terça-feira, 24 de outubro de 2017

O edifício Praça das Artes em São Paulo

A complexa implantação da obra da Praça das Artes, na quadra atrás
do Teatro Municipal de São Paulo
O conjunto Praça das Artes na cidade de São Paulo é uma das boas surpresas do centro de São Paulo, que vem de forma constante se reestruturando, entre a Praça da República e o Vale do Anhangabaú, próximo ao Teatro Municipal, a obra se localiza num terreno com várias testadas para diferentes ruas. Fui visita-lo por ocasião 152a Reunião do Conselho Superior do Instituto de Arquitetos do Brasil, que se realizou em São Paulo no final de setembro. Inaugurada em 2012, a obra é de autoria do escritório Brasil Arquitetura, dos arquitetos; Marcelo Ferraz, Francisco Fanucci, e Marcos Cartoun, e representa uma extensão das atividades culturais do Teatro Municipal de São Paulo. A obra não foi integralmente terminada, e ainda apresenta sua face para o Vale do Anhangabaú com aspecto de canteiro de obras. A obra ocupa a quadra nos fundos do Teatro Municipal de São Paulo e apresenta três frentes de acesso para as ruas Conselheiro Crispiniano, avenida São João e rua Formosa, que é a face do vale do Anhangabaú. E essa me parece ser o grande valor da edificação, que assume uma postura de preenchimento fragmentado e de passagem e conexão do interior da quadra para sua periferia. O projeto oferece de forma generosa, espaços públicos de passagem, conectando no horário de expediente a rua Conselheiro Crispiniano com a avenida São João, e no futuro com o vale do Anhangabaú. A situação de maior generosidade urbana, que no meu entender deveria se estender para além do período do expediente de trabalho, se tivéssemos condições melhores de segurança em nossas cidades, ainda não é possível de ser operacionalizada para horários mais avançados, mas de certa forma é colocada pela implantação..

Praça de acesso pela rua Conselheiro Crispiniano

A construção é toda feita de concreto aparente, com uma clara preocupação com a paginação das formas de madeira em tábuas de 10cm de altura, tal efeito enfatiza a horizontalidade da edificação, reforçando a ideia de preenchimento. Não há aqui a preocupação com a percepção integral da obra, que se fragmenta, preenchendo o contexto de forma a configurar praças e espaços de convívio, que demandam que a atividade cultural também se exponha ao público. Os limites entre espaço construído e praças conformam uma dialética, na qual fica claro a interação, e não a subordinação de um ao outro. A diversidade de janelas acabam enquadrando atividades, que se mostram muito mais ao público passante, do que enquadram vistas do interior para o exterior. A edificação parece reclusa em suas atividades artísticas, que efetivamente demandam maior concentração.
Há em determinadas partes a aplicação de pigmentos
na concretagem

Com uma área de cerca de 28.500m², o espaço cultural contem o novo edifício para os corpos artísticos do Teatro Municipal, que são: a Orquestra Sinfônica Municipal, a Orquestra Experimental de Repertório, o Balé da Cidade de São Paulo, o Coral Lírico, o Quarteto de Cordas da Cidade de São Paulo, o Coral Paulistano, o Centro de Documentação Artística, e a Escolas de Música e de Dança. Desta forma terá o Teatro Municipal a liberação do palco para seus espetáculos, promovendo assim um desafogo e ampliação de seus trabalhos em condições bem melhores. O atual Conservatório  abrigará as atividades, que até então não tinham seu espaço próprio, e o Quarteto de Cordas da Cidade terá no salão principal sua sede. Com isso, o Teatro Municipal não é mais um equipamento cultural solitário na região central de São Paulo, que agora deveria se mobilizar para atrair empreendimentos habitacionais para essa parte da cidade, buscando atingir horários mais tarde com movimentação por suas praças. A habitação é o único dos programas arquitetônicos, que não gera a sazonalidade dos usos concentrados, como os edifícios de comércio e serviços, bem como a cultura. A presença habitacional nos centros urbanos brasileiros é de suma importância para a retomada de sua vitalidade em diferentes horários do dia e da noite, gerando também um comércio que se mantém funcionando em horários mais elásticos.


A frente do vale do Anhangabaú ainda inacabada e
indisponível
Mas apesar de inacabada, e sem a presença de um contínuo habitacional de maior expressão, a obra demonstra todo seu potencial na articulação de passagens e de vistas. que nos convidam e falam de uma outra urbanidade possível. A sucessão de praças, passagens sob vãos livres de concreto e vistas fragmentadas de seu interior conformam uma generosidade urbana, que as cidades brasileiras precisam voltar a ter. A supressão dos portões na rua Conselheiro Crispiniano, na Avenida São João, e na frente do Anhangabaú, franqueando o acesso a obra, durante um horário mais dilatado parece ser quase uma reinvindicação da implantação, que parece aguardar por uma maior civilidade, e ao final uma melhor distribuição de oportunidades para o conjunto das pessoas de nossas cidades. E, essa talvez seja a maior virtude da proposta acreditar e apostar numa urbanidade de maior qualidade, uma generosidade que claramente hoje nos falta, mas que deve ser vista como passageira e efêmera.