"A religião da fraternidade sempre se chocou com as ordens e valores deste mundo, e quanto maior a coerência com que suas ideias foram levadas à prática tanto mais agudo foi o choque. A divisão se tornou em geral mais profunda na medida em que os valores do mundo foram racionalizados e sublimados do ponto de vista de suas próprias leis. E é isso que importa aqui."WEBER citado em KALBERG 2010 página7
A questão que se coloca é se poderia haver diálogos entre o materialismo marxista, ou o neo-hegelianismo de Marx, e o idealismo weberiano ou o neo-kantismo de Weber, partindo do princípio que as duas atitudes envolvem um posicionamento crítico com relação a modernidade, e ao capitalismo. Pelo lado de Marx, com a emergência do sistema capitalista, e pelo de Weber a partir de um certo desencantamento do mundo moderno, produzido ao final pelo mesmo sistema produtivo. Há uma importante cisão entre os dois. Marx, ao final é um otimista típico de meados do século XIX e de certa forma celebra o desenvolvimento das forças produtivas, que segundo ele, acabarão por gerar as condições para sua superação, Enquanto Weber, se mantém naquilo que se convencionou nomear de Kulturpessimismus do ethos romântico e germânico, não encontrando positividade na modernização. A crítica weberiana pretende um certo distanciamento analítico, quase cientificista que envolve uma noção complexa da totalidade, enquanto o marxismo se auto limita a partir de uma vontade de transformação, que é ao mesmo tempo sua declaração metodológica, de uma construção interessada. Afinal a décima primeira tese do jovem Marx sobre o materialista hegeliano Feuerbach reverbera como uma atitude fundadora do marxismo;
Essa declaração interessada do filósofo alemão de meados do século XIX, sempre desvendou uma certa teleologia do marxismo, que ao final celebrava um progresso positivo e inexorável das forças produtivas, que contrasta com a visão do romantismo saudosista e melancólico de Weber, que na verdade desdenha dessa crença. A questão é extremamente complexa, e envolve até uma mudança de entonação no próprio desenvovimento de Marx, que entre a juventude do Manifesto Comunista e a maturidade da publicação do O Capital. Percebe-se nesses dois momentos, uma clara diferenciação entre uma atitude positiva e otimista do Manifesto, e o desenvolvimento de um posicionamento abertamente mais crítico, e pouco celebratório, com relação às atitudes da burguesia.
Mas vários autores marxistas, além de Luckács se aproximaram de Weber de forma explícita, a Escola de Frankfurt, com pensadores como Walter Benjamim, Adorno e Hockheimer desenvolveram críticas à burocratização do mundo moderno e sua aproximação com a barbárie a partir de Weber. Adorno e Hokheimer, em seu livro A dialética do esclarecimento criticam o entorpecimento fornecido às massas alienadas a partir da indústria cultural moderna, e interpretam o desenvolvimento cultural do ocidente como um desencantamento, que reduz todos os conteúdos a superficialidade do espetáculo. Benjamim, em suas Teses sobre o conceito de história desenvolve um fino raciocínio melancólico e revolucionário, ao mesmo tempo marxista e weberiano, sobre os documentos e a cultura produzidos nos tempos modernos;
O último representante dessa escola Jürgen Habermas, desenvolveu toda sua teoria tentando resgatar a racionalidade iluminista, diferenciando-a em razão instrumental e razão comunicativa, mantendo a primeira com a crítica de Weber do mundo moderno envolto na burocratização e racionalização, enquanto a segunda resgatava a racionalidade iluminista. Habermas tenta claramente esvaziar o conteúdo crítico e negativo de Weber, reconciliando-se com o projeto moderno de emancipação da humanidade - o Iluminismo -, a partir da pretensão de nivelamento entre falantes; sejam dominadores, ou dominados, que se declaram dispostos a ouvir o contraditório. Alguns críticos apontam essa construção de Habermas, da reconciliação linguística como excessivamente liberal-democrata, acusando-a de esquecer da manutenção dos processos de dominação, mesmo no âmbito da linguagem.
Mas antes de Habermas, outro teórico da Escola de Frankfurt, Hebert Marcuse também sofreu influências de Max Weber, que apontava o caráter ilusório da moderna democracia de massas, a partir da ampliação do aparelho pretensamente racional institucional e burocrático, que na verdade acaba por selecionar a participação apenas entre os dominadores. A administração burocrática pretende antes de tudo ser reconhecida como racionalidade necessária, ou técnica, imposta por uma classe de forma a parecer neutra e imparcial, mas na verdade transformando dominação em subordinação consentida. Marcuse sempre vinculou a industrialização crescente a dominação burocrática, mostrando os processos de conversão da racionalidade em irracionalidade alienante, que a partir da reificação da razão alcançava à reificação como razão.
Também, o filósofo francês Merleau-Ponty desenvolveu um conceito intelectualmente provocativo de um "marxismo-weberiano", que para além de uma síntese de perspectivas epistemológicas diversas pretende agregar esforços numa luta anti-capitalista. Essa também parece ser a perspectiva de Michael Löwy, intelectual brasileiro radicado na França, que também constroe uma radicalização anti-capitalista de Weber, a partir do conceito de "afinidade seletiva" entre as duas visões.
Há no conceito de afinidade seletiva uma interessante aproximação entre posicionamentos diametralmente opostos, que encontram algumas convergências, um valor que precisa ser cultuado no Brasil contemporâneo, que se encontra tão partido. Mas se o diálogo entre os dois pensadores permanece frutificando em diversas construções, salta aos olhos uma diferença fundamental entre o otimismo do homem moderno de meados do século XIX, que Marx encarna, e o pessimismo no qual o século XX é envolto, do qual Weber é apenas sua partida. Afinal as desilusões se acumularam, e muitas das pretensões utópicas e libertárias desse século, acabaram se tornando estruturas opressoras, onde os meios se tornaram mais importantes que os fins...
"Os filósofos apenas interpretaram o mundo de diferentes maneiras; agora é preciso transformá-lo." https://www.marxists.org/portugues/marx/1845/tesfeuer.htm
Essa declaração interessada do filósofo alemão de meados do século XIX, sempre desvendou uma certa teleologia do marxismo, que ao final celebrava um progresso positivo e inexorável das forças produtivas, que contrasta com a visão do romantismo saudosista e melancólico de Weber, que na verdade desdenha dessa crença. A questão é extremamente complexa, e envolve até uma mudança de entonação no próprio desenvovimento de Marx, que entre a juventude do Manifesto Comunista e a maturidade da publicação do O Capital. Percebe-se nesses dois momentos, uma clara diferenciação entre uma atitude positiva e otimista do Manifesto, e o desenvolvimento de um posicionamento abertamente mais crítico, e pouco celebratório, com relação às atitudes da burguesia.
Mas vários autores marxistas, além de Luckács se aproximaram de Weber de forma explícita, a Escola de Frankfurt, com pensadores como Walter Benjamim, Adorno e Hockheimer desenvolveram críticas à burocratização do mundo moderno e sua aproximação com a barbárie a partir de Weber. Adorno e Hokheimer, em seu livro A dialética do esclarecimento criticam o entorpecimento fornecido às massas alienadas a partir da indústria cultural moderna, e interpretam o desenvolvimento cultural do ocidente como um desencantamento, que reduz todos os conteúdos a superficialidade do espetáculo. Benjamim, em suas Teses sobre o conceito de história desenvolve um fino raciocínio melancólico e revolucionário, ao mesmo tempo marxista e weberiano, sobre os documentos e a cultura produzidos nos tempos modernos;
"Todos os que até hoje venceram participam do cortejo triunfal, em que os dominadores de hoje espezinham os corpos dos que estão prostrados no chão. Os despojos são carregados no cortejo, como de praxe. Esses despojos são o que chamamos bens culturais. O materialista histórico os contempla com distanciamento. Pois todos os bens culturais que ele vê têm uma origem sobre a qual ele não pode refletir sem horror. Devem sua existência não somente ao esforço dos grandes gênios que os criaram, como à corvéia anônima dos seus contemporâneos. Nunca houve um monumento da cultura que não fosse também um monumento da barbárie. E, assim como a cultura não é isenta de
barbárie, não o é, tampouco, o processo de transmissão da cultura. Por isso, na medida do possível, o materialista histórico se desvia dela. Considera sua tarefa escovar a história a contrapelo." BENJAMIM 1985 página157,
barbárie, não o é, tampouco, o processo de transmissão da cultura. Por isso, na medida do possível, o materialista histórico se desvia dela. Considera sua tarefa escovar a história a contrapelo." BENJAMIM 1985 página157,
Mas antes de Habermas, outro teórico da Escola de Frankfurt, Hebert Marcuse também sofreu influências de Max Weber, que apontava o caráter ilusório da moderna democracia de massas, a partir da ampliação do aparelho pretensamente racional institucional e burocrático, que na verdade acaba por selecionar a participação apenas entre os dominadores. A administração burocrática pretende antes de tudo ser reconhecida como racionalidade necessária, ou técnica, imposta por uma classe de forma a parecer neutra e imparcial, mas na verdade transformando dominação em subordinação consentida. Marcuse sempre vinculou a industrialização crescente a dominação burocrática, mostrando os processos de conversão da racionalidade em irracionalidade alienante, que a partir da reificação da razão alcançava à reificação como razão.
Também, o filósofo francês Merleau-Ponty desenvolveu um conceito intelectualmente provocativo de um "marxismo-weberiano", que para além de uma síntese de perspectivas epistemológicas diversas pretende agregar esforços numa luta anti-capitalista. Essa também parece ser a perspectiva de Michael Löwy, intelectual brasileiro radicado na França, que também constroe uma radicalização anti-capitalista de Weber, a partir do conceito de "afinidade seletiva" entre as duas visões.
"A despeito de suas diferenças inegáveis, Marx e Weber tem muito em comum em suas apreciações do capitalismo moderno: eles partilham uma visão crítica desse sistema econômico universal onde 'os indivíduos são dominados por abstrações' (Marx), onde as relações impessoais e coisificadas substituem as relações pessoais de dependência, e onde a acumulação do capital torna-se um fim em si, largamente irracional." QUERIDO, citando LÖWY 2016 página105
BENJAMIM, Walter - Walter Benjamim - Editora Ática São Paulo 1985
KALBERG, Stephen - Max Weber: uma introdução - Editora Zahar Rio de Janeiro 2010
QUERIDO, Fabio Mascaro - Michael Löwy, marxismo e crítica da modernidade - editora Boitempo São Paulo 2016
LÖWY, Michael - A jaula de aço, Max Weber e o marxismo weberiano - editora Boitempo São Paulo 2014
WEBER, Max - A Ética protestante e o "espírito" do capitalismo - editora Companhia das Letras, São Paulo 2004
https://www.marxists.org/portugues/marx/1845/tesfeuer.htm
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