A arquiteta Claudia Escarlate (IRPH), Josep Maria Montaner, Zaida
Muxi e Pedro Évora (PCRJ)
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O testemunho da arquiteta Zaida Muxi mostrou as dificuldades da atuação nas periferias das cidades espanholas, num território com um claro grau de subalternidade, com relação a cidade de Barcelona, a municipalidade de Santa Colona Gramenet. No contexto de um governo com claro acento feminista, comandado pela prefeita Nuria Parlon, reeleita pelo Partido Socialista da Catalunha (PSC) em 2011, que se cercou de treze secretárias mulheres, num conjunto total de quinze. A proposta envolvia uma clara mudança das proposições dos anos noventa da arquitetura catalã, investindo-se fortemente numa forma de atuar não icônica, não sobre desenhada, enfim mais próxima do cotidiano das pessoas. Um recuo do design excessivo, que fez a fortuna da tradição catalã de fazer cidades, para se buscar uma maior aproximação com o cotidiano mais simples e imediato das necessidades das pessoas. A reflexão de Zaida Muxi nos leva a refletir sobre os vínculos fortemente imbricados entre centralidade, turismo, especulação imobiliária e espetáculo, que seduziram fortemente nosso ofício, durante os anos oitenta e noventa. A luta da arquitetura e do urbanismo, na localidade de Santa Colona Gramenet, de convencimento, se mostra em torno do rechaço ao rodoviarismo imperante na periferia distante, a proposição de espaços híbridos - públicos e ao mesmo tempo privados - , e, um investimento na auto estima da população local. Interessante destacar, que a experiência da jovem prefeita de Santa Colona Granemet também envolve a adoção de uma moeda específica e própria da localidade, denominada Grama. Certamente para amortizar os processos de gentrificação sempre presentes na cidade contemporânea, tão impactada pela hegemonia do capital rentista e especulativo das elites internacionalizadas.
Logo após essas colocações, o arquiteto Josep Maria Montaner apresentou sua experiência como conselheiro eleito a frente da cidade de Barcelona, destacando que o modelo Barcelona de fazer cidades dos anos noventa tinha como referência teórica; Aldo Rossi e Colin Rowe. Mas também o movimento de lutas de vizinhança, e pelo acesso à moradia, que se iniciaram na cidade nos anos setenta, antes da queda de Franco. Na atualidade, o movimento afetados pela hipoteca permanece com forte atuação na cidade devido a dramática situação de Barcelona e da Espanha em geral no setor da habitação. Apesar da situação dramática de algumas famílias espanholas, que além de serem despejadas de suas habitações permanecem com suas dívidas com os bancos, os neoliberais ainda repetem a mesma ladainha de delegar ao setor privado, os empreendimentos imobiliários de cunho social. Uma questão foi destacada por Montaner, que impacta fortemente a habitação e que envolve o imenso afluxo de turistas atraídos por Barcelona, transformando áreas como no entorno da Sagrada Família de Gaudí em uma região de forte oferta de hospedagens pelo site Airbnb. A questão assume uma dimensão impressionante, a partir dos dados quantitativos trazidos por Montaner, simplesmente 10 milhões de turistas visitam a cidade por ano. O dado é impressionante, quando se compara com o fluxo turístico do Brasil inteiro, que fica nos 6 milhões de visitantes por ano, o que nos mostra como nesse setor ainda temos muito que fazer. De toda maneira, Montaner assinalou de forma enfática o caráter predatório do turismo contemporâneo, que acaba gerando uma forte resistência por parte da população local, que parece esquecida frente aos imensos fluxos turísticos. A reflexão maior de Montaner, me parece a proposta de construção de uma alternativa às imensas quantidades de moeda investida na Espanha nos anos noventa, que de uma hora para outra sumiram com a crise de 2008.
Após essas duas apresentações foi aberto ao público para perguntas diferenciadas. Como presidente do IAB-RJ, eu fiz uma colocação a respeito da política pública de produção de habitação de interesse social no Brasil, assinalando que desde o ano de 1963, a rede do IAB no país defende a tese, de que a urbanização de favelas deve ser parte constituinte dessa política, articulando e coordenando a produção de novas unidades. Enfatizei também, que o desenvolvimento brasileiro no século XX foi dos mais dinâmicos do mundo, fazendo o país alcançar a posição de oitavo PIB dentre as economias globais, no entanto esse imenso incremento não significou a melhora das condições de vida de parcela significativa de nossa população, fazendo com que o país ainda apresente a pior distribuição de renda do mundo. Tal fato, representa uma clara comprovação de que o desenvolvimento brasileiro foi para poucos. O nosso desafio contemporâneo é efetivamente produzir desenvolvimento com inclusão social, gerando a sensação de que todos estão incluídos. Nesse sentido, as cidades brasileiras são a demonstração mais palpável dessa condição histórica de um desenvolvimento exclusivo, onde as favelas e periferias são os territórios da exclusão. Por outro lado, percebo no casal de arquitetos catalão um alinhamento político ideológico de esquerda de construção de um mundo mais solidário, mas não ortodoxo e fora de uma zona de conforto. Daí meu questionamento para eles, de que a esquerda no mundo contemporâneo se deixara envolver por um maniqueísmo redutor e simplificador, que contrapôs estatismo e privatismo, e, que essa lógica precisa ser superada pela conceituação de alguns pensadores que defendem a idéia de construção do Comum.
BIBLIOGRAFIA:
MONTANER, Josep Maria - A condição contemporânea da arquitetura - Editora Gustavo Gilli São Paulo 2016
MUXI, Zaida - Mujeres, casas y ciudades - Editora Gustavo Gilli Barcelona 2018
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