sábado, 22 de novembro de 2025

A teoria da alienação, arte, arquitetura e previsibilidade

O filme A guerra do fogo de Arnaud, o debate
sobre conquistas tecnológicas de domínio do
fogo, e sua propriedade coletiva

O presente texto é uma tentativa ainda embrionária e fragmentada de capturar os problemas determinados por uma forma de operar alienada e reificada, presente em nossa sociedade contemporânea, que determinam uma prática onde a humanização do construir, projetar e planejar foram colocados de lado. A condição, em que vivemos é determinada pelo dinheiro, que mascara o real valor das coisas, determinando uma imensa manipulação de nossas escolhas do "Bem Viver". A cidade foi alienada de seus cidadãos, que já não decidem mais como ela deve vir-a-ser, toda sua espacialidade ganha uma aparência, onde a sua forma vivenciada simplesmente aconteceu, como fruto do acaso.

Uma das categorias centrais do pensamento de Marx é sua teoria da alienação, uma investigação sobre a capacidade das nossas consciências de alcançar a verdade do real, ou a capacidade de nossa linguagem, ou discurso de abarcar a realidade de uma forma convincente e persuasiva, para a nossa espécie humana, no tempo da hegemonia do capitalismo. Dentre os esforços humanos para entender o mundo estão em posição de destaque, a ciência, a arte e a arquitetura, que trazem além da compreensão, a fundação não só do que existe, mas também do vir-a-ser, daquilo que é uma aspiração do ser. O conceito fulcral em Marx é o trabalho, ou a simples e banal atividade humana, que desde os primórdios da nossa espécie, modifica a natureza mas também a individualidade do homem, conferindo e garantindo sua reprodução. Para Marx, o homem renasce a cada trabalho que realiza, desde os mais antigos tempos, a objetivação das coisas lhe garante auto confiança e auto conhecimento na modificação ativa da natureza e de seus companheiros. A premissa básica é a socialidade, o reconhecimento operacional de suas conquistas, que lhe garantem um afastamento do mundo natural, a partir de uma teleologia do fazer, que envolve o imaginar e o projetar. Pois antes de fazer imaginamos, a antecipação de suas ações, que passam a ser programadas, pensadas e interessadas em criar um mundo mais confortável e acolhedor para si próprio e sua espécie. Quando realizamos um trabalho, de qualquer natureza, emergimos dele como um outro ser, mudamos a natureza e mudamos a nós próprios, cada utilidade buscada implica objetos funcionais, mas também bem proporcionados e belos. Para um materialista como Marx, a arte emerge da necessidade; uma lança, um martelo, um prato ou uma vasilha podem ser também bem proporcionados, decorados e enfeitados. Mas o trabalho não é um idílio de isolamento, muitas vezes ele será executado e elaborado no seio da comunidade, que vigia, se engaja, aplaude e contesta aperfeiçoando não apenas para o necessário, mas para o simbolismo de sua conquista. Logo, compreendemos, que se engajarmos nossa comunidade, se a convencermos das suas virtudes, alcançaremos nossos objetivos de forma mais efetiva, emerge a divisão social do trabalho, na qual tarefas são distribuídas, acordadas, delimitadas, reconhecidas ou rejeitadas, pelas capacidades diferenciadas dos seres humanos. Emerge aqui no gênero humano, as atitudes altruístas e egoístas, que tendem de um lado a considerar o fruto do trabalho como esforço coletivo e compartilhado, e por outro lado, a considerar as coisas como propriedade privada de seus executantes. 

"A atividade e a fruição, assim como seu conteúdo, são também os modos de existência segundo a atividade social e a fruição social. A essência humana da natureza está, em primeiro lugar, para o homem social; pois é primeiro aqui que ela existe para ele na condição de elo com o homem, na condição de existência sua para o outro e o outro para ele; é primeiro aqui que ela existe como fundamento da sua própria existência humana, assim como também na condição de elemento vital da efetividade humana. É primeiro aqui que sua existência natural se lhe tornou a sua existência humana e a natureza [se tornou] para ele o homem. Portanto, a sociedade é a unidade essencial completada do homem com a natureza, a verdadeira ressurreição da natureza, o naturalismo realizado do homem e o humanismo da natureza levado a efeito." MARX, 2010 p. 106 E 107

Marx, já em seu trabalho sobre a Questão Judaica indicava a conexão entre a ampliação de uma "vendabilidade universal" no sistema capitalista e a ética religiosa dos judeus e do cristianismo, como comportamento convergente na sociabilidade moderna, indicadores da alienação. Esse ensaio de Marx, redigido em 1843 e publicado em 1844 no único número dos Anais Franco-Alemães, em plena Paris, marca segundo (CLEMESHA, 2025, Pág.36), a transformação dos cristãos em judeus, "na medida em que expulsaram os comerciantes e usurários judeus para exercerem eles próprios não apenas o comércio mas a produção para a troca,..." Há uma menção a universalização do fundamento secular do judaísmo, entendido como prática de um povo-classe que foi impedido pela opressão cristã de possuir terra, praticando portanto a usura e o comércio, como formas de sobrevivência na economia pré-capitalista. A mesma autora aponta a superficialidade e fragmentação de algumas leituras desse ensaio, sobre o qual foram apontados, as origens anti-semitas da Alemanha de forma equivocada. Importante assinalar, que Marx e sua família tinham origem judaica, e também, foram vítimas desse anti-semitismo, ainda na velha Prússia, pois o pai, Heinrich Marx foi obrigado a se converter ao cristianismo, para poder assumir um cargo público na burocracia estatal.

"Assim, a alienação humana foi realizada por meio da transformação de todas as coisas em objetos alienáveis, vendáveis, em servos da necessidade e do tráfico egoístas. A venda é a prática da alienação. Assim como o homem, enquanto estiver mergulhado na religião, só pode objetivar sua essência em um ser alheio e fantástico; assim também, sob o influxo da necessidade egoísta, ele só pode afirmar-se a si mesmo e produzir objetos na prática subordinando seus e sua própria atividade à dominação de uma entidade alheia, atribuindo-lhes a produtos significação de uma entidade alheia, ou seja, o dinheiro... A venda é a prática da alienação" MARX, 2010 (1), pág.39

Marx não valora o egoísmo e o altruísmo, ou a concorrência e a colaboração coletiva, apenas aponta que a essência da natureza humana é a socialidade, e reconhece que as atividades podem ser organizadas a partir da institucionalização do egoísmo e da concorrência - o capitalismo - , que induz a negação da socialidade. E portanto, carrega a condição da alienação, da reificação, do trabalho abstrato apartado do humano, da desconsideração da capacidade criativa do homem no trabalho, que irá determinar a cisão ontológica entre humano e trabalho, entre projeto e realização, entre consciência e a mera objetivação mecânica. Não é apenas a atividade, mas também a fruição e o seu conteúdo, que são capturados e afastados do humano pela propriedade privada dos meios de produção, impondo a obrigação do trabalho totalmente distinta do trabalho como auto constituinte da humanidade. A efetividade da atividade humana supõe em si a auto constituição da espécie, enquanto um processo de libertação da natureza e dos outros, humanismo da natureza e naturalismo humanizado. A propriedade privada não é um atributo natural, mas apenas a institucionalização funcional dos meios de produção em benefício de uma minoria, e não do conjunto da espécie. Imagine-se a atividade humana de produzir fogo, tal qual alcançada por nossos antepassados em tempos pré-históricos, esse conhecimento não foi encarado como propriedade privada do seu inventor, mas como patrimônio científico-artístico da espécie.  Compartilhado e repetido de forma infinita pelo humano, ele se constituiu como um ganho de qualidade de vida, o domínio do fogo, representa a possibilidade de inauguração do humano na sua espécie, assim como, o arado, a roda, a domesticação, o celular, etc... O cercamento dessas conquistas é obra de uma sistema social, o capitalismo, que celebra o egoísmo e nega o esforço da espécie humana no alcance dessas comodidades, privatizando essas descobertas por uma minoria. Nos atributos humanos há um reforço exclusivo da dimensão imediatamente natural, que dentro da natureza possui características específicas.

"Como ser natural, e como ser natural vivo, está, por um lado, munido de forças naturais, de forças vitais, é um ser natural ativo; estas forças existem nele como possibilidades e capacidades, como pulsões; por outro, enquanto ser natural, corpóreo, sensível, objetivo, ele é um ser que sofre, dependente e limitado, assim como o animal e a planta, isto é, os objetos de suas pulsões existem fora dele. Mas esses objetos, são objetos de seu carecimento, objetos essenciais, indispensáveis para a atuação e confirmação de suas forças essenciais. Que o homem é um ser corpóreo, dotado de forças naturais, vivo, efetivo, objetivo, sensível significa que ele tem objetos efetivos, sensíveis como objeto de seu ser, de sua manifestação de vida, ou que ele pode somente manifestar sua vida em objetos sensíveis efetivos." MARX, 2010, P.127

Conjunto de tomadas do Filme Aquarius, de Kleber Mendonça, que assinalam o contraste entre a tipologia das torres e a implantação linear de baixa altura do Edifício Aquarius no bairro de Boa Viagem em Recife, na qual são mostradas a mútua vigília entre a esfera pública e privada.

A autoconsciência humana, essa capacidade de se antecipar, de projetar e planejar suas atividades estão necessariamente inseridas num contexto social e carregam uma característica essencial a sua satisfação, que também depende da sua compreensão ontológica, como ser social. Nossas atividades não satisfazem apenas o nosso ser, mas estão em consonância e a espera da chancela da nossa espécie; a realização humana não pode ser concebida em abstração da natureza ou em oposição a ela. Pode-se mencionar como exemplo o "Bem Viver", um conceito caro ao urbanismo e à arquitetura, e que é claramente socialmente compartilhado e construído. Em nossa condição contemporânea, numa sociedade perpassada pela mercantilização da vida, o "Bem Viver" se transformou numa mercadoria manipulado por agentes imobiliários, ou pela auto-construção nas cidades brasileiras, Favelas. A manipulação dos padrões de "Bem Viver" seja pelo mercado imobiliário, seja determinado pela necessidade de morar nas favelas, seja submetidos pelo urbanismo miliciano ou do tráfico de drogas. Há um padrão, que se destaca nas cidades brasileiras, que são as "gated commmunities" dos afluentes grupos sociais médios,  e a Torre Habitacional com grande desenvolvimento em altura, que tomaram conta primeiramente dos subúrbios de grandes cidades dos EUA, e na sequência conquistaram o mundo. Como descrito num texto meu, apresentado no Arquimemória6, em Salvador BA, que tinha como título; O filme Aquarius, e a produção e reprodução da cidade no Brasil; a questão do habitar e seus padrões impostos pelo mercado imobiliário. No qual, assinalava a imposição da torre habitacional, como interesse exclusivo do capital imobiliário, em franca dissonância com as aspirações de sociabilidade da cidade brasileira, inclusive potencializando sua violência. Como o velho GRAMSCI 1999 já assinalou; "a ideologia hegemônica é sempre a ideologia da classe dominante" em nosso cotidiano, ou na esfera do "Bem Viver". 

O incrível desenvolvimento capitalista, a partir da década de 70 com o neo liberalismo de Frederich Hayeck (1899-1992) e seu culto a desregulamentação, determinou uma exacerbada celebração do individualismo, no nosso dia a dia. Como defendem DARDOT E LAVAL 2016,  o neo liberalismo é um sistema normativo e ético, que estendeu a lógica do capital a todas as esferas da vida cotidiana, celebrando o individualismo e desdenhando da socialidade da espécie humana. E, elegeu como expressão desse individualismo exacerbado no território da cidade; a torre habitacional de grande desenvolvimento em altura e as "gated communities" ou os condomínios fechados. Essa situação, ou condição de estar no espaço da cidade neoliberal potencializa a violência urbana, pois afasta de forma clara a vida particular e íntima da família ou do privado, da esfera da vida comunitária e social, como dois mundo irreconciliáveis. Alguns filósofos modernos e a academia novidadeira, cooptados pelo neoliberalismo, continuam a insistir e absolutizar os "direitos naturais do indivíduo" majoritariamente, conceito que seria incompreensível para Aristóteles, há 26 séculos atrás, quando escreveu: 

"Quando várias aldeias são unidas numa única comunidade completa, grande o bastante para ser quase auto-suficiente, o Estado passa a existir, originando-se nas simples necessidades da vida, e continuando devido à necessidade de uma vida boa. Portanto, se as formas prımıtıvas de sociedade são naturais, também o é o Estado, pois é o fim delas, e a natureza de uma coisa é o seu fim. O que cada coisa é, quando plenamente desenvolvida, é que chamamos sua natureza, quer estejamos falando de um homem, de um cavalo ou de uma família. Além disso, o resultado final de uma coisa expressa melhor dela; e ser auto-suficiente é o melhor dos resultados. Por isso, é evidente que o Estado é uma criação da natureza, e que o homem é por natureza um animal político. [..] A prova de que o Estado é uma criação da natureza, anterior ao individuo, está em que o indivíduo, quando isolado, não é auto-suficiente; portanto, ele é como uma parte em relação ao todo. Aquele que é incapaz de viver na sociedade, que não tem necessidade disso, porque suficiente para si mesmo, deve ser uma besta ou um deus; ele não é parte do Estado. Um instinto social é colocado em todos os homens pela natureza." ARISTÓTELES Ética livro I, capítulo2, apud MÉSZÁROS, 2006 pág.233 

Vejam, que como resultado da evolução capitalista particular dos últimos cinquenta anos do neoliberalismo, a noção de um instinto social "colocado em todos os homens pela natureza" desaparece completamente, emergindo "uma besta ou um deus", que prescinde da sociedade. As liberdades individuais parecem pertencer ao reino da natureza e os laços sociais, ao contrário, parecem ser artificiais impostos. por assım dizer de fora ao indivíduo auto suficiente. Essa condição, claramente imposta possui claros interesses, e aliena o sentido da humanidade, como coletividade impondo uma absolutização do indivíduo isolado. Afinal, o celular, que se usa para a comunicação entre humanos é obra conjunta da humanidade, sua concepção não pertence a nenhum indivíduo isolado, mas a alienação que a propriedade privada nos leva nos faz acreditar na possibilidade de cercamento desse saber. Tal situação, indica-nos que é impossível uma relação harmoniosa entre indivíduo e comunidade, impondo-nos um isolamento solitário. Essa ruptura nos leva a um estado de inconsciência, de alienação com relação às conquistas da humanidade, nos levando a crer que o "Bem Viver" está nas paredes finas de gesso dos novos apartamentos construídos recentemente, que possuem um "valor em dinheiro" maior do que os apartamentos mais bem construídos de antes. As paredes finas de gesso acartonado consideradas como uma modernização dos processos construtivos degradam o isolamento térmico e acústico, e a própria condição de resistência às intempéries naturais pela construção, em função da subordinação imediata do "Valor de Troca", uma simples valoração em dinheiro, não um valor de fato, ligado ao real "Bem Viver".

O problema para esse beco sem saída em que nos metemos talvez não esteja tanto na teoria, mas na práxis, quando por exemplo tratamos da questão de uma atitude contextualista e crítica no ato do construir humano. Marx sempre defendeu, que a superação da alienação teórica na qual estamos envolvida deveria emergir de novas práticas, que retomassem o fazer humanizado, afastando-se da condição de separação entre sujeito e objeto, determinado pela vendalidade das coisas. Para mim, o ato mesmo de se arriscar num projeto, num desenho carrega em si uma promessa de reunião amistosa entre teoria e práxis, afinal não existe projeto que não seja teórico e por outro lado, não existe teoria que não seja teleológica - antecipadora de futuro. Assim, há uma recorrente menção, a violência do ato de construir, por exemplo em Ignasi Solá Morales e em Marina Weissman, ao qual, adiciono o ato de projetar, que antecipa-se ao construir. Na verdade, em nosso mundo contemporâneo com o declínio da previsibilidade, e portanto do plano e do projeto, a reflexão teórica se aliena da práxis, passando a ser um refúgio confortável idealista, onde a materialidade efetiva dos mundos da vida encontra-se soterrada. No trecho, a seguir Samira Santos na sua tese de doutorado intitulada; A contextualização na arquitetura contemporânea, como poética da relação", que foi orientada por mim, e que coloca a questão da continuidade da atitude contextualista no fenômeno construtivo;

"De todo modo, para além de qualquer limitação e sobreposição conceitual, o que parece posto é a necessidade de uma continuidade no desenvolvimento e renovação do debate. E é neste sentido que, por fim, destacamos uma emergência da teoria, em sua trama, que é a tomada da violência como dimensão central da arquitetura, apontada por Solà-Morales (1994a). Esta é aqui destacada porque parece abrir uma desestabilização de uma recorrente leitura da atitude contextualista como uma inserção natural no fluir da história, como trazido em Waisman (1981b). Assim também é lido por Waisman (1972) ao valorizar a intervenção arquitetônica por não ser vista como “um monumento agregado artificialmente ao conjunto” [...]  "Ou ainda, de outro modo, à leitura das empreitadas mais conservadoras do contextualismo. A perturbação se dá à medida que secundariza a contextualização com relação à autonomia da violência que, assim pensada, é intrínseca ao ato de edificar. Isto coloca a contextualização como qualificação de um ato inescapavelmente violento; ficando fora de suas possibilidades o impedimento da violência ainda que lhe restando a decisão de qualificar com mais ou menos violência." SANTOS, 2025. pág.157 

No meu comentário assinalei, que me parece que o termo ou conceito de continuidade merecia estar contraposto ao de descontinuidade, ou melhor, pensarmos numa continuidade na descontinuidade , assim como numa descontinuidade na continuidade , como uma interação dialética não dualista, que mira num ato inescapável de violência, maior ou menor. Isto é, como que anunciando que a superação absoluta da violência inerente ao ato de construir, projetar ou planejar deve ser entendido não só como mera reprodução do mundo existente, mas como sonho ou aspiração de sua mudança. Portanto, fazendo uma analogia entre o ato de projetar, planejar e construir, inevitavelmente violento, e o próprio sonho utópico de um outro mundo, que afinal aspira a descontinuidades, dentro de continuidades. Nesse mesmo comentário, citei um trecho de um livro, sobre a problemática da alienação, termo ou conceito incontornável do nosso tempo de Istvan Métzáros; 

"Desnecessário dizer que uma transformação radical dessas proporções não pode ocorrer da noite para o dia. A "expropriação dos expropriadores" não é mais do que o primeiro ato de um processo longo e imensamente complexo de transformação, caracterizado pela dialética da "continuidade na descontinuidade" e da "descontinuidade na continuidade". Admitindo ser inconcebível superar a alienação numa forma que possa ser considerada como absoluta e definitiva, capaz de erradicar todos os possíveis perigos e potenciais de reificação, a concepção de Marx é perfeitamente compatível com a Aufhebung(superação) entendida como uma sucessão de conquistas sociais, das quais a seguinte é menos (na verdade, qualitativamente menos) impregnada de alienação do que a precedente. O que importa não é apenas o volume e as proporções daquilo que combatemos - como os criminologistas sabem muito bem - mas também a tendência geral de desenvolvimento do fenômeno em questão. O capitalismo não se caracteriza simplesmente pela alienação e reificação, mas também pela maximização da tendência  à alienação, a tal ponto que é a existência mesma da humanidade que está agora em jogo." METZÁROS 2006, página 228 

Enfim, é chegado o momento de reconhecer, que na verdade o mundo em que estamos vivendo assiste a um retrocesso alienante constante, cada vez mais intenso, sem que ninguém mais tenha coragem de formalizar continuidades descontínuas ou vice versa. A reificação de todas as pessoas e, portanto, a aceitação da falsa impressão de que é "livremente escolhida" de um lugar, que nega a antiga ordem escravista da velha forma de socialidade brasileira, politicamente estabelecida e regulada determinam um nova servidão. Uma servidão, que pôde avançar com base numa 'sociedade civil formal e caracterizada pelo domínio do dinheiro, que abriu as comportas para uma universal "servidão à necessidade egoísta". A alienação caracteriza-se, portanto, pela extensão universal da "vendabilidade", isto é a transformação de tudo em mercadoria; pela conversão dos seres humanos em "coisas", para que eles possam aparecer como mercadorias no mercado, em outras palavras; a reificação das relações humanas, obtidas pela fragmentação do corpo social em indivíduos isolados. Nesse contexto, a cidade passa a ser algo que acontece, sem intencionalidade, alienada das vontades, uma naturalização das perversões do habitar, do deslocar e do interagir.

BIBLIOGRAFIA: 

CLEMESHA, Arlene, Marxismo e Judaísmo, São Paulo Boitempo 2025

DARDOT, Pierre e LAVAL, Christian, A nova razão do mundo; ensaio sobre a sociedade neoliberal, São Paulo, Boitempo, 2016

MARX, Karl, Manuscritos econômico-filosóficos, São Paulo, Boitempo 2010

MARX, Karl, Sobre a questão judaica, São Paulo, Boitempo, 2010 (1)

MÉSZÁROS, Istvan, A Teoria da alienação em Marx, São Paulo, Boitempo, 2006 

SANTOS, Samira, A contextualização na arquitetura contemporânea, como poética da relação, Tese de doutorado defendida no âmbito do PPGAU-UFF 2025

SOLÁ-MORALES RUBIÓ, Ignasi, "Terrain Vague"; in any place, Cambridge MA, MIT Press, 1995

WAISMAN, Marina. O interior da história: historiografia arquitetônica para uso de latino-americanos. São Paulo: Perspectiva, 2013