quarta-feira, 26 de abril de 2017

Debate sobre a cidade metropolitana do Rio de Janeiro reune Câmara Metropolitana, IAB-RJ e Escolas de Arquitetura

A mancha urbana da Cidade Metropolitana do RJ, dispersão
e desequilíbrio de oportunidades
Na última segunda feira dia 24 de abril de 2017 na sede do Instituto de Arquitetos do Brasil, departamento do Rio de Janeiro (IAB-RJ) foi promovido um debate com representantes da Câmara Metropolitana da cidade. Estavam presentes na mesa do auditório para o debate, o Diretor Executivo da Câmara, Vicente Loureiro, o arquiteto e Superintendente da Câmara, Luis Firmino Martins Pereira, e o presidente do IAB-RJ Pedro da Luz Moreira. Na plateia vários professores e estudantes, tanto de graduação, como de pós-graduação de diferentes escolas da cidade metropolitana do Rio de Janeiro, da PUC-Rio, da Rural, da UFF, da Estácio de Sá, da UFRJ. Todos engajados em buscar informações sobre essa imensa área de aproximadamente 120km no sentido leste/oeste e 60km no sentido norte/sul, que corresponde a cidade metropolitana do Rio de Janeiro. Um imenso território modificado pelo ser humano, com infra estruturas urbanas muito mal distribuídas, com imensas carências no município sede e nos periféricos, com uma população de 12milhões de habitantes, que precisa de reflexão e proposições no campo do ordenamento espacial.

Esse primeiro encontro celebra o Acordo de Cooperação, que envolve a Câmara Metropolitana, as Unidades de Ensino de Arquitetura e Urbanismo da cidade metropolitana e o IAB-RJ, que durante o primeiro periodo de 2017 buscarão estudos, planos e projetos para os vinte um municípios da Região Metropolitana. Os eixos temáticos das propostas envolvem os fatos urbanos ou naturais que constroem a vivência da cidade metropolitana do Rio de Janeiro, tais como; a Baía de Guanabara e sua bacia hidrográfica, os ramais de transporte público de grande capacidade (Metrô, Trens Urbanos e Barcas), o Arco Metropolitano, as Áreas de preservação Natural, as Centralidades, Subcentralidades e as Periferias. A Cidade Metropolitana envolve, 21 municípios do Estado do Rio de Janeiro, a saber: o Rio de Janeiro, Belfort Roxo, Duque de Caxias, Guapimirim, Itaboraí, Itaguaí, Japeri, Magé, Maricá, Mesquita, Nilópolis, Niterói, Nova Iguaçu, Paracambi, Queimados, Seropédica, São Gonçalo, São João de Meriti, Tanguá, Cachoeiras de Macacu e Rio Bonito. Os eixos colocados pelo Plano Diretor Urbano e Integrado, que está em andamento, desenvolvido pelo consórcio Jaime Lerner e Quanta envolve seis eixos; (1) Territorialidade e Centralidade, (2) Saneamento e Resiliência Ambiental, (3) Habitação e Equipamentos Sociais, (4) Mobilidade, (5)Valorização do Patrimônio Ambiental e Cultural, (6) Expansão Econômica. Esses seis eixos foram acrescidos por um sétimo ítem denominado (7) Gestão, pelas dificuldades que já se apresentam para a governança dessa imensa área com 21 Prefeituras.

Os estudos devem tentar construir um contra-projeto para a cidade brasileira, a partir do fato urbano concreto que o Rio de Janeiro representa, refletindo sobre os processos de reprodução das aglomerações urbanas, buscando uma maior compacidade do seu tecido e a universalização dos serviços urbanos. Nesse quesito, um dado se destaca mostrando-nos como a cidade brasileira vem se reproduzindo; a Cidade Metropolitana do Rio de Janeiro expande sua área numa taxa anual de 32 Km2. Um índice, que produz uma imensa dispersão territorial, que a cada ano torna mais difícil a universalização das comodidades urbanas para todos. Os desafios são imensos, e tentam trazer a contribuição da Academia para esse debate, acreditando que a construção de um planejamento urbano mais estruturado é capaz de gerar também maior inclusão social, numa sociedade caracterizada por imensos desníveis sociais.


domingo, 23 de abril de 2017

Karl Marx e Max Weber diálogos e conflitos

Há no pensamento do sociólogo alemão Max Weber uma clara rebelião contra o economicismo, que dominou o campo do pensamento social na Alemanha no começo do século XX, e que tem origem numa certa redução simplificadora do pensamento marxista. Nesse sentido, a reflexão de Max Weber, num paradoxo, se aproxima da de um marxista italiano, Antonio Gramsci, que dentro do espectro desse pensamento procurou desenvolver a idéia de tomada de poder pela via eleitoral, e não mais pela revolução, e também se contrapôs fortemente ao economicismo vulgar. Ao que me consta, os dois pensadores não tiveram conhecimento das suas reflexões particulares, apesar dessas convergências. Gramsci era um materialista histórico, enquanto Weber pode ser classificado no campo da sociologia neo-romântica da Europa Central ou germânica. Importante salientar que alguns teóricos marxistas se formaram dentro de tramas intelectuais próximas da cultura romântica alemã do início do século XX, a qual Max Weber está filiado, como por exemplo, Lukács. Há na sociologia de Weber uma constante referência a princípios religiosos, contrapostos às práticas cotidianas, e ao contrário do que muitos propalam, essa vinculação é crítica e não celebratória, tanto da vida moderna, como do protestantismo, como também do capitalismo;

"A religião da fraternidade sempre se chocou com as ordens e valores deste mundo, e quanto maior a coerência com que suas ideias foram levadas à prática tanto mais agudo foi o choque. A divisão se tornou em geral mais profunda na medida em que os valores do mundo foram racionalizados e sublimados do ponto de vista de suas próprias leis. E é isso que importa aqui."WEBER citado em KALBERG 2010 página7

A questão que se coloca é se poderia haver diálogos entre o materialismo marxista, ou o neo-hegelianismo de Marx, e o idealismo weberiano ou o neo-kantismo de Weber, partindo do princípio que as duas atitudes envolvem um posicionamento crítico com relação a modernidade, e ao capitalismo. Pelo lado de Marx, com a emergência do sistema capitalista, e pelo de Weber a partir de um certo desencantamento do mundo moderno, produzido ao final pelo mesmo sistema produtivo. Há uma importante cisão entre os dois. Marx, ao final é um otimista típico de meados do século XIX e de certa forma celebra o desenvolvimento das forças produtivas, que segundo ele, acabarão por gerar as condições para sua superação, Enquanto Weber, se mantém naquilo que se convencionou nomear de Kulturpessimismus do ethos romântico e germânico, não encontrando positividade na modernização. A crítica weberiana pretende um certo distanciamento analítico, quase cientificista que envolve uma noção complexa da totalidade, enquanto o marxismo se auto limita a partir de uma vontade de transformação, que é ao mesmo tempo sua declaração metodológica, de uma construção interessada. Afinal a décima primeira tese do jovem Marx sobre o materialista hegeliano Feuerbach reverbera como uma atitude fundadora do marxismo;

"Os filósofos apenas interpretaram o mundo de diferentes maneiras; agora é preciso transformá-lo." https://www.marxists.org/portugues/marx/1845/tesfeuer.htm 

Essa declaração interessada do filósofo alemão de meados do século XIX, sempre desvendou uma certa teleologia do marxismo, que ao final celebrava um progresso positivo e inexorável das forças produtivas, que contrasta com a visão do romantismo saudosista e melancólico de Weber, que na verdade desdenha dessa crença. A questão é extremamente complexa, e envolve até uma mudança de entonação no próprio desenvovimento de Marx, que entre a juventude do Manifesto Comunista e a maturidade da publicação do O Capital. Percebe-se nesses dois momentos, uma clara diferenciação entre uma atitude positiva e otimista do Manifesto, e o desenvolvimento de um posicionamento abertamente mais crítico, e pouco celebratório, com relação às atitudes da burguesia.

Mas vários autores marxistas, além de Luckács se aproximaram de Weber de forma explícita, a Escola de Frankfurt, com pensadores como Walter Benjamim, Adorno e Hockheimer desenvolveram críticas à burocratização do mundo moderno e sua aproximação com a barbárie a partir de Weber. Adorno e Hokheimer, em seu livro A dialética do esclarecimento criticam o entorpecimento fornecido às massas alienadas a partir da indústria cultural moderna, e interpretam o desenvolvimento cultural do ocidente como um desencantamento, que reduz todos os conteúdos a superficialidade do espetáculo. Benjamim, em suas Teses sobre o conceito de história desenvolve um fino raciocínio melancólico e revolucionário, ao mesmo tempo marxista e weberiano, sobre os documentos e a cultura produzidos nos tempos modernos;

 "Todos os que até hoje venceram participam do cortejo triunfal, em que os dominadores de hoje espezinham os corpos dos que estão prostrados no chão. Os despojos são carregados no cortejo, como de praxe. Esses despojos são o que chamamos bens culturais. O materialista histórico os contempla com distanciamento. Pois todos os bens culturais que ele vê têm uma origem sobre a qual ele não pode refletir sem horror. Devem sua existência não somente ao esforço dos grandes gênios que os criaram, como à corvéia anônima dos seus contemporâneos. Nunca houve um monumento da cultura que não fosse também um monumento da barbárie. E, assim como a cultura não é isenta de
barbárie, não o é, tampouco, o processo de transmissão da cultura. Por isso, na medida do possível, o materialista histórico se desvia dela. Considera sua tarefa escovar a história a contrapelo." BENJAMIM 1985 página157,

O último representante dessa escola Jürgen Habermas, desenvolveu toda sua teoria tentando resgatar a racionalidade iluminista, diferenciando-a em razão instrumental e razão comunicativa, mantendo a primeira com a crítica de Weber do mundo moderno envolto na burocratização e racionalização, enquanto a segunda resgatava a racionalidade iluminista. Habermas tenta claramente esvaziar o conteúdo crítico e negativo de Weber, reconciliando-se com o projeto moderno de emancipação da humanidade - o Iluminismo -, a partir da pretensão de nivelamento entre falantes; sejam dominadores, ou dominados, que se declaram dispostos a ouvir o contraditório. Alguns críticos apontam essa construção de Habermas, da reconciliação linguística como excessivamente liberal-democrata, acusando-a de esquecer da manutenção dos processos de dominação, mesmo no âmbito da linguagem.

Mas antes de Habermas, outro teórico da Escola de Frankfurt, Hebert Marcuse também sofreu influências de Max Weber, que apontava o caráter ilusório da moderna democracia de massas, a partir da ampliação do aparelho pretensamente racional institucional e burocrático, que na verdade acaba por selecionar a participação apenas entre os dominadores. A administração burocrática pretende antes de tudo ser reconhecida como racionalidade necessária, ou técnica, imposta por uma classe de forma a parecer neutra e imparcial, mas na verdade transformando dominação em subordinação consentida. Marcuse sempre vinculou a industrialização crescente a dominação burocrática, mostrando os processos de conversão da racionalidade em irracionalidade alienante, que a partir da reificação da razão alcançava à reificação como razão.

Também, o filósofo francês Merleau-Ponty desenvolveu um conceito intelectualmente provocativo de um "marxismo-weberiano", que para além de uma síntese de perspectivas epistemológicas diversas pretende agregar esforços numa luta anti-capitalista. Essa também parece ser a perspectiva de Michael Löwy, intelectual brasileiro radicado na França, que também constroe uma radicalização anti-capitalista de Weber, a partir do conceito de "afinidade seletiva" entre as duas visões.

"A despeito de suas diferenças inegáveis, Marx e Weber tem muito em comum em suas apreciações do capitalismo moderno: eles partilham uma visão crítica desse sistema econômico universal onde 'os indivíduos são dominados por abstrações' (Marx), onde as relações impessoais e coisificadas substituem as relações pessoais de dependência, e onde a acumulação do capital torna-se um fim em si, largamente irracional." QUERIDO, citando LÖWY 2016 página105

Há no conceito de afinidade seletiva uma interessante aproximação entre posicionamentos diametralmente opostos, que encontram algumas convergências, um valor que precisa ser cultuado no Brasil contemporâneo, que se encontra tão partido. Mas se o diálogo entre os dois pensadores permanece frutificando em diversas construções, salta aos olhos uma diferença fundamental entre o otimismo do homem moderno de meados do século XIX, que Marx encarna, e o pessimismo no qual o século XX é envolto, do qual Weber é apenas sua partida. Afinal as desilusões se acumularam, e muitas das pretensões utópicas e libertárias desse século, acabaram se tornando estruturas opressoras, onde os meios se tornaram mais importantes que os fins...

Bibliografia:

BENJAMIM, Walter - Walter Benjamim - Editora Ática São Paulo 1985
KALBERG, Stephen - Max Weber: uma introdução - Editora Zahar Rio de Janeiro 2010
QUERIDO, Fabio Mascaro - Michael Löwy, marxismo e crítica da modernidade - editora Boitempo São Paulo 2016
LÖWY, Michael - A jaula de aço, Max Weber e o marxismo weberiano - editora Boitempo São Paulo 2014
WEBER, Max - A Ética protestante e o "espírito" do capitalismo - editora Companhia das Letras, São Paulo 2004
https://www.marxists.org/portugues/marx/1845/tesfeuer.htm

terça-feira, 18 de abril de 2017

Urbanização de Rio das Pedras, investimento de curto ou longo prazo...

A favela de Rio das Pedras
A atual prefeitura do Rio de Janeiro vem de forma recorrente anunciando seu interesse para promover a urbanização da Favela de Rio das Pedras, na Baixada de Jacarepaguá, no caminho entre o bairro do Itanhangá e o Anil, nas bordas da Lagoa do Camorim. Uma das favelas que mais cresce na cidade do Rio de Janeiro. O jornal O Globo publicou matéria sobre a promessa da urbanização do governo municipal, na última segunda feira dia 17 de abril de 2017, trazendo números impressionantes que mostram a vitalidade do comércio existente na área. Apenas se restringido aos destaques da matéria percebe-se a pujança do setor de serviços na área, com 40 mil domicílios, Rio das Pedras possui 6,8mil estabelecimentos comerciais, sendo que 4mil seriam legalizados. Números expressivos, que nos apontam o potencial econômico das áreas informais das cidades brasileiras, e que demandam políticas específicas de urbanização e de integração continuada. Portanto, a iniciativa da Prefeitura do Rio de Janeiro deve ser celebrada, ampliada e debatida, buscando romper com o estigma que ainda persegue essas áreas, transformando-as em locais onde o acesso amplo e irrestrito seja seguro e desfrutado por todos. Um investimento efetivo para as futuras gerações, no longo prazo.

Para tal, é preciso estruturar uma política pública de Estado de urbanização, que analise cada uma das especificidades dessas comunidades, garantindo-lhes a presença de urbanidade, um conceito que envolve; distribuição de água, coleta de esgotos, de resíduos sólidos, iluminação pública, segurança, calçamento, transporte público, áreas de lazer e amenidades, equipamentos de educação, saúde e cultura, etc... Enfim tudo aquilo que podemos caracterizar como a boa vida urbana. Uma série de atributos, que envolvem uma política continuada, que se inicia com as obras, mas deve se manter com a prestação de serviços por parte de Secretarias e concessionárias tão variadas como; as Secretarias de Urbanismo, Educação, Cultura, Saúde, e concessionárias como; CEDAE, a COMLURB, a RIOÁGUAS, a RIOLUZ, a CETRIO, e outras, que conferem aos bairros mais estruturados da nossa cidade, a pretendida urbanidade. E, aqui precisamos não apenas fazer bem feito, mas nos debruçar sobre experiências passadas, não apenas em nossa cidade, mas em outras no nosso país,e até no exterior, procurando aprender com elas, ajustando fragilidades e se antecipando a determinados gargalos e problemas anunciados. Nos últimos anos, apenas nas duas maiores cidades do Brasil, São Paulo e Rio de Janeiro, há experiências como o Favela-Bairro, Cingapura, Renova São Paulo, e Morar Carioca que apresentaram soluções e problemas variados. Há em Rio das Pedras problemas complexos e variados, que envolvem o meio ambiente, macro-drenagem, sub-solo inadequado e outros, que devem ser analisados em conjunto pois impactarão em custos e demandas futuras.

Um dos pontos mais importantes, que se destaca de todas as experiências anteriores citadas, é o fato de que a reversão do estigma das áreas informais de favelas demandam políticas continuadas, revertendo a forma como o conjunto da sociedade encara esses aglomerados. Após a implantação e as inaugurações das obras é necessário um trabalho continuado de doutrinação junto às concessionárias para que ofereçam um padrão de manutenção dos serviços urbanos a altura dos investimentos público mobilizados. O período pós-obra é tão importante, e deve orientar as decisões do projeto e suas consequências para a manutenção da pretendida urbanidade. Apenas como exemplo, a experiência dos POUSOS (Posto de Orientação Urbanística e Social) implantados pelo Favela Bairro, que pretendiam orientar e coibir de forma continuada as reformas e expansões inevitáveis, não conseguiram ser empoderados efetivamente nas comunidades cariocas, fazendo com que muitas delas voltassem à informalidade e retrocedessem da urbanidade alcançadas com as obras. Porque? O que faltou? Nesse sentido, vale lembrar à atual gestão da prefeitura do Rio de Janeiro, que a administração anterior promoveu um concurso de metodologias de projetos de urbanização de favelas, que selecionou quarenta equipes no âmbito do Programa Morar Carioca, com resultados notáveis. Cabe portanto, a lembrança de que nesse campo da urbanização de favelas mais do que inventar a roda, muitas vezes basta fazê-la rodar.

Abaixo o link de duas matérias do jornal O Globo, a primeira da edição de 17 de abril de 2017, com a matéria mencionada no texto acima. A segunda, também do jornal O Globo do dia 18 de abril, na qual fui entrevistado como presidente do IAB-RJ.

http://oglobo.globo.com/rio/esperanca-para-rio-das-pedras-21206691

http://oglobo.globo.com/rio/presidente-do-instituto-de-arquitetos-do-brasil-critica-verticalizacao-de-rio-das-pedras-21219344

sexta-feira, 14 de abril de 2017

Visita ao barracão de obras da Nova Capital Brasília, o Catetinho

O Catetinho em sua configuração atual
Recentemente tive oportunidade de visitar em Brasília o barracão de obras, que atendia ao então Presidente da República Juscelino Kubitschek no seu acompanhamento da implantação do Plano Piloto para a mesma cidade. Localizado na antiga fazenda do Gama, nas margens da atual estrada que liga Brasília a Belo Horizonte, o Catetinho estava articulado com uma pista pouso, conforme pode se ver nas fotos. Projeto de Oscar Niemyer,  - o Catetinho, em referência ao Palácio do Catete, sede do governo federal no Rio de Janeiro - é um interessante exemplar no meio da profusão de monumentalidades e palácios, que Brasília oferece, trazendo nos a uma reflexão sobre um ponto fundamental do ofício de projeto: a adequação. Apesar de seu caráter provisório e precário percebe-se na obra a qualidade da manipulação espacial e sua justeza com os princípios da economicidade e robustez, que serviram como premissas de seu desenho. A qualidade da proporção de seus elementos, tais como; pilotis, varanda/circulação, sala, quartos, banheiros e cozinha demonstram o cuidado que era dedicado naqueles tempos heroicos da construção da Nova Capital, ao tema do projeto ou da pré-figuração. Fica claro, no Catetinho ou no Palácio de Tábuas como também era chamado, o protagonismo dado ao projeto e sua concepção, ao final, a ação de pensar antes de fazer, mesmo quando se trata de um barracão de obras.

Foto aérea do Catetinho, mostrando sua expansão e o
campo de pouso
Sua construção levou 10 dias apenas, e foi realizada a partir de um croqui de Oscar Niemyer, realizado no bar do pernambucano Juca Chaves (Engenheiro José Ferreira de Castro Chaves), anexo ao Hotel Ambassador no Rio de Janeiro. O programa da edificação inicial reunia; uma cozinha, uma sala de despachos, três suites e um balcão de recepção. O arquiteto Oscar Niemyer aglutina esse programa separando a cozinha num anexo, e suspendendo os demais ítens num pilotis em régua, que é acessado por uma escada linear, que dá acesso a um avarandado que faz o papel de circulação.  Segundo o site da secretaria de Cultura do Governo do Distrito Federtal;

"...surgiu de uma reunião de amigos de JK, no Hotel Ambassador/RJ. Oscar Niemeyer fez o croqui do Palácio de Tábuas, seu primeiro projeto para Brasília. Os amigos conseguiram um empréstimo e, em apenas dez dias, construíram a casa. Em torno dela funcionou um núcleo de apoio, com serviços de radiofonia e radiotelegrafia, e um campo de pouso. O nome Catetinho foi sugerido por Dilermando Reis, em alusão ao Palácio do Catete."

A expansão do Catetinho, que já não mais existe
A obra foi inaugurada em 10 de novembro de 1956 pelo próprio presidente Juscelino, que realizou um primeiro despacho presidencial no local, o seu tombamento pelo IPHAN é de 1959, a partir de um pedido do mesmo JK.  Durante as obras da nova capital houve uma expansão do Catetinho, que não está mais lá. Pelas fotos a residência provisória da presidência da república ganhou em conforto e dimensões, Interessante destacar, que apenas o núcleo original é preservado e tombado pelo IPHAN. A solução da expansão parece trazer a distinção entre circulação e varandas, que passam a ser reservadas aos quartos, dando maior privacidade e intimidade. Há relatos de que o presidente Juscelino Kubitscheck não acreditava na possibilidade de contar com água quente para os banheiros no Catetinho, conforto garantido de forma simples pela presença do fogão de lenha da cozinha. Aliás os banheiros do preservado Catetinho me parecem os únicos pontos destoantes numa certa essencialidade da construção, nessas peças sanitárias se encontra um esforço construtivo além da precariedade e do provisório.

Enfim, o Catetinho que hoje se constitui num ponto turístico da cidade de Brasília, me parece um contraponto ideal a monumentalidade que se desenvolveu na nova capital, e que era um dos pontos fundamentais da sua premissa de desenho.  Afinal, para que a nova capital se tornasse realidade era fundamental investir numa certa iconografia que efetivamente representasse o poder, na qual invariavelmente está presente uma certa monumentalidade, tanto no Oscar Niemyer, como também em Lucio Costa. O Palácio de Tábuas, situado a margem desse programa parece retornar a uma certa essencialidade do ato de construir, uma capacidade de abrigar básica, uma obra na qual a avaliação de sua adequação se resume à pura essência.

Bibliografia:

http://www.cultura.df.gov.br/historia-do-catetinho.html
http://doc.brazilia.jor.br/HistDocs/Pubs/1959-Visao-origem-do-Catetinho.shtml

quinta-feira, 13 de abril de 2017

Divergência e convergências no debate no IAB-RJ das tendências da cidade metropolitana

Mesa de abertura do Seminário sobre a Metrópole do Rio
Na última terça feira, dia 11 de abril de 2017 foi debatido a partir de um encontro promovido pela Casa Fluminense na sede do Instituto de Arquitetos do Brasil do Rio de Janeiro, (IAB-RJ) a forma como a cidade brasileira vem se reproduzindo, no Seminário de Planejamento e Cooperação Municipal na Metrópole do Rio. A organização da Casa Fluminense, que vem se destacando no cenário cultural do Rio de Janeiro, como expressão da voz das periferias relegadas a invisibilidade e ao silêncio, nas grandes metrópoles latino-americanas. A mesa de abertura do evento foi composta por José Marcelo Zachi, membro do Conselho de Governança da Casa Fluminense, Pedro da Luz Moreira, Presidente do IAB-RJ, Henrique Silveira Coordenador Executivo da Casa Fluminense, Mauro Osório, Presidente do Instituto Pereira Passos (IPP) e Vicente Loureiro, Diretor Executivo da Câmara Metropolitana. Ver foto.

Para os participantes, logo na mesa de abertura do encontro foi percebido um confronto entre duas posições aparentemente contraditórias, que acabaram sem esclarecimento, e seu devido aprofundamento. De um lado. o Presidente do IAB-RJ, Pedro da Luz defendeu a necessidade de incentivar a construção de unidades habitacionais no centro do Rio de Janeiro e de Niterói, apontando um estudo feito na UFRJ, que indicou um potencial de 150mil unidades nessa parte da metrópole.  De outro lado, o Diretor Executivo da Câmara Metropolitana, Vicente Loureiro, que contrapôs a essa ideía, identificando nas metropoles brasileiras uma macrocefalia, que privilegia o investimento nos centros, relegando as periferias a serem cidades dormitórios.

Na verdade, onde parece haver o contraditório, na minha opinião emerge uma convergência de propostas, afinal tratam-se de posicionamentos complementares, que se forem estruturados numa política urbana podem se reforçar mutuamente. O investimento em habitação nos centros de Niterói e Rio de Janeiro mudam na verdade uma inércia instalada nas cidades contemporâneas, que tenderam a criar conjuntos monofuncionais, onde há uma imensa concentração de escritórios de serviços,  portanto de empregos, e de ausência de habitação. Essa conformação sub utiliza a infraestrutura implantada, pois essas localidades ficam sem movimento durante os finais de semana e feriados, perdendo vitalidade nesses períodos. Por outro lado, o reforço das subcentralidades das periferias das grandes metrópoles precisam efetivamente ser incentivadas, atraindo escritórios, serviços e empregos mudando também uma inércia do desenvolvimento da nossa metrópole, que tenderam a se transformar em áreas dormitórios. Os dois posicionamentos não são divergentes, mas na verdade complementares, pretendendo mudar tendências inerciais da cidade brasileira, podendo ser implantados conjuntamente, se reforçando mutuamente.

A necessidade de reequilíbrio do imenso território da cidade metropolitana do Rio de Janeiro, que parece ser compartilhado por todos, precisa fomentar habitação no centro e empregos na periferia, diminuindo a necessidade de movimentos pendulares nos sistema de transportes, mas garantindo ao mesmo tempo maior acessibilidade às benfeitorias urbanas da metrópole como um todo. De certa forma, a hierarquia entre as centralidades da cidade metropolitana do Rio de Janeiro precisa ser equilibrada, buscando a presença da poli funcionalidade; habitação, comércio e serviços juntos, acabam gerando vitalidade continuada.

terça-feira, 4 de abril de 2017

Metrô para o Recreio? É preciso debater. Para quem são construídas as infraestruturas nas cidades brasileiras

A Lagoa-Barra, obra de setenta que vinculou a Barra a Zona Sul
Recentemente, o governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, e o prefeito Marcelo Crivella, divulgaram na grande mídia o interesse em ampliar a linha do metrô carioca do Jardim Oceânico, na Barra da Tijuca, até o Recreio dos Bandeirantes. Os recursos para a implantação da obra viriam de Certificados de Potencial Adicional de Construção (CEPACs), a serem obtidos nos terrenos vizinhos das futuras estações do metrô, basicamente localizadas ao longo da Avenida das Américas. Importante salientar que grande parte do capital imobiliário da cidade atua na região, não precisando de incentivo. A última gestão municipal, inclusive, construiu uma extensão da linha do BRT, ligando o Terminal do Cebolão à Estação Jardim Oceânico do metrô, que na prática faz a conexão com o Recreio, anunciada pelos poderes executivos cariocas.

Mais uma vez, percebe-se um caráter imediatista nas ações dos governos do Rio de Janeiro, tanto municipal, quanto estadual, avessos aos planejamentos estruturados, ou ao menos de promover um debate aprofundado sobre as obras e as infraestruturas mais prioritárias para o conjunto da população. Duas perguntas objetivas emergem da ampliação já realizada no metrô carioca até o Jardim Oceânico, ligando a Barra da Tijuca a Ipanema, ao custo de R$ 10 bilhões: qual o percentual da população carioca beneficiada pela obra? Qual a extensão do debate que precedeu a decisão de fazer esse investimento?

Se utilizarmos como referência apenas a população existente no Recreio e na Barra da Tijuca, chega-se a 180 mil pessoas, ou 3% da população do município (6 milhões de habitantes), e pasmem apenas 1,5% da população da cidade metropolitana do Rio de Janeiro (12 milhões de habitantes). Ao analisar esses dados, percebemos que tanto o debate, quanto a relevância dessa última obra nasceram de decisões arbitrárias e irrelevantes para grande parte da população da metrópole carioca. E isso por absoluta ausência de debate sobre o plano de obras do metrô carioca, seus custos e as alternativas possíveis de serem analisadas.

Desde o Plano Lucio Costa, em 1969, as regiões da Barra e da Baixada de Jacarepaguá contam com investimentos públicos vultuosos, que viabilizam grandes lucros privados. A obra rodoviária que ligou a Gávea à Barra da Tijuca, inaugurada em 1971 e custeada pelo governo federal, beneficiou os investidores imobiliários, que lançaram novos empreendimentos com nomes de Nova Ipanema e Novo Leblon, claramente vinculados à Zona Sul. Na verdade, todos sabiam que a conexão natural da Barra da Tijuca era com Madureira, pela Avenida Cândido Benício, no entanto essa ligação não garantia o vínculo de glamour habitacional obtido com a Zona Sul.

O Departamento Rio de Janeiro do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-RJ), desde 2010, defende a requalificação dos ramais de trens da Central do Brasil. A obra é prioritária e fundamental para garantir maior qualidade para a mobilidade na cidade. Na Zona Norte carioca, em Santa Cruz e Campo Grande e em municípios como Caxias e Nova Iguaçu, que são atendidos pelos ramais de trens metropolitanos, vivem cerca de 9 milhões de habitantes, gente que merece ser levada em conta pelas obras de infraestrutura da cidade. O projeto da cidade brasileira não pode mais ser fruto da arbitrariedade de governos passageiros. Precisa estar ancorado na premissa de uma política de Estado, para melhorar a qualidade de vida da grande maioria de sua população, e não só de uma minoria.