domingo, 28 de fevereiro de 2021

Felipe, 31 anos, uma delícia


Nesse domingo 28 de fevereiro de 2021, meu filhote Felipe completa 31 anos de idade. Ele é um autista não verbal, e como tal essa data é revestida de lembranças e alegrias pela presença de sua diferença e especificidade única, de um ser neuro-diferente. Há um ano atrás, quando completou 30 anos, toda a loucura dessa pandemia ainda não havia chegado plenamente. Comemoramos por aqui no Santa Pizza, com uma de suas comidas prediletas. Naquele dia 28 de fevereiro, ainda eram notícias aterradoras sobre a cidade de Bérgamo no Piemonte da Itália, e, todos compartilhávamos de que era questão de tempo de sua chegada por aqui. Já havia se registrado o primeiro caso no Brasil, se não me engano em 25 de fevereiro em São Paulo. Por aqui, no Rio de Janeiro, uma empregada doméstica, moradora de Miguel Pereira, uma cidade além da cidade metropolitana viria a falecer, por trabalhar numa casa, na Barra da Tijuca, em que sua patroa estivera no mesmo norte da Itália. A patroa trouxera o vírus da Itália, mas quem morria era sua empregada. A pandemia no seu primeiro caso no Rio de Janeiro, já escancarava nossas condições de distribuição de renda e de acesso a vida boa, afinal a distância entre Miguel Pereira e a Barra da Tijuca é de mais 120km, e de duas horas num ônibus. Enfim, ainda me lembro de torcer desesperadamente, sem qualquer base científica, numa performance diferenciada do vírus em terras tropicais e mais quentes, que nos redimiria das terríveis perdas que tivemos de sofrer. 

Hoje, em Santa Teresa fizemos um churrasco no quintal da casa do irmão, Daniel, cercados de árvores e ainda reclusos, comemoramos sua chegada, também com uma de suas preferências, mas sem as ilusões daquele aniversário de um ano atrás. A epidemia restringiu nossos movimentos, e, os dele mais ainda; o afastou do seu colégio e do pequeno convívio e vínculo que estabeleceu com seus colegas no Centro de Desenvolvimento Humaitá (CDH), no Flamengo. Num mundo dominado por uma produtividade burra e embrutecedora, o convívio com Felipe é um antídoto dos mais eficientes, afinal suas demandas e comunicações nos mostram invariavelmente a essência da vida. Vida, aonde o que importa, e é produtivo é; comer, beber, manifestações de afeto, expressão de alegria, conforto, acolhimento, audição de música, mobilização e engajamento com sua própria imagem. E, nada mais. Enfim, um domingo restaurador, aonde nada mais é importante, e absolutamente essencial, do que desfrutar de sua personalidade fugitiva.