Mapa da Pax Romana |
Seguindo a sequência histórica da disciplina de Teoria e História da Arquitetura 1 (THArq1) da Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (EAU-UFF), da qual sou professor, chegamos ao Império Romano e sua arquitetura, urbanismo e sua gestão do território. Uma das civilizações que demonstrou um enorme apuro no esforço construtivo, e articulou um território imenso, o Império Romano, que ia da península Ibérica até a borda da Índia, a partir de obras como estradas, aquedutos, pontes e fortificações. As origens da cultura de Roma são muito antigas, sua fundação remonta a 756 a.C., e os registros da cidade antecedem ao Império Grego no mar Mediterrâneo e nos apresentam uma certa disponibilidade inicial de interação franca com as mais diversas culturas. Os etruscos, que dominaram a região da antiga Roma a partir de 616 a.C. sentiam profunda afinidade pelas manifestações da Grécia Antiga, que dominava o sul da península itálica, com vários entrepostos coloniais. Ao norte estavam os povos bárbaros, gauleses e normandos, que dominavam a região, a partir do vale do Rio Pó, a partir dessa diversidade de culturas, que se constituirá o imenso império, que se estabiliza na República Romana, a partir de 416 a.C.. Amplo período, que na verdade foram identificados por alguns historiadores como a Pax Romana, desde 27 a.C. a 180 d.C., que constroe a coesão de um território imenso, que no limite ocidental envolve os atuais países da Inglaterra, Espanha e Portugal, passando pelo norte da África, Egito, Oriente Próximo, e chegando aos atuais Irã e Iraque. Na verdade, o Mar Mediterrâneo, aquilo que os romanos chamavam de "Mare Nostrum" era a grande coesão dessa imensa região, que articulada por estradas, pontes e cidades, constituíram uma rede coesa de impostos e taxações, que fizeram a fortuna da cidade de Roma. Como em todo império, existia a força coercitiva das legiões romanas, às opressões e revoltas dos diferenciados povos escravizados, mas também houve a disseminação de uma cultura e de uma arte singular e pragmática.
“A Itália antiga não tinha unidade étnica nem cultural: era um mosaico de povos diversos pela origem, pelas tradições, pelos costumes e pela língua. Ao norte do Pó, já era a terra dos bárbaros, gauleses e germanos; o sul era um pedaço da Grécia. A única cultura autóctone, ainda que fortemente influenciada pela arte grega, era a etrusca, nas regiões centrais. Mesmo, a cultura romana, que acabara por dominar toda a península, tem suas raízes na grega, mas a combina, em seu desenvolvimento histórico, com a tradição etrusca e a renova, acolhendo grandemente as infiltrações bárbaras.” ARGAN, 2003
Nesse contexto, de forte referência a cultura grega, toda a arte de Roma reproduz as ordens presentes em suas colunas, em seus capitéis, a sistematização dessas ordens é realizada por um tratado, Os dez livros da Arquitetura, ou simplesmente De Arquitetura, de um arquiteto-engenheiro militar Marcos Vitrúvio Polião, que viveu no século I a.C. O tratado é dedicado ao imperador Augusto, e inaugura a tradição da arquitetura de vinculação com o poder, com o patronato, o papado, devido ao imenso dispêndio de recursos que a arte de construir envolve. Vitrúvio, no único tratado que nos chegou graças a Idade Média, será o formulador da classificação da linguagem clássica da arquitetura grega, com a presença de apenas uma coluna originária da península itálica, a Toscana. Na verdade uma derivação da mais sóbria das colunas gregas, a Dórica, que parece nos mostrar o espírito prático da civilização de Roma, que objetiva e sintetiza seu decoro, se desfazendo até das caneluras.
“Construído sobre um alto pedestal, com colunas maciças e baixas, o templo etrusco evocava longinquamente as formas de um templo dórico; mas era mais largo do que longo e dividido em duas partes, das quais a anterior era aberta e de pórticos, enquanto a outra continha uma cela tríplice. As colunas ‘toscanas’ não tinham caneluras e o capitel era constituído por um anel equino fortemente comprimido.” ARGAN 2003 página 163
Mas o elemento síntese da arquitetura romana, não é mais a coluna, mas o Arco, uma arquitrave em arco pleno no qual o centro do raio corresponde ao meio do inter-colúnio ou do vão a ser vencido, a chave ou fechamento, é a pedra ou o tijolo colocada no vértice que confere toda a estabilidade a estrutura. Uma composição estrutural, que trabalha a partir dos conceitos de encaixe de posição e reciprocidade mútua, que desembocará como uma linguagem em outros elementos mais complexos, tais como; abóbodas, abóbadas de berço, abóbodas cruzadas. Manipulados primeiro pelos etruscos e depois pelos romanos, farão a fortuna da sua arquitetura, configurando espacialidades como naves centrais, laterais, absides, etc..., que disponibilizam a solução da curva, libertando-nos da mera reta. As imensas possibilidades oferecidas por esse elemento, o Arco, e suas infinitas combinações oferecerá a arquitetura, as infra estruturas, as estradas uma rede construtiva de criatividade.
“Nos muros e nas portas urbanas revela-se o gênio construtivo dos etruscos, mestres no entalhar e no compor encaixes a macia pedra local; sobre o princípio do encaixe e da recíproca sustentação dos blocos funda-se o sistema da cobertura em arco e abóboda que constitui, na ordem da técnica construtiva, o caráter notável da arquitetura etrusca e tornar-se-á, também na ordem estética, o tema base da arquitetura romana.” ARGAN 2003 página163
O Coliseu de Roma |
A intencionalidade, a proporção entre elementos e uma representação da organização das instituições humanas se desenvolvem, sem deixar de ter uma certa monumentalidade dominadora, que assinala a centralidade de Roma, a cidade eterna. Ritos, mitos e racionalidade se fundem na expressão de uma civilidade com hábitos particulares, que constituem-se em edificações concretas como; o Arco Triunfal, o Fórum, a Basílica, as Termas, o Anfiteatro, os Aquedutos, as Estradas, as Pontes. O edificar, a base física e material da sociedade; a cidade, seus confortos, suas infra estruturas passam também a espelhar a civilidade ou a cidadania do homem, como construções mútuas e retro alimentadas. As construções públicas expressam e concentram uma série de práticas e hábitos, que espelham um Bem Viver,a cidade romana garante o acesso a confortos, comodidades e asseamentos higiênicos jamais pensados. A urbs e a civitá, construções e comportamentos humanos parecem estar interligados numa didática mútua, num desenvolvimento compartilhado e interdependente. A construção da personalidade do cidadão é impulsionada, dependente e mutuamente interligada com a estrutura física do espaço construído pelo mesmo cidadão, como numa rua de mão dupla, não só na cidade mas no território que vivencia. A grande cidade, a fuga para os idílios das Villas do interior, as obras de infra estrutura, tais como; aquedutos, pontes e estradas, a compreensão do território vivenciado conformam uma consciência particular e única na história da humanidade.
As Termas de Caracala, a "commoditas" romana |
A arquitetura nasce portanto da manipulação mecânica de uma materialidade concreta e específica que se articula numa espacialidade, que demanda uma intencionalidade antecipadora alcançada pela racionalidade humana. Uma síntese complexa entre artes mecânicas e artes liberais, ainda não conscientemente explicitada pela antiguidade clássica, mas já implicitamente presente, e, que será alcançada apenas no Renascimento italiano. O Tratado de Vitrúvio é representativo desse espírito, aonde a boa cidade, o bem viver, a vida com o diálogo, se somam no sentido de humanizar o homem torná-lo civilizado e disponível para a vida pública, que mira o interesse de todos. A Grécia no espaço da Ágora mostra-nos como o diálogo, o discurso convincente e argumentativo persuade a comunidade, Roma terá o Fórum, a Basílica como espaço da construção também do diálogo e da justiça, que passa a ser proclamada por uma lógica da impessoalidade. Apesar do militarismo romano, que perpassa a história de todo o Império, as legiões, que voltando de campanhas vitoriosas, volta e meia usurpam o poder civil, Roma terá na justiça a representação de um código escrito consolidado que regula a atuação das pessoas. São um exemplo dessa mentalidade, os escritos do Cônsul Marco Túlio Cícero (106a.C. - 43a.C.), redescobertos por Francisco Petrarca (1304-1374) no pré renascimento italiano nos mostram a constituição do interesse comum, a res publica. Também o tratado de Vitrúvio nos mostra, o que significa edificar uma linguagem clássica, profundamente vinculado aos gregos, mas também a commoditas (utilidade e comodidade) romana, que procura desvendar a eleição da materialidade, dos procedimentos construtivos, da escolha do lugar, da adequação da edificação ao seu contexto, etc.
A Basílica de Constantino |
A ânsia pragmática de Roma se expressa na sanha classificatória de Vitrúvio, que se manifesta também na ordenação das funções edilícias, e na sua disposição no território, ou inserção urbana, que lançam um conceito fundamental para a estruturação projetual, a ideia de "Tipo". O planejamento e a projetação entenderá o conceito de "Tipo", como algo diferenciado do "Modelo", que portanto seria uma ordenação esquemática que sintetizaria a distribuição arquitetônica no contexto, no terreno, no lugar mostrando-nos constâncias históricas do construir humano. Como, uma gênese da forma, um processo de esquematização das proporções entre espaço edificado e não edificado; a casa em torno de um pátio, a torre, a evolução do Templo Paleo-cristão a partir da Basílica Romana, e outros. A lógica do Tipo envolve também diversas escalas e interrelações numa relação de proporção esquemática que envolve a função prática e contemplativa da edificação, o construído e o não construído, como formas em interação dialética, que se constituem mutuamente. A metodologia do "Tipo" só será plenamente sistematizada pelos arquitetos do Iluminismo, mas ela já se apresenta de forma implícita no Tratado de Arquitetura, os Dez Livros de Vitrúvio.
O cotidiano de uma cidade nova do Império Romano |
Enfim, uma forma de pensar que transita entre as várias escalas do pensamento construtivo, desde a concepção geral e abrangente da disposição edificatória até o detalhe do decoro, pensando-os como uma unidade inseparável e coesa. A partir dessas reflexões fornecidas pelo Tratado de Vitrúvio e as leituras de Giulio Carlo Argan sobre esse texto fundador, a aula procurou apresentar numa ordem classificatória os esforços da Arquitetura Romana. Entendendo cada um desses temas como inseridos num determinado contexto pré-existente, que desvendava e explicava a obra: os Arcos Triunfais, os Templos, os Anfiteatros, a Basílica, o Circo Máximo, as Residências e a Insulae de Roma, as Grandes Construções como Aquedutos e Pontes. Até chegar a uma fictícia Cidade Romana de colonização do território, que na Europa se apresenta em grande número e em grande variedade de ocorrências, tais como; Paris (Lutécia), Londres (Londum), Barcelona (Barce), e outras. Na verdade, esta referência a uma cidade nova de colonização romana foi retirada do livro de David Macaulay, que tem como título; Construção de uma Cidade Romana. Ele nos mostra que a configuração da cidade é um elemento central no processo de colonização, dominação, controle e doutrinação da cultura de Roma frente aos diferentes contextos nos quais se insere. A cidade é um elemento fundamental na articulação do imenso território do Império de Roma, marcando o lugar e mostrando nas suas especificidades o módus vivendi dessa cultura
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