sexta-feira, 15 de julho de 2016

Modelos ou Princípios da boa cidade ainda são possíveis

O Plano Voisin de Le Corbusier, financiado pela industria
automobilística e paradigma da cidade modernista


 Estamos as vésperas das olimpíadas no Rio de Janeiro, que começarão em 05 de agosto de 2016, e próximos das futuras eleições municipais brasileiras, que ocorrerão em outubro de 2016, no seu primeiro turno. Essas eleições serão diversas de todas as outras que ocorreram anteriormente no Brasil, por uma série de fatos que atingiram nosso meio ambiente político, tirando-o de uma inércia estabelecida. O periodo pós-olímpico também pode ser uma oportunidade ímpar para refletir sobre que cidade temos, e qual queremos construir para as futuras gerações? O que aconteceu com nossas cidades, ou para onde estamos indo? Ou melhor, qual imagem da boa cidade que elegemos como modelo entre nós? Qual forma-tipo de cidade que compartilhamos como representação ideal do bem viver? Apesar dos modelos estarem esgotados, e, como defendem alguns teóricos, vivemos um momento pós hegemônico, onde não é mais possível a eleição de uma forma tipo sintética e representativa; será que ainda é possível compartilhar princípios norteadores da cidade que queremos ter?

Um princípio geral vem pautando a política no Brasil nos últimos anos e tudo indica que continuará na nossa agenda, que é a busca por uma sociedade com maior equidade, ou melhor distribuição de renda. O senso comum da sociedade brasileira de uma maneira geral não identifica nas atribuições do governo municipal, ou na estruturação do espaço construído da cidade a capacidade para promover ou induzir uma melhor distribuição de renda. De uma maneira geral, o brasileiro considera que a promoção de maior equidade em nossa sociedade é fruto apenas de políticas nas áreas da saúde, da educação, do salário mínimo, mas nunca da nossa ordenação espacial.

No meu modo de entender esse é um grande equívoco, uma vez que a qualidade espacial da cidade pode representar uma apropriação indireta de renda para parcela significativa da população. Por exemplo, se temos melhores condições de mobilidade, que garantam tempos médios pendulares menores dos deslocamentos casa e trabalho, a população poderá se apropriar de um maior tempo livre, que pode representar incremento de renda, ou de qualidade de vida. Se tivermos melhores condições de saneamento nas nossas cidades, menos poluição e menos tempos em nossos deslocamentos teremos menos gastos em saúde, e, portanto apropriação indireta de rendas suplementares. A estruturação espacial ou a política urbana de nossas cidades é um fator primordial para se alcançar maior equidade na sociedade brasileira, afinal a segmentação espacial das nossas cidades está determinada por forte clivagem entre as classes.

Há no mundo contemporâneo um modelo econômico hegemônico baseado no neo-liberalismo, uma forma de operar que celebra a iniciativa particular ou mesmo coletiva, desregulamentada das formas tradicionais de controle do Estado, apesar da afirmação recorrente de uma realidade pós-hegemônica. As iniciativas públicas ou articuladas pelo Estado são vistas com desconfiança, e consideradas incapazes de promover processos bem sucedidos, ou virtuosos. Essa proposição começa a se desenvolver na década de setenta do século XX, que é apontada como um momento de crise e de virada da regulação internacional acertada pelo acordo de Bretton Woods, que regulava as finanças desde 1944, e que começava a apresentar sintomas de esgotamento. A partir desse momento irá se articular uma narrativa, que impõe a desregulamentação financeira e a austeridade fiscal.

Em 1973 o golpe de estado no Chile impõe uma ideologia neo-liberal no país, em 1975-76 a disciplina fiscal é implantada no Reino Unido pelo FMI, e também em 1975 a cidade de Nova York  inicia a aplicação de rigorosa meta fiscal, após sua declaração de inadimplência. No final dos anos setenta, as eleições de Thatcher e Reagan marcam a conquista do poder pelo discurso neo-liberal, que passa a pautar nosso cotidiano com a ideia da desregulação econômica e liberação do empreendedorismo individual.Muitos dos fluxos financeiros aprisionados por regulações estatais passam a circular pelo mundo de forma livre, e, sem conseguir ser  sequer monitorados por qualquer tipo de regulação fiscal, afinal as iniciativas estatais continuam sendo vistas com desconfiança.

Em 2008, uma crise sem precedentes se abate sobre a economia americana, grandes instituições financeiras sugadas pela quebra de confiança no sistema de hipotecas e nos seguros a sua volta ameaçam grandes conglomerados rentistas, que são classificados como; "so big to crash". O governo americano, temendo um efeito dominó em toda a atividade econômica, semelhante a crise de 1929, aporta grande quantidade de capital do contribuinte americano, socializando os prejuízos. Alguns economistas liberais, como Stglitz e Piketi apontam a necessidade de retorno da regulação, que deverá ser globalizada para controlar a especulação desenfreada.

Os insistentes marxistas, como o crítico cultural Jameson e o geógrafo Harvey recolocam a questão da tendência preferencial do sistema pela forma líquida monetarizada, que se materializa de forma mais concreta nas bolsas e investimentos rentistas, mas também no espaço, e em processos especulativos nas cidades. Apesar disso tudo, permanece a desconfiança pelas iniciativas governamentais e públicas, que ainda são vistas como esforços arrecadatórios mantenedores de aparatos burocráticos, que apenas visam sua reprodução e auto-sustentação, sem qualquer interesse público ou projeto republicano.

Por outro lado, as cidades passam a concentrar e expressar imensas manifestações de rebeldia e de insatisfação, explodem aglomerações em várias partes do mundo, que reinvindicam melhores condições de habitar e de circular sem a capacidade de formular uma pré-figuração alternativa para o módus operandi do status quo hegemônico. É nas cidades que se materializa uma imensa segmentação e fragmentação de oportunidades, uma concentração desequilibrada de benefícios que atendem a uma minoria. O território de nossas cidades demonstram de forma didática a segmentação da sociedade, a cidade capitalista neo-liberal é produtora de imensas áreas de exclusão, enquanto outras muito restritas se globalizam.

Portanto, se não há mais possibilidade para os modelos pelo seu esgotamento, os princípios da boa cidade precisam ser explicitados de forma a dar sentido as imensas manifestações de rebeldia. A cidade deve encontrar um princípio geral na busca da promoção da equidade, um território urbano onde está universalizado o acesso às infraestruturas urbanas é o objetivo maior. Por outro lado, as cidades brasileiras precisam transformar o modo como vêm sendo construídas, para tanto, sugere-se priorizar quatro proposições objetivas:

* a Cidade deve ser compacta e densa, evitando-se a dispersão interminável e enfatizando-se o papel aglutinador do antigo centro histórico;
* a Cidade deve ser lugar da convivência da diversidade de classes e de usos, evitando-se os guetos de ricos e pobres e a monofuncionalidade;
* a Cidade deve ter mobilidade efetiva para todos, evitando-se a exclusão determinada pela ineficiência ou tarifação alta dos sistemas de transporte coletivo;
* a Cidade deve ampliar o reconhecimento da ecologia e dos biomas locais, construindo-se melhor relação com a natureza.