Tiago Holzmann (RS) Fabiano de Mello (PB) Pedro da Luz (RJ) e José Armênio (SP) |
O que queremos com esse tema? Como a arquitetura e o urbanismo se inserem na sociedade contemporânea e na brasileira? Como esses ofícios estão inseridos na cultura do nosso tempo? Qual a relevância do plano e do projeto na sociedade contemporânea e brasileira? Para responder a tais perguntas será necessário fazer uma breve revisão histórica sobre o nosso recente passado arquitetônico e urbanístico. Quais projetos foram compartilhados por diversas sensibilidades e que pretenderam enfrentar o problema da moderna cidade industrial, que passou a ser de forma definitiva o cenário da vida da maioria da humanidade nos últimos 150 anos.
Em 2030, seis entre dez pessoas viverão em cidades. Hoje em dia 1 bilhão de pessoas vivem em favelas ou em loteamentos irregulares. Em 2030 serão 2 bilhões de pessoas e em 2050 3 bilhões de pessoas estarão na informalidade. Além desses dados a relação pessoas por domicilio passará nos próximos dez anos no Brasil; de 2,9 habitantes, para apenas 2 habitantes, o que significa que a demanda por habitação aumentará enormemente. A questão da habitação é central desde o advento da moderna cidade industrial, pois aproximadamente 80 % do contínuo construído das cidades se refere a esse uso.
A transformação da cidade industrial, de uma comunidade unitária para um conjunto de comunidades |
Portanto, o desafio colocado para a arquitetura e urbanismo contemporâneos nesse inicio do século XXI, se refere ao problema iniciado pela cidade industrial, que determinou contingentes populacionais cada vez mais expressivos, que se destinam a elas. A história recente da humanidade nos oferece um rico referencial, mostrando como a cultura arquitetônica e urbanpistica procurou dar resposta a esses problemas.
Modernismo:
O modernismo é um fruto da grande cidade industrial, a cidade de Chicago na passagem do século XIX para o século XX assiste um debate entre o Movimento do City Beatiful de Burnham - academicista e eclético - e as tendências organicistas e modernistas de Sullivan e de Wright que se antecipam em vários anos aos debates das vanguardas centro-européias. A Escola de Chicago anuncia a hegemonia americana, que se materializará de forma definitiva no segundo pós-guerra, o debate é entre a produção estratificada no tempo da cidade tradicional (city beautiful), ou a produção massiva e repetida da nova cidade industrial.
Oto Wagner, arquiteto vienense projeta em 1901 o Metrô de Viena, não apenas as estações, mas toda a rede. |
O conjunto Karl Marx Hof de 1930 em Viena, produção habitacional para a demanda explosiva de habitação da moderna cidade industrial |
O conjunto do Pedregulho de 1947 de Afonso Eduardo Reidy no Rio de Janeiro |
Crítica e revisão ao movimento moderno:
A imensa destruição das bombas nucleares em 1945 |
Em 1961 a jornalista Jane Jacobs publica Morte e Vida das Grandes Cidades Americanas |
"As cidades tem a capacidade de prover algo para alguém, somente porque, e apenas quando, são criadas por todos... Não existe melhor expert na cidade do que aqueles que vivem e experimentam seu dia a dia."
As intervenções de Robert Moses em Nova York elegem o rodoviarismo e destroem relações de vizinhança e de comunidades, a hegemonia do automóvel determina um certo isolamento do indivíduo na grande metrópole, reduzindo o espírito de participação na cidadania. Los Angeles emerge como paradigma do bem viver, onde o automóvel se articula com a baixa densidade, surgindo um modelo de baixa interação social e isolamento do ser urbano.
O 1o Congresso Internacional de Arquitetura Moderna de 1928 reúne trinta arquitetos |
Filósofos como Lyotard (1979) e Fukuyama (1992) decretam o fim dos discursos explicadores da modernidade como o marxismo e o iluminismo, que construiam uma ética do agir e do pensar. Emerge uma lógica localista, que se rebela contra o pensamento sistêmico e estruturador do modernismo. Desenvolve-se a consciência de que a utopia modernista era autoritária e congelava as aspirações de realização das futuras gerações.
Em 1980 Ronald Reagan assume a presidência dos EUA, impondo uma forte desregulamentação do capital |
Em 1979 Margareth Thatcher assume como
primeira ministra britânica, em 1980 Ronald Reagan assume a presidência dos
EUA, desenvolvendo-se uma enorme desregulamentação do capital. O wellfare state ou estado de bem estar social desmorona, uma transformação que esvaziou o uso
industrial e fez emergir um contínuo de serviços financeiros e especulativos, que passaram a representar no mundo
anglo saxão, um terço do emprego disponível. Inicia-se uma forte hegemonia do
capital financeiro no mundo. Em 9 de novembro de 1989 cai o muro de Berlim, que dividia a Alemanha em dois, e o mundo da Guerra Fria das duas superpotências apresenta sinais de esgotamento.
Em meados dos anos 1990 o advento da internet e das Tecnologias de Informação e Comunicação lançam para a humanidade a possibilidade de acessar um amplo acervo de informações, que determinam uma imensa dispersão de energias, parecendo inviabilizar a possibilidade de construção de prioridades e consensos. A política se fragmenta numa infinidade de interesses que parecem irreconciliáveis, apontando para a impossibilidade da construção de consensos.
As respostas da crítica, ou a permanência do Projeto Moderno:
Também em meados dos anos 1990 o filósofo Habermas decreta num texto, no qual ironiza a tendência contemporânea de se utilizar do prefixo pós para caracterização do nosso tempo, a distinção entre modernidade e modernismo. O texto de Habermas ao distinguir a modernidade do modernismo, afirma que a pretensão humana de auto determinação do seu futuro, que as revoluções americana e francesa tinham expressado, permanecia inalcançado. Habermas também elabora sua teoria da racionalidade comunicativa, que se contrapõe a racionalidade meramente instrumental, determinando que a razão não deve estar carregada de personalismos, mas construída a partir de consensos. Abre-se uma nova perspectiva utópica, que não mais condena as gerações futuras a uma construção congelada e fixa, mas que celebra o processo de auto-construção e de auto-determinação.
1979 Teatro do Mundo Aldo Rossi |
O crítico italiano de arquitetura Manfredo Tafuri lança em 1968 o livro História e Teorias da Arquitetura, no qual elabora a idéia do arquiteto como ideólogo do habitar, um formulador de conceitos e proposições que propõe o Bem viver e possuem a capacidade de contaminar a sociedade para suas formas de operação e de prática.
Em 1977 o arquiteto Christopher Alexander lança o livro A Patern Language (Uma linguagem de padrões), que se propõe a mapear a gênese da evolução da forma no processo de desenvolvimento do espaço construído, com o claro interesse de impulsionar a participação do usuário na elaboração do seu ambiente. Desenvolve-se nos EUA o advocacy planning ou projeto participativo, no qual o processo de construção do vir a ser de comunidades específicas é celebrado como a verdadeira pulverização da democracia.
Nova York, apesar de um plano homogeneizador de 1811, a cidade gerada é diversa e variada |
Kenneth Frampton lança em 2002 o livro Studies on Tectonic Culture, no qual aponta a saturação do problema do símbolo e da representação no campo da arquitetura, apontando como saída o desenvolvimento da tectônica, as opções construtivas como um vetor de reessencialização para os arquitetos. O compromisso com o construído. As obras de grandes arquitetos são analisadas a partir da escolha de diferenciados modos de construção, que recolocam a complexa relação entre custo e benefício no projeto.
Museu de Arte Romana em Mérida, arquiteto Rafael Moneo |
A partir desse momento apresentei alguns projetos que desenvolvi num escritório denominado Archi 5 arquitetos associados ltda. Um escritório com cinco sócios, que sempre se caracterizou pelo debate intenso entre os sócios e colaboradores na busca da melhor solução para as demandas que recebia. A apresentação dos projetos pretende ser uma reflexão sobre o quadro teórico pré apresentado.
Projeto Concurso Obra do Berço 1982 - A creche de longa permanência das crianças demandava um espaço da diversidade, que possibilitasse as crianças uma vivência variada e rica. O programa é fragmentado numa série de edifícios, que reproduzem a estrutura de uma minicidade, os ambientes habitação, os monumentos, a continuidade e a exceção.
Bidonville Araticum 1983 - Metodologia participativa de urbanização de favelas. A partir da apresentação do diagnóstico se elegem um conjunto de princípios de desenho (partners) que são consensuados e que também norteam a elaboração do desenho. A idéia de que o território do projeto é um espaço do conflito, onde diversos atores e agentes expressam suas expectativas, que são consensuados pelo desenho. O projeto foi escolhido para representar a FAU-UFRJ no Congresso da UIA em 1984 na Polonia.
Residências 1984/90 - O tema da residência particular é um desafio para os escritórios com autoria compartilhada como o Archi 5, onde o debate se processa independente da escala do objeto. A casa reflete uma série de especificidades das familias, que claramente se manifesta entre dois campos: a intimidade e a sociabilidade, os espaços particulares e os espaços de convívio social intenso. A expressão da casa acaba celebrando mais enfaticamente os momentos de reunião, quando a família se reúne, os espaços da sociabilidade.
Hospital de Jacarepaguá 1990/93 - A Unidade de Pacientes Externos do Hospital Geral de Jacarepaguá se baseia numa estrutura racional e clara que pretendia que a edificação pudesse suportar expansões e retrações dos diversos serviços médicos, garantindo flexibilidade e adaptabilidade. As diferentes especialidades médicas tinham como premissa do seu funcionamento o compartilhamento dos espaços de conforto, para evitar a autonomia e independência dos diferentes setores, intensificando o intercâmbio e a troca. O processo construtivo da edificação adotou uma estrutura pré-moldada, de forma a reduzir os transtornos sonoros para o funcionamento geral da unidade hospitalar, que permaneceu operando durante a execução da obra. A legibilidade geral da edificação se baseava num sistema de circulação claro que estratificava corredores médicos e de pacientes e suas esperas, permitindo uma apreensão imediata por parte dos usuários e médicos. A conexão do novo edifício com as estruturas pré-existentes buscava essa mesma legibilidade universal.
Projeto do Anexo da Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro 1994 - Concurso público nacional de projetos de arquitetura organizado pelo IAB-RJ, para construção de dois anexos ao edifício da Prefeitura do Rio de Janeiro, de autoria do arquiteto Marcos Konder. No qual a proposta da Archi5 ficou em terceiro lugar. As duas edificações propostas procuravam estruturar uma melhor relação cidade e edificação, relacionando a plataforma de acesso do antigo prédio com a cidade existente, através de fachadas mais amigáveis. A antiga plataforma de acesso passa a articular as três edificações, conformando uma relação mais rica com os pedestres. As duas edificações propostas assumem um claro papel de coadjuvantes frente a edificação de Marcos Konder, que é celebrada como protagonista.
Projeto Rio Cidade Vila Isabel 1993 - Projeto selecionado a partir de Concurso Público de Metodologias para desenvolvimento de projetos de desenho urbano, organizado pelo IAB-RJ. A idéia do Programa Rio Cidade era privilegiar eixos comerciais existentes na cidade, prestigiando o comércio de rua em detrimento do comércio de shoppings center. O programa tinha pretensão de contaminar positivamente outras localidades, usando a teoria da metástase positiva elaborada por Bohigas em Barcelona. O projeto do Boulevard 28 de Outubro no bairro de Vila Isabel celebrou uma figura emblemática da região o compositor Noel Rosa, que recebeu uma estátua realista no Largo do Maracanã, numa referência a sua música Conversa de Botequim. As calçadas foram tratadas com pedra portuguesa, garantindo ampla acessibilidade, com o motivo das partituras das músicas de Noel, respeitando um desenho que já existia no bairro. A praça Barão de Drumond arremata a proposta de desenho urbano, celebrando o Convento das Carmelitas do século XVIII, como principal elemento do logradouro. A proposta destaca algumas pré-existências notáveis presentes no bairro, celebrando a vida urbana da rua comercial, que possui o papel de centro de bairro.
Projeto Favela Bairro Favela de Parque Royal na Ilha do Governador 1994 - Projeto selecionado a partir de Concurso Público de Metodologias para urbanização de favelas, organizado pelo IAB-RJ. A idéia do Programa Favela Bairro se inicia em quatorze comunidades de porte médio e pretende valorizar as pré existências auto construídas, procurando integrar essas ao seu entorno imediato, pretendendo gerar a integração econômica e social. O programa tinha uma vertente essencialmente localista e tinha a pretensão de trabalhar a auto estima das comunidades, impulsionando sua integração com o conjunto da cidade. A Favela de Parque Royal possui pré existências notáveis. A proposta reforça a frente marítima da Baía de Guanabara, pretendendo construir um logradouro de intenso uso público, que termine com a constante ampliação das palafitas sobre o espelho d´água.
Projeto Centro de Pesquisas do Jardim Botânico 2001 - Projeto para abrigar um dos maiores acervos botânicos do mundo, que teve seu início em 1808, com a fundação do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. A proposta desenvolve as diferentes unidades em edificações independentes, se adequando a disponibilidade de orçamento da instituição, procurando formalizar com um mesmo valor os espaços abertos e os construídos. Há uma continuidade intencional entre espaços edificados e não edificados de forma a configurar locais de convivência e de encontro entre os pesquisadores.
Projeto Penso cidade Ilha do Fundão 2008 - O Centro de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro convoca alguns arquitetos para explicitar projetos para a cidade do Rio de Janeiro, que tenham uma vertente crítica. O escritório Archi 5 escolhe a Ilha do Fundão, onde está a cidade universitária projetada por Jorge Machado Moreira, um desenho emblemático da arquitetura moderna carioca, que apresenta claros problemas de escala e de dimensão. A proposta pretende ao mesmo tempo manter o traçado da implantação moderna, contrastando com essa uma malha a 45º, que preserva o desenho modernista. Nessa malha a 45o se implanta uma cidade densa baseada na quadra tradicional que recebe edificações com 8 andares de altura densificando o uso habitacional na cidade universitária, tirando o caráter exclusivo de cidade universitária. São alocados grandes ramais de transporte público, como metrô e sistema hidroviário, que se utiliza da Baía de Guanabara. No entrocamento de um intermodal de transportes públicos é proposto uma torre, com grande desenvolvimento em altura.
Projeto do Horto e Vale dos Contos em Ouro Preto Minas Gerais 2009 - No coração da cidade de Ouro Preto é proposto um parque, que conecta a rodoviária em São Francisco de Cima a Casa dos Contos e a Igreja do Pilar, abrindo para a cidade um passeio bucólico onde ocorrem uma série de eventos, que enquadram vistas maravilhosas do núcleo barroco. Os elementos se localizam explorando a topografia e visadas da cidade colonial, abrindo uma sequência de acontecimentos que celebram a vida urbana.
Projeto de Melhorias Habitacionais na favela de Santo Amaro Rio de Janeiro 2011 - Proposta de assessoria para promover melhorias nas habitações existentes na Favela de Santo Amaro, melhorando condições de salubridade e conferindo uma aparência de acabado as residências. O projeto pretendia se utilizar da lei de Assistência Técnica, configurando para arquitetos recém formados um periodo de aperfeiçoamento profissional análogo a da residência médica.
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