O livro, lançado em 1947, carrega uma forte carga pessimista, principalmente no que corresponde a cultura de massas, ou industria do entretenimento, ou as novas técnicas de reprodução da obra de arte, encaradas como meio de alienação, repressão e dominação. A auto-destruição do esclarecimento, que dominado pelo positivismo reducionista da celebração científica, reduz a capacidade reflexiva encaminhando a humanidade para uma nova barbárie. Por isso, aqui emerge um marxismo desconfiado da coletividade e mesmo do proletariado, que radicaliza um discurso vanguardista e isolacionista, que Horkheimer já prenunciava no livro A teoria tradicional e teoria crítica de 1937;
"...a verdade buscará refúgio entre pequenos grupos de homens admiráveis." HORKHEIMER, citado por MERQUIOR 1987 página160
O livro é composto por um breve Prefácio, que sistematiza a ideia de esclarecimento como destruidor dos mitos e ritos explicadores e instrumentador de uma ciência desmemorizada, simplificadora e unilateral. Seguido por O conceito de Esclarecimento, no qual a razão instrumental e tecnológica é vista como legitimadora da dominação e do poder sobre a natureza ou outros seres humanos, que passam a ser objetivados. Seguido por dois excursos, um sobre o mito de Ulisses na Odisséia grega - Excurso I: Ulisses ou Mito e Esclarecimento - visto como um testemunho precoce da civilização burguesa, onde sacrifício e renúncia prenunciam o domínio total da natureza humana e não-humana. E, o segundo excurso sobre Kant, Sade e Nietzche - Excurso II: Juliete ou Esclarecimento e Moral - onde emerge um sujeito autocrático, que descamba para uma objetividade cega, não admitindo mais o contraditório. Após esses dois excursos, que segundo alguns dicionários tem como significado; desvio, digressão, divagação, ou desvio do tema principal; seguem-se dois capítulos; A industria cultural e Elementos do Anti-semitismo, que são seguidos por Notas e Esboços, que anunciam pesquisas futuras. Por essa estrutura, o livro denota uma certa processualidade inconclusa, ou uma perplexidade diante da transformação do esclarecimento em barbárie, a sombra do nazismo e de suas atrocidades domina a reflexão, sinalizando que o aumento do consumo de bens materiais não elevou o padrão da sociabilidade.
"Numa situação injusta, a impotência e a dirigibilidade da massa aumentam com a quantidade de bens a ela destinados. A elevação do padrão de vida das classes inferiores materialmente considerável e socialmente lastimável, reflete-se na difusão hipócrita do espírito." ADORNO e HORKHEIMER 1985 página14
"O que se poderia chamar de valor de uso na recepção dos bens culturais é substituído pelo valor de troca; ao invés do prazer, o que se busca é assistir e estar informado, o que se quer é conquistar prestígio e não se tornar um conhecedor....Tudo só tem valor na medida em que se pode trocá-lo, não na medida em que é algo em si mesmo." ADORNO e HORKHEIMER 1985 página148
Em tempos de Olimpíada no Rio de Janeiro, o livro traz uma reflexão importante sobre a espetacularização geral das mais diversas ações humanas; esportes, artes, informação, arquitetura e urbanismo. O texto, de certa forma pode ser datado num tempo que parecia justificar as mais diversas exceções contra os procedimentos democráticos, promovidos pelo positivismo, anti-semitismo, nazismo e um forte investimento em superficialidades redutoras. A racionalidade objetiva, um formalismo ortodoxo lógico, o positivismo e as ciências práticas dominam o horizonte humano, determinando um imediatismo. A destruição da individualidade emerge da homogeneização do mercado, que modela as particularidades inatas de todos a uma mesma violência da maioria.
"Aquilo que acontece a todos por obra e graça de poucos realiza-se sempre como a subjulgação dos indivíduos por muitos: a opressão da sociedade tem sempre o caráter da opressão por uma coletividade." ADORNO e HORKHEIMER 1985, página35
Ulisses amarrado ao mastro com os remadores sem ouvir sofre o assédio das sereias e seu canto |
"As medidas tomadas por Ulisses quando seu navio se aproxima das Sereias pressagiam alegoricamente a dialética do esclarecimento." ADORNO e HORKHEIMER 1985 página45
BIBLIOGRAFIA:
ADORNO, Theodor W. e HORKHEIMER, Max - A dialética do Esclarecimento, fragmentos filosóficos - Editora Jorge Zahar Rio de Janeiro 1985
MERQUIOR, José Guilherme - O marxismo ocidental - Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro 1987
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