As cidades são estranhos objetos, existem nelas uma mística construída que lhes confere uma aura toda particular, e num sentido oposto, a presença de um modus operandi, que promove a manutenção da vida cotidiana em toda sua complexidade. Alguma coisa, como a tradição das pré-existências e a sustentabilidade cotidiana da vida privada de uma série de cidadãos. Muito do que se denomina a personalidade ou vitalidade de uma cidade, vem da presença destes dois elementos fundamentais - história e cotidiano. Nesse sentido, Roma a capital italiana é uma das mais singelas experiências da contemporaneidade, porque sobrecarregada da aura da tradição de ancestrais esforços construtivos variados, onde se percebem tempos de decadência e de grande prosperidade, que se sucederam em seu território. E, ao mesmo tempo cheia de vida contemporânea, repleta dos dramas da sobrevivência cotidiana, local onde diferenciados atores e agentes conseguem lograr seus sustentos particulares, mostrando uma face viva e dinâmica. Mais que qualquer outra cidade na história humana, Roma é sobrecarregada de tradição, um local onde a experiência humana se manifesta há mais tres mil anos, numa sequência de diferentes sensibilidades. Mas é também uma cidade viva, onde os dramas contemporâneos estão instalados se utilizando muitas vezes de estruturas, abrigos e fragmentos de tempos passados, que acolhem uma vida cotidiana intensa.
Em 2002 quando estive na cidade pela penúltima vez visitei o Tempietto de Bramante, sem dúvida uma jóia rara da história da arquitetura, suas proporções e medidas são precisas formando um conjunto clássico invejável. Uma obra do renascimento, clássica, que se insere num conjunto românico, um pátio de uma antiga igreja, San Pietro in Montorio, tendo sido construído, segunda a história no local onde o apóstolo Pedro, o fundador e primeiro papa da igreja católica foi martirizado pelo império romano.
Pois bem, sai do Tempietto extasiado, desci a colina em direção ao Tevere, e cai numa praça triangular, a Piazza San Cosimato. Um local cheio de vida, onde havia uma feira de frutas e peixes, loja para consertar lambretas, barbeiros, cabelereiros, açougue, padaria, bares, restaurantes e moradia de romanos comuns. A escala e as dimensões da praça também eram invejáveis, cercada por edifícios que chegavam no máximo a seis andares, que estavam ocupados por apartamentos onde a vida cotidiana transbordava.
Sem dúvida uma lição da velha cidade de Roma, que apesar da história e dos monumentos permanece viva e cheia da presença da luta diária pela sustentabilidade humana.
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