de projeto antecipam as figurações desejadas para as cidades que queremos ser no futuro, possibilitando que várias hipóteses possam ser avaliadas por diversos agentes interessados, ampliando a participação cidadã. A prática recorrente de pré-figurar, pelo plano e pelo projeto, a conformação de nossas cidades, garantindo por outro lado que os políticos, e ou as candidaturas se comprometam com modelos concretos, efetivamente materializados em nosso território. Essa prática de maior transparência acaba sendo interessante também para os políticos, uma vez que determina objetivos claros e palpáveis a serem atingidos, evitando que se tornem reféns de interesses particulares e pouco republicanos. Apesar disso, hoje no Brasil poucos políticos se comprometem com essas pré-figurações, preferindo um discurso mais abstrato de promessas vagas e indefinidas.

Acima a imagem e abaixo o link da matéria do jornal O Globo. Vale a leitura...

http://oglobo.globo.com/opiniao/a-venda-que-preco-18574764